Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
424/13.3IDBRG.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
PRINCÍPIO NEMO TENETUR
PROVA INDIRETA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA DA PENA
PRISÃO EFECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Das agravantes do crime de fraude fiscal qualificada, constantes do art.º 104º/1, a), d), e) e n.º 2), R.G.I.T.
2 - A prova obtida pela Autoridade Tributária em sede de ação inspetiva é transmissível para o Processo Penal correspondente, não obstante o princípio "nemo tenetur" ou do direito à não autoincriminação.
3 - Não é tolerável uma extensão indevida do processo inspetivo, mas sem indícios seguros da prática das infrações penais também não devem os sujeitos passivos tributários serem constituídos arguidos, com a necessária sujeição a T.I.R.
4 - A prova indireta quando se impõe, tem igual credibilidade à da prova direta.
5) Há especiais necessidades de prevenção geral na punição do crime de fraude fiscal, que faz parte do denominado "white collar crime" e onde são grandes, as "cifras negras".
6) A atenuação especial devida pelo pagamento da prestação tributária em dívida e legais acréscimos é de aplicação obrigatória e automática, pelo Tribunal.
7) Isto não sucede porém quando o pagamento é feito por terceiro.
8) Existindo vastos antecedentes criminais por parte do arguido, com condenações por este e outros tipos de crime, a pena de prisão a aplicar tem de ser efetiva.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por sentença nestes autos proferida em 12 de Janeiro de 2 022 foi proferida decisão condenatória dos arguidos, nos seguintes termos:

- arguidos AA e BBcondenados pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts.º 103º/1, a) e c) e 104º/1, a), d) e e) e n.º 2), a), R.G.I.T. (L. n.º 15/01, 5/6), na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão cada, sob condição de, nesse prazo, pagarem à “Associação ...”, a quantia de 2 000€ (dois mil euros);
- arguida “C... Construções, Lda.”, atualmente “L..., Lda.” – condenada pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts.º 7º, 103º/1, a) e c) e 104º/1, a), d) e e) e n.º 2, a), da mesma Lei, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de 20€ (vinte euros);
- arguido CC – condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts.º 103º/1, a) e c) e 104º/1, a), d) e e) e n.º 2), a), do R.G.I.T., na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpuseram recurso todos os arguidos, peça que sintetizaram nas seguintes conclusões e pedidos:
- recurso da “C... Construções”, AA e BB:
1. Tribunal recorrido, por sentença proferida no dia 12 de janeiro de 2022, decidiu condenar os arguidos C... Construções, Lda., AA e BB, nos seguintes termos:
“1.º Condenar AA e BB pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º n.º 1 a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) da Lei n.º 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infrações Tributárias), nas penas parcelares de um ano e dez meses de prisão, suspensa da sua execução, pelo prazo de um ano e dez meses, sob condição de, nesse prazo, os arguidos pagarem à Associação dos Amigos dos Animais e Ambiente de ... a quantia individual de € 2 000,00 (dois mil euros);
2.º Condenar C... Construções, Lda., atualmente L..., Lda., pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 7.º, 103.º n.º 1 a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) da Lei n.º 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infrações Tributárias), na pena de quinhentos dias de multa à taxa diária de vinte euros;
2. O Ministério Público descreveu aquele “pedaço de vida” dos Arguidos, que recortou na acusação pública, como tratando-se de um acordo simulatório celebrado entre os Arguidos, com a emissão de faturas que alegadamente não correspondem a serviços e produtos prestados, com o intuito de reduzir o lucro tributável da sociedade Arguida C... Construções, Lda., em prejuízo do património do Estado Português, qualificando os factos descritos na acusação nos seguintes termos: “Em autoria material, na forma consumada, praticou cada um dos arguidos um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 3, 103.º, 1, als. a) e c) e 104.º, n.º 1, als. a), d) e e) e n.º 2, al. a) do Regime Geral das Infrações Tributárias.”
3. O Tribunal não se pronunciou sobre uma questão que deveria ter apreciado, nomeadamente quanto à errada qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, isto porque, no referido “pedaço de vida”, em que o Ministério Público recortou na acusação, não foi articulado um único facto suscetível de preencher as previsões legais das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, e, além disso, a factualidade descrita na acusação apresenta-se como uma aparente coautoria na atuação dos Arguidos.
4. As evidências que resultam do confronto entre os factos descritos na acusação pública, quanto à alegada forma de consumação do crime pelos Arguidos, quando contrapostas com o enquadramento legal efetuado na acusação são de tal ordem notórias que facilmente se constata que a acusação pública não imputa aos Arguidos um único facto suscetível de preencher as previsões legais das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, e que “o pedaço de vida” dos Arguidos, tal como vem descrito na acusação pública, é incompatível com a forma de consumação do crime pela qual vem acusados.
5. No decurso da produção de prova o Tribunal deveria ter apreciado e tomado conhecimento da alteração dos factos constantes da acusação, porquanto os factos descritos na mesma são incompatíveis, nos termos supra alegados, com a solução jurídica constante da acusação pública.
6. Mas caso se entenda que o supra alegado não consubstancia a nulidade invocada, sempre a factualidade supra exposta se enquadraria numa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que no referido “pedaço de vida”, em que o Ministério Público recortou na acusação, não foi articulado um único facto suscetível de preencher as previsões legais das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, pelas quais os Recorrentes foram condenados, cuja questão é do conhecimento oficioso deste Tribunal – cfr. Artigo 410.º n.º 1 e 2.º, al a) do Código de Processo Penal.
7. Pelo exposto, o Tribunal recorrido ao ter proferido sentença, condenando os Arguidos pelas disposições legais citadas e não tendo tomado conhecimento de uma questão que lhe incumbia conhecer, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto no n.º 4 do artigo 339.º, artigos 358.º, 359.º, 368.º, 369.º, todos do CPP, violando frontalmente esses citados preceitos legais, devendo este Tribunal da Relação de Guimarães declarar a sentença recorrida nula nos termos do disposto na al. c), n.º 1, do artigo 379.º do CPP.
MERAMENTE À CAUTELA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
8. Na acusação do Ministério Público foram indicados os seguintes meios de prova as testemunhas “DD, Inspector Tributário, id. a fls. 248; ..., id. a fls. 176; EE, id. a fls. 179; FF, id. A fls. 105”, e a prova documental “constante dos autos, e nomeadamente de fls. 2, 4- 15, 72-144, 229-248, e 271-291.”.
9. Sucede que, parte da prova constante dos autos, nomeadamente os extratos da conta bancária da Recorrente C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), os autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), os seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos), o relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), o parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos),sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos), a Inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), é nula nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, do RGIT, artigo 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), do CPP e artigo 18.º, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
10. Os presentes autos iniciaram-se formalmente com a comunicação efetuada pelos Serviços de Investigação Criminal da Divisão de Finanças de ..., no dia 03/12/2013, ao Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca ... (folhas 2 dos autos), sendo que o auto de notícia, propriamente dito, foi levantado pelo senhor inspetor DD, no dia 29/10/2013 (folhas 72 e 72 verso dos autos) o qual se fez acompanhar do relatório de ação inspetiva, datado de 29/10/2013, realizado sobre a Recorrente C... Construções (folhas 73 dos autos).
11. Resulta dos documentos juntos aos autos que a ação inspetiva efetuada à Recorrente C... Construções, referente ao exercício de 2009, na qual foram recolhidas as provas que os Recorrentes entendem ser nulas, foi efetuada porque, na sequência de uma ação inspetiva prévia realizada à sociedade comercial P..., referente ao exercício de 2009, dirigida pela Divisão de Inspeção Tributária III, da Direção de Finanças ..., já se haviam recolhido indícios, quer da sociedade comercial P..., quer da Recorrente C... Construções, de que as faturas emitidas em nome da P... no exercício de 2009, nomeadamente as emitidas pela Recorrente C... Construções, não se tratariam de reais prestações de serviços mas de operações simuladas (folhas 72, 73, 74 verso, 75 verso, 76, 76 verso, 77) e depoimento da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 01:01 até 03:36).
12. Assim sendo, aquando da ação inspetiva efetuada à sociedade comercial P..., referente ao exercício de 2009, cujo relatório foi junto aos autos no decurso da audiência de discussão e julgamento (cfr. relatório junto dia 29/10/2021, com a referência citius n.º ...43 – folhas 860 e seguintes dos autos), a Autoridade Tributária já tinha inequivocamente concluído a existência de “indícios seguros” de que a Recorrente C... Construções podia ter incorrido num crime de fraude fiscal, praticado em coautoria com aquela sociedade comercial, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, doravante RGIT (veja-se o teor do relatório da ação inspetiva efetuada à sociedade comercial P..., referente ao exercício de 2009, nomeadamente nas conclusões da página 8 e nas infrações verificadas constantes da página 11). Sendo de salientar que o relatório que resultou da ação inspetiva à sociedade comercial P..., relativo ao exercício de 2009 é datado de 02/07/2012.
13. Ainda que se admita que a Autoridade Tributária tenha atuado inanimada de qualquer dolo, a sua atuação subverteu as regras processuais, bem como causou uma grave compressão dos direitos dos arguidos que se encontram constitucionalmente consagrados e processualmente concretizados, o que efetivamente não se pode aceitar.
14. Durante a realização da ação inspetiva à Recorrente C... Construções a Autoridade Tributária notificou, por várias vezes, a Recorrente para proceder à junção de elementos documentais, ao abrigo do princípio do princípio da cooperação e sob a “ameaça” de instauração de procedimento contraordenacional (artigos 59.º e 63.º da LGT, 123.º, n.º 4 do CIRC, 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 38.º do RCPIT e 117.º do RGIT), tudo conforme se pode constatar a folhas 76 verso, 77, 77 verso e 88 dos autos, onde, fruto desta colaboração inconsciente, sem o consentimento livre e de modo forçado, os Recorrentes C... Construções e AA entregaram à Autoridade Tributária extratos da conta bancária da Recorrente C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos).
15. Os referidos documentos não só instruíram o auto de notícia, como instruíram a acusação pública e constituíram ponto nevrálgico na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto da sentença recorrida. Até porque, o senhor inspetor DD foi a testemunha nos presentes autos, tendo o seu depoimento versado sobre os elementos de prova nulos que recolheu e que instruíram e fundamentaram o seu relatório de ação inspetiva, datado de 29/10/2013, realizado sobre a Recorrente C... Construções com referência ao exercício de 2009, pelo que se concluí, sem margem para dúvidas, que existe uma interligação entre o processo inspetivo conduzido pela Autoridade Tributária e o processo criminal que conduziu à acusação pública deduzida nos presentes autos.
16. Conclui-se que a atuação da Autoridade Tributária, reitere-se, ainda que inanimada de qualquer dolo, resultou numa grave violação do princípio da legalidade, igualdade, proporcionalidade e boa fé a que está subordinada nos termos da lei e da Constituição da República Portuguesa (n.º 2 do artigo 266.º da CRP).
17. Quando a Autoridade Tributária iniciou uma ação inspetiva à Recorrente C... Construções já não possuía o intuito de prosseguir outra finalidade que não fosse a condução de uma verdadeira fase de inquérito mas despida da sua tramitação legal.
18. Nos termos do artigo 61.º do Código de Processo Penal e do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa decorre que o arguido tem o direito ao silêncio e a não contribuir para a sua autoincriminação.
19. Quanto à admissibilidade da prova em processo penal, o artigo 125.º, do Código de Processo Penal, refere que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”, sendo que, são métodos proibidos de prova, nos termos do artigo 126.º do Código de Processo Penal, “as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.” considerando-se “ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;”
20. A nulidade torna inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar – cfr. n.º 1 do artigo 122.º do CPP –, nesta sequência, o relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), o parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos), a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e a inquirição de FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), são também elementos de prova nula por estarmos perante prova que se encontra num nexo de dependência cronológica e necessariamente ligada à prova  nula que foi obtida, nomeadamente os extratos da conta bancária da Recorrente C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos) e os seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos).
21. Neste sentido, vide, ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, processo n.º 594/11.5TAPDL.L1-5, datado de 17 de abril de 2012, disponível em www.dgsi.pt, que embora referindo-se a processo de contraordenação, a jurisprudência nele aposta é in integrum aplicável ao caso concreto; E embora referindo-se a factualidade distinta, mas em sentido que tem aplicação ao caso concreto, pronunciou-se recentemente o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, no Acórdão n.º 298/2019, Processo n.º 1043/17, de 15 de maio de 2019, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt, quando se decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo;”; e o TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM nos casos Funke v. França (Acórdão de 25 de Fevereiro de 1993), J.B. v. Suíça (Acórdão de 3 de Maio de 2001), Shannon v. Reino Unido (Acórdão de 4 de Outubro de 2005), Saunders v. Reino Unido (Acórdão de 17 de Dezembro de 1996), na mesma linha, se decidiu que violava o mesmo artigo 6.º da Convenção, a utilização em processo penal de prova recolhida em investigação não judicial, mediante a colaboração do arguido, obtida sob coerção da aplicação de sanções, quando sobre ele já recaíam suspeitas da prática do crime pelo qual viria a ser acusado.
22. Também se conclui que sempre seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, proporcionalidade e boa fé a que os órgãos e agentes administrativos se encontram vinculados na sua atuação, o princípio da legalidade de atuação dos  rgãos e agentes administrativos e do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, a interpretação normativa dos artigos 35.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2, da CRP e artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do CPP, segundo a qual a prova recolhida ao abrigo do dever de colaboração previsto no artigo 9.º, n.º 1, do RCPIT e do artigo 59.º, n.º 4 da LGT, por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, quando sobre ele já recaíam suspeitas da prática do crime pelo qual veio a ser acusado e sem o prévio conhecimento ou decisão de autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no processo criminal, inconstitucionalidade que expressamente invocam para os devidos efeitos legais.
23. Pelo exposto, o Tribunal recorrido ao ter proferido sentença na qual valorou o extratos da conta bancária da Recorrente C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos), relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos) e a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, do RGIT, artigo 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), do CPP e artigo 18.º, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo este Tribunal da Relação de Guimarães declarar a nulidade daquela prova, nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
SEM PRESCINDIR,
24. Não se prescindindo na nulidade da prova supra invocada, cuja consequência seria, sem mais, julgarem-se como não provados os factos constantes nos números 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da matéria de facto provada, na medida em que aquela prova foi fundamental na construção da acusação pública e na formulação da convicção do Tribunal a quo no que à matéria de facto provada diz respeito, ainda assim, não foi produzida prova suficiente que permita, com o grau de exigência e certeza no qual se reveste o processo penal, dar como provada a factualidade constante dos números 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados.
25. O grau mínimo de certeza e confiança que se exige no nosso processo penal implica que a prova indireta (indiciária) percorra três momentos distintos: fundar-se em prova direta os factos que constituem a base da presunção; descrever-se a regra da experiência (ou da ciência) que permitiu relacionar o facto presumido ao facto indício; e, comprovar que os indícios provados são subsumíveis à regra geral (da experiência comum) e não existem outras circunstâncias que afastem a subsunção, acrescendo que, a apreciação da prova segundo o princípio da livre apreciação não se traduz em livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, correspondendo, antes, a apreciação da prova de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável.
26. Não existe uma única prova direta produzida em sede de audiência e discussão de julgamento de que, tal e qual se encontra descrito na acusação aquele “pedaço da vida”, se permita afirmar que os Arguidos “acordaram entre si” a “emissão de faturas (…) relativamente a serviços ou produtos nunca prestados efetivamente” (página 2 da sentença recorrida).
27. Na motivação da matéria de facto provada a sentença recorrida consta que “DD é inspetor da Autoridade Tributária” e que este concluiu, através da análise a “um relatório de ação inspetiva da P..., no qual se apurou que esta sociedade era um contribuinte que não tinha qualquer atividade (…)” “para além de ser incumpridor fiscal”, que “por cruzamento de dados com a Segurança Social verificaram que a P... não tinha trabalhadores”, “apuraram que não adquiria serviços ou materiais”, que “ninguém declarava vendas à P...” e que “não tinha qualquer estrutura” (página 13 da sentença recorrida).
28. Estas conclusões, sobre as quais prestou depoimento em sede de audiência e discussão de julgamento (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e que constam do seu relatório de ação inspetiva realizado sobre a Recorrente C... Construções (folhas 72 a 108 verso dos autos), são extratos retirados de conclusões que constavam no relatório de ação inspetiva realizado à sociedade comercial P... (folhas 860 e seguintes dos autos), o qual foi realizado por uma colega inspetora da aqui testemunha (veja-se o depoimento da Testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 01:01 até 05:35).
29. Com efeito, estamos perante prova indireta que o senhor inspetor nem sequer recolheu e, como o mesmo admite, limitou-se a transcrever para o seu relatório os “excertos relevantes” sobre a P..., contudo, não se transcreveram todos os excertos relevantes para a decisão da causa. Ficaram de fora elementos que contrapõe ou demonstram que a prova indireta da qual se partiu para dar como  assentes os factos provados supra referidos não corresponde efetivamente à realidade dos factos, tal e qual eles se encontram descritos no relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P..., pelo que, do relatório de ação inspetiva (folhas 860 e seguintes dos autos) constam elementos que impõe uma conclusão diversa do depoimento prestado pelo senhor inspetor em sede de audiência e discussão de julgamento.
30. Apurou-se da alegada inexistência de atividade da P... no exercício de 2009, com uma deslocação à sede, que se encontrava no cadastro da sociedade, no ano de 2012 (folhas 860 e seguintes dos autos).
31. Nos exercícios de 2008 e 2009 apurou-se que a sociedade comercial P... tinha vários clientes declarados (folhas 860 e seguintes dos autos), pelo que existe prova credível de que durante o exercício de 2008 e 2009 a sociedade comercial P... tinha clientes e/ou fornecedores a declararem vendas e/ou aquisições, não se pode afirmar, como afirmou o senhor inspetor DD, muito menos concluir como na sentença recorrida que aquela sociedade comercial “não adquiria serviços ou materiais” e que “ninguém declarava vendas à P...”.
32. No que diz respeito à existência (ou não) de trabalhadores da P..., consta do relatório de ação inspetiva que “o sujeito passivo não enviou declarações de remunerações para os referidos períodos (cfr. Anexo n.º 5), pelo que se desconhece a existência de trabalhadores ao serviço da empresa no exercício em análise.” (folhas 860 e seguintes dos autos).
33. Com o devido respeito, pelo facto de o sujeito passivo não ter enviado as declarações de remunerações não se pode concluir, sem mais, que a sociedade comercial não tinha qualquer trabalhador, sendo de salientar que nos exercícios de 2006, 2007 e 2008 houve trabalhadores a declararem terem recebido rendimentos e terem sido efetuadas retenções na fonte de categoria A (folhas 860 e seguintes dos autos) e, além disso, já no exercício de 2009, o então contabilista da sociedade comercial P..., no depoimento que prestou em sede de audiência e discussão de julgamento, embora tenha prestado um depoimento vago, por várias vezes se referiu “aos senhores” da P... que apareceram no seu escritório para se efetuar a contabilidade da empresa (passagem de 01:55 a 05:03 – depoimento da Testemunha GG – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 4 – início 11:35:20 e termo 11:47:20).
34. Importa colocarem-se as seguintes questões: Se estamos perante uma simulação absoluta, tal e qual vem descrita na acusação, as moradias objeto do contrato de empreitada foram ou não efetivamente construídas? Em caso afirmativo, no que diz respeito aos materiais e/ou serviços descritos nas faturas em causa (fornecimento de serralharia em alumínio com vidro duplo; fornecimento e aplicação de carpintaria; pintura geral da obra com envernizamento de madeiras e esmaltar do ferro) há na contabilidade da Recorrente C... Construções outras faturas destes materiais ou trabalhos? Há mais algum fornecedor a declarar o fornecimento destes materiais e/ou serviços à Recorrente C... Construções? Existem outros prestadores de serviços a declarar o fornecimento destes materiais e/ou serviços à Recorrente C... Construções no exercício de 2009?
35. A verdade é que as moradias objeto do contrato de empreitada foram efetivamente construídas, os materiais constantes das faturas ...74..., ...82... e ...83... encontram- se aplicados naquelas moradias e inexistem quaisquer outras despesas contabilizadas pela Recorrente C... Construções referentes àqueles materiais e/ou serviços ali descritos (veja-se, a este respeito, o depoimento prestado pela testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 21:15 até 22:48) depois, quando questionado se existiam outras faturas de produtos ou serviços referentes aos mesmos trabalhos executados pela P... (veja-se, a este respeito, o depoimento prestado pela testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 35:28 até 36:30) e, novamente instado quanto ao apuramento sobre se existiam outras faturas referentes aos materiais ou serviços ali descritos (veja-se o depoimento prestado pela testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 40:46 até 43:02).
36. Conclui-se, assim, que no ano de 2013 este deslocou-se ao local onde se encontram executadas as moradias objeto do contrato de empreitada, a que correspondem as faturas emitidas nos presentes autos, tendo constatado que lá se encontravam umas moradias recentes; Os materiais e/ou serviços descritos nas faturas em discussão encontravam-se aplicados naquelas moradias, que correspondem a “casas recentes com todos esses materiais”; Na ação inspetiva conduzida sobre a Recorrente C... Construções o senhor inspetor viu que existiam muitas faturas de outros fornecedores mas não conseguiu apurar se existiam outras faturas referentes aos mesmos materiais e serviços que foram prestados/executados pela Recorrente P... naquela empreitada (faturas ...74..., ...82... e ...83...).
37. Posto isto, é evidente a falibilidade da conclusão constante da sentença a folhas 17:“Nenhuma prova foi produzida que possa infirmar a conclusão óbvio de que a obra
Não foi realizada pela P... (…)”.
38. Aqui chegados, conclui-se que a prova documental (relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P... de folhas 860 e seguintes dos autos) de onde resultou parte do depoimento da testemunha DD apresenta, por si só, imprecisões, contradições, considerações genéricas e sem qualquer rigor ou suporte factual com o teor do relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P... (folhas 860 e seguintes dos autos) e que influenciaram, inequivocamente, como supra se demonstrou, o depoimento da testemunha DD.
39. A prova indiciária na qual a sentença recorrida se fundou para dar como provado o artigo 4.º da acusação e, consequentemente, os artigos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da acusação, não respeita os requisitos formais e materiais da prova  indireta, na medida em que os factos indício não se fundam em prova direta e, os factos indício não permitem que deles se extraia, segundo as regras da experiência comum, o facto presumido, para além de toda a dúvida razoável.
40. Conforme se demonstrou, o núcleo essencial de alguns dos factos indício, que resultam do relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P... de folhas 860 e seguintes dos autos, são imprecisos, contraditórios, genéricos e/ou sem qualquer rigor ou suporte factual.
41. Da prova que a testemunha efetivamente recolheu (e que não é nula nos termos supra expostos) não se permite concluir com o grau de certeza exigível que os factos constantes da acusação, tal e qual aquele “pedaço de vida” se encontra ali recortado, serão verdadeiros.
42. Pelo que, com o devido respeito, entendemos ter sido produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse como não provados os factos nºs .º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da acusação, e, ao não tê-lo feito, conforme resulta do supra exposto, concretamente, das passagens da gravação da prova devidamente assinaladas e transcritas e prova documental supra referida, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
43. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) e o princípio da presunção da inocência (artigo 32.º n.º 5 da CRP), julgando incorretamente os factos que foram dados como provados os artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da acusação.
44. Pelo exposto, o Tribunal Recorrido deveria ter dado como não provados os factos n.ºs artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da matéria de facto provada e ao não tê-lo feito, face à prova produzida nos presentes autos, designadamente a testemunhal e documental supra referida e que aqui por uma questão de economia processual se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos legais, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados e, consequentemente, deveriam os Arguidos ter sido absolvidos do crime de fraude fiscal qualificada que lhe são imputados, o que ao não tê-lo sido, deverá agora este Tribunal Superior revogar a decisão recorrida e proferir um acórdão absolvendo os Arguidos dos crimes por que vem acusados.
MERAMENTE À CAUTELA,
45. Com o devido respeito, que é muito, caso se considere que os Recorrentes praticaram os crimes pelos quais foi proferida sentença condenatória, o que somente se equaciona por dever de patrocínio, sempre se dirá que a aplicação das penas parcelares de um ano e dez meses, suspensas na execução, sob condição de, nesse prazo, os arguidos pagarem à Associação dos Amigos dos Animais e Ambiente de ... a quantia individual de €2.000,00 (dois mil euros), no caso dos Recorrentes AA e BB, e de quinhentos dias de multa à taxa diária de vinte euros no que à Recorrente C... Construções diz respeito, são manifestamente injustas, desproporcionais, exageradas e desajustadas e não tem consideram devidamente o regime especial previsto nos artigos 12.º e seguintes do Regime Geral de Infração Tributária.
46. Os Recorrentes entendem que o Tribunal Recorrido não teve devidamente em conta a personalidade dos agentes, a sua situação social e familiar, o relatório social, ausência de antecedentes criminais e a conduta posterior ao facto.
47. No caso em apreço, as exigências de prevenção geral são consideráveis, mas as exigências de prevenção especiais são diminutas, pois entendemos ter ficado provado que os Recorrentes são cidadãos devidamente integrados na sociedade, a nível familiar e economicamente, com elevada participação ao nível do associativismo e tem o apoio da família e amigos.
48. Os relatórios sociais junto aos autos surgem como favoráveis aos Recorrentes, permitindo cumprir a pena em liberdade, pois resulta como provado que não tem antecedentes criminais, encontram-se inseridos profissional, social e familiarmente – fr. artigo 15.º e 16.º da matéria de facto provada – e, além disso, desde a alegada prática do crime até à presente data decorreram mais de dez anos e os Recorrentes mantiveram uma conduta imaculada até à data conforme se constata do seu registo criminal, salientando-se que, quanto ao critério especial (artigo 13.º do RGIT) não existe qualquer prejuízo causado para o Estado Português na medida em que o imposto em causa (IRC) encontra-se liquidado à cautela, com os respetivos juros, desde 2014 – cfr. 17.º da matéria de facto provada.
49. Além disso, a sentença recorrida também não teve devidamente em consideração que “a pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no  prazo nela fixado.” – cfr. n.º 2 do artigo 22.º do RGIT.
50. Ora, independentemente de os Arguidos não aceitarem os factos descritos na acusação, a verdade é que a “verdade fiscal” encontra-se reposta com o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais o que ocorreu muito antes de se ter iniciado a audiência e discussão de julgamento nos presentes autos – cfr. Facto provado n.º 17 da sentença – pelo que sempre há lugar à atenuação especial da penal nos presentes autos.
51. Com efeito, como dispõe a alínea a), n.º 1, do artigo 73.º do Código Penal, sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço, e como dispõe a alínea b), n.º 1, do artigo 73.º do Código Penal, in fine, sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, o limite mínimo da pena de prisão é reduzido ao mínimo legal, sendo certo que, a pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, nos termos gerais – cfr. n.º 2 do artigo 73.º do Código Penal.
52. Dito isto, no caso concreto encontram-se reunidos todos os pressupostos para a especial atenuação da pena e para que a mesma seja substituída por multa porquanto não se vislumbra a necessidade de pena de prisão como dissuasor do cometimento de futuros crimes (cfr. n.º 1 do artigo 45.º do Código Penal), até porque os Recorrentes não tem qualquer crime averbado no registo criminal e decorreram mais de dez anos desde a data dos factos.
53. Na situação em apreço, entendemos que bastaria a aplicação de uma pena inferior à efetivamente aplicada, para que os Recorrentes interiorizassem a gravidade e o desvalor da sua conduta.
54. Sempre prescindir, cumpre salientar que a sentença recorrida sempre incorreu em erro de direito ao não ter efetuado a interpretação mais correta e adequada das disposições o artigo 50.º do Código Penal e do artigo 14.º do RGIT no sentido de aplicar a suspensão da execução da pena de prisão dos Recorrentes condicionada ao pagamento da quantia de €2.000,00, cada um, à Associação de Proteção dos Animais e Ambiente de ..., violando assim aqueles normativos.
55. No caso concreto a personalidade dos agentes, a conduta posterior à alegada prática do crime, a ausência de prejuízo causado e de vantagem económica, revelam que a simples censura do facto e a pena de prisão substituída por multa realizam, por si, de forma adequada e equilibrada as finalidades de punição.
56. Pelo que, a sentença incorreu num exagero ao aplicar uma pena de um ano e dez meses de prisão, suspensa na execução, por ter dado prevalência às finalidades de prevenção geral em detrimento das finalidades de prevenção especial e incorreu em erro de direito, pois deveria ter interpretado as disposições conjugadas do artigo 50.º do Código Penal e do artigo 14.º do RGIT no sentido de suspender a pena de prisão atendendo a que o pagamento do montante dos benefícios indevidamente obtidos (pagamento do IRC) já se encontra efetuado.
57. Meramente à cautela, mesmo que da interpretação daqueles artigos fosse de manter a suspensão da execução da pena condicionada ao pagamento da quantia de €2.000,00, cada um, à Associação de Proteção dos Animais e Ambiente de ..., a sentença não fez a interpretação mais correta e adequada das disposições conjugadas do artigo 50.º do Código Penal e do artigo 12.º, n.º 1, 14.º e 15.º, n.º 1, do RGIT, violando esses preceitos legais, e deveria ter interpretado esses artigos no sentido de condicionar a suspensão da pena ao pagamento de quantia não superior ao valor de €1.000,00, cada um, à Associação de Proteção dos Animais e Ambiente de ....
58. Pelo exposto, o Tribunal recorrido devia ter aplicado aos Recorrentes uma pena especialmente atenuada de quatro meses de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, substituída, por 200 dias de pena de multa à taxa diária de €08,00 (oito euros), e, não o tendo efetuado, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto nos artigos 40.º, 41.º, 45.º, 47.º, 70, 71.º, 73.º, 50.º, 51.º e 52.º do Código Penal e 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 22.º do Regime Geral de Infrações Tributárias, violando frontalmente esses citados preceitos legais.
59. Também a Recorrente C... Construções entende que o Tribunal recorrido não fixou a pena em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.
60. Atendendo a que, da conjugação dos artigos 104.º e artigo 15.º, n.º 1, do RGIT, a pena aplicada, tratando-se de pessoas coletivas ou entidades equiparadas, é fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos, e, no caso concreto, o alegado proveito económico é diminuto (artigo 13.º do RGIT), sendo que o valor do imposto em causa (IRC) encontra-se liquidado à cautela, com os respetivos juros, desde 2014 – cfr. 17.º da matéria de facto provada.
61. A sentença recorrida valorou erradamente a situação económica e financeira da Recorrente na medida em que, como resulta das regras da experiência, o capital social das sociedades raramente apresenta correspondência com o seu real valor ou a sua situação económica, pois não foram dados como provados factos que permitam concluir que a Recorrente C... Construções possui uma situação económica e financeira que justifique a elevadíssima taxa diária a que foi condenada (€20,00).
62. A sentença recorrida também não teve devidamente em consideração que “a pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.” – cfr. n.º 2 do artigo 22.º do RGIT, além de que, também não foi devidamente valorado que sempre que houver lugar à atenuação especial da pena o limite máximo da pena multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal – cfr. al. c) do n.º 1 do artigo 73.º do Código Penal –, in casu, a moldura seria entre 20 e 800 dias de multa (artigo 12.º, n.º 2 do RGIT).
63. Pelo exposto, o Tribunal recorrido devia ter aplicado aos Recorrentes uma pena 350 dias de multa, à taxa diária de 8,00€, e, não o tendo efetuado, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto nos artigos pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, nos termos das disposições conjugadas do artigo 7.º, 12.º, 13.º, 15.º, 22.º, 103.º, n.º 1 a) e c) e 104.º, n.º 2, al. a) do Regime Geral de Infrações Tributárias e 73.º do Código Penal, violando frontalmente esses citados preceitos legais.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, declarar a sentença recorrida nula nos termos do disposto na al. c), n.º 1, do artigo 379.º do CPP. Caso assim não se entenda, ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, ser conhecida a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, cuja questão é do conhecimento oficioso deste Tribunal nos termos do disposto no artigo 410.º n.º 1 e 2.º, al a) do Código de Processo Penal.
MERAMENTE À CAUTELA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
Ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, ser declarada a nulidade dos extratos da conta bancária da Recorrente C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos), relatório da  Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos) e a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, do RGIT, artigo 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), do CPP e artigo 18.º, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, absolvendo os Arguidos do crime de fraude fiscal qualificada.
SEM PRESCINDIR,
Ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituído por outra que absolva os Arguidos do crime de fraude fiscal qualificada.
MERAMENTE À CAUTELA,
Ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que aplique aos Arguidos AA e BB a pena especialmente atenuada de prisão de 4 (quatro) meses, substituída por 200 dias de pena de multa à taxa diária de €8,00 (oito) euros e à Arguida C... Construções, Lda., a pena 350 dias de multa, à taxa diária de 8,00€.
Mas V.Ex.as farão a INTEIRA e SÃ JUSTIÇA, COMO JÁ É HABITUAL.”
- e o recurso de CC, as seguintes:
“1. Tribunal recorrido, por sentença proferida no dia 12 de janeiro de 2022, decidiu condenar o arguido CC, nos seguintes termos:
“3.º Condenar CC pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º n.º 1 a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) da Lei n.º 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infrações Tributárias), na pena de dois anos e seis meses de prisão.”.
2. O Ministério Público descreveu aquele “pedaço de vida” dos Arguidos, que recortou na acusação pública, como tratando-se de um acordo simulatório celebrado entre os Arguidos, com a emissão de faturas que alegadamente não correspondem a serviços e produtos prestados, com o intuito de reduzir o lucro tributável da sociedade Arguida C... Construções, Lda., em prejuízo do património do Estado Português, qualificando os factos descritos na acusação nos seguintes termos: “Em autoria material, na forma consumada, praticou cada um dos arguidos um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 3, 103.º, 1, als. a) e c) e 104.º, n.º 1, als. a), d) e e) e n.º 2, al. a) do Regime Geral das Infrações Tributárias.”
3. O Tribunal não se pronunciou sobre uma questão que deveria ter apreciado, nomeadamente quanto à errada qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, isto porque, no referido “pedaço de vida”, em que o Ministério Público recortou na acusação, não foi articulado um único facto suscetível de preencher as previsões legais das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, e, além disso, a factualidade descrita na acusação apresenta-se como uma aparente coautoria na atuação dos Arguidos.
4. As evidências que resultam do confronto entre os factos descritos na acusação pública, quanto à alegada forma de consumação do crime pelos Arguidos, quando contrapostas com o enquadramento legal efetuado na acusação são de tal ordem notórias que facilmente se constata que a acusação pública não imputa aos Arguidos um único facto suscetível de preencher as previsões legais das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, e que “o pedaço de vida” dos Arguidos, tal como vem descrito na acusação pública, é incompatível com a forma de consumação do crime pela qual vem acusados.
5. No decurso da produção de prova o Tribunal deveria ter apreciado e tomado conhecimento da alteração dos factos constantes da acusação, porquanto os factos descritos na mesma são incompatíveis, nos termos supra alegados, com a solução jurídica constante da acusação pública.
6. Mas caso se entenda que o supra alegado não consubstancia a nulidade invocada, sempre a factualidade supra exposta se enquadraria numa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que no referido “pedaço de vida”, em que o Ministério Público recortou na acusação, não foi articulado um único facto suscetível de preencher as previsões legais das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, pelas quais os Recorrentes foram condenados, cuja questão é do conhecimento oficioso deste Tribunal – cfr. Artigo 410.º n.º 1 e 2.º, al a) do Código de Processo Penal.
7. Pelo exposto, o Tribunal recorrido ao ter proferido sentença, condenando os Arguidos pelas disposições legais citadas e não tendo tomado conhecimento de uma questão que lhe incumbia conhecer, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto no n.º 4 do artigo 339.º, artigos 358.º, 359.º, 368.º, 369.º, todos do CPP, violando frontalmente esses citados preceitos legais, devendo este Tribunal da Relação de Guimarães declarar a sentença recorrida nula nos termos do disposto na al. c), n.º 1, do artigo 379.º do CPP.
MERAMENTE À CAUTELA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
8. Na acusação do Ministério Público foram indicados os seguintes meios de prova as testemunhas “DD, Inspector Tributário, id. a fls. 248; GG, id. a fls. 176; EE, id. a fls. 179; FF, id. A fls. 105”, e a prova documental “constante dos autos, e nomeadamente de fls. 2, 4- 15, 72-144, 229-248, e 271-291.”.
9. Sucede que, parte da prova constante dos autos, nomeadamente os extratos da conta bancária da Arguida C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), os autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), os seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos), o relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), o parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos), a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), é nula nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, do RGIT, artigo 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), do CPP e artigo 18.º, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
10. Os presentes autos iniciaram-se formalmente com a comunicação efetuada pelos Serviços de Investigação Criminal da Divisão de Finanças de ..., no dia 03/12/2013, ao Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca ... (folhas 2 dos autos), sendo que o auto de notícia, propriamente dito, foi levantado pelo senhor inspetor DD, no dia 29/10/2013 (folhas 72 e 72 verso dos autos) o qual se fez acompanhar do relatório de ação inspetiva, datado de 29/10/2013, realizado sobre a Arguida C... Construções (folhas 73 dos autos).
11. Resulta dos documentos juntos aos autos que a ação inspetiva efetuada à Arguida C... Construções, referente ao exercício de 2009, na qual foram recolhidas as provas que os Recorrentes entendem ser nulas, foi efetuada porque, na sequência de uma ação inspetiva prévia realizada à sociedade comercial P..., referente ao exercício de 2009, dirigida pela Divisão de Inspeção Tributária III, da Direção de Finanças ..., já se haviam recolhido indícios, quer da sociedade comercial P..., quer da Arguida C... Construções, de que as faturas emitidas em nome da P... no exercício de 2009, nomeadamente as emitidas pela Arguida C... Construções, não se tratariam de reais prestações de serviços mas de operações imuladas (folhas 72, 73, 74 verso, 75 verso, 76, 76 verso, 77) e depoimento da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 01:01 até 03:36).
12. Assim sendo, aquando da ação inspetiva efetuada à sociedade comercial P..., referente ao exercício de 2009, cujo relatório foi junto aos autos no decurso da audiência de discussão e julgamento (cfr. relatório junto dia 29/10/2021, com a referência citius n.º ...43 – folhas 860 e seguintes dos autos), a Autoridade Tributária já tinha inequivocamente concluído a existência de “indícios seguros” de que a Arguida C... Construções podia ter incorrido num crime de fraude fiscal, praticado em coautoria com aquela sociedade comercial, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, doravante RGIT (veja-se o teor do relatório da ação inspetiva efetuada à sociedade comercial P..., referente ao exercício de 2009, nomeadamente nas conclusões da página 8 e nas infrações verificadas constantes da página 11). Sendo de salientar que o relatório que resultou da ação inspetiva à sociedade comercial P..., relativo ao exercício de 2009 é datado de 02/07/2012.
13. Ainda que se admita que a Autoridade Tributária tenha atuado inanimada de qualquer dolo, a sua atuação subverteu as regras processuais, bem como causou uma grave compressão dos direitos dos arguidos que se encontram constitucionalmente consagrados e processualmente concretizados, o que efetivamente não se pode aceitar.
14. Durante a realização da ação inspetiva à Arguida C... Construções a Autoridade Tributária notificou, por várias vezes, a Recorrente para proceder à junção de elementos documentais, ao abrigo do princípio do princípio da cooperação e sob a “ameaça” de instauração de procedimento contraordenacional (artigos 59.º e 63.º da LGT, 123.º, n.º 4 do CIRC, 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 38.º do RCPIT e 117.º do RGIT), tudo conforme se pode constatar a folhas 76 verso, 77, 77 verso e 88 dos autos, onde, fruto desta colaboração inconsciente, sem o consentimento livre e de modo forçado, os Recorrentes C... Construções e AA entregaram à Autoridade Tributária extratos da conta bancária da Arguida C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos).
15. Os referidos documentos não só instruíram o auto de notícia, como instruíram a acusação pública e constituíram ponto nevrálgico na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto da sentença recorrida. Até porque, o senhor inspetor DD foi a testemunha nos presentes autos, tendo o seu depoimento versado sobre os elementos de prova nulos que recolheu e que instruíram e fundamentaram o seu relatório de ação inspetiva, datado de 29/10/2013, realizado sobre a Arguida C... Construções com referência ao exercício de 2009, pelo que se concluí, sem margem para dúvidas, que existe uma interligação entre o processo inspetivo conduzido pela Autoridade Tributária e o processo criminal que conduziu à acusação pública deduzida nos presentes autos.
16. Conclui-se que a atuação da Autoridade Tributária, reitere-se, ainda que inanimada de qualquer dolo, resultou numa grave violação do princípio da legalidade, igualdade, proporcionalidade e boa fé a que está subordinada nos termos da lei e da Constituição da República Portuguesa (n.º 2 do artigo 266.º da CRP).
17. Quando a Autoridade Tributária iniciou uma ação inspetiva à Arguida C... Construções já não possuía o intuito de prosseguir outra finalidade que não fosse a condução de uma verdadeira fase de inquérito mas despida da sua tramitação legal.
18. Nos termos do artigo 61.º do Código de Processo Penal e do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa decorre que o arguido tem o direito ao silêncio e a não contribuir para a sua autoincriminação.
19. Quanto à admissibilidade da prova em processo penal, o artigo 125.º, do Código de Processo Penal, refere que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”, sendo que, são métodos proibidos de prova, nos termos do artigo 126.º do Código de Processo Penal, “as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.”, considerando-se “ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;”
20. A nulidade torna inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar – cfr. n.º 1 do artigo 122.º do CPP –, nesta sequência, o relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), o parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos), a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e a inquirição de FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), são também elementos de prova nula por estarmos perante prova que se encontra num nexo de dependência cronológica e necessariamente ligada à prova nula que foi obtida, nomeadamente os extratos da conta bancária da Arguida C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos) e os seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos).
21. Neste sentido, vide, ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, processo n.º 594/11.5TAPDL.L1-5, datado de 17 de abril de 2012, disponível em www.dgsi.pt, que embora referindo-se a processo de contraordenação, a jurisprudência nele aposta é in integrum aplicável ao caso concreto; E embora referindo-se a factualidade distinta, mas em sentido que tem aplicação ao caso concreto, pronunciou-se recentemente o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, no Acórdão n.º 298/2019, Processo n.º 1043/17, de 15 de maio de 2019, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt, quando se decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo;”; e o TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM nos casos Funke v. França (Acórdão de 25 de Fevereiro de 1993), J.B. v. Suíça (Acórdão de 3 de Maio de 2001), Shannon v. Reino Unido (Acórdão de 4 de Outubro de 2005), Saunders v. Reino Unido (Acórdão de 17 de Dezembro de 1996), na mesma linha, se decidiu que violava o mesmo artigo 6.º da Convenção, a utilização em processo penal de prova recolhida em investigação não judicial, mediante a colaboração do arguido, obtida sob coerção da aplicação de sanções, quando sobre ele já recaíam suspeitas da prática do crime pelo qual viria a ser acusado.
22. Também se conclui que sempre seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, proporcionalidade e boa fé a que os órgãos e agentes administrativos se encontram vinculados na sua atuação, o princípio da legalidade de atuação dos órgãos e agentes administrativos e do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, a interpretação normativa dos artigos 35.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2, da CRP e artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do CPP, segundo a qual a prova recolhida ao abrigo do dever de colaboração previsto no artigo 9.º, n.º 1, do RCPIT e do artigo 59.º, n.º 4 da LGT, por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, quando sobre ele já recaíam suspeitas da prática do crime pelo qual veio a ser acusado e sem o prévio conhecimento ou decisão de autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no processo criminal, inconstitucionalidade que expressamente invocam para os devidos efeitos legais.
23. Pelo exposto, o Tribunal recorrido ao ter proferido sentença na qual valorou o extratos da conta bancária da Arguida C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98,  ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos), relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos) e a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, do RGIT, artigo 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), do CPP e artigo 18.º, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo este Tribunal da Relação de Guimarães declarar a nulidade daquela prova, nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

SEM PRESCINDIR,
24. Não se prescindindo na nulidade da prova supra invocada, cuja consequência seria, sem mais, julgarem-se como não provados os factos constantes nos números 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da matéria de facto provada, na medida em que aquela prova foi fundamental na construção da acusação pública e na formulação da convicção do Tribunal a quo no que à matéria de facto provada diz respeito, ainda assim, não foi produzida prova suficiente que permita, com o grau de exigência e certeza no qual se reveste o processo penal, dar como provada a factualidade constante dos números 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados.
25. O grau mínimo de certeza e confiança que se exige no nosso processo penal implica que a prova indireta (indiciária) percorra três momentos distintos: fundar-se em prova direta os factos que constituem a base da presunção; descrever-se a regra da experiência (ou da ciência) que permitiu relacionar o facto presumido ao facto indício; e, comprovar que os indícios provados são subsumíveis à regra geral (da experiência comum) e não existem outras circunstâncias que afastem a subsunção, acrescendo que, a apreciação da prova segundo o princípio da livre apreciação não se traduz em livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, correspondendo, antes, a apreciação da prova de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável.
26. Não existe uma única prova direta produzida em sede de audiência e discussão de julgamento de que, tal e qual se encontra descrito na acusação aquele “pedaço da vida”, se permita afirmar que os Arguidos “acordaram entre si” a “emissão de faturas (…) relativamente a serviços ou produtos nunca prestados efetivamente” (página 2 da sentença recorrida).
27. Na motivação da matéria de facto provada a sentença recorrida consta que “DD é inspetor da Autoridade Tributária” e que este concluiu, através da análise a “um relatório de ação inspetiva da P..., no qual se apurou que esta sociedade era um contribuinte que não tinha qualquer atividade (…)” “para além de ser incumpridor fiscal”, que “por cruzamento de dados com a Segurança Social verificaram que a P... não tinha trabalhadores”, “apuraram que não adquiria serviços ou materiais”, que “ninguém declarava vendas à P...” e que “não tinha qualquer estrutura” (página 13 da sentença recorrida).
28. Estas conclusões, sobre as quais prestou depoimento em sede de audiência e discussão de julgamento (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e que constam do seu relatório de ação inspetiva realizado sobre a Arguida C... Construções (folhas 72 a 108 verso dos autos), são extratos retirados de conclusões que constavam no relatório de ação inspetiva realizado à sociedade comercial P... (folhas 860 e seguintes dos autos), o qual foi realizado por uma colega inspetora da aqui testemunha (veja-se o depoimento da Testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 01:01 até 05:35).
29. Com efeito, estamos perante prova indireta que o senhor inspetor nem sequer recolheu e, como o mesmo admite, limitou-se a transcrever para o seu relatório os “excertos relevantes” sobre a P..., contudo, não se transcreveram todos os excertos relevantes para a decisão da causa. Ficaram de fora elementos que contrapõe ou demonstram que a prova indireta da qual se partiu para dar como assentes os factos provados supra referidos não corresponde efetivamente à realidade dos factos, tal e qual eles se encontram descritos no relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P..., pelo que, do relatório de ação inspetiva (folhas 860 e seguintes dos autos) constam elementos que impõe uma conclusão diversa do depoimento prestado pelo senhor inspetor em sede de audiência e discussão de julgamento.
30. Apurou-se da alegada inexistência de atividade da P... no exercício de 2009, com uma deslocação à sede, que se encontrava no cadastro da sociedade, no ano de 2012 (folhas 860 e seguintes dos autos).
31. Nos exercícios de 2008 e 2009 apurou-se que a sociedade comercial P... tinha vários clientes declarados (folhas 860 e seguintes dos autos), pelo que existe prova credível de que durante o exercício de 2008 e 2009 a sociedade comercial P... tinha clientes e/ou fornecedores a declararem vendas e/ou aquisições, não se pode afirmar, como afirmou o senhor inspetor DD, muito menos concluir como na sentença recorrida que aquela sociedade comercial “não adquiria serviços ou materiais” e que “ninguém declarava vendas à P...”.
32. No que diz respeito à existência (ou não) de trabalhadores da P..., consta do relatório de ação inspetiva que “o sujeito passivo não enviou declarações de remunerações para os referidos períodos (cfr. Anexo n.º 5), pelo que se desconhece a existência de trabalhadores ao serviço da empresa no exercício em análise.” (folhas 860 e seguintes dos autos).
33. Com o devido respeito, pelo facto de o sujeito passivo não ter enviado as declarações de remunerações não se pode concluir, sem mais, que a sociedade comercial não tinha qualquer trabalhador, sendo de salientar que nos exercícios de 2006, 2007 e 2008 houve trabalhadores a declararem terem recebido rendimentos e terem sido efetuadas retenções na fonte de categoria A (folhas 860 e seguintes dos autos) e, além disso, já no exercício de 2009, o então contabilista da sociedade comercial P..., no depoimento que prestou em sede de audiência e
discussão de julgamento, embora tenha prestado um depoimento vago, por várias vezes se referiu “aos senhores” da P... que apareceram no seu escritório para se efetuar a contabilidade da empresa (passagem de 01:55 a 05:03 – depoimento da Testemunha GG – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 4 – início 11:35:20 e termo 11:47:20).
34. Importa colocarem-se as seguinte as questões: Se estamos perante uma simulação absoluta, tal e qual vem descrita na acusação, as moradias objeto do contrato de empreitada foram ou não efetivamente construídas? Em caso afirmativo, no que diz respeito aos materiais e/ou serviços descritos nas faturas em causa (fornecimento de serralharia em alumínio com vidro duplo; fornecimento e aplicação de carpintaria; pintura geral da obra com envernizamento de madeiras e esmaltar do ferro) há na contabilidade da Arguida C... Construções outras faturas destes materiais ou trabalhos? Há mais algum fornecedor a declarar o fornecimento destes materiais e/ou serviços à Arguida C... Construções? Existem outros prestadores de serviços a declarar o fornecimento destes materiais e/ou serviços à Arguida C... Construções no exercício de 2009?
35. A verdade é que as moradias objeto do contrato de empreitada foram efetivamente construídas, os materiais constantes das faturas ...74..., ...82... e ...83... encontram-se aplicados naquelas moradias e inexistem quaisquer outras despesas contabilizadas pela Arguida C... Construções referentes àqueles materiais e/ou serviços ali descritos (veja- se, a este respeito, o depoimento prestado pela testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 21:15 até 22:48) depois, quando questionado se existiam outras faturas de produtos ou serviços referentes aos mesmos trabalhos executados pela P... (veja-se, a este respeito, o depoimento prestado pela testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 35:28 até 36:30) e, novamente instado quanto ao apuramento sobre se existiam outras faturas referentes aos materiais ou serviços ali descritos (veja-se o depoimento prestado pela testemunha DD – Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06 – passagem 40:46 até 43:02).
36. Conclui-se, assim, que no ano de 2013 este deslocou-se ao local onde se encontram executadas as moradias objeto do contrato de empreitada, a que correspondem as faturas emitidas nos presentes autos, tendo constatado que lá se encontravam umas moradias recentes; Os materiais e/ou serviços descritos nas faturas em discussão encontravam-se aplicados naquelas moradias, que correspondem a “casas recentes com todos esses materiais”; Na ação inspetiva conduzida sobre a Arguida C... Construções o senhor inspetor viu que existiam muitas faturas de outros fornecedores mas não conseguiu apurar se existiam outras faturas referentes aos mesmos materiais e serviços que foram prestados/executados pela Recorrente P... naquela empreitada (faturas ...74..., ...82... e ...83...).
37. Posto isto, é evidente a falibilidade da conclusão constante da sentença a folhas 17:“Nenhuma prova foi produzida que possa infirmar a conclusão óbvio de que a obra não foi realizada pela P... (…)”.
38. Aqui chegados, conclui-se que a prova documental (relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P... de folhas 860 e seguintes dos autos) de onde resultou parte do depoimento da testemunha DD apresenta, por si só, imprecisões, contradições, considerações genéricas e sem qualquer rigor ou suporte factual com o teor do relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P... (folhas 860 e seguintes dos autos) e que influenciaram, inequivocamente, como supra se demonstrou, o depoimento da testemunha DD.
39. A prova indiciária na qual a sentença recorrida se fundou para dar como provado o artigo 4.º da acusação e, consequentemente, os artigos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da acusação, não respeita os requisitos formais e materiais da prova indireta, na medida em que os factos indício não se fundam em prova direta e, os factos indício não permitem que deles se extraia, segundo as regras da experiência comum, o facto presumido, para além de toda a dúvida razoável.
40. Conforme se demonstrou, o núcleo essencial de alguns dos factos indício, que resultam do relatório de ação inspetiva à sociedade comercial P... de folhas 860 e seguintes dos autos, são imprecisos, contraditórios, genéricos e/ou sem qualquer rigor ou suporte factual.
41. Da prova que a testemunha efetivamente recolheu (e que não é nula nos termos supra expostos) não se permite concluir com o grau de certeza exigível que os factos constantes da acusação, tal e qual aquele “pedaço de vida” se encontra ali recortado, serão verdadeiros.
42. Pelo que, com o devido respeito, entendemos ter sido produzida prova suficiente para que o tribunal recorrido desse como não provados os factos nºs .º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da acusação, e, ao não tê-lo feito, conforme resulta do supra exposto, concretamente, das passagens da gravação da prova devidamente assinaladas e transcritas e prova documental supra referida, julgou incorretamente  estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados (artigo 412.º, n.º 3 al. a) e b) do Código de Processo Penal).
43. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) e o princípio da presunção da inocência (artigo 32.º n.º 5 da CRP), julgando incorretamente os factos que foram dados como provados nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da acusação.
44. Pelo exposto, o Tribunal Recorrido deveria ter dado como não provados os factos n.ºs artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da matéria de facto provada e ao não tê-lo feito, face à prova produzida nos presentes autos, designadamente a  testemunhal e documental supra referida e que aqui por uma questão de economia processual se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais, julgou incorretamente estes concretos pontos de facto ao dá-los como provados e, consequentemente, deveriam os Arguidos ter sido absolvidos do crime de fraude fiscal qualificada que lhe são imputados, o que ao não tê-lo sido, deverá agora este Tribunal Superior revogar a decisão recorrida e proferir um acórdão absolvendo os Arguidos dos crimes por que vem acusados.

MERAMENTE À CAUTELA,
45. Com o devido respeito, que é muito, caso se considere que o Recorrente praticou o crime pelo qual foi proferida sentença condenatória, o que somente se equaciona por dever de patrocínio, sempre se dirá que a pena de prisão de dois anos e seis meses prisão é manifestamente injusta, desproporcional, exagerada e desajustada e não tem considera devidamente o regime especial previsto nos artigos 12.º e seguintes do Regime Geral de Infração Tributária.
46. O Recorrente entende que o Tribunal Recorrido não teve devidamente em conta o relatório social, o facto de ter decorrido mais de dez anos desde a alegada prática do facto e as diminutas consequências da alegada prática do crime.
47. Por outro lado, constata-se que a sentença recorrida valorizou de forma exagerada o registo criminal do aqui Recorrente, especialmente considerando desde a alegada prática do facto até à presente data decorreram mais de dez anos. 48. Por isso, com o devido respeito, entende o Recorrente CC que na decisão recorrida não se fez a mais correta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na escolha e na determinação da medida concreta da pena, designadamente, não se fez a aplicação mais adequada dos artigos 40.º, 52.º, 58.º, 71.º e 73.º do Código Penal e os critérios especiais dos artigos 13.º e 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
49. No caso em apreço, as exigências de prevenção geral são consideráveis e as exigências de prevenção especiais são elevadas, pois, apesar do Recorrente ter vários crimes averbados no seu registo criminal, aqueles, bem como o que se encontra a ser objeto de análise nos presentes autos, circunstanciam-se a um lapso temporal sobre o qual decorreu mais de dez anos.
50. No entanto, entendemos ter ficado provado que o Recorrente se encontra a aproveitar exemplarmente a pena de prisão que se encontra a cumprir, onde mantêm uma conduta disciplinada, com hábitos de trabalho (na faxina do bar) e a frequentar o 2.º ciclo, tem, também o apoio da família (irmão e agregado familiar) e amigos (Sr. HH) que se dispõe a acolhe-lo e a ajudá-lo na sua reintegração social e profissional quando o mesmo regressar à vida em comunidade – cfr. relatório social junto aos autos.
51. Com efeito, o relatório social junto aos autos surge como favorável ao Recorrente e, na nossa modesta opinião, demonstra a existência de uma verdadeira “janela de oportunidade” para que de futuro o Recorrente irrompa definitivamente com os comportamentos que culminaram nas suas condenações averbadas ao seu registo criminal – cfr. artigo 17.º da matéria de facto provada.
52. Salientando-se que, quanto ao critério especial (artigo 13.º do RGIT) não existe qualquer prejuízo causado para o Estado Português na medida em que o imposto em causa (IRC) encontra-se liquidado à cautela, com os respetivos juros, desde 2014 – cfr. 17.º da matéria de facto provada.
53. Além disso, a sentença recorrida também não teve devidamente em consideração que “a pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.” – cfr. n.º 2 do artigo 22.º do RGIT.
54. Com efeito, como dispõe a alínea a), n.º 1, do artigo 73.º do Código Penal, sempre  que houver lugar à atenuação especial da pena, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e como dispõe a alínea b), n.º 1, do artigo 73.º do Código Penal, in fine, sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, o limite mínimo da pena de prisão é reduzido ao mínimo legal.
55. Dito isto, no caso concreto encontram-se reunidos todos os pressupostos para a especial atenuação da pena e para que a mesma seja substituída por trabalho a favor da comunidade, se for o caso, conjugando com regras de conduta nos termos do artigo 52.º do Código Penal, porquanto existe uma verdadeira “janela de oportunidade” para que de futuro o Recorrente irrompa definitivamente com os comportamentos que culminaram nas suas condenações averbadas ao seu registo criminal, desde a alegada prática do crime até à presente data decorreram mais de dez anos, o Recorrente tem mantido uma boa conduta até à data, o Recorrente tem 56 anos, padece de doença oncológica em fase pós tratamentos de rádio e quimioterapias sob supervisão especializada, cujo constrangimento não impede a determinação do Recorrente em projeto socioprofissional inclusivo (cfr. Relatório social junto aos autos) e não existe qualquer prejuízo causado para o Estado Português na medida em que o imposto em causa (IRC) encontra-se liquidado.
56. Na situação em apreço, entendemos que bastaria a aplicação de uma pena de prisão inferior à efetivamente aplicada, para que o Recorrente interiorizasse a gravidade e o desvalor da sua conduta, aproveitando-se a “janela de oportunidade que atualmente existe”, na prossecução da finalidade última do processo penal, a reabilitação e ressocialização do Arguido.
57. Pelo exposto, o Tribunal recorrido devia ter aplicado a Recorrente uma pena especialmente atenuada de um ano e cinco meses de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, substituída, por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, conjugada com regras de condutas, e, não o tendo efetuado, não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto nos artigos 40.º, 41.º, 52.º, 58.º, 70.º, 71.º e 73.º do Código Penal e 13.º, 22.º, 103.º, n.º 1 a) e c) e 104.º, n.º 2, al. a) do RGIT.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, declarar a sentença recorrida nula nos termos do disposto na al. c), n.º 1, do artigo 379.º do CPP.
Caso assim não se entenda, ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, ser conhecida a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, cuja questão é do conhecimento oficioso deste Tribunal nos termos do disposto no artigo 410.º n.º 1 e 2.º, al a) do Código de Processo Penal.

MERAMENTE À CAUTELA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
Ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, ser declarada a nulidade dos extratos da conta bancária da Arguida C... Construções (folhas 89 a 92 dos autos), o contrato de empreitada (folhas 93 a 95 verso dos autos), autos de medição (folhas 96 a 97 dos autos), seis cheques com os n.ºs ...94, ...95, ...98, ...42, ...42 e ...38 (folhas 100 a 103 verso dos autos), relatório da Direção de Finanças ..., divisão de inspeção tributária I, Equipa A (folhas 72 a 108 verso dos autos), parecer da Direção de Finanças ..., divisão de justiça tributária, núcleo de investigação criminal (folhas 229 a 248 dos autos), a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (folhas 510 a 535 verso dos autos) e a inquirição da testemunha DD (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 2 – início 10:31:27 e termo 11:33:06) e FF (Sessão de 15/10/2021, CD faixa 6 – início 12:02:46 e termo 12:16:31), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, do RGIT, artigo 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), do CPP e artigo 18.º, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, absolvendo os Arguidos do crime de fraude fiscal qualificada.

SEM PRESCINDIR,
Ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituído por outra que absolva os Arguidos do crime de fraude fiscal qualificada.
MERAMENTE À CAUTELA,
Ser o presente recurso julgado provado e procedente e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que aplique ao Arguido CC a pena um ano e cinco meses de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, substituída, por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, conjugada com regras de condutas.
Mas V.Ex.as farão a INTEIRA e SÃ JUSTIÇA, COMO JÁ É HABITUAL.”

Contra-alegou o M.P., ainda em 1ª instância. Em seu entender, não há dissonância entre os factos e o direito, pelo que não ocorre omissão de pronúncia, nem necessidade de recurso ao disposto nos arts.º 358º/359º C.P.P. (alteração não substancial ou substancial dos factos). Apenas a qualificativa da al. a), do n.º 1, do art.º 104º R.G.I.T. não está preenchida, estando-o porém as demais. No seu entender, não há incomunicabilidade entre as provas colhidas em ação inspetiva e as que podem ser atendidas em Processo Crime. Além disso, não ocorre a proibição de prova prevista no art.º 126º/2, a), C.P.P., não se podendo falar de qualquer perturbação da liberdade dos arguidos ou da sua liberdade. A apreciação da prova foi elaborada nos termos do disposto no art.º 127º C.P.P. e teve em conta o depoimento de DD, que fez a Inspeção Tributária à “C... Construções”, o relatório de Inspeção à “P...”, os oito cheques para alegado pagamento dos materiais e serviços, mas nenhum depositado na conta da “P...” ou do seu gerente, no depoimento de EE, Contabilista da “P...” e de FF, pessoa em nome de quem alguns dos referidos cheques foram depositados. Os arguidos remeteram-se ao silêncio e não refutaram os elementos destes meios de prova. Considera assim, não ocorrer qualquer violação do princípio “in dubio pro reo” ou “erro notório na apreciação da prova. No que se refere às penas aplicadas, refere que foram observados os princípios previstos no art.º 71º C.P. Entende pois, que deve ser negado provimento ao recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

neste Tribunal da Relação, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto deu o seu parecer. Começou por referir que a conduta dos arguidos não se inseria no disposto no n.º 1, do art.º 104º R.G.I.T., mas que cabia na previsão do respetivo art.º 104º/2, a), R.G.I.T. – por utilização de “faturas falsas”. Falou ainda na contraposição entre o princípio “nemo tenetur” e o dever jurídico e comunitário de pagar impostos, sendo tudo muito relativo, pois a entrega pelo condutor de uma carta de condução falsa, também se baseia no princípio da cooperação e pode vir a atingir criminalmente o agente, que a entregou. Considera ainda que, no caso, existem múltiplos indícios indiretos da prática dos factos, pelos arguidos, não ocorrendo qualquer “erro notório na apreciação da prova”. Quanto às penas aplicadas, considera que são as adequadas. Emitiu pois parecer no sentido de que o recurso interposto pelos arguidos II deverão ser julgados improcedentes, com exclusão do disposto no art.º 104º/1, a), R.G.I.T.
Notificados nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o recorrente CC nada disse.
Já os arguidos “C... Construções”, AA e BB responderam. Deram, em primeiro lugar, por reproduzidas as suas alegações de recurso. Realça, de novo, que quando se iniciou a inspeção à “C... Construções”, já se tinham recolhido indícios de fraude, quanto às três faturas em causa nos autos, logo quando da inspeção à “P...”. Em vez de se comunicar a instauração de processo crime ao M.P. (arts.º 35º/1 e 40º/1 R.G.I.T.), instaurou-se ação inspetiva à “C... Construções” em 7/5/13, com o inerente dever de cooperação por parte dos seus representantes, que entregaram extratos de conta, o contrato de empreitada, autos de medição e seis cheques. Porém, já nessa altura deveria ser instaurado processo crime com constituição dos recorrentes como arguidos e garantias dos respetivos direitos. Com efeito, a ação inspetiva já era um verdadeiro Inquérito. Estão assim em causa os deveres de imparcialidade e lealdade, por parte da Administração. Termina reafirmando que a prova dos factos ilícitos foi obtida por coação e sob meios enganosos, do que deve decorrer a sua invalidade, devendo pois os recursos interpostos por estes arguidos serem declarados procedentes.
Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentação

A fim de melhor se percecionarem as questões em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a sentença recorrida:

SENTENÇA
I. Relatório.
Em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o Ministério Público acusou:
C... Construções LDA., NIPC ..., com sede na rua ..., ..., ....
AA, filho de JJ e KK, nascido a .../.../1972, divorciado, arquiteto, residente na rua ..., ..., ..., ....
BB, filho de LL e de MM, nascido a .../.../1973, divorciado, arquiteto, residente na rua ..., ..., ... ....
P... LDA., NIPC ..., com sede na rua ..., F, ..., ..., ..., ....
CC, filho de NN e de OO, nascido a .../.../1964, divorciado, pintor da construção civil, residente na rua ..., ... drt.º frente, ... ..., ....
Imputando aos arguidos os seguintes crimes.
Em autoria material, na forma consumada, praticou cada um dos arguidos um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 3, 103.º, 1, als. a) e c) e 104.º, n.º 1, als. a), d) e e) e n.º 2, al. a) do Regime Geral das Infrações Tributárias.
O arguido CC apresentou contestação a fls. 658, oferecendo o merecimento dos autos.
A 15-10-2021, em sede de audiência de julgamento, foi determinada a extinção do procedimento criminal contra P..., Lda..
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
*
II. Fundamentação

A. Factos Provados
1.º
À data dos factos abaixo indicados, a sociedade arguida C... Construções LDA., que se dedica desde a constituição à indústria da construção civil, promoção imobiliária e investimentos imobiliários, compra e venda de imóveis, comércio por grosso e a retalho, e serviços de arquitetura (CAE Principal 41200-R3 e Secundário 68100-R3), tinha sede na rua ..., ..., ..., ..., e tinha como sócios e gerentes os arguidos PP e QQ.
2.º
Por seu turno, à data dos factos abaixo indicados, a sociedade P... LDA., que se dedica deste a constituição à construção civil e obras públicas, remodelação e decoração, design, gestão e administração de condomínios, comercialização, importação e exportação de artigos relacionados com a construção civil (CAE Principal 42990-R3) tinha como sócio e gerente o arguido RR.
3.º
Eram os indicados sócios e gerentes quem nas respetivas sociedades tomavam as decisões sobre todos os atos de direção e gestão da vida comercial das sociedades arguidas, afetando os recursos financeiros existentes para o cumprimento das diversas obrigações das sociedades, como as atinentes ao pagamento dos seus credores (trabalhadores e fornecedores), e ao cumprimento das obrigações tributárias, colhendo os frutos e sofrendo os prejuízos das atividades das mesmas.
4.º
Em data não concretamente apurada, no início do ano 2009, os arguidos PP, QQ e RR acordaram entre si, que a sociedade arguida P... LDA. emitiria faturas a favor da sociedade arguida C... Construções LDA. relativamente a serviços ou produtos não prestados efetivamente.
5.º
Com o intuito de diminuir o lucro tributável da primeira sociedade arguida indicada, e deste modo diminuir o montante do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (I.R.C.) a entregar ao Estado Português, a quem pertencia, em benefício dos próprios e das sociedades que dirigiam e representavam.
6.º
Assim, no mencionado ano 2009, a sociedade arguida P... LDA., por intermédio do seu sócio e gerente RR, emitiu as faturas de seguida indicadas – cfr. fls. 15-17, que aqui se reproduzem integralmente - relativamente a serviços ou produtos nunca prestados efetivamente, e que a sociedade arguida C... Construções LDA., por intermédio dos seus sócios e gerentes arguidos, inscreveu na contabilidade como custos ou despesas:
Data
Documento/N.º Descrição
Base Tributável
15/04/2009
Fatura ...74...
Fornecimento de Serralharia em alumínio com vidro duplo e todo o material de ferro e aplicação na obra.

Data Documento/N.º Descrição Base Tributável
15/04/2009 Fatura ...74... Fornecimento de Serralharia em alumínio com vidro duplo e todo o material de ferro e aplicação na obra. €52.164,00
24/04/2009 Fatura ...82... Fornecimento e aplicação do mesmo de carpintaria na €40.560,


30/4/2009                Fatura ...83...          Pintura geral da obra com
                                                                envernizamento de madeiras
                                                                       esmaltar do ferro existente      38 376,00€

Total de 2 009 – 131 100€
Os valores da Base Tributável supra indicados corresponderam ao valor de cada fatura, incluindo o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.) liquidado, pois sendo a sociedade arguida C... Construções LDA. um sujeito passivo isento de I.V.A. nos termos do art.º 9.º do C.I.V.A., suporta o imposto sem direito a dedução, sendo o seu valor contabilizado na contabilidade.
8.º
Ao contabilizarem tais faturas no montante total de €131.100,00, os arguidos aumentaram artificialmente os custos da sociedade arguida C... Construções LDA. em igual valor e diminuíram o resultado tributável do período quanto ao I.R.C., o que implicou para o Estado Português a diminuição das receitas tributárias ao não receber indevidamente – porque em erro induzido pelos arguidos quanto aos custos da sociedade C... Construções LDA. – o montante total de €28.570,85 correspondente ao montante de I.R.C. que de outro modo deveria ter sido apurado e pago.
9.º
Estavam todos os arguidos bem cientes de que as mencionadas faturas enunciavam serviços e produtos não prestados, e de que a sua utilização contabilística tinha relevância tributária, sem o que o I.V.A. não era dedutível nos termos do art.º 19.º, n.º 3 do C.I.V.A. e o custo registado em sede de I.R.C. não era aceite fiscalmente por força do art. 23.º do C.I.R.C.
10.º
Quis pois o arguido RR, em nome e no interesse da sociedade arguida P... LDA., que fossem emitidas tais faturas, para dessa forma beneficiar a sociedade arguida C... Construções LDA., diminuindo o seu resultado tributável e o consequente imposto a pagar ao Estado Português.
11.º
Como quiseram, de acordo com aqueles, os arguidos PP e QQ, em nome e no interesse da sociedade arguida C... Construções LDA., que tais faturas fossem contabilizadas como custos, diminuindo o seu resultado tributável e o consequente imposto a pagar ao Estado Português, cujo prejuízo representaram e quiseram.
12.º
Acresce terem todos os arguidos procurado com a emissão das mencionadas faturas fazer crer perante terceiros que os elementos delas constantes eram verdadeiros, colocando desta forma em causa a veracidade e a credibilidade que as mesmas revestem no giro comercial, com prejuízo do Estado Português, e benefício dos próprios e das sociedades que dirigiam e representavam.
13.º
Em tudo, agiram os arguidos livre, deliberada e conscientemente, cientes de incorrerem em responsabilidade penal.
14.º
O arguido CC tem como antecedentes criminais:
- a prática do crime de dano em 12-03-97, pelo qual foi condenado em 11-03-99, na pena de multa de 90 dias à taxa diária de 1 000$00, no processo comum coletivo n.º 6/99, da 3.ª Vara Criminal do ...;
- a prática do crime de ameaça agravada em 03-08-99, pelo qual foi condenado em 07-03-01, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 600$00 e 120 dias de multa à taxa diária de 400$00, no processo comum singular n.º 304/2000, do ... Juízo Criminal de ...;
- a prática do crime de condução sem habilitação legal em 18-06-2000, pelo qual foi condenado em 25-10-2001, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 500$00, no
processo comum singular n.º 398/00...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial da Comarca de ...;
- a prática do crime de condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário em 08-06-2001, pelo qual foi condenado em 27-10-2003, na pena de 380 dias de multa à taxa diária de 5€, no processo comum coletivo n.º 685/01...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial da Comarca ...;
- a prática do crime de condução sem habilitação legal em 20-12-2004, pelo qual foi condenado em 26-07-2006, na pena de 7 meses de prisão suspensa por 1 ano, no processo comum singular n.º 1318/05...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática do crime de fraude fiscal qualificada em 11-11-2003, pelo qual foi condenado em 04-04-2011, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa por 1 ano e 8 meses com a condição do arguido pagar ao estado a quantia de 5000€, no processo comum singular n.º 159/08...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática do crime de fraude fiscal qualificada em 01-01-2006, pelo qual foi condenado em 11-12-2014, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses, no processo comum singular n.º 1366/14...., do Juiz ..., Juízo Local Criminal ..., Tribunal Judicial da Comarca ...;
- a prática de dois crimes de falsificação ou contrafação de documento e dois crimes de burla qualificada em 18-03-2008, pelos quais foi condenado em 11-06-2015, na pena de 5 anos e 4 meses de prisão, no processo comum coletivo n.º 1767/09...., do Juiz ..., Juízo Central Criminal ..., Tribunal Judicial da Comarca ...;
- a prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento e um crime de burla qualificada em 14-11-2007, pelo qual foi condenado em 18-05-2011, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses, no processo comum singular n.º 115/07...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática do crime de fraude fiscal qualificada em 01-01-2004, pelo qual foi condenado em 10-01-2014, na pena de 2 anos de prisão suspensa por 5 anos, no processo comum singular n.º 459/10...., do Juízo Local Criminal ..., Tribunal Judicial da Comarca ...;
- a prática de dois crimes de falsificação ou contrafação de documento e um crime de burla qualificada em 07-04-2008, pelos quais foi condenado em 11-03-2014, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, no processo comum coletivo n.º 5400/09...., do Juiz ..., Juízo Central Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática do crime de fraude fiscal qualificada em 26-04-2005, pelo qual foi condenado em 11-05-2011, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa por 3 anos e 6 meses, condicionada ao pagamento de € 16 340,00, no processo comum singular n.º 68/08...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática de um crime de burla qualificada e três crimes de falsificação de boletins, atas ou documentos em 09-2008, pelo qual foi condenado em 21-04-2016, na pena de 6 anos de prisão, no processo comum coletivo n.º 5516/12...., do Juiz ..., Juízo Central Criminal, Tribunal Judicial da Comarca ...;
- a prática de um crime de fraude fiscal qualificada em 2006, pelo qual foi condenado em 21/04/2017, na pena de 2 anos e 11 meses de prisão suspensa por 2 anos e 11 meses, no processo comum singular n.º 57/11...., do Tribunal Judicial ... – JL Criminal -Juiz ..., Comarca ...;
- a prática de um crime de abuso de confiança fiscal e, 01-01-2010, pelo qual foi condenado em 12/12/2017, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, no processo comum singular n.º 240/14...., do Tribunal Judicial ... – JL Criminal, Comarca ...;
- a prática do crime de fraude fiscal qualificada em 05-2005, pelo qual foi condenado em 18-01-2012, na pena de 12 meses de prisão suspensa por 12 meses, no processo comum singular n.º 123/09...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática do crime de ameaça agravada e um crime de desobediência em 11-05-2012, pelos quais foi condenado em 28-05-2012, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 6€, no processo sumário n.º 422/12...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...;
- a prática do crime de fraude fiscal em 25-05-2007, pelo qual foi condenado em 17-10-2013, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por 1 ano e 6 meses, no processo comum singular n.º 66/11...., do ... Juízo Criminal, Tribunal Judicial ...
- a prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento e um crime de burla qualificada em 18-07-2008, pelo qual foi condenado em 24-02-2015, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 4 anos e 2 meses, condicionada ao pagamento da quantia de € 26 944,00, no processo comum singular n.º 176/10...., do Juiz ..., Juízo Local Criminal ..., Tribunal Judicial da Comarca ...;
15.º
BB é oriundo de um agregado familiar de bons recursos socioeconómicos, natural da freguesia ..., concelho .... É o mais velho de dois irmãos e, à data do seu nascimento, a progenitora era proprietária de uma mercearia e o progenitor dedicava-se a negócios na área da construção civil e promoção imobiliária. O seu processo de desenvolvimento e socialização decorreu num ambiente de afetividade e apoio. Frequentou o ensino básico e secundário em ... e concluiu o 12.º ano em .... Frequentou um curso técnico profissional de três anos de técnico de edificação e obras, habilitou-se com a licenciatura em arquitetura na Universidade ..., frequentou uma pós-gradução em Gestão de Entidades Públicas e Autárquicas no ... e um ... em Gestão de IPSSs. O seu percurso profissional iniciou-se quando ainda frequentava o 12.º ano de escolaridade à noite, tendo trabalhado durante o dia como desenhador e na medição de terrenos para a empresa G... e Filhos, um gabinete de projetos de arquitetura e engenharia. Quando concluiu a sua formação como arquiteto abriu atividade em nome individual nessa área e criou empresas nas áreas da arquitetura, engenharia, construção civil e promoção imobiliária. Algumas dessas empresas foram vendidas e, atualmente, é funcionário de uma das empresas que ajudou a fundar, a Atelier Arquitetura e Engenharia, cujos proprietários são a sua ex-mulher SS e AA. É proprietário da empresa R..., Unipessoal, empresa na área da arquitetura e construção civil e detém 70% da empresa I..., que desenvolve atividade na área da gestão e património. Para além da atividade laboral na sua área de formação académica e no ramo empresarial, desde a juventude já desempenhou vários cargos de dirigismo associativo, cargos públicos e políticos, nomeadamente de Presidente da Junta de Freguesia ..., Deputado na Assembleia da República, Vereador da Câmara Municipal ..., Deputado na Assembleia Municipal de ..., Vice-Presidente da Comissão Política Distrital do PSD de ..., Membro da Assembleia Distrital do PSD de ..., entre outras. Foi sócio fundador da Associação Juvenil de ..., da Associação de Cicloturismo de ..., do Centro Social .... BB contraiu matrimónio em 2003 e desse relacionamento teve dois filhos atualmente com 13 e 17 anos de idade. Há cinco anos divorciou-se e algum tempo depois encetou um novo relacionamento afetivo. À data dos factos que deram origem ao presente processo o arguido residia com a mulher e os filhos numa vivenda em gaveto, localizada no n.º 9 da rua ..., na freguesia ..., .... Nesse período desempenhava funções de Deputado na Assembleia da República, desenvolvia trabalhos para a empresa Atelier Arquitetura e Engenharia, sendo à data detentor de um terço da sociedade dessa empresa, e era sócio gerente da empresa C... Construções, Lda. juntamente com o coarguido AA, auferindo um salário de cerca de 7.000,00 euros líquidos, dos quais 3.500,00 provinham da Assembleia da República e os restantes dos salários das empresas. Depois do divórcio o arguido saiu dessa habitação e esteve alguns anos a residir num apartamento arrendado. Há cerca de quatro anos adquiriu um apartamento de tipologia três localizado na morada supramencionada, onde se encontra a residir com a companheira. Desde há cerca de sete meses tem vindo a desempenhar funções de Presidente e Diretor Executivo do Centro Social ..., continua a desenvolver atividade laboral para a empresa Atelier Arquitetura e Engenharia e para a R..., Unipessoal. Dessas atividades que desenvolve atualmente tem rendimentos mensais de 5.000,00 euros líquidos. Como principais despesas fixas mensais, tem 500,00 euros referentes ao crédito para a habitação, 1.000,00 euros de pensão de alimentos para os filhos, cerca de 400,00 euros em despesas com bens de consumo doméstico como água, eletricidade, gás e um pacote de telecomunicações. Em abstrato, considerando a problemática criminal em causa, o arguido revela adequada consciência crítica. Perante o processo, não se revê nos factos tal como estão descritos na acusação, adotando face aos mesmo um discurso externalização de responsabilidades.
16.º
AA cresceu no seio de uma família de adequados recursos económicos e que proporcionou aos dois filhos condições de vida equilibradas. A economia familiar foi garantida pela atividade dos progenitores empresários do ramo da restauração, em Lisboa, cidade onde nasceu o arguido. O percurso académico de AA decorreu essencialmente em Lisboa, designadamente, na Escola Secundária ... onde terminou o 12.º ano de escolaridade. Habilitou-se seguidamente com um curso de desenhista/projetista. Com o regresso da família ao norte do país, o arguido aos 23 anos de idade fixou residência em ..., junto dos pais e irmão. AA candidatou-se ao ensino superior para frequência do curso de arquitetura e integrou a Universidade ... em .... Após o termo da licenciatura o arguido permaneceu em funções em dois gabinetes de arquitetura por um período de 5 anos. Em 1999 criou a empresa ... Arquitetura & Engenharia juntamente com BB, coarguido e que integrou a sociedade durante algum tempo. Posteriormente criaram a empresa C... Construções, em 2008/2009, empresa que foi vendida decorridos cerca de 7 anos. Durante o ano de 2010, integraram o grupo “... Arquitetura & Engenharia” as empresas denominadas por S... Lda. (compra e venda de bens imobiliários) e S... Lda. (exportação, aluguer de maquinarias), lideradas pelo arguido, pese embora o coarguido BB estivesse envolvido na sua origem, mas por motivos pessoais e profissionais, passou apenas a colaborador. AA, no início de 2012 criou a empresa designada de H... Lda., dirigida essencialmente para a consultadoria, com sede em .... O arguido contraiu matrimónio aos 25 anos, resultando desta união o nascimento de duas filhas. A relação conjugal terminou findos 13 anos de vida em comum. O arguido refez a sua vida afetiva há 9 anos. Tendo por referência a data dos factos, o arguido exercia atividade na empresa ... Arquitetura & Engenharia, com a colaboração de BB, técnico da empresa e coarguido. Posteriormente foi criada a empresa C... Construções Lda. e que no âmbito da sua atividade requisitava os serviços de outras empresas do ramo. Esta empresa viria a ser vendida mais tarde, há cerca de 7 anos. O arguido conserva o enquadramento profissional descrito. AA constitui agregado com a atual companheira, TT e filha mais velha de 20 anos de idade. A filha é estudante universitária na Universidade ... no .... A companheira é funcionária administrativa na autarquia de .... A filha mais nova, de 14 anos de idade, vive com a mãe, mas mantém contactos regulares com o arguido. A dinâmica familiar é descrita como apoiante e gratificante, existindo proximidade afetiva entre a companheira e as filhas do arguido. O casal reside em ..., concretamente na Rua ..., em Real, ..., num apartamento de tipologia T3, adquirido com recurso a empréstimo bancário. O arguido tem como rendimento mensal o valor de 3.000 €, destacando como despesas fixas cerca de 600 €, correspondente à prestação bancária e gastos correntes. O arguido sinaliza a sua condição económica como confortável e adequada às necessidades da família. A atividade do arguido enquanto arquiteto é reconhecida, ligado à empresa ... Arquitetura & Engenharia, e outras empresas do grupo. Em abstrato e perante a problemática criminal em causa, o arguido foi capaz de se pronunciar de forma crítica sobre a ilicitude e os potenciais danos.
17.º
CC é natural da ..., sendo o segundo de um conjunto de quatro irmãos, filhos de um casal em que o pai era trabalhador da construção civil e a mãe se dedicava à venda de roupas em feiras. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado de origem em ambiente gratificante, porém perturbado pelo falecimento do progenitor, o qual implicou a perda do garante da subsistência do núcleo familiar, tendo surgido a necessidade de contribuir para a economia do agregado, o que originou que precocemente tivesse abandonado a escolarização, tendo apenas concluído o 1.º ciclo do ensino. Iniciou atividade laboral no ramo da construção civil, área profissional onde mais tarde constituiu duas sociedades comerciais, todavia a crise naquele setor impôs dificuldades de gestão e de manutenção das mesmas. As dificuldades financeiras e de ocupação profissional determinaram a sua progressiva degradação e isolamento pessoal, social e um crescente afastamento dos seus familiares persistindo numa posição de ressentimento e incompatibilização relacional. CC manteve uma relação matrimonial durante dezoito anos e outra de oito anos. CC encontrava-se desempregado desde o ano de 2010, em condição social de isolada precariedade financeira e habitacional e desde o ano de 2011, que detinha como acolhimento residencial uma loja do Centro Comercial ..., sito na Rua ..., ... ..., ..., a qual não estava preparada para fins habitacionais. Naquele espaço mantinha interação social com profissionais daquele centro comercial e algumas outras pessoas suas conhecidas, subsistia da prestação mensal de €178 atribuídos no âmbito do RSI e desempenhava as funções sazonais de vendedor ambulante nas praias de .... Após a reclusão ocorreu a aproximação familiar ao seu irmão UU e que tem sido mantida, referindo este familiar a sua disponibilidade de acolhimento e de suporte em meio livre e em quaisquer das medidas de flexibilização da pena de prisão que sejam concedidas, no seu agregado familiar composto pela esposa, filho e sogros, de condição financeira equilibrada. Assim, poderá ser recebido no domicílio familiar sito na Rua ..., ..., ..., habitação unifamiliar térrea, propriedade dos sogros, em meio comunitário onde não é conhecido pelo que será favorecido pelo anonimato. Como não detém qualquer rendimento prevê em meio livre sobreviver com os rendimentos laborais e com o apoio do seu irmão, cujo agregado possui uma condição financeira equilibrada, existindo segundo o seu irmão a possibilidade de este ir trabalhar para junto de si, em França na área da construção civil. O arguido dispõe, ainda, do apoio do Sr. HH seu conhecido de à longa data e que se disponibiliza para o acolher em sua casa em ..., ... e o integrar como trabalhador da sua empresa de construção civil “A... - Construções Lda.”, com sede em .... CC padece de doença oncológica em fase pós tratamentos de rádio e de quimioterapias sob supervisão especializada. Este constrangimento de saúde não impede o condenado de se determinar por projeto socioprofissional inclusivo. CC encontra-se preso desde o dia .../.../2015. Cumpre a pena única de 9 anos de prisão, por cúmulo jurídico efetuado no proc. nº 2280/19...., pela autoria de vários crimes de falsificação de documentos e de burla qualificada. O termo do cumprimento de pena está previsto ocorrer em 30/03/2024. No EP ... o condenado manteve conduta prisional adequada ao disciplinado exigido e de desempenho da atividade de faxina no bar do seu pavilhão residencial, referindo ter sido bastante apoiado tanto por companheiros como por outros profissionais intervenientes na execução da pena de prisão de modo a que mantivesse a sua atitude positiva e de confronto da doença. No EP ... onde se encontra desde maio de 2021 mantém comportamento consentâneo com os normativos, encontra-se a frequentar a escola – 2.º ciclo e, embora já tenha solicitado colocação laboral encontra-se ainda inativo. A privação da liberdade constrangeu a prevalência das vulnerabilidades anti-sociais e as convivências marginais levando CC a uma crescente reflexão sobre a sua história pessoal de instabilidade e de dificuldade em reorganizar a sua independência, os próprios recursos e interesses pessoais, demonstrando compromisso com o processo de mudança. Assim determinado, o condenado apresenta sentido crítico de reprovação do agir criminal, dos danos causados a terceiros e de censura das suas responsabilidades. O arguido não beneficiou, ainda, de medidas de flexibilização da pena.
17.º
A C... Construções pagou, no dia 28-2-2014, a quantia de € 33 091,00 referente à parte da liquidação relativa ao IRC.
18.º
Por Douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal ... foi anulada a liquidação na parte em que tributou despesas tituladas no valor de € 78 500,00.
19.º
Em 30-09-2019 foi registada a alteração ao contrato de sociedade da C... Construções, alterando a firma para L..., Lda..
20.º
O capital social da L..., Lda. é de € 100 000,00, é proprietária de dois veículos automóveis de 2015 (Mercedes- Benz) e 2017 (...), um imóvel de ..., 1.º e ... andar em ..., com o valor patrimonial de € 16 014,73.
Factos não provados:
Inexistem.
*
B) Motivação da decisão sobre a matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento e bem assim a prova documental junta aos autos, toda ela livre e criticamente apreciada de acordo com o seu valor legal probatório e as regras da experiência, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos.
DD é inspetor da Autoridade Tributária relatando que conduziu uma ação inspetiva relativa ao exercício de 2009, concluindo que a C... Construções utilizou, como gastos, em 2009, três faturas emitidas pela P... que não suportam serviços prestados. A testemunha analisou um relatório da ação inspetiva da P..., no qual se apurou que esta sociedade era um contribuinte que não tinha qualquer atividade, para além de ser incumpridor fiscal. Por cruzamento de dados com a Segurança Social verificaram que a P... não tinha trabalhadores, também apuraram que não adquiria serviços ou materiais, ninguém declarava vendas à P..., que não tinha qualquer estrutura. As referidas faturas não tinham indicação do local da obra, nem os preços unitários ou a quantidade, seja em horas ou materiais, para além de ser estranho fazer o serviço em tão pouco tempo.
A testemunha solicitou a apresentação de documentação que suportasse a relação comercial entre as sociedades, tendo a C... Construções entregado o contrato de empreitada alegadamente feito entre as sociedades arguidas, que estava apenas assinado pelos representantes da C... Construções. Confrontou os legais representantes da C... Construções, que lhe disseram que apareciam pessoas que se identificavam como sendo da P..., mas não souberam identificar nenhum funcionário ou responsável. Pediu ainda documentação comprovativa dos meios de pagamento da alegada empreitada, tendo sido apresentados oito cheques, todos ao portador. Pediu fotocópias, frente e verso, desses cheques, tendo-lhe sido fornecidas apenas de seis, tendo apurado que nenhum deles foi para a P..., nem alguém relacionado com a P.... Os três primeiros foram entregues numa loja do centro de ..., num agente de cobrança de serviços de telecomunicações e eletricidade, tendo sido depositados na conta do proprietário desse estabelecimento, chamado FF. Confrontou essa pessoa, que lhe disse que não tinha ideia como é que esses cheques lá foram parar, não tinha relação comercial com a C... Construções. Posteriormente, enviou uma carta a dizer que teve um funcionário, que era a pessoa em quem confiava, que foi quem procedeu ao depósito dessas quantias e acabou por levantar fundos dessa conta.
DD fez ainda referência às diligências efetuadas para seguir o rasto dos demais cheques apresentados. Havia cheques cujos beneficiários foram familiares dos sócios da C... Construções, tendo AA dito que esses familiares teriam feito empréstimos à C... Construções, contudo, na contabilidade não havia evidência de qualquer empréstimo, nem documentos, nem registo de que isso tivesse acontecido.
O somatório das três faturas não corresponde exatamente ao valor dos cheques.
Em 2013, o gerente da C... Construções levou-o a um local onde alegadamente teriam decorrido as obras, verificando aí a existência de umas moradias recentemente construídas.
A P... não tinha qualquer compra de material que pudesse ter utilizado na obra. Encontrou um auto elaborado e assinado pela C... Construções, contudo, na execução normal de uma obra, deveria haver um conjunto de documentos, designadamente uma listagem de funcionários a trabalhar nesses dias e seguros, que a P... teria que demonstrar perante a C... Construções. Efetivamente, não existia nada que comprovasse a existência de funcionários da P... naquela obra. Aliás, esta sociedade não declara nada fiscalmente.
A C... Construções incluiu esse gasto no apuramento do lucro tributável e teve como consequência obter menor lucro e pagar menos IRC, no valor de € 28 500,00.
A testemunha foi confrontada com folhas 325 e 326 dos autos. Não falou com o contabilista da P... porque não tinha, mas falou com o da C... Construções.
Foi confrontado com folhas 103, informando que VV seria o familiar que alegadamente fez o empréstimo.
Esta testemunha depôs de modo pormenorizado, isento, objetivo e desprendido, de forma serena e clara.
GG é contabilista tendo prestado serviços à sociedade P... durante uns meses, relatando que apareceram uns senhores para levar a contabilidade, havia um gerente que era o OO, que nunca conheceu. Instado quanto a tal desconhecimento, acabou por dizer que tem sempre um contacto direto com quem representa a pessoa coletiva, o que não deixa de ser contraditório. Era uma empresa de construção civil que nunca pagou a respetiva avença. A testemunha nunca foi à sua sede, pediu documentos que nunca foram apresentados. Esta testemunha depôs de modo vago e com incoerências.
EE prestou serviços de contabilidade à C... Construções, durante vários anos, até 2010, confirmando que lhe foram apresentadas faturas de serviços prestados pela P... à C... Construções, relativas a obras em .... Instado, disse que WW era sócio da C... Construções. Depôs de forma descontraída e objetiva.
FF foi confrontado com os cheques juntos aos autos, mas desconhece a que se referem pois recebia muitos pagamentos por ser agente da ... e de empresas de telecomunicações. Instado, disse que nunca ouviu falar das empresas arguidas nos autos. Depôs de modo objetivo e seco.
No que respeita à designação social e objeto das pessoas coletivas, bem como ao exercício das funções de gerência, o Tribunal atendeu às certidões de matrícula juntas aos autos (folhas 766 e 770). Estando os arguidos AA, BB e CC ali inscritos como gerentes das respetivas sociedades, logicamente se conclui que o faziam de facto, sendo contrário às regras da experiência comum que pessoas assumam o cargo de gerentes de sociedades comerciais, sem que tenham qualquer poder de direção dos destinos dessas sociedades. Acresce que não foi produzida qualquer prova que possa infirmar a informação que consta nas certidões, antes pelo contrário, as testemunhas ouvidas fizeram igualmente referência a estes arguidos, logo nunca poderiam ser pessoas estranhas às sociedades que geriam.
No que se reporta à utilização de faturas falsas, foi fundamental desde logo a prova documental proveniente da Administração Tributária onde, após inspeção efetuada à empresa P... se constatou que a mesma não tinha estrutura para a prestação de serviços ou venda de materiais, não tinha um local de funcionamento, não tinha bens, nem tinha funcionários. Esta informação decorre do relatório da Administração Tributária que resulta da inspeção à C... Construções, que teve por suporte o relatório da Administração Tributária que incidiu sobre a P... sob a ordem de serviço n.º ...00 (folhas 860 e seguintes).
No âmbito da inspeção à P... foi verificada, in loco, a inexistência de uma sede real da empresa. Não obstante esta deslocação ao local tenha ocorrido em 2012, certo é que, pelos proprietários do local indicado como sede da empresa foi apresentada fotocópia do contrato de arrendamento celebrado em março de 2008, para ter início em agosto de 2008 e da resolução desse contrato efetuada em novembro de 2008 por falta de pagamento da renda em mora superior a três meses. Conclui-se assim que a renda nunca foi paga nos três meses que durou o contrato. Apurou-se que esta sociedade não tinha trabalhadores declarados. A P... não procedeu à entrega da declaração anual referente aos exercícios de 2008 e seguintes, nem à declaração de rendimentos dos exercícios de 2008 e seguintes. Estamos perante uma sociedade comercial que se dedica à construção civil sem sede, sem trabalhadores, sem declarações fiscais, sem contabilidade e sem aquisição de materiais ou seja, meramente uma «fachada». Esta conclusão obtém ainda apoio no depoimento de GG.
Também no âmbito das diligências efetuadas pela Administração Tributária, designadamente por recurso à análise de documentação (fotocópias de cheques e extratos de contas bancárias), se apurou que os cheques alegadamente emitidos para pagamento das faturas, têm valores que não correspondem àquelas, nem o seu somatório coincide com o valor das faturas. DD confirmou todos os elementos apurados.
Decorre da concatenação de toda a prova que efetivamente as faturas indicadas na acusação não se referem a qualquer trabalho realizado, dado que a P..., suposta empresa fornecedora da obra, não tem atividade. DD foi perentório ao afirmar que esta empresa nunca poderia ter construído as moradias que viu, obras para as quais é necessário trabalho de pedreiro, carpinteiro, com fornecimento de todos os materiais, desde os tijolos, às tintas, ao cimento, ao mobiliário sanitário, vidros, caixilharia, estores, madeira, telhas… Nenhuma prova foi produzida que possa infirmar a conclusão óbvia de que a obra não foi realizada pela P..., pois não tinha materiais, não tinha funcionários, não tinha qualquer estrutura montada que o permitisse.
Acresce que a motivação é igualmente óbvia, pois ao apresentar as faturas à Administração Tributária a C... Construções iria diminuir o lucro tributável e assim, diminuir o montante do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. Por outro lado, atendendo a que a P... era uma empresa que existia apenas para emitir essa faturas, sem património, sem trabalhadores, sem existência fiscal ao nível das suas declarações, nada mais teria a perder. Cumpre notar que este tipo de «estratégia» foi utilizado pela P... com outras empresas, conforme decorre do teor da certidão da sentença proferida no processo n.º 240/14...., deste Juízo Local Criminal, junta em sede de audiência de julgamento. Ora, estes esquemas serviam para beneficiar alguém, sendo certo que, verificando-se que a P... em nada saiu beneficiada, naturalmente se conclui que CC atuou com a intenção de obter benefício próprio.
O Tribunal analisou a prova documental junta em sede de inquérito, mas também aquela que foi junta já em sede de audiência de julgamento, designadamente documentos da Administração Tributária, sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., impressões das matrículas comerciais e sentença judicial.
O elemento subjetivo do tipo decorre da prova dos factos objetivos, sendo do conhecimento comum a punibilidade criminal da emissão de faturas falsas e do não pagamento do IRC das empresas.
Quanto à situação pessoal dos arguidos o Tribunal atendeu ao teor dos relatórios sociais juntos aos autos. No que se reporta à sociedade arguida o Tribunal ponderou o teor dos documentos juntos em sede de audiência de julgamento.
Os antecedentes criminais dos arguidos tiveram por base os certificados de registo criminal juntos.
Fundamentação de Direito- Enquadramento jurídico-penal dos factos

O CRIME DE FRAUDE FISCAL.
Vêm os arguidos acusados pela prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2.º a), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

O crime de fraude fiscal, previsto no artigo 103.º, do RGIT estatui que:
“1- Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2- Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior € 15 000.
3- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.

Dispõe o artigo 104.º do RGIT que:
" 1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou coletivas residentes do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando: (Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou (Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a € 50 000. (Redação da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro)
3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a € 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas. (Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber. (anterior n.º 3-Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).

Como referem ANTÓNIO AUGUSTO TOLDA PINTO e JORGE MANUEL ALMEIDA DOS REIS BRAVO, in “O Regime Geral das Infrações Tributarias e Regimes Sancionatórios Especiais Anotados”, página 310, “é este o tipo de crime fiscal com o maior desvalor da ação no sentido que pune as condutas que são social e eticamente mais danosas dos interesses inseridos no âmbito da relação jurídico-tributária entre o Estado e os cidadãos”.
Sinteticamente, pode definir-se fraude fiscal como toda a ação ou omissão destinada a impedir, reduzir ou retardar o pagamento de uma obrigação tributária.
Analisando melhor este tipo de crime, dir-se-á que o sujeito ativo deste crime é o contribuinte (que pode ser uma pessoa singular ou coletiva, esta última punida por aplicação do artigo 7.º do R.G.I.T.) e o sujeito passivo, o Estado- Administração Fiscal.
Quanto ao bem jurídico protegido, cumpre referir liminarmente que existem, em tese, distintos modelos de organização dos crimes fiscais, como se colhe no Acórdão do S.T.J. de 21/05/2003 (processo n.º 03P132), publicado em http://www.dgsi.pt, onde se refere que:
“Relativamente aos modelos de organização dos crimes fiscais, tem-se distinguido três: o que centra a ilicitude no dano causado ao erário público, dando relevo na estrutura do ilícito ao desvalor do resultado; o que centra a ilicitude na violação dos deveres de colaboração dos contribuintes com a Administração e, por consequência, na violação dos deveres de informação e de verdade fiscal, dando prevalência ao desvalor da ação; o que se apoia em razões mistas, resultantes da combinação dos anteriores modelos. O legislador preferiu o modelo misto de proteção do património fiscal do Estado e de valores de verdade e lealdade fiscal, paradigma a que obedece ao direito português.”
Quanto ao tipo objetivo, este tipo de crime pode ser cometido quer por ação quer por omissão.
As condutas tipificadas na lei podem resumir-se na ocultação de factos ou valores declarados (por ação) /ocultação de factos ou valores que devam ser declarados (por omissão) simulação, quanto ao valor, à natureza, por interposição, omissão, ou substituição de pessoas, praticada em negócios, de que resultem factos sujeitos a tributação.
Outro elemento do tipo é, atualmente, a existência de vantagem patrimonial ilegítima relevante, não inferior a 15 000 euros.
Por outro lado, é necessário e quanto ao tipo subjetivo de ilícito, o dolo (cf. artigo 13.º e 14.º do C.P. aplicável ex vi artigo 3.º do R.G.I.T.)
É necessário que tais condutas visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, conforme se refere no corpo do artigo 103.º.
Quanto ao momento e o lugar em que se consuma o crime deve entender-se que o momento deverá ser o da receção da declaração “defraudada “ou o termo do prazo da sua apresentação (omissão).
Para a consumação do crime em apreço, tem-se entendido que é irrelevante a produção do resultado lesivo (defraudação do património publico fiscal).
Trata-se, com efeito, de um crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, pois o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano venha a ocorrer efetivamente. Ou seja, a sua estrutura paradigmática é a tentativa pois o resultado apenas releva para efeitos de graduação de pena. O resultado é antecipado para o momento anterior ao do dano material, para o momento em que o património fiscal do Estado é colocado em risco, sendo certo que o resultado fica dependente tão-só de mero acaso.
De facto, basta-se a lei com "as condutas ilegítimas tipificadas que visem ou sejam pré ordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias", vale dizer que “o crime de fraude fiscal não exige a verificação de prejuízo para o fisco.”- Cf. o Acórdão da Relação do Porto de 23/02/2005, p.0341594, relatado pela Desembargadora ISABEL PAIS MARTINS, disponível no sobredito site.
Ora, no caso, demonstrou-se que o arguido CC, na qualidade de gerente da sociedade P..., emitiu faturas que não correspondiam a qualquer serviço prestado e que se destinavam a ser usadas pelos arguidos AA e BB, na qualidade de gerentes da C... Construções para assim reduzir o montante do imposto a pagar a Estado. Mais resultou que causaram prejuízo ao Estado relativo ao I.R.C. devido pela C... Construções, pelo que se verificam os elementos objetivos do crime em apreço, designadamente por via da aplicação do artigo 104.º n.º 2 a) do RGIT.
No mais, vindo demonstrado que os arguidos AA, BB e CC agiram livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de obter vantagem patrimonial para si e para a sociedade C... Construções, que os primeiros geriam, a que sabiam não ter direito porquanto emitiu faturas que não tinham correspondência com trabalhos efetivamente realizados, defraudando o Estado no valor do I.R.C. e obtendo a correspondente vantagem patrimonial, sabendo ademais que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal, é patente que igualmente se verificam os elementos subjetivos do crime em apreço (cf. o artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal).
A sociedade arguida é punida por via do disposto no artigo 7.º do RGIT.

ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
1. Da escolha da pena.
O crime de fraude fiscal qualificada é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
As finalidades da aplicação das penas e das medidas de segurança prendem-se com a proteção dos bens jurídico penais e a reinserção do agente na sociedade, nos termos do artigo 40.º do C.P. Vale dizer, têm-se em vista as exigências da prevenção geral positiva e a da prevenção especial de socialização.
Com efeito, à escolha da pena presidem apenas considerações e finalidades exclusivamente preventivas, com prevalência dada à prevenção especial de socialização.
Esta prevalência, significará, nas palavras do Professor FIGUEIREDO DIAS, (in As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, 1993, pág.333), que “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas;”.
À prevenção geral está reservado o papel de limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização, na medida em que, desde que esta dite a aplicação de uma pena alternativa ou uma pena e substituição, “só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias” (FIGUEIREDO DIAS, ibidem, p.333).
Por outro lado, não podemos olvidar que no âmbito do direito penal fiscal, a proteção dos bens jurídicos, não pode dissociar-se do quadro de crescente eticização no domínio da arrecadação e distribuição dos impostos.
Na verdade, acompanhando ANABELA MIRANDA RODRIGUES (Apud “Contributo Para a Fundamentação De Um Discurso Punitivo Em Matéria Penal Fiscal”, in Direito Penal Económico E Europeu: Textos Doutrinários, Volume II, Coimbra Editora, 1999, p.481), “ é hoje um dado adquirido a eticização do direito penal fiscal, uma vez que o sistema fiscal não visa apenas arrecadar receitas, mas também a realização de objetivos de justiça distributiva, tendo em conta as necessidades de financiamento das atividades sociais do Estado.”
Ora, aplicando o que acaba de dizer-se ao caso sub judice, diremos que, considerando a frequência com que este tipo de crime tem vindo a ser cometido, é patente que as necessidades de prevenção geral se situam num patamar elevado, tanto mais que são sobejamente conhecidos os efeitos nefastos da fraude e evasão fiscal.
Esta realidade social tem por detrás o arreigado costume lusitano de evasão fiscal, à medida de um sentimento tão generalizado, como odioso e profundamente errado, de que o património fiscal, em lugar de ser concebido como um bem de toda a comunidade, concerne apenas a uma espécie de entidade abstrata a ludibriar: “o fisco”, sem qualquer impacto ou conexão na economia de cada um dos cidadãos contribuintes.
Como tal, postula a necessidade de dar um sinal claro da vigência da norma infligida.
Segundo o artigo 71.º do C.P., a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
De sorte que, a prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”: o limite máximo é constituído pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é efetivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial (Cf. o Professor FIGUEIREDO DIAS, in As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, 1993, pág. 229).
Dentro deste quadro, entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos, atuarão considerações de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Este quantum deverá promover a inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, alcançando, deste modo, uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos.
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “ a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (cf. FIGUEIREDO DIAS, in Consequências….p.230). O limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de por em causa a dignitas do delinquente (artigo 40.º, n.º2 do C.P.).
Nesta tarefa, o juiz é auxiliado pelo artigo 71.º, n.º2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes fatores de medida da pena de caráter geral, como seja o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Importa distinguir aqui o comportamento anterior e posterior à prática do crime, sendo que no caso do arguido CC, as sucessivas condenações judiciais sofridas revelam uma personalidade claramente desviante, sendo muito elevadas as necessidades de prevenção especial. As necessidades especiais subjacentes à situação de AA e BB não assumem particular cautela.
As necessidades de prevenção geral são elevadas, conforme já expendido, por outro lado, os arguidos AA e BB apresentam-se familiar e socialmente integrados.
Será ainda considerado que a C... Construções veio a reembolsar à Administração Tributária o valor de I.R.C. em falta.
Tudo ponderado, tendo em conta a referida moldura penal, entendo adequado fixar em um ano e dez meses de prisão a pena a aplicar aos arguidos AA e BB e dois anos e seis meses ao arguido CC.
Da Suspensão Da Execução da Pena de Prisão
Dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do C.P. (na redação emergente do 1.º, da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro) que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Um juízo favorável relativamente à suspensão da execução da pena de prisão assentará numa “prognose social favorável ao arguido” como lhe chama JESCHECK (apud LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, 3ª Edição, 1ºVolume, Editora Rei dos Livros, 2002, p.639), de que o mesmo não cometerá novos crimes inculcando a sentença já como censura suficiente e desencorajadora da prática de novos factos típicos.
No caso concreto, o Tribunal não vislumbra elementos de facto que desaconselhem determinar-se a suspensão da execução da pena aplicada aos arguidos AA e BB, tanto mais que quando estes factos foram praticados os arguidos não tinham antecedentes criminais registados e encontram-se inseridos social e familiarmente.
A este respeito rege o artigo 14.º do RGIT, decidindo-se, pois, pela aplicabilidade ao caso da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, por um prazo de um ano e dez meses – entendendo o tribunal que o artigo 14.º, do RGIT, constitui Lei especial relativamente às disposições do Código Penal, e, portanto, o período da suspensão não terá necessariamente que ser determinado em função da pena de prisão aplicada (cf. o artigo 50.º, n.º 5, do CP). A suspensão da execução da pena ficará subordinada à condição de os arguidos pagarem a quantia de € 2 000,00, cada um deles à Associação de Proteção dos Animais e Ambiente de ..., por se entender adequado a promover a sua reinserção social uma ação solidária, em prol de associações que necessitam dessa ajuda. Os dados da instituição estão disponíveis na sua página de facebook: NIB:  ...31 IBAN:  ...31 BIC SWIFT: CGDIPTPL NPC: ...09.
Tal prazo de suspensão reputa-se suficiente, atentas as condições pessoais de que os arguidos AA e BB beneficiam, para lhes permitir, com facilidade, cumprir a condição suspensiva.
No que respeita ao arguido CC, em face dos antecedentes criminais registados que ostenta, a sua falta de inserção social, inexiste qualquer fundamento que possa justificar uma suspensão da execução da pena de prisão.
Quanto à arguida C... Construções, Lda.ª, por força das disposições conjugadas dos artigos 7.º, 103.º n.º 1 a) e c), 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) e 12.º, do RGIT prevê-se que a pena pecuniária possa oscilar num intervalo entre 240 e 1200 dias, variando a taxa diária entre €5,00 e €5000,00, em função da situação económica e financeira da condenada e dos seus encargos (artigo 15.º, do RGIT).
À luz destas molduras legais, levando em consideração o proveito económico obtido e a situação atual da arguida, cujo capital social é de € 100 000,00, entendo adequado fixar a pena em 500 dias de multa, à taxa diária de € 20,00.

III. DISPOSITIVO

Nestes termos, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decide-se:

1.º Condenar AA e BB pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º n.º 1 a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) da Lei n.º 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infrações Tributárias), nas penas parcelares de um ano e dez meses de prisão, suspensa da sua execução, pelo prazo de um ano e dez meses, sob condição de, nesse prazo, os arguidos pagarem à Associação dos Amigos dos Animais e Ambiente de ... a quantia individual de € 2 000,00 (dois mil euros);
2.º Condenar C... Construções, Lda., atualmente L..., Lda., pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 7.º, 103.º n.º 1 a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) da Lei n.º 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infrações Tributárias), na pena de quinhentos dias de multa à taxa diária de vinte euros;
3.º Condenar CC pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º n.º 1 a) e c) e 104.º n.º 1 a), d) e e) e n.º 2 a) da Lei n.º 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infrações Tributárias), na pena de dois anos e seis meses de prisão.
Mais se condenam os arguidos AA, BB, C... Construções, Lda., atualmente L..., Lda. e CC no pagamento de 2 (duas) UC’s, a título de taxa de justiça individual – arts. 513.º e 514.º do CPP.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal e comunique à Administração Tributária.
Após a leitura da sentença, proceder-se-á ao seu depósito – cf. o artigo 373.º, n. º2, do CPP.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Recursos da “C... Construções, Lda.”, de AA e de BB
2.1.1.1. – Das Alíneas a), d) e e) do art.º 104º/1 L. n.º 15/1, 5/6 (R.G.I.T.)
2.1.1.2. – Da Transmissibilidade da Prova das Ações Inspetivas para o Processo Crime e da Constituição como Arguido
2.1.1.3. – Da Prova Indireta da Falsidade das Faturas
2.1.1.4. – Da Medida das Penas Aplicadas
2.1.2. – Do recurso Apresentado por CC
2.1.2.1. – Da Transmissibilidade da Prova das Ações Inspetivas para o Processo Crime e da Constituição como Arguido
2.1.2.2. – Da Prova Indireta da Falsidade das Faturas
2.1.2.3. – Da Medida da Pena Aplicada

2.1.1.1. – Das Alíneas a), d) e e) do art.º 104º/1 L. n.º 15/1, 5/6 (R.G.I.T.)

Cada um dos três arguidos recorrentes foi condenado pela prática do crime de fraude fiscal agravado, p. e p. pelos arts.º 103º/1, a) e c) e 104º/1, a), d) e e) e n.º 2), R.G.I.T.
Consideram os recorrentes que estas agravantes qualificativas não se verificam e que o Tribunal deveria ter usado dos meios para alargamento do objeto da acusação – arts.º 358º e 359º C.P.P. – comunicando novos factos, para que aquelas qualificativas fossem consideradas como provadas.
Entendem que, não o fazendo, a sentença sofre do vício de insuficiência de matéria de facto para a decisão (art.º 410º/2, 2), a), C.P.P.), mais referindo que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 379º/1, c), C.P.
As qualificativas do art.º 104º/1 R.G.I.T., tal como as do n.º 2), são modificativas do tipo geral previsto no art.º 103º, resultando na tipificação do crime de fraude fiscal qualificada.

Estão em causa nos autos, as als. a), d) e e), do n.º 1), quais sejam, respetivamente:

- conluio entre o agente e terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias, para efeitos de fiscalização tributária;
- o agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária:
- o agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro.

Desde já deve dizer-se que, nem sempre o facto de faltarem factos para uma qualificativa, devem originar uma comunicação para alteração de factos – arts.º 358º/359º C.P.P. Com efeito, isso só pode acontecer se esses factos não constavam da acusação ou pronúncia, mas se se vêm a apurar em sede de julgamento.
O procedimento comum é verificar-se que os mesmos constavam da acusação e resultaram provados, o que leva à condenação do arguido ou, se não resultaram provados, constassem ou não da acusação, determinar-se a absolvição do arguido.
Ora, no caso o que está em causa é que as ...”, emitidas pela sociedade “P...” à “C... Construções” não titularam verdadeiras transações de bens e serviços, sendo pois simuladas e atingindo o valor global de 131 100€ (cento e trinta e um mil e cem euros). Considerando tais custos pretensamente suportados pela “C... Construções”, foi erradamente diminuído o montante de I.R.C. a pagar em 2 009, pela “C... Construções”, só não havendo consequências também em sede de I.V.A., porquanto a “C... Construções” suporta este imposto, sem direito a dedução.
O M.P., quer nas suas contra-alegações quer no parecer emitido já neste Tribunal da Relação entendeu não se verificar a al. a) da agravação, que assim deveria desaparecer da condenação.
Ora, no caso há conluio entre os representantes da “C... Construções” e o da “P...”, no sentido da emissão das faturas em apreciação para utilização pela primeira.
Parece-nos que a dissensão ocorreu quanto ao facto de os arguidos estarem sujeitos a obrigações acessórias, para efeitos de fiscalização tributária.
Diz-nos porém o art.º 31º/2 L.G.T. (D.L. n.º 398/98, 17/12) quais são as obrigações acessórias dos contribuintes – “são obrigações acessórias do sujeito passivo, designadamente, as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações”.
Ora, as sociedades arguidas estão-no e como tal também o estão os seus representantes legais, que são os seus gerentes.
Aliás, por isso foram pedidos elementos documentais relativos ou ligados às faturas em causa, na pessoa dos seus gerentes.
Pelo que, se considera assim preenchida a al. a), do n.º 1, do art.º 104º/1 R.G.I.T., enquanto agravante modificativa.
Também no que se refere às als. d) e e), do referido n.º 1), a falsificação e utilização das referidas faturas simuladas enquadram-se nas mesmas, verificando-se assim esta agravante.
Devem assim manter-se todas as referidas agravantes do crime de fraude fiscal qualificada do art.º 104º/1 R.G.I.T., além da constante do n.º 2), a), que não foi impugnada,
Não há pois, quaisquer alterações de factos a efetuar – substanciais ou não substanciais – não ocorrendo também qualquer omissão de pronúncia, nesta parte da sentença.

Improcede pois, este segmento do invocado pelo arguido, assim se mantendo a qualificação jurídica constante da sentença recorrida.

2.1.1.2. – Da Transmissibilidade da Prova das Ações Inspetivas para o Processo Crime e da Constituição como Arguido

A segunda questão posta pelos três recorrentes tem a ver com a relação entre a prova obtida através de ação inspetiva tributária e sua transmissibilidade para o Processo Penal correspondente.
Com efeito, nas inspeções tributárias está em causa o pagamento correto dos impostos, visando aquela atuação da Autoridade Tributária, de ora em diante A.T., verificar e corrigir, se necessário, os pagamentos dos impostos pelo Contribuinte. Está em causa o princípio do pagamento integral da prestação tributária, enquanto forma de satisfação das necessidades financeiras do Estado, de repartição justa dos rendimentos e da riqueza e de diminuição das desigualdades económicas entre os cidadãos  - arts.º 103º e 104º C.R.P.
Ou seja, a atividade tributária é exercida em nome do Estado e em prol da diminuição das desigualdades entre os cidadãos e da repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
Tendo em conta estes objetivos sociais e do próprio Estado, bem se compreende que sob o contribuinte impenda um dever geral de colaboração, quando ele é o alvo de uma inspeção tributária – arts.º 59º e 63º Lei Geral Tributária (D.L. n.º 398/98, 17/12), de ora em diante L.G.T. e 9º Regime Complementar de Processo de Inspeção Tributária e Aduaneira (D.L. n.º 413/98, 31/12), de ora em diante R.C.I.P.T.
Dever de colaboração e lealdade, cujo incumprimento pode até levar à aplicação de coimas por contraordenações, ao contribuinte.

Ora, esse dever de colaboração não existe em Processo Penal para o arguido pois, depois de constituído como tal, pode remeter-se ao silêncio e não responder a quaisquer perguntas sobre os factos imputados – art.º 61º/1, d), C.P.

Este direito tem consagração democrática nas sociedades democráticas, quer como uma garantia de defesa decorrente do art.º 32º/1 C.R.P., quer como decorrente do direito a uma justiça equitativa (arts.º 6º C.E.D.H. e 20º/4 C.R.P.).
Com efeito, tem-se entendido o direito ao silêncio do arguido como uma decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, que por isso terá o direito à não autoincriminação, bem plasmado já no brocardo romano “nemo tenetur se ipsum accusare”.
Ninguém é obrigado a contribuir para a sua autoincriminação, o que constitui uma garantia de defesa e de justiça equitativa, baseada na dignidade e integridade da pessoa humana.
A condenação ou a verdade dos factos não pode ter de surgir a qualquer preço. E seria desumano e indigno, obrigar-se alguém a falar até conseguir-se a sua incriminação.
Pelo contrário, esta deve surgir do conjunto de provas reunidas contra o agente e não de comportamentos obrigatórios por parte deste, que afinal restringiriam as suas garantias de defesa de tal modo, que essa conduta seria indigna e não equitativa.
Não pode obrigar-se alguém a imolar-se a si próprio, como aliás foi típico em tempos idos e remotos da Inquisição.
Do mesmo modo são nulas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas, nomeadamente com perturbação da liberdade de vontade ou decisão por utilização de meios cruéis ou enganosos, incluindo a hipnose, perturbação da memória, utilização da força ou ameaça com medida legalmente inadmissível ou promessa de vantagem legalmente inadmissível (art.º 126º/1 e 2), C.P.P.) – dispositivo que trata dos métodos proibidos de prova.
Os fins não justificam os meios e a verdade material não pode ser encontrada com métodos infamantes ou indignos, para com a pessoa humana.
A questão tem sido discutida no âmbito do Direito Penal Fiscal, em que geralmente a Autoridade Tributária faz primeiro uma prova por inspeção, fase em que o contribuinte é obrigado a cooperar, para depois, com as provas obtidas, instaurar um processo crime, que já é norteado pelo princípio dos direitos de defesa do arguido e no respeito da sua dignidade, como pessoa humana.
Parece uma questão única em Processo Penal, mas na verdade não o é totalmente, pois o condutor e possível infrator da lei penal, também é obrigado a entregar às autoridades a sua carta de condução e o condutor embriagado é também obrigado a “soprar no balão” para efeitos de alcoolémia ou a fazer o correspetivo teste de alcoolémia no sangue.
Mas, entre a obtenção de prova penal fiscal em sede de inspeção tributária ou de processo penal fiscal há realmente uma diferença de filosofias e de modos de atuação.

Diferença que porém, é algo mitigada pelo disposto no art.º 63º/5, als. a) a d), L.G.T, em que se permite, na fase inspetiva, a não cooperação do contribuinte inspecionado, nos casos em que:

- esteja em causa o acesso à sua habitação;
- esteja em causa o acesso a factos da sua vida íntima;
- esteja em causa a consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional;
- esteja em causa a violação de direitos da personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos previstos na Constituição e na lei.

Ora, nesta última alínea estará também incluído o princípio “nemo tenetur” e a possibilidade de recusa do inspecionado a adotar comportamentos que o possam autoincriminar.
É óbvio que subsistem as diferenças face ao Processo Penal. Com efeito, neste, a constituição de arguido é expressamente comunicada ao suspeito, com a indicação e, se necessário a explicação dos seus direitos e deveres, referidos no art.º 61º C.P.P.
É nomeadamente obrigatória, quando corra Inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeitas da prática de um crime e esta for prestar declarações, perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal – art.º 58º/1, a), C.P.P.
O que é deveras importante, pois se isto não acontecer – a constituição como arguido, com menção expressa dos direitos e deveres – as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova (art.º 58º/6 C.P.P.).
O que pode também afetar a nulidade de atos probatórios de Inquérito daí decorrentes – “efeito à distância da declaração de nulidade”, nos termos do disposto no art.º 122º/2 C.P.P. Com efeito, entende-se que o facto de aquelas declarações não poderem valer como prova equivale à declaração da sua nulidade.
Ora, as questões que se põem nos autos são as da transmissibilidade da prova obtida em processo inspetivo tributário para o processo penal e a da constituição tardia como arguidos, destes recorrentes – “C... Construções”, AA e BB.
Com efeito e depois de a inspeção à “P...” revelar já suspeitas sobre a fidedignidade das três faturas em causa nos autos, a A.T. fez uma segunda inspeção à “C... Construções”, que já se sabia tê-las utilizado, em lugar de optar desde logo pela constituição de todos como arguidos.
E, com isto, a “C... Construções” e seus gerentes tiveram de colaborar naquela atividade inspetiva, em lugar de invocarem os seus direitos como arguidos em nome próprio e em representação da sociedade, caso em que poderiam simplesmente remeter-se ao silêncio, optando pelo princípio “nemo tenetur”.
Quanto à primeira questão – a da transmissibilidade da prova colhida em processos inspetivos tributários, para o correspetivo processo penal posterior, correspondente.
Como se viu já são algo diferenciadas as estruturas do processo tributário inspetivo e do processo penal, embora de forma mitigada, pois também no processo inspetivo, o inspecionado pode não colaborar quando estão em causa direitos e grantias fundamentais suas. Não beneficia é dessa informação expressa, como no processo penal com a constituição como arguido.
Como se disse, o dever de pagar impostos constitui questão de interesse coletivo, no sentido da satisfação das necessidades coletivas do Estado e da diminuição das desigualdades pessoais (arts.º 103º e 104º C.R.P.). São tarefas fundamentais do Estado a promoção do bem-estar e qualidade de vida do povo, bem como da igualdade entre os portugueses (art.º 9º/d, C.R.P.), bem como a promoção da justiça social, assegurando a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal (art.º 81º/b, C.R.P.).
A política fiscal e recebimento da respetiva receita prosseguem assim fins de natureza estadual e social, a promover pelo Estado – estando assim em causa o interesse comum e do próprio Estado.
Relevante na descrição desta peculiaridade dos crimes fiscais e quanto à transmissibilidade da prova inspetiva fiscal baseada no princípio da cooperação, para a prova processual penal baseada nas garantias de defesa do arguido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/13, de 17/6/2 013, Cura Mariano.
Tendo em conta tudo o supra exposto e tendo em conta os fins Constitucionais da cobrança de impostos e também o facto de as normas do processo inspetivo conterem já outras de defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias (o citado art.º 63º/5 L.G.T.), se entendeu que o não aproveitamento dos elementos de prova recolhidos em sede de inspeção tributária geraria um efeito indesejado, no Direito Penal Tributário – a “impunidade penal”.
A compressão do direito ao silêncio – ou melhor, da não comunicação expressa desse direito – ou das garantias de defesa do inspecionado, foi aí considerada como proporcionada (art.º 18º/2 C.R.P.) ante os objetivos Constitucionais para o recebimento de impostos e assim, contra a fraude e evasão fiscais.
De facto e dada a complexidade e pouca exposição externa das questões fiscais, de outra forma seria impossível investigar. Esta transmissibilidade da prova deve ser tida como não inconstitucional, uma vez que as restrições de direitos para os investigados se tratam de medidas equilibradas, no sentido de garantir-se a eficiência do sistema penal. E são previstas em lei, com a necessária generalidade e abstração.
Só se tornaria inconstitucional uma extensão indevida e arbitrária do processo inspetivo, para abuso do dever de colaboração.
Demais, o inspecionado poderá sempre requerer a sua constituição como arguido, nos termos do disposto no art.º 59º/2 C.P.P.

No mesmo sentido se vem pronunciando reiteradamente, de entre outros, este Tribunal da Relação de Guimarães – cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/1/2 007, Cruz Bucho, de 12/3/2 012, Ana Teixeira e Silve e de 20/1/2 014, António Condesso, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Também aqui não tem aplicação a declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 298/19, Pedro Machete, 15/5/2 019, pois aí apenas se disse que seria inconstitucional interpretação normativa que permitisse que um arguido já constituído, fosse obrigado, durante o Inquérito, a cooperar com inspeção tributária feita durante a pendência desse mesmo Inquérito, em que já era arguido. Ora aqui, as constituições como arguido só surgem depois das duas ações inspetivas, pelo que a questão não se põe nos termos do referido Acórdão.
Porém, o cerne do argumento dos recorrentes não se fica por aqui.
Entendem que já tendo sido feitas várias vistorias à sociedade “P...” e já constando que as três faturas passadas e utilizadas pela “C... Construções” não correspondiam a qualquer transação efetuada, sendo simuladas, finda a inspeção à primeira devia ter-se seguido a constituição de todos como arguidos, nos termos do disposto no art.º 58º/1, a), C.P.P., após abertura do respetivo Inquérito.
No entanto, a A.T. optou antes por fazer uma segunda inspeção, agora à “C... Construções”, em vez de abrir um inquérito crime à mesma e seus gerentes.
Ou seja: entende que ocorreu um prolongamento abusivo das duas ações inspetivas, no sentido de os recorrentes terem de colaborar com a A.T., não podendo fazer valer-se dos seus direitos como arguidos.

E tanto assim, que a pedido da A.T. são os arguidos que lhe fornecem:
- extratos bancários;
- o contrato de empreitada entre a “P...” e a “C... Construções”;
- autos de medição, alegadamente referentes à obra;
- cópia de seis cheques, que alegadamente serviram para efetuar o pagamento das faturas.

Isto quando deveriam antes ter elaborado auto de notícia e informado o M.P. das suspeitas de crime, que envolviam já também a “C... Construções” e seus gerentes, ora recorrentes – arts.º 35º/1 e 40º/1 R.G.I.T. e 243º C.P.P. A isso se seguiria a respetiva constituição como arguidos.
Relevante ainda que a omissão destas formalidades implicaria que não pudessem ser utilizadas eventuais declarações dos suspeitos, quando ainda não constituídos arguidos, devendo sê-lo.
Ora, a verdade é que a “P...” foi sujeita a várias ações inspetivas, como decorre de fls. 856/881 e 902/927, que deram causa a vários relatórios de inspeção:
- o de fls. 856/868V.ª, referente à atividade da sociedade em 2 009 e em que já se encontram referências feitas às faturas emitidas à “C... Construções” e que deram causa aos autos, no valor global de 131 500€ (cento e trinta e um mil e quinhentos euros) e em que alguns elementos já tinham sido pedidos a esta, o que não foi totalmente satisfeito (cfr. fls. 866) e de onde nasce a proposta de ação inspetiva à “C... Construções”, em 2 de Julho de 2 012;
- o de fls. 874/881, referente a inspeção à “P...” e referente aos anos fiscais de 2 010, 2 011 e 2 012;
- o de fls. 903/927, referente a inspeção tributária à mesma empresa relativamente a I.V.A. indevidamente recebido, referente aos anos de 2 004 e 2 005 e recebido em 2 008, por utilização de faturas falsas.

Assim, apenas o primeiro dos referidos relatórios de inspeção se refere ao ano de 2 009 e às faturas simuladas, em causa nos autos. No momento em que se pede a ação inspetiva à “C... Construções”, ainda não se conhece bem a situação desta sociedade quanto a estas faturas, até pela exiguidade de respostas dadas, a pedidos feitos pela A.T.
Na sequência disso é feita a ação inspetiva tributária à “C... Construções”, em que se conclui que efetivamente estão em causa “operações simuladas, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza ou intervenientes, contabilizadas como custos de exercício” – fls. 72/80V.º dos autos. O relatório final em que se conclui nestes termos, data de 29 de Outubro de 2 013 (fls. 80V.º).
Na mesma data é feito auto de notícia referente à “C... Construções” (fls. 72 e V.º), que dá entrada na Direção de Finanças ... em 4 de Novembro de 2 013 (fls. 72).
A própria A.T. constitui arguidos AA e BB e a “C... Construções”, respetivamente em 18/2/2 014 (fls. 31), 18/2/2 014 (fls. 38) e também em 18/2/2 014 (fls. 29 e 33, nas pessoas dos seus representantes legais XX e AA, tomando-lhes T.I.R.`s, na mesma data.
Estas constituições como arguido são validadas por despacho do M.P. de ..., datado de 26/2/2 014 (fls. 45).
Questão posta pelos recorrentes é a de saber se a constituição como arguidos dos recorrentes não deveria ter ocorrido mais cedo e antes até desta inspeção à “C... Construções”, no sentido de os mesmos gozarem das prerrogativas dos arguidos em processo penal. Isto, porque a constituição como arguido é obrigatória quando corre Inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime – art.º 58º/1, a), C.P.P.
Que o mesmo é dizer que antes deveria ter levantado o auto de notícia e dado notícia das suspeitas de crime ao M.P., para a consequente abertura de Inquérito, que necessariamente precede aquelas constituições como arguido – arts.º 35º e 40º R.G.I.T. e 243º C.P.P. 
O Inquérito inicia-se com a notícia do crime tributário, sob a direção do M.P. e nos termos do C.P.P. – art.º 40º/1 R.G.I.T.
Conforme decorre de fls. 866, no primeiro momento – inspeção à “P...” – a “C... Construções” apenas tinha fornecido à A.T. cópias dos cheques ao portador alegadamente para o pagamento das faturas e cópias dos extratos bancários.
A simulação de faturas ou uso de faturas falsas é bilateral, isto é ocorre pela fusão de vontades do emitente das faturas e do seu utilizador, deixando naturalmente rasto nos dois lados.
Era efetivamente na “C... Construções” que se podia esclarecer se as obras tituladas pelas faturas realmente foram feitas, respetivo contrato de empreitada, autos de medições para os pagamentos – estes dois elementos foram depois obtidos, durante a segunda inspeção – e saber-se até se ali estiveram trabalhadores a laborar, bem como se há razão plausível para que os cheques emitidos tivessem sido depositados em contas de terceiros.
Antes e após a inspeção à “P...” haveriam alguns indícios de que poderiam estar em causa faturas falsas; mas não havia certamente, a notícia do crime tributário, nos termos exigidos no art.º 40º/1 R.G.I.T.
Ora, o que a A.T. visa nas ações inspetivas é obter indícios seguros da prática de crimes tributários, para depois os comunicar ao M.P. para proceder ao respetivo Inquérito.
Faltava a confirmação dos indícios de crime a obter do utilizador das faturas, sendo que neste até se poderiam infirmar as anteriores suspeitas – imagine-se que a “P...” tinha mudado de sede, eram mostradas as obras realizadas por esta, se provavam efetivos pagamentos e se detetavam pessoas que nas mesmas tinham trabalhado.
Como se disse, atentas as especificidades do Direito Penal Fiscal é lícita a transmissibilidade da prova obtida por inspeção tributária, para o Processo Penal. Nas inspeções tributárias visa-se o esclarecimento da situação tributária do contribuinte, para isso sendo competente a A.T. – arts.º 63º/1 L.G.T. e 2º e 16º/1 R.C.I.P.T.
Assim, a A.T. apenas pretendeu confirmar as suas suspeitas de crime tributário, junto da “C... Construções”, para depois comunicar os indícios seguras da prática de crime fiscal ao M.P., para instauração do respetivo processo crime.
Os recorrentes criticam aqui a atividade da A.T.; mas esta decerto também seria criticada se sujeitasse um contribuinte a um processo crime, sem sequer confirmar junto de si os indícios existentes. Decerto se diria que, se a A.T. tivesse inspecionado e ouvido o outro agente envolvido, este não estaria sujeito a Inquérito e com T.I.R., o que só teria acontecido por insuficiência dos serviços inspetivos e ausência de possibilidades de contraditório.
Claro que a lei usa conceitos indeterminados e cláusulas gerais para todas estas atividades e até para o momento da comunicação dos factos ao M.P., para instauração de processo crime.
De qualquer forma, parece-nos não poder defender-se que a A.T. estendeu para além do necessário a ação inspetiva, para assim beneficiar do dever de colaboração dos recorrentes – que, como se viu, não era também total.
É que a constituição como arguido também é estigmatizante e a obrigatória prestação de T.I.R. (art.º 196º/1 C.P.P.) não deixa também de ser uma medida de coação que acarreta o cumprimento de vários deveres (art.º 196º/5, a) a f), C.P.P.), limitativos da liberdade de deslocação e da intimidade da vida privada. Só devem pois ser acionadas quando existe já alguma segurança nos indícios referentes aos arguidos, quanto aos quais é iniciado o Processo Penal.
Senão, também sempre se falaria da banalização da constituição de arguidos, da prestação por si de T.I.R. e da própria existência de processos penais, por iniciativa das autoridades públicas e em casos sem a consistência necessária a adequada, a tais procedimentos.
Ou seja, o propugnado pelos arguidos também poderia suscitar fundadas críticas.
Não ocorreu pois, qualquer violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé (art.º 266º/2 C.R.P.).
O que leva a que se julgue improcedente esta parte do recurso dos arguidos “C... Construções”, AA e BB.

2.1.1.3. – Da Prova Indireta da Falsidade das Faturas

No caso dos autos está em causa a prova direta de um facto positivo, mas também a prova indireta de um facto negativo:
- o primeiro tem naturalmente a ver com a existência e utilização contabilística das três faturas em causa nos autos;
- o segundo, com o facto de elas se reportarem a factos que não existiram, i.e. à inexistência dos factos titulados pela fatura ou sejam a transação comercial e respetivo pagamento, pela “C... Construções”.

Nesta parte está em causa um facto negativo, cuja prova é sempre muito mais difícil, a ponto de se poder falar de uma “probatio diabolica”.
Teria de haver alguém ou algum documento que demonstrasse por si, a inexistência das obras tituladas pelas faturas, o que sempre seria muito difícil.
Os recorrentes alegam que o testemunho de DD, que assinou o relatório final referente à “C... Construções”, se traduz numa prova indireta pois baseou-se no relatório final feito quanto à “P...”, feito por uma colega sua e não por si – YY (fls. 863/868V.º). E que assim, se trataria de um depoimento indireto, desprovido de valor probatório (art.º 129º/1 e 2), C.P.P.).
Esquecem-se porém os recorrentes que os ditos relatórios, na parte em que contêm factos, são eles próprios prova documental, suscetível de ser valorada pelo Tribunal.
Ora, nesta parte não ocorre qualquer proibição de prova, sendo porém verdade que estará sempre em causa prova por inferência ou seja, prova retirada em termos lógicos de elementos conhecidos.
Isto, na parte referente ao relatório da “P...”.
Tendo a testemunha sido já a instrutora da inspeção à “C... Construções”, os factos por si já diretamente conhecidos nesta empresa já podem ser tomados em valor no seu depoimento, estando em causa prova direta dos factos controvertidos.
Para a prova dos referidos factos – a falsidade/simulação das três faturas da “P...” utilizadas pela “C... Construções” – existirá pois, prova direta e indireta, a integrar corretamente segundo as habituais normas da experiência e no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, pelo julgador.
Para os recorrentes porém, não há prova suficiente dos factos positivos narrados nos arts.º 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 13º dos factos provados da sentença.
Ora, desde já deve dizer-se que pode existir prova da prática de um crime, quer através de prova direta, quer indireta.
A prova de um facto baseia-se no sentimento de segurança do julgador, no sentido de que o facto ocorreu tal como descrito.
De facto, a classificação tradicional entre prova direta e indireta, até pode dizer-se que diz pouco quanto à credibilidade da mesma.
Basta pensar-se no testemunho falso, de alguém que diz ter assistido a determinado homicídio.
As ferramentas de trabalho do intérprete do Direito é que têm de ser outras: a da credibilidade ou plausibilidade da prova na prova direta e a da segurança da inferência ou presunção natural (art.º 349º C.C.), quando a prova é indireta.
A prova através de prova indireta não é, necessariamente, uma “probatio diabolica”.
Tal como a prova por prova direta, por vezes não é tão segura como isso.
Daí a necessidade de fundamentação, no sentido de serem objetivados e passados por um crivo racional, os juízos probatórios.
Claro que, na prova indireta não há qualquer meio de prova, do qual se retire com segurança que o arguido praticou o crime: o depoimento de alguém que o viu fazê-lo, a existência de indícios seguros de que foi o arguido a cometer o crime (perícias de balística ou impressões digitais, por exemplo) ou de algo que ponha sem dúvidas, o arguido no local do crime.
A prova dos factos há-de ser feita, necessariamente, de forma mais indireta e através de um conjunto de indícios seguros, que interpretados conjuntamente fazer com que o intérprete retire desses factos conhecidos, graves e seguros, um facto desconhecido que constitui o arguido na prática segura de crime. É aquilo a que a lei civil chama de “presunções”, no Capítulo 2º do Código Civil, dedicado às “provas” - art.º 349º C.C. Ora, a prova por presunção consiste exatamente “na ilação que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido, para afirmar outro desconhecido”.
Os factos conhecidos são assim os indícios de prova indireta e o facto desconhecido, o “factum probando”.
É óbvio que a Jurisprudência e a doutrina foram afirmando os requisitos da prova indireta, no sentido de se validar a ilação ou presunção.

Como se disse no Acórdão do S.T.J. de 12/9/2 007, Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt, o
“requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida, dos factos-base de que há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.

Ou, como diz Santos Cabral, “Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade”, www.stj.pt,
“A prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza.
Os indícios devem ser graves, precisos e concordantes.”
Reiterando a última afirmação de Santos Cabral quanto às características dos indícios que devem servir para a prova indireta, o Acórdão do S.T.J. de 6/10/2 010, Henriques Gaspar, acessível em www.dgsi.pt.
A questão está assim bem estudada e consolidada há vários anos, não sendo uma questão nova, nem polémica. A sua aplicação ao caso concreto é que revela dificuldades e tem levado a múltiplos entendimentos na prática e em processos concretos, ou não fosse a Justiça feita por Homens e, quer se queira quer não, sempre dependente de algum grau de subjetividade.
É esta a dificuldade destes casos e não a variabilidade de visões sobre questão teórica.
Passemos pois, ao caso dos autos.

Assim é que, no relatório de inspeção tributária à “P...” se diz, de forma direta que – fls. 863/868V.º:

- a correspondência para o local da sede da empresa foi devolvida pelos C.T.T. com a menção “mudou-se”;
- não foi vista pelos inspetores tributários qualquer atividade no local da sede, no dia 17/4/2 012;
- o contrato de arrendamento referente ao imóvel da sede foi resolvido pelo senhorio, por falta de pagamento de renda, em 24/11/2 008;
- a Segurança Social referiu às Finanças que, em 2 009, 2 010 e 2 011, a “P...” não enviou declarações de remunerações de trabalhadores;
- a referida empresa não entregou ainda declarações de rendimentos relativos aos anos 2 008 e seguintes;
- os cheques enviados pela “C... Construções” como referentes ao pagamento das faturas não têm correspondência com o valor de qualquer faturas e, no total, excedem o somatório das mesmas;
- foram emitidos ao portador e não em nome da “P...”.

Por isso se fez nova inspeção tributária, desta feita à “C... Construções”, em que interveio o Inspetor Tributário DD, que assinou o relatório final e que foi testemunha em julgamento, confirmando-o – nesta parte estando pois em causa prova direta. Ali se diz, que:

- a “C... Construções” registou na sua contabilidade como custos, as referidas três faturas da “P...”, no valor total de 131 100€ (cento e trinta e um mil e cem euros), incluindo I.V.A.;
- não apresentou folhas de registo de pessoal presente em obra ou cópia de apólice de seguros de acidentes de trabalho e de responsabilidade civil, referentes às ditas obras ou cópias de faturas de materiais, utilizados nas referidas obras;
- a “C... Construções” apresentou supostos contrato de empreitada e três autos de medição da obra, mas que não estão assinados por parte da “P...”;
- as cópias de seis cheques entregues pela “C... Construções” e os outros dois, não entregues, mas referidos no extrato bancário, alegadamente para pagamento das faturas, totalizam 131 500€ (cento e trinta e um mil e quinhentos euros) e não o valor global destas, que é de 130 500€ (cento e trinta mil e quinhentos euros);
- três desses cheques, emitidos ao portador, foram depositados na conta de FF e não na da “P...” ou do seu gerente;
- outro dos cheques apresentados pela “C... Construções” foi também passado ao portador e movimentado por alguém que se desconhece e assinou no seu verso “ZZ”, sendo segundo nome ilegível;
- quanto aos últimos dois, um deles também foi emitido ao portador e movimentado por pessoa que se desconhece e um terceiro foi emitido à ordem de “VV”, também pessoa que nada tem a ver com a sociedade “P...”, emissora das faturas e alegadamente prestadora das obras;
- os outros dois, como se referiu, não foram apresentados.

Afinal, a referida 2ª inspeção efetuada à “C... Construções” adensou as suspeitas de que as referidas faturas eram falsas por simuladas, por não titularem quaisquer serviços prestados pela “P...” à “C... Construções”.
Estão em causa uma série de indícios constantes dos relatórios e quanto ao segundo, reproduzidos pela testemunha DD, Inspetor Tributário e que dos mesmos teve conhecimento também por via direta.
Estes indícios são seguros, diretos, contemporâneos e de interpretação unívoca, deles se podendo inferir com a necessária segurança que a “P...” não efetuou qualquer obra à “C... Construções”, nem esta lhe pagou qualquer importância a esse título.
Não só há prova suficiente para isso, como os recorrentes não conseguiram demonstrar que se impõe decisão diversa, nos termos do disposto no art.º 412º/3, b), C.P.P.
Aliás, ser-lhes-ia fácil demonstrá-lo, quer arrolando testemunhas que invocassem a execução da obra pela “P...” ou trabalhadores que ali tivessem trabalhado.
Os recorrentes remeteram-se ao silêncio e com isso não podem ser prejudicados; mas, tendo ocorrido esses trabalhos e ocorrido os respetivos pagamentos seriam os primeiros a ter interesse em explicar, o que assim não tem explicação.
Sem nenhum sinal de que a “P...” tenha executado as obras ou de que a “C... Construções” as tenha pago, antes havendo indícios seguros do contrário, a conclusão a tirar em termos de regras normais da experiência é que tais obras nunca existiram, razão por que também se não divisa o seu pagamento.
Aliá e ainda segundo as normas da experiência, ninguém paga contas devidas com cheques ao portador, exatamente pela dificuldade que daí advém em fazer prova dos pagamentos. Pelo que é completamente legítima a inferência de que tais cheques nunca serviram para pagar quaisquer obras, efetuadas pela 1ª sociedade, à 2ª.
Devem assim manter-se como provados os factos narrados nos arts.º 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 13º dos factos provados da sentença, improcedendo também nesta parte os recursos dos arguidos “C... Construções, Lda.”, AA e BB.
           
2.1.1.4. – Da Medida das Penas Aplicadas

Estes arguidos recorrentes não concordam também, com as penas que lhes foram aplicadas, que reputam de “manifestamente injustas, desproporcionadas, exageradas e desajustadas, em face do disposto no art.º 12º e segs. R.G.I.T.”.
E, com efeito, o R.G.I.T. prevê normas específicas para os crimes fiscais, nomeadamente quanto às penas aplicáveis (art.º 12º), de a pena dever variar em função do prejuízo causado (art.º 13º) e de se preverem casos especiais de dispensa e atenuação especial da pena, nomeadamente pelo pagamento da prestação tributária devida (art.º 22º).
Os arguidos pessoas singulares pedem a redução das penas que lhes foram aplicadas, por ocorrerem diminutas exigências de prevenção especial, nenhum ter antecedentes criminais e por terem decorrido mais de dez anos sobre a prática dos factos.
Invocam ainda o facto de terem reposto a verdade fiscal (art.º 17º dos factos provados), muito antes de se ter iniciado o julgamento, o que, em seu entender deve dar lugar à aplicação do instituto da atenuação especial da pena.
Os recorrentes pessoas singulares – AA e BB – pedem assim que as penas de prisão aplicadas sejam reduzidas para quatro meses de prisão, substituída por 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de 8€ (oito euros).
Sustentam ainda que a condição de pagar 2 000€ (dois mil euros) cada um, à “Associação dos Amigos dos Animais e Ambiente de ...” não faz sentido, nunca devendo até qualquer condição imposta ultrapassar a quantia de 1 000€ (mil euros).
Quanto à sociedade “C... Construções”, referem que a pena de multa aplicada não teve em conta a situação económica e financeira da arguida, reputando de “elevadíssima” a taxa diária de 20€ (vinte euros) Consideram também que a pena de quinhentos dias de multa aplicada é exagerada e desajustada.

Ora, todos os arguidos foram condenados pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts.º 103º/1, a) e c) e 104º/1, a), d) e e) e n.º 2), a), R.G.I.T., crime que tem as seguintes molduras penais:
- para as pessoas singulares, pena de 1 (um) a 5 (cinco) anos;
- para as pessoas coletivas, pena de 240 (duzentos e quarenta) a 1 200 (mil e duzentos) dias, com uma taxa diária entre 5€ (cinco euros) e 5 000€ (cinco mil euros) – art.º 15º/1 R.G.I.T.

Os arguidos AA e BB foram condenados, cada um, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa por igual período, sob condição de, nesse prazo, pagarem a quantia de 2 000€ (dois mil euros) à “Associação dos Amigos dos Animais e Ambiente de ...”.
Logo, a pena de prisão foi concretizada um pouco abaixo do primeiro quarto, da respetiva moldura penal.
A arguida “C... Construções” foi condenada na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, logo entre o primeiro quarto e o primeiro terço da pena. Quanto à taxa diária da multa, a mesma foi ainda fixada pouco acima do limite mínimo legal previsto – foi fixada a taxa diária de 20€ (vinte euros), dentro do limite de 5€ (cinco euros) a 5 000€ (cinco mil euros).

Vejamos os fins das penas, antes de as concretizar.
Está hoje ultrapassada a visão retribucionista da pena, segundo a qual esta varia apenas em função da culpa do agente. Ela estabelece antes, o limite máximo da pena a aplicar.
Considerações de prevenção geral, devem determinar o seu limite mínimo; senão, a pena seria considerada laxista pela comunidade social, e serviria como foco impulsionador de outras condutas desviantes.
Dentro destes parâmetros, são as exigências de prevenção especial ou, dito de outra forma, a necessidade de reinserção social do agente que há-de determinar a medida da pena a aplicar (neste sentido, F. Dias, "Direito Penal Português", Ed. Notícias, 1993, págs.214 e segs.; Robalo Cordeiro, "Escolha e Medida da Pena", em "Jornadas de Direito Criminal", págs. 235 e segs.; Anabela M. Rodrigues, "Rev. Port. Ciência Criminal", Ano1, Nº2, págs. 248 e segs.).

Na linguagem de Figueiredo Dias, op. cit., pág. 227,

“As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.”

Como refere na mesma obra, pág. 230,
“A culpa traduz-se numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”.

Ou ainda, a págs. 231,
 “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (…) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.”

Concretizando, vejamos as agravantes gerais dos arguidos:
- estar em causa já um esquema ardiloso e de conluio, entre os responsáveis por duas sociedades diferentes (art.º 71º/2, a), C.P.);
- o dolo direto, com que todos atuaram (art.º 71º/2,b), C.P.);
- o montante já alto, que a “C... Construções” deixou de pagar em termos de I.R.C. – 28 570.85€ (vinte e oito mil, quinhentos e setenta euros e oitenta e cinco cêntimos) – art.º 71º/2, a), C.P.;
- o número de agravantes que se verificam, quatro, sendo que uma seria já suficiente para o preenchimento do tipo qualificado, devendo assim as demais ser utilizadas em sede de escolha e medida da pena (art.º 71º/2, a), C.P.);
- o facto de o arguido BB ter praticado os factos enquanto era Deputado na Assembleia da República, o que lhe aumenta as suas responsabilidades cívicas e de cumprimento da lei (art.º 71º/2, d), C.P.);
- serem ambos Arquitetos, logo com formação superior, o que deveria ter reforçado a sua vontade de não recorrer atos ilícitos, para auferirem rendimentos suplementares (art.º 71º/2, d), C.P.);
- terem ambos uma estável situação económica, tal como a “C... Construções”, esta tendo em conta os bens que possuía, não podendo pois dizer-se que agiram por necessidade (art.º 71º/2, d), C.P.).       

São atenuantes gerais:   
- o facto de quer BB, quer AA estarem inseridos social, familiar e profissionalmente (art.º 71º/2, d), C.P.);
- o facto de quer eles, quer a “C... Construções” não terem antecedentes criminais registados (art.º 71º/2, d), C.P.);
- ter a “C... Construções” reposto a verdade fiscal, pagando o montante tributário que foi indevidamente apropriado, logo em 28/2/2 014, logo após as constituições como arguido ocorridas também em Fevereiro de 2 014 e muito antes do julgamento, só iniciado em Outubro de 2 021 (art.º 71º/2, e), C.P.).

Não beneficiaram os arguidos das atenuantes que decorrem da confissão e arrependimento, uma vez que os recorrentes pessoas singulares não prestaram declarações.
O caso dos autos, embora não estejam em causa valores muito elevados é um caso típico de “white collar crime”. Com motivação exclusivamente económica e não por qualquer necessidade, os dois arguidos pessoas singulares, ambos Arquitetos e BB até Deputado na Assembleia da República participam num esquema de utilização de faturas falsas de uma outra empresa, sem qualquer atividade, no sentido de aumentarem os seus custos de forma desconforme com a realidade, para que a sociedade “C... Construções”, de que ambos eram sócios, pagasse menos I.R.C.
Sem juros, estava em causa prestação tributária no valor de 28 500€ (vinte e oito mil e quinhentos euros), vivendo os arguidos uma situação económica perfeitamente desafogada.
E é assim, neste tipo de crimes. Pessoas com vidas perfeitamente estruturadas e situações económicas estáveis e desafogadas cometem este tipo de crimes, na ânsia de aumentar o seu lucro.
A primariedade penal é até, nestes casos, normal.
Nenhuma punição deve ser exemplar, por isso poder contrariar o princípio da culpa, mas não há dúvida de que, neste tipo de crimes ocorre uma especial necessidade de prevenção geral, no sentido de a comunidade social sentir que estes crimes não compensam e são realmente punidos. Estão em causa crimes daqueles em que há maiores “cifras negras”.
Senão, está aberta a porta para o sentimento geral de “laxismo” e de descrença no Direito e na Justiça, permitindo-se os cidadãos fazer de tudo para enriquecerem, ainda mais.
Já as necessidades de prevenção especial não parecem muito intensas, tudo indicando que a prova destes factos seja suficiente para que os arguidos não repitam este tipo de comportamentos. Não pode porém a pena ser inferior ao que ditam as necessidades de prevenção geral.
Já a medida da culpa, que determina o máximo da pena aplicável é alta, tendo em conta que está em causa criminalidade económica e fiscal, em que os agentes visam meros objetivos de lucro fácil e enriquecimento, sem terem qualquer necessidade ou justificação para tais comportamentos.
Deve ter-se ainda em conta que, para os crimes fiscais, a lei dá um especial enfoque ao prejuízo causado, no que se refere à medida da pena – art.º 13º R.G.I.T.
E também que, em casos de reposição da verdade fiscal pelo pagamento das quantias em dívida, antes da acusação ou antes do julgamento, a lei penal fiscal permite até a dispensa ou a atenuação especial da pena – art.º 22º/1 e 2), R.J.I.T.
Os arguidos nem sugerem a dispensa de pena e bem, uma vez que nunca poderia falar-se de pouca gravidade da ilicitude do facto ou da culpa do agente e porque neste caso, por razões de prevenção geral nunca ficariam satisfeitas as necessidades de prevenção da prática de crimes semelhantes – como o exige o art.º 22º/1, a) e c), R.G.I.T.
Pedem porém a atenuação especial da pena, por terem pago a prestação fiscal em causa e legais acréscimos, nos termos do disposto no art.º 22º/2 R.G.I.T.
Ora e sobre esta questão, dir-se-á que esta não é uma prerrogativa do Tribunal, mas uma sua obrigação. Com efeito e nestes casos, a atenuação especial da pena é automática, não carecendo de qualquer juízo de adequação, por parte do Tribunal – no mesmo sentido, o recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 de Julho de 2 021, Cândida Martinho, em “direitoemdia.pt”.
Têm pois, nesta parte, razão os recorrentes.

Assim e nos termos do disposto no art.º 73º/1, a), b) e c), C.P. as molduras penais abstratas dos crimes cometidos serão as seguintes:
- de 1 (um) mês a 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, para as pessoas singulares;
- de 10 (dez) a 800 (oitocentos) dias de multa, para as pessoas coletivas.

Em face de tudo o que supra se expôs, entendem-se pois como justas, adequadas, equitativas e proporcionas, as seguintes penas – todas concretizadas entre o primeiro terço e o meio da pena:
- arguidos AA e BB1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- arguida “C... Construções, Lda.”350 (trezentos e cinquenta) dias de multa,
penas que se traduzem numa redução das penas aplicadas em 1ª instância, por via da referida atenuação especial da pena.

Porque está em causa pena superior a um ano de prisão, não é possível a respetiva substituição por multa – art.º 45º/1 C.P.
Mantêm-se as suspensões da execução da pena pelo tempo anteriormente determinado – ou seja, durante um ano e dez meses pois essa matéria não foi objeto dos recursos apresentados.
No que se refere à condição imposta.
Também estas se destinam a sancionar o arguido pelo crime cometido, impondo-lhe um outro sacrifício além da pena. Estando a pena de prisão com a execução suspensa e dada a gravidade dos factos, bem se justifica esta opção (art.º 51º/1, c), C.P.) até para que os arguidos sintam a efetividade de qualquer sanção.
É certo que a associação a quem vai ser entregue a quantia que condiciona a suspensão não tem qualquer relação com a temática em causa nos autos. Mas também não é importante que o tenha.
É o tribunal da condenação aquele que melhor conhece as associações que aí existem e que merecem a proteção do mesmo. Esta matéria não deve assim ser alterada pelo tribunal de recurso.
Quanto aos montantes que condicionam a suspensão – dois mil euros, a pagar no prazo de um ano e dez meses.
Tendo em conta a situação económica desafogada de ambos os arguidos não se reputa como exagerada a quantia referida, tanto mais quanto os arguidos beneficiam de um prazo alargado para o respetivo cumprimento – o da suspensão ou sejam um ano e dez meses.

Nesta parte, improcedem pois os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB.

No que se refere à taxa diária da multa, imposta à “C... Construções” – agora “L..., Lda.”.
Tendo-se em conta os bens de que é proprietária (cfr. art.º 20º dos factos provados – três veículos automóveis e um prédio de três andares em ...) não se considera como exagerada ou desadequada a taxa diária de 20€ (vinte euros)/dia, pouco acima do mínimo legal de 5€ (cinco euros) e muito distante do máximo de 5 000€ (cinco mil euros)/dia.
É que as penas de multa devem também ser sentidas como penas, decorrentes da prática de crimes.
Mantém assim e também, a taxa diária imposta à “C... Construções”, atual “L..., Lda.”, atingindo pois a pena de multa global o montante de 7 000€ (sete mil euros).
Quanto à taxa diária da multa, improcede assim e também, o recurso por si interposto.

Neste segmento referente à medida das penas aplicadas é pois parcialmente procedente o recurso dos três arguidos, por via da atenuação especial da pena aplicada, assim se reduzindo as penas de prisão aplicadas aos arguidos AA e BB para 1 (um) ano e 5 (cinco) meses cada e a de multa aplicada à “C..., Lda.” para 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, no mais se mantendo a decisão recorrida.

2.1.2. – Do recurso Apresentado por CC

2.1.2.1. – Da Transmissibilidade da Prova das Ações Inspetivas para o Processo Crime e da Constituição como Arguido

O recurso do arguido CC mimetiza, de alguma forma, os três anteriores recursos apreciados.
Também ele equaciona a questão da prova obtida em processos de inspeção tributária e respetivo dever de colaboração do inspecionado, com a possibilidade da sua utilização no Processo Penal com o respeito pelas garantias de defesa e sobretudo com o direito ao silêncio, na vertente do princípio do direito à não autoincriminação – princípio “nemo tenetur se ipso accusare”.

Ora e como se referiu, no caso dos autos:
- o processo tem origem numa inspeção tributária efetuada à sociedade “P...”, de que o arguido CC era sócio gerente, no período de 18 de Abril a 16 de Maio de 2 012 – fls. 863;
- posteriormente, foi também sujeita a inspeção tributária a empresa “C... Construções, Lda.”, de que eram sócios e gerentes, os coarguidos AA e BB, tendo contra ambas as sociedades sido elaborado auto de notícia em 29 de Outubro de 2 013 – fls. 72 e V.º.;
- o recorrente CC é constituído arguido e presta T.I.R., por factos extraídos dos referidos processos inspetivos, em 7 de Abril de 2 014 - fls. 57 e 59.

Estão em causa três faturas simuladas e passadas pela “P...” à “C... Construções” referentes a transações que não existiram – as denominadas “faturas falsas”.
Argumenta também este arguido que a prova obtida por inspeção tributária não é transmissível para o Processo Crime, por serem diferentes e menos amplas para o arguido as garantias e direitos de defesa do arguido, nomeadamente no que se refere ao direito de não autoincriminação – “nemo tenetur”.
Em abono da sua tese, cita o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 298/19, de 15/5/2 019. Neste decidiu-se ser inconstitucional a interpretação normativa que permite o aproveitamento de prova obtida através de inspeção tributária, feita enquanto o agente já era arguido em Processo Criminal por matéria conexa – embora com dois votos de vencido. Neste caso, se considerou como “desproporcionada” a compressão do princípio “nemo tenetur”, ínsito ao art.º 32º/1 C.R.P., tornando inconstitucional a interpretação em sentido contrário dos arts.º 61º/1, d), 125º e 126º/2, a), C.P.P.
Situação que não é porém a dos autos, pois qualquer das inspeções tributárias realizadas não foi contemporânea da situação de arguido da “P...” ou da “C... Construções” ou de qualquer dos seus gerentes.
Pelo contrário, no caso dos autos, o recorrente CC só foi constituído arguido depois das duas inspeções tributárias.
Este Acórdão, posterior ao supra aludido 340/13, também do T.C., não altera o seu entendimento. Antes se refere a um caso específico, não abordado naquele anterior Acórdão e que não é o dos autos.
Não se pode pois falar de qualquer evolução ou inversão do pensamento do T.C.
Assim, a jurisprudência deste Acórdão é de todo inaplicável ao caso dos autos.
No mais, este recorrente reproduz os argumentos dos recorrentes anteriores, quanto à validade da prova obtida em inspeção judicial, em Processo Penal e também, quanto ao que entende ter sido a tardia constituição como arguido o que, no seu entender implica a nulidade de toda a prova obtida.
Mais uma vez foca a antinomia entre o princípio da colaboração aplicável às inspeções tributárias e as garantias de defesa, mais em particular o princípio à não auto-incriminação – arts.º 32º/1 C.R.P. e 61º/1, d), 125º e 126º/2, a), C.P.P.
Quanto a si, dir-se-á porém que, por a sociedade que representava ter sido a primeira a ser investigada, a questão até se põe em menor grau. É que, no momento em que foi feita a inspeção à “P...”, sociedade que representava, nenhuma prova havia quanto à inveracidade das faturas, surgindo os indícios apenas após a referida inspeção.
Não se põe assim, qualquer questão quanto à não constituição como arguido, em momento anterior à inspeção.
No mais, mantém-se válida toda a argumentação anterior, que vem na sequência da jurisprudência firmada no já referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/13, 15/5.

Considera-se assim, não ter sido utilizada pelo tribunal recorrido prova nula, não havendo quanto a esta questão qualquer nulidade probatória a declarar.

Improcede pois neste segmento, o recurso interposto por CC.

2.1.2.2. – Da Prova Indireta da Falsidade das Faturas

Também este recorrente considera que foram inadequadamente dados como provados, os factos constantes dos arts.º 4º a 13º dos factos provados, isto é de que a “P...” tenha emitido as três faturas constam dos autos à “C... Construções”, sem que tenha prestado os respetivos serviços ou obras.
Refere também que a testemunha DD, Inspetor da “Autoridade Tributária” inquirido em julgamento como testemunha baseou o seu depoimento, quanto à “P...”, num relatório inspetivo que não foi por si elaborado, tendo pois e apenas um conhecimento indireto dos factos.
O argumento é pois, em tudo idêntico ao dos anteriores três recursos, só podendo pois nesta parte, a decisão deste Tribunal ser idêntica.
Desde logo porque a testemunha foi a instrutora da inspeção à “C... Construções”, em que se confirmou o caráter simulado ou falso, das referidas faturas, conforme no recurso anterior fundamentado.
Por outro lado e também como já se referiu, o relatório efetuado à “P...” consta dos autos a fls. 856/868V.º. Trata-se de prova documental direta, não contraditada aliás pelos arguidos, dos indícios que como também supra se fundamentou permitem a inferência de que tais faturas eram falsas, isto é não correspondiam a negócios jurídicos reais e efetuados.
A fundamentação desta interpretação que dá lugar à inferência da prova daqueles arts.º, é exatamente a mesma da já explanada no ponto 2.1.1.3., dos três anteriores recursos da “C... Construções” e seus dois gerentes.
Como pode dizer que não quer dizer nada, o facto de não ter sido detetada atividade na sede da empresa, se os próprios arguidos nem dizem que funcionaram temporariamente noutra sede ou que a mesma sede esteve inativa, mas apenas temporariamente? E prova de que a sede existia e a empresa tinha atividade, foi apresentada alguma?
A ausência de declarações de remunerações a trabalhadores também não quer dizer que eles não existissem? Mas quem foram? E onde trabalharam? E porque não foram feitas as referidas declarações de remunerações, que são obrigatórias?
Para evitar repetições, remete-se aqui para toda a prova indireta relatada no ponto 2.1.1.3. dos anteriores três recursos relativos à “C... Construções” e seus gerentes.
Repete-se apenas que tais indícios foram obtidos através de prova direta, constam dos referidos relatórios que constituem prova documental valorável e que o depoimento do Inspetor DD constitui prova direta do que viu, na “C... Construções”.
E que os mesmos são contemporâneos, de interpretação unívoca e seguros, permitindo pois a inferência de que nos autos estiveram em causa três faturas falsas, no valor global de 131 100€ (cento e trinta e um mil e cem euros).
Repetindo-se também que, tanto a prova direta como a indireta permitem que o Tribunal tenha a segurança necessária para dar como provados determinados factos.
Aliás e também aqui, o recorrente não conseguiu demonstrar, como impunha o art.º 412º/3, b), C.P.P., que se impunha decisão de facto diversa.
Pelo que, também a impugnação da matéria de facto feita pelo recorrente CC não pode ter qualquer provimento.
Termos em que, improcede também esta parte do seu recurso.

2.1.2.3. – Da Medida da Pena Aplicada

Também o recorrente CC põe em causa a pena aplicada, considerando que a mesma é “injusta, desproporcionada e exagerada” No seu entender, a referida pena não teve em conta o disposto no art.º 12º e segs., R.G.I.T.
Ora, todos o arguido foi também condenado pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts.º 103º/1, a) e c) e 104º/1, a), d) e e) e n.º 2), a), R.G.I.T., crime que tem, para as pessoas singulares, uma moldura penal entre 1 (um) e 5 (cinco) anos de prisão.
O arguido CC foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, logo, a pena de prisão foi concretizada um pouco acima do primeiro terço da pena, da respetiva moldura penal.
Remete-se para o ponto 2.1.1.4. tudo quanto se disse quanto aos fins das penas e, em especial, para as normas punitivas dos crimes fiscais, em especial o art.º 13º R.G.I.T., que manda dar um enfoque especial ao prejuízo causado ao Estado.

São, no caso concreto, agravantes do recorrente CC:
- o dolo direto com que atuou (art.º 71º/2, b), C.P.);
- o montante já elevado em causa (arts.º 71º/2, a), C.P. e 13º R.G.I.T.);
- ter dezanove condenações anteriores, embora os últimos factos datem já de 2 012 – por um  crime de dano, dois de ameaça agravada, três de condução sem habilitação legal, um do condução perigosa, seis de fraude fiscal qualificada, um de fraude fiscal, nove de falsificação, seis de burla qualificada, um de abuso de confiança fiscal e um de desobediência (art.º 71/2, d), C.P.);
- estar em causa um esquema fraudulento que implicou outras pessoas e que evidencia já algum engenho (art.º 71º/2, a), C.P.).
       
E atenuantes:
- ter, ao tempo, duas sociedades na área da construção civil, mas passar por dificuldades financeiras e de ocupação profissional (art. 71/2, d), C.P.);
- tais factos terem-lhe determinado isolamento social e degradação pessoal, bem como o afastamento dos seus familiares (art.º 71º/2, d), C.P.);
- sofrer de doença oncológica em fase pós tratamentos de quimio e radioterapia, que não o impede de ter um projeto socioprofissional inclusivo (art.º 71º/2, d), C.P.);
- estar preso desde Março de 2 015, estando o fim da atual pena que cumpre, em cúmulo jurídico, previsto para Março de 2 024, tendo sempre mantido bom comportamento prisional (art.º 71º/2, e), C.P.);
- refletiu durante a reclusão sobre o seu passado, demonstra arrependimento e desejo de mudar o seu rumo de vida (art.º 71º/2, e), C.P.);
- beneficia do apoio de um irmão e de um amigo, que lhe podem proporcionar inserção profissional, na área da construção civil (art.º 71º/2, d), C.P.);
- datarem estes crimes de há cerca de treze anos (art.º 71º/2, C.P., circunstância inominada);
- o facto de o prejuízo causado ao Estado ter sido pago pela “C... Construções”, ainda antes da dedução da acusação (art.º 71º/2, e), C.P.).

O arguido não beneficia da atenuante decorrente da confissão.
A prestação tributária em falta e legais acréscimos foi paga pela “C... Construções” ainda na fase de Inquérito e logo, em momento anterior ao da dedução da acusação.
Primeira questão que se coloca é a de saber se o pagamento do prejuízo causado ao Estado por terceiro, no caso até pela coarguida “C... Construções”, pode também determinar a atenuação especialmente da pena do recorrente, nos termos do disposto no art.º 22º/2 R.G.I.T.
Ora, o art.º 22º/2 R.G.I.T. é explícito no sentido de que a atenuação especial da pena referida ocorre caso o agente pague; no caso, não foi o recorrente que o fez, mas um terceiro. Não foi pois o recorrente CC quem pagou tal prestação em falta ao Estado.
A fórmula linguística utilizada é assim bem diferente da utilizada no art.º 206º/1 e 2), C.P. (aplicável à burla qualificada via art.º 218º/4 C.P.), em que não se diz que deve ser o próprio agente a proceder à restituição e em que se vem admitindo que mesmo o pagamento por um terceiro ou um coarguido pode determinar a extinção do procedimento criminal – por todos, Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, “Universidade Católica”, 2 008, Lisboa, pág. 570.
A pena deste arguido não poderá pois ser especialmente atenuada, nos termos do referido art.º 22º/2 R.G.I.T.
Está assim em causa um crime tributário já com alguma gravidade e em que o arguido tem múltiplos antecedentes criminais, deste e doutros tipos.
Está porém o arguido já na parte final do cumprimento de uma pena longa de prisão, em que teve bom comportamento prisional, refletiu e parece motivado a infletir o seu estilo de vida.
Os factos são já de há cerca de treze anos e os últimos crimes praticados datam também já de 2 012.
O recorrente tem o apoio de um irmão e de um amigo para, quando sair ter apoio e, nomeadamente ocupação profissional.
O fim da pena que cumpre atualmente está previsto já para Março de 2 024.

Por último, sofre de doença oncológica tendo sido submetido a quimio e radioterapia, o que não o desmotivou, mantendo projetos de inclusão social, nomeadamente de trabalho, para quando sair em liberdade.

Como já se referiu, neste tipo de crimes são amplas as necessidades de prevenção geral, mas neste momento surgem esbatidas as de prevenção especial. O arguido teve força para cumprir uma pena longa de prisão e, mesmo tendo uma doença grave que o fez sujeitar a tratamentos decerto debilitantes teve mesmo assim força para se autocensurar pelo seu anterior percurso de vida e criar um novo projeto para a mesma, agora com contornos de legalidade, tendo para isso os necessários apoios.
Embora isso só possa ser determinado em termos de cúmulo jurídico a realizar, a verdade é que pensamos que não deverá ser pela prática dos factos nestes autos, que a sua libertação deverá tardar muito mais.
Assim, consideramos adequada, justa e proporcionada pena de prisão fixada junto do primeiro quarto da pena, reduzindo-se assim a pena aplicada para a de 2 (dois) anos de prisão.
A pena não será porém substituída por prestação de trabalho (art.º 58º/1 C.P.), por se entender que quer as necessidades de prevenção geral, quer especial não seriam atingidas com outra pena, que não a de prisão efetiva.
Aliás, com o passado criminal do arguido e tendo em conta que cumpre atualmente a pena única de 9 (nove) anos de prisão, considera-se que seria de todo desajustado condenar agora o arguido, na vigésima condenação da sua vida e pela prática do seu trigésimo segundo crime em pena de prestação de trabalho, mesmo que de substituição.
Sob pena de claro “laxismo penal” a pena tem de ser de prisão efetiva.
Termos em que, nesta parte se concede parcial provimento ao recurso do arguido CC, reduzindo-se a pena aplicada para a de 2 (dois) anos de prisão.
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Termos em que, se decide

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Termos em que,

3 - Decisão

a) se julgam parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos “C..., Lda.”, AA e BB, por via disso se reduzindo as penas que lhes foram aplicadas, para:
a1) 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, mantendo-se a razão diária de 20€ (vinte euros), quanto à arguida “C..., Lda.”      a2) 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para os arguidos AA e BB, penas que se mantêm com a execução suspensa pelo prazo e condição já antes determinados,
a3) improcedendo, no demais, os recursos destes três arguidos.
b) Se julga também parcialmente procedente o recurso do arguido CC, por via disso se reduzindo a pena que lhe foi aplicada para 2 (dois) anos de prisão, no mais improcedendo o recurso deste arguido.
c) Sem custas, por não ocorrer decaimento integral de qualquer dos arguidos – art.º 513º/1 C.P.P., “a contrario”.
d) Notifique.
Guimarães, 17 de Abril de 2 023

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Furtado)
(Armando Azevedo)