Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
410/14.6T8BCL-C.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ALIMENTOS
TÍTULO EXECUTIVO
LEGITIMIDADE ACTIVA
MAIORIDADE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O progenitor que assegurou o sustento e educação do filho menor até à maioridade deste, sem que o progenitor não convivente tivesse pago as prestações em dívida, fixadas em decisão judicial, possui legitimidade para instaurar execução com vista a cobrar os alimentos não pagos durante a menoridade, mesmo depois do filho ter atingido a maioridade.
2 – O que faz no exercício de um direito de sub-rogação legal.
3 – Interrompe-se a prescrição quando, aquele contra quem o direito pode ser exercido, reconhece esse direito perante o respetivo titular.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
A… deduziu oposição à execução que lhe move C…, alegando a ilegitimidade desta para deduzir execução por alimentos por não ser credora dos mesmos, mas sim seu filho L… que atingiu a maioridade em 15/08/2008. Invoca, também, a prescrição das prestações alimentícias reclamadas, com exceção das relativas aos meses de Janeiro a Agosto de 2008.
Admitida a oposição, apresentou-se a exequente a contestar, alegando que o título executivo de que dispõe são sentenças declarativas condenatórias em que o oponente foi condenado a entregar à exequente as prestações em causa, pelo que é parte legítima e refutando a invocada prescrição. Pede a condenação do oponente como litigante de má fé.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e dispensada a seleção da matéria de facto.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que declarou improcedente a oposição, ordenando o prosseguimento da execução e absolveu o oponente do pedido de condenação como litigante de má fé.
Discordando da sentença dela interpôs recurso o oponente, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
A. Com a atual redação dada ao n° 3 do artigo 30° do CPC, na esteira da anterior redação do n° 3 do artigo 26°, transporta para a ordem jurídica pelo decreto-lei 180/96 de 25/09, o legislador veio tomar posição expressa sobre a vexata questio quanto ao critério da determinação da legitimidade das partes, conforme resulta do próprio relatório, aderindo à posição doutrinaria de Barbosa de Magalhães. Nesta perspetiva a legitimidade deve ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da ação possa derivar para as partes, face aos termos que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes considerando o pedido e a causa de pedir assuma na relação controvertida tal qual apresenta na versão do autor.
B. A exceção de ilegitimidade é uma exceção dilatória é de conhecimento oficioso e implica a absolvição da instância tudo resultante das disposições conjugadas dos artigos 278° alínea d), 577° alínea e), 578° e 608° n° 1 do CPC.
C. No caso dos autos a exceção foi oportunamente arguida, mas ainda que assim não fosse, dado o seu carater oficioso, sempre o tribunal poderia e deveria da mesma ter conhecido.
Ao declarar no saneador que as partes são legitimas, o que se subentende não obstante não existir considerações de direito que atestem esta ilegitimidade o certo é que tal decisão jamais poderá constituir caso julgado formal e consequentemente a questão pode e deve de novo ser apreciada, tal qual o fez o meritíssimo juiz titular na sentença em crise como infra se descreverá.
D. Efetivamente no despacho de saneador em causa não existiu uma apreciação concreta de qualquer questão de legitimidade ativa, mas apensas um despacho tabular, numa simples declaração genérica, como sucede, aliás, mormente e na maior dos casos.
E. Ora neste caso, entende o recorrente, que não se forma caso julgado formal porquanto nada foi decidido em concreto neste sentido vai o artigo 595.º n° 3 do CPC, o qual na esteira do anterior artigo 510.º n° 3 (vigente até á data de reforma do NCPC, pela Lei 43/2013) caducando assim, a doutrina do Assento do STJ de 01/02/1963, entretanto transformado em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência como exemplo o Acórdão de STJ de 3/5/2000, coletânea de STJ ano 8.º Tomo II página 41.
F. Atingida a maioridade, a legitimidade para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a sua menoridade cabem ou não exclusivamente ao beneficiário dos alimentos, no caso dos autos o L….
G. As prestações em causa cabem iure próprio ao filho, in casu, maior, sendo assim este o detentor de legitimidade substantiva e processual para reclamar do progenitor faltoso, e assim, promover à cobrança, em caso de inatividade do titular da obrigação. H. Duvidas não ficam que caberá ao filho, entretanto maior e não à recorrida, ,a legitimidade da cobrança de tais prestações, face ao reconhecimento de que, perante o título executivo formado a seu favor no decurso da sua menoridade, é o filho que surge como credor e titular do direito a alimentos, sendo ele titular das prestações de alimento iure próprio, pelo que a sua legitimidade jamais poderia verificar afastada, trata-se de um direito de natureza pessoal (não se transmitindo aos respetivos sucessores por morte do devedor artigo 2013° n° 1 alínea a) do CC) e individual.
I. Está em causa dívida de alimentos, sendo que de acordo com a aI. t) do art. 310° do CCivil - que encurta, a título excecional, o prazo de prescrição -, prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas. "Não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312° e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria geral, 1966, pág. 452)"
J. Tendo presente que o credor das prestações de alimentos era o menor à guarda da progenitora Requerente; assente que o prazo de prescrição, no caso de dívida de alimentos, como aqui sucede, é de 5 anos; sabendo-se igualmente que a presente acção deu entrada em juízo em 12.12.2012 e que o menor completou 18 anos em 08.08.2008, pode ser exigido o pagamento de todas as prestações, conforme decidido na decisão recorrida, ou apenas das que se venceram nos últimos 5 anos, como pretende o Recorrente?
K. Logo, se o menor completou 18 anos no dia 08.08.2008, o prazo de prescrição apenas ocorreria em 08.09.2009, cerca de 3 ano antes da data de entrada em juízo da execução em cise, razão porque ter-se-á de concluir pela prescrição.
L. Prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas, de acordo com a aI. f) do art. 310° do C. Civil - que encurta, a título excecional, o prazo de prescrição.
M. O prazo de prescrição de 5 anos do direito a alimentos, constante da alínea f) do art. 310° do C. Civil, não começa nem corre entre os cônjuges, de harmonia com o disposto no art. 318°, alínea a), do CC; nem entre os progenitores e o menor, credor de alimentos, nos termos da alínea b) do mesmo preceito.
Termos em que, em conclusão, deverá ser dado provimento à presente apelação e, em consequência, deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decrete a favor do recorrente a oposição execução, considere a exequente parte ilegítima e considerando-se prescrita divida a título de prestação de alimentos, tudo com as legais consequências
ASSIM DECIDINDO, ILUSTRES DESEMBARGADORES, VOSSAS EXCELÊNCIAS, FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA

A exequente contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber:
- se a exequente é parte legítima para reclamar o pagamento das prestações alimentares devidas a seu filho que, entretanto, atingiu a maioridade;
- se a dívida do oponente está ou não prescrita.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
1- Por sentença proferida a 20-10-1995 foi homologado o acordo entre o aqui opoente e oponida pelo qual aquele ficou de contribuir com a quantia de 15.000$00 mensais para o seu filho menor L…, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- Posteriormente, no apenso A, de alteração da pensão de alimentos, foi proferida sentença homologatória de alteração do acordo pela qual o aqui oponente passaria a pagar a quantia de € 100,00 a título de alimentos ao filho menor, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, na conta n" …, do Banco…, agência de Esposende.
3- O oponente apenas pagou as prestações alimentícias entre Fevereiro de 2004 e Agosto de 2006.
4- Desde que deixou de pagar a prestação de alimentos o oponente reconhecia perante o seu filho a sua obrigação de pagar a pensão de alimentos quando este o interpelava.
5- O L… começou a trabalhar com 16 anos de idade.
6- A acção executiva de que estes autos constituem apenso foi interposta a 5-12-2012.

Analisemos, agora, as questões suscitadas no recurso e supra elencadas.

Através da execução apensa, pretende a exequente obter o pagamento das quantias em dívida referentes às prestações mensais de alimentos de novembro de 1995 a janeiro de 2004 e de setembro de 2006 a agosto de 2008 (data em que o filho atingiu a maioridade) que o executado foi condenado a pagar por sentença proferida em processo de regulação do poder paternal.
Constitui título executivo a sentença homologatória do acordo de regulação do poder paternal proferida naquele processo, quando o filho da exequente e do executado era menor e, mediante o qual, o executado ficou obrigado a pagar, primeiro a quantia de 15.000$00 e, posteriormente, a de € 100,00, mensalmente, a título de alimentos devidos a seu filho.
A exequente intentou a execução numa altura em que o filho de ambos havia já atingido a maioridade e o apelante sustenta que não o poderia fazer, por carecer de legitimidade para tal, sendo credor dos alimentos o filho e não a mãe.
Salvo o devido respeito, não tem razão.

A exequente é, em nosso entender, parte legítima para intentar a execução por alimentos vencidos quando o seu filho era ainda menor.
Fá-lo, exercendo um direito de sub-rogação legal, nos termos do disposto no artigo 592.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que assumiu a mãe a totalidade dos encargos com o filho, neles incluídos a parte que o executado deveria ter pago e não pagou.
«Se a exequente tinha a guarda dos seus filhos e o executado não cumpriu o dever de prover ao sustento dos filhos, temos de presumir, pois que nada em contrário resulta dos autos, que foi aquela quem custeou, na totalidade, as referidas despesas dos seus filhos enquanto menores. Assim sendo, a exequente “…tem um interesse directo em que a parte dessas despesas que deveria ser paga pelo outro progenitor seja efectivamente afecta a essas despesas, legitimando por isso a sub-rogação legal a que se reporta o art.º 529.º n.º 1 parte final do Código Civil” (cf. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 03/07/2008, relatado pelo Desembargador Freitas Vieira no processo 0832459, publicado em www.dgsi.pt).
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2003, relatado pelo Cons. Salvador da Costa no processo 03B4352 e publicado em www.dgsi.pt, em caso análogo, “A recorrida não instaurou a acção executiva contra o recorrente para realizar um direito de crédito dos filhos, mas um direito de crédito dela, por os ter tido a seu cargo, enquanto menores…”» - Acórdão desta Relação de 12/07/2011, proferido no processo n.º 2-D/1998.G1, disponível em www.dgsi.pt.
A exequente dispõe assim de legitimidade para intentar a acção executiva em causa, no que concerne ás prestações alimentícias em execução que se venceram antes da maioridade do seu filho.
Neste sentido veja-se os Acórdãos do STJ de 25/03/2010 (processo n.º 7957/1992.2.P1.S1), da Relação de Lisboa de 04/03/2010 (processo n.º 20002-D/1996.L1-8), da Relação do Porto de 15/01/2013 (Processo n.º 344-A/1996.P1), e 10/07/2013 (Processo n.º 1353/06.2TMLSB-D.P1), da Relação de Évora de 04/07/2000 (citado em Abílio Neto, CPC Anotado) e desta Relação já supra citado, bem como o de 22/05/2014 (Processo n.º 229/1999.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A igual conclusão chega Remédio Marques - “Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (Em Especial Filhos Menores)”, Coimbra Editora, págs. 311 e segts. - que, a este propósito, refere expressamente que:
“Admite-se que, embora as prestações caibam iure próprio ao filho (in casu maior) o progenitor convivente, que tenha custeado total ou parcialmente as despesa de sustento e a manutenção que ao outro obrigavam, possa sub-rogar-se nos direitos de crédito do filho”.
Tem, assim, a exequente legitimidade para intentar a presente execução por alimentos, pelo que improcede, nesta parte, a apelação do executado.

E improcede, de igual modo, relativamente à invocada prescrição.
Entende o apelante que a dívida está prescrita, em função do comando do artigo 310.º, alínea f) do Código Civil que dispõe “Prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas”.
Acontece que, conforme resulta dos factos provados: “Desde que deixou de pagar a prestação de alimentos o oponente reconhecia perante o seu filho a sua obrigação de pagar a pensão de alimentos quando este o interpelava”, sendo que tal comportamento importa o reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido e, nessa medida, interrompe a prescrição nos termos estatuídos no artigo 325.º, n.º 1 do Código Civil.
Como a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente – artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil – a nova prescrição só começou a contar a partir do momento em que o filho do executado atingiu a maioridade, pelo que o prazo só terminaria em 08/08/2013.
Uma vez que a execução deu entrada a 05/12/2012, não tinha ainda decorrido o novo prazo de prescrição, não se encontrando prescrito o direito da exequente vir pedir o pagamento das prestações alimentares devidas pelo executado até ao termo da menoridade do seu filho.
Improcede, assim, também nesta parte, a apelação interposta.

Sumário:
1 - O progenitor que assegurou o sustento e educação do filho menor até à maioridade deste, sem que o progenitor não convivente tivesse pago as prestações em dívida, fixadas em decisão judicial, possui legitimidade para instaurar execução com vista a cobrar os alimentos não pagos durante a menoridade, mesmo depois do filho ter atingido a maioridade.
2 – O que faz no exercício de um direito de sub-rogação legal.
3 – Interrompe-se a prescrição quando, aquele contra quem o direito pode ser exercido, reconhece esse direito perante o respetivo titular.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 19 de março de 2015
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho