Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2996/20.7T8VNF.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
AMPLIAÇÃO DO RECURSO
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DOS LESADOS AQUANDO DO PAGAMENTO A ESTES
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE REGRESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Em situações de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação em que haja seguro obrigatório e os danos não excedam o capital mínimo legalmente estabelecido para o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o processo extrajudicial ou judicial tendente ao ressarcimento e indemnização dos danos sofridos decorre diretamente entre a seguradora e o lesado, sem intervenção da pessoa civilmente responsável. Nestas situações, por força da lei e da existência do contrato de seguro, a seguradora passa a ocupar o lugar do lesante na relação jurídica tendente à indemnização dos lesados.
II - Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (art. 498º, nº 3, do CC) não dependendo esta extensão do prazo de prescrição de o processo penal ter sido ou vir a ser iniciado ou de ter sido arquivado, de o crime ter sido amnistiado ou de não ter sido exercido tempestivamente o direito de queixa.
III - Sendo o facto ilícito passível de integrar um crime de ofensa à integridade física por negligência, o prazo de prescrição é de 5 anos, nos termos do art. 498º, nº 3, do CC, aplicando-se às relações entre a seguradora e os lesados.
IV – Porém, este alongamento do prazo de prescrição do direito de indemnização, estabelecido pelo nº 3 do art. 498º, não vale quanto ao direito de reembolso da seguradora que satisfez ao lesado indemnização ao abrigo do regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, tendo o direito de regresso que ser exercido no prazo de 3 anos previsto no art. 498º, nº 2, do CC.
V - O prazo de prescrição conta-se desde a data do último pagamento se estiverem em causa pagamentos parcelares, a menos que seja possível a autonomização de um ou mais pagamentos, por dizerem respeito a “danos normativamente diferenciados”.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

SEGUROS ..., S.A. veio propor contra J. A. ação declarativa com processo comum pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 29 930,00, acrescida de juros legais desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, no dia 8.9.2013, ocorreu um acidente de viação que foi causado por culpa exclusiva do réu, o qual conduzia o veículo de matrícula FV.
Desse acidente resultou o atropelamento de três pessoas, tendo a autora pago aos mesmos, a título de indemnização, a quantia global de € 29 930, uma vez que o réu tinha transferido para a autora a responsabilidade civil perante terceiros pelos danos emergentes da circulação do veículo automóvel de matrícula FV.
O autor conduzia o veículo de matrícula FV com uma TAS de 3,27 g/l e o acidente ocorreu por culpa sua, razão pela qual a autora pretende exercer o seu direito de regresso e receber do réu o valor que pagou a título de indemnização pelo aludido acidente.
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Regularmente citado, o réu contestou invocando a prescrição. Alega que quando a seguradora, ora autora, efetuou o pagamento aos lesados, em 26.9.2018, já tinha decorrido o prazo de prescrição o qual, no máximo, seria de 5 anos, contado da data do acidente e terminou em 8.9.2018.
O réu tem o direito de opor à autora, na sequência do exercício por parte desta do direito de regresso, todos os meios de defesa que tinha contra o devedor, nomeadamente a prescrição.
Impugnou ainda parte da factualidade invocada pela autora, invocando que o acidente ocorreu por culpa dos peões que foram atropelados, e não por culpa sua, não sendo verdade que conduzisse com a invocada TAS de 3,27 g/l.
Refere ainda que não conduzia o veículo numa via pública ou equiparada, mas sim num caminho particular, pelo que não são aplicáveis as regras do Código da Estrada.
Alega que a autora não tinha obrigação de indemnizar os lesados por via da existência do seguro obrigatório.
A entender-se diversamente, considera que, quando muito, só tem parte da culpa na produção do acidente, não devendo ser condenado a restituir a totalidade da indemnização paga, mas apenas 30% da mesma por ser essa a medida da contribuição da sua culpa na produção do acidente.
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A autora pronunciou-se sobre a exceção da prescrição, considerando que a mesma não se completou porque a autora, enquanto seguradora do veículo, reconheceu o direito dos lesados o que teve como consequência a interrupção do prazo em curso.
Além disso, o prazo de prescrição não correu no período em que esteve pendente o processo crime em que o réu foi arguido.
Finalmente, o próprio réu reconheceu o direito pois, na sequência do mesmo acidente e quanto a outros lesados, aceitou reembolsar a autora das quantias indemnizatórias que a mesma satisfez, o que ocorreu na sequência de uma transação judicialmente homologada.
Refere ainda que face ao regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil tinha obrigação legal de indemnizar as vítimas do acidente pelos danos que as mesmas sofreram.
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Foi proferido despacho que:

a) dispensou a realização da audiência prévia;
b) fixou à causa o valor de € 29 930,00;
c) apreciou tabelarmente os pressupostos processuais;
d) identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova;
e) apreciou os requerimentos probatórios;
f) designou data para a realização da audiência final.
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Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Por tudo o exposto, o Tribunal julga procedente a invocada exceção de prescrição, arguida pelo réu J. A. e, por consequência, atenta a extinção, por efeito dela, do crédito reclamado pela autora SEGUROS ..., SA, absolve o réu do pedido.
Custas pela autora.”
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A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1ª) A douta sentença recorrida confunde e trata da mesma maneira, prazo para exercício do direito de regresso, com o prazo para com lesado exigir dos responsáveis a reparação;
2ª) A discussão doutrinária e jurisprudencial invocada na douta sentença prende-se, apenas, com a aplicação do prazo de 3 anos ou do mais extenso prazo de prescrição penal (se o facto ilícito também constituir crime) ao exercício do direito de regresso da seguradora, e só a este;
3ª) A discussão não existe quanto ao exercício do direito pelo lesado, onde a resposta do legislador é clara, afirmativa e indiscutível no sentido da aplicação do prazo mais longo - art. 498.º n.º 3 do CCiv.;
4º) O direito de regresso da seguradora só nasce com a efectivação do pagamento sendo pacifico o entendimento que, quer no caso de sub-rogação, quer de direito de regresso, o prazo de prescrição (seja qual for o entendimento quanto à extensão do mesmo) só se inicia com o pagamento;
5º) E, quando a regularização dos danos em relação a cada lesado se decompõe em vários pagamentos diferidos no tempo, o prazo de prescrição do direito de regresso só se inicia com o último dos pagamentos;
5º) No caso em apreço, a acção foi proposta antes de decorrido o prazo de 3 anos desde o pagamento da última parcela indemnizatória relativa a cada um dos lesados em causa;
6º) E, a seguradora demandante, reclama valores que indemnizou aos lesados A. G., J. C. e M. O. antes de se ter completado o prazo de prescrição aplicável do direito daqueles, que era de 5 anos, atenta a circunstância de o facto ilícito invocado consubstanciar crime sujeito a prazo de prescrição alargado a 5 anos e considerando as interrupções provadas com o reconhecimento pela seguradora perante os lesados;
7ª) Pelo que, não tem aqui aplicação o previsto no art. 521.º n.º 2 do CCiv uma vez que a A. Não podia à data dos pagamentos, invocar uma prescrição que não se tinha completado;
8ª) O que além do mais traduziria sempre uma atitude reprovável e de abuso de direito, depois de reconhecer o direito, avaliar os danos e fazer propostas de indemnização que estava a negociar verificados os 3 anos após o acidente, interromper as negociações e recusar qualquer indemnização invocando prescrição numa interpretação que não merecia sustentação;
9ª) No caso não se verificou prescrição dos direitos dos lesados antes das indemnizações pagas, nem foi ultrapassado o prazo de 3 anos de prescrição do direito de regresso desde os pagamentos efectuados e relativamente à última parcela indemnizatória;
10ª) O Ac. RP de 22/3/2021 relativo ao Proc. 1668/20.7T8VLG.P1, que na douta sentença se diz seguir de perto, respeita apenas ao prazo de exercício do direito de regresso pela seguradora após o pagamento, não sustentando jurisprudencialmente o entendimento que se diz retirar dele na sentença em crise;
11ª) Violou a sentença recorrida, o disposto nos arts. 325.º, 498.º n..º 2 e 3 e 521.º n.º2 do Código Civil.”
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O réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo ampliado o objeto do recurso, e apresentou as seguintes conclusões:

“1ª- A recorrente vem opor-se à decisão tomada pelo Tribunal ‘a quo’, alegando que este “confunde e trata da mesma maneira, prazo para exercício do direito de regresso, com o prazo para o lesado exigir dos responsáveis a reparação”, mas opõe-se escamoteando ou procurando, até, esconder a verdadeira questão a considerar, relativa à invocada prescrição;
2ª- A verdadeira questão é que quando a Seguradora pagou as indemnizações aos lesados já os créditos destes se encontravam prescritos pelo decurso d prazo de 3 anos contados desde a data em que tiveram conhecimento do direito que lhes competia, conforme o réu/recorrido deixou alegado na contestação que apresentou, sendo que no caso dos lesados J. C. e M. O. tinha já decorrido o prazo de 5 anos;
3ª- Assim, importa que, ao abrigo do estatuído no artigo 636º nº 1 do CPC, por terem sido outros os fundamentos invocados na acção pelo réu/recorrido, sejam os mesmos apreciados em sede de recurso, pelo que requer subsidiariamente a ampliação do âmbito do mesmo.
4ª- No caso em apreço não é aplicável à prescrição a extensão do prazo a que alude o nº 3 do artigo 498º do Código Civil, pois extinto o processo criminal pelo crime de ofensas corporais por negligência por não ter sido apresentada a queixa de que depende, o prazo de prescrição do direito de indemnização é de apenas 3 anos;
5ª- Mesmo que se entenda que o prazo é de 5 anos (e não de 3 anos) por força da extensão consagrada no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, já se encontrariam prescritos — pelo decurso dos referidos 5 anos — os créditos dos lesados J. C. e M. O.;
6ª- Os actos praticados pela seguradora, alegadamente interruptivos perante si do prazo de prescrição, não tem a virtualidade de interromper perante o réu/recorrido tal prazo de prescrição;
7ª- Nenhum acto o réu/recorrido praticou perante os lesados que tivesse interrompido o prazo prescricional a correr desde o acidente em causa;
8ª- Nos termos do nº 2 do artigo 521º do Código Civil, o devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição;
9ª- Não são invocáveis contra o credor, por um devedor solidário, os meios de defesa fundados na relação pessoal deste último com algum dos outros devedores salvo se existir entre os vínculos uma relação de subordinação, como se verifica no presente caso;
10ª- Atendendo à relação de subordinação entre o vínculo obrigacional que une o lesado ao responsável civil e o que o une ao segurador, este último pode invocar contra o lesado todos os meios de defesa fundados na relação de responsabilidade civil, porquanto o seguro só estende ao segurador a responsabilidade pelo pagamento da obrigação de indemnizar que vincule o respectivo segurado, isto é, o devedor que pagou não goza do direito de regresso, se a obrigação houver prescrito em relação aos seus condevedores e este invocarem a prescrição;
11ª- Encontrando-se já prescritos perante o réu/recorrido os créditos satisfeitos aos lesados J. C. e M. O. pela seguradora, aqui recorrente, não pode esta exercer o direito de regresso perante aquele face à invocação da prescrição de tais créditos;
12ª – No caso de pagamento faseado de despesas, o prazo de prescrição do direito de regresso há-de contar-se a partir do último pagamento efectuado, a não ser que as despesas em causa pagas há mais de 3 anos constituam um núcleo indemnizatório e juridicamente diferenciado, susceptível de ser pago autonomamente, como é manifestamente o caso dos autos;
13ª- Embora por fundamento distinto, também o crédito resultante das despesas de consultas e fisioterapia pagas pela seguradora, aqui recorrente, se encontra igualmente prescrito, tendo tal prescrição sido invocada pelo réu/recorrente.”
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A autora apresentou resposta à ampliação do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1ª) A seguradora não é co-autora dos factos geradores da responsabilidade civil, pelo que não é sujeito passivo condevedor em solidariedade com o condutor da obrigação de reparar os danos;
2ª) A Seguradora recorrente, assumiu por via contratual e legal a responsabilidade de se substituir ao condutor do veículo e responsável pelos riscos de circulação do mesmo, no pagamento da indemnização de lesados em caso de acidente de viação, sendo que essa responsabilidade, não excedendo os danos o capital seguro obrigatório, é exclusiva da seguradora nos termos do disposto no art.º 64.º n.º 1 alínea a) do DL 291/2007 de 21/8;
3ª) Não podendo os lesados exigir do condutor directamente a reparação dos seus danos, mas apenas e obrigatoriamente da seguradora, não pode, obviamente, dar-se como prescrito um direito que nem sequer tinha condições de ser exercido;
4º) Pelo que, atento o disposto no art. 306.º n,º 1 do CCiv., não só não prescreveu como nem sequer se iniciou um prazo de prescrição do direito dos lesados em exigirem do condutor a reparação dos seus danos;”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I – saber se quando a autora pagou a indemnização aos lesados o direito destes já se encontrava prescrito e, por isso, face ao disposto no art. 521º, nº 2, do CC, a autora não goza de direito de regresso quanto ao réu (questão suscitada pelo réu em sede de ampliação do recurso);
II – em caso de resposta negativa à questão anterior, saber se o direito de regresso que a autora pretende fazer valer contra o réu não se encontra prescrito (questão suscitada pela autora no seu recurso).

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1. Correu termos na Instância Local Criminal de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 965/13.2GAVNF, processo comum singular, no qual foi proferida sentença, transitada em julgado em 15/01/2016, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, tendo em atenção todas as considerações produzidas e as normas legais citadas, decide-se julgar parcialmente procedente a acusação pública e, em consequência:
A) Condenar o arguido J. A. pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo disposto no artº 137º, nº 1 e n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, absolvendo-o da práticas das contra-ordenações que lhe foram imputadas;
B) Condenar o arguido J. A. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
C) Condenar o arguido J. A. em cúmulo jurídico de penas referidas em a) e b), nos termos do art. 77º, nºs. 1 e 2, do C.P., na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;
D) Suspendo, pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea que antecede, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51.º, n.º 1, al. c), 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições cumulativas:
1. De um regime de prova assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social), a elaborar pela DGRS e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros), executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social; e
2. – Sujeição a tratamento médico ou a cura ao álcool em instituição adequada, caso se verifique a necessidade médica após avaliação.
E) Condenar o arguido J. A. na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de 16 (dezasseis) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, relativamente ao crime de homicídio por negligência grosseira.
F) Condenar o arguido J. A. na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de 10 (dez) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, relativamente ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
G) Condenar o arguido J. A. em cúmulo matrial de penas referidas em E) e F), na pena única de 26 (vinte e seis) meses de pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados;
H) Condenar os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça, em 4 UCs, nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
I) Declarar cessada, após trânsito, qualquer medida de coação imposta ao arguido, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).”
2. Na referida sentença, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
“1. No dia 8 de Setembro de 2013, cerca das 17H30m, no interior da Quinta de …, sita na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, o arguido seguia na condução do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca " MITSUBISHI“, modelo " LANCER“, matrícula FV, de sua propriedade, após ter participado na festa de homenagem dos 50 anos de Paróquia do Padre da freguesia de ..., qua aí havia decorrido nesse dia, e na qual estiveram presentes mais de 100 pessoas.
2. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, circulava então um grupo de pessoas que havia estado igualmente naquela comemoração, as quais caminhavam a pé pela estrada, do lado esquerdo, no sentido descendente.
3. Na mesma ocasião e no mesmo sentido de trânsito, seguia à frente do veículo do arguido, P. R. na condução do veículo de matrícula CG, tendo então o arguido, quando o CG descrevia a curva para o lado direito, de repente, sem sinalizar tal manobra e sem reduzir a velocidade, ultrapassou o CG pela esquerda.
4. Foi então que o veículo conduzido pelo arguido embateu no grupo de pessoas que caminhava a pé pelo lado esquerdo do caminho, tendo passado com a roda por cima da vítima J. F..
5. O arguido apenas conseguiu imobilizar a viatura a cerca de 44,80 metros do corpo da vítima, a qual teve morte imediata, tendo falecido no local do acidente.
6. O arguido não atentou, como podia e devia, na presença dos peões que ali se encontravam, junto ao lado esquerdo do referido caminho no sentido descendente, tendo embatido com a parte frontal direita do veículo que conduzia nos peões, entre os quais a Vítima J. F..
7. Em virtude do referido embate e, concretamente do respectivo impacto, o peão/ofendido caiu, tendo o seu corpo sido arrastado no pavimento pelo veículo do arguido numa distância de cerca de 9,70 metros, e aí se tendo imobilizado no solo a cerca de 3,40 metros da berma esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha em que seguia o veículo conduzido pelo arguido.
8. Como consequência directa e necessária do referido embate resultaram para o ofendido J. F., inúmeras lesões traumáticas torácicas e raquimedulares, lesões nos autos descritas no relatório de autópsia junto a fls.64 a 67 (cujo teor aqui damos por reproduzido para os devidos efeitos legais).
9. Tais lesões determinaram directa e necessária a morte do ofendido J. F. ( cfr. o supra referido relatório da autópsia e Ficha do INEM de fls. 21 e 22 que aqui também se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais).
10. O referido embate, ficou a dever-se à forma desatenta, descuidada, negligente e inconsiderada como o arguido circulava, a uma velocidade superior àquela que seria adequada para aquele local.
11. Após o atropelamento, o arguido só logrou imobilizar o veículo a cerca de 44,80 metros do corpo do peão, num campo de cultivo ali existente.
12. No local onde ocorreu o acidente supra descrito a via configura um caminho particular, sem vias de trânsito marcadas, tendo 6,10 metros de largura total (largura da berma direita – 1,08 metros, largura da berma do lado esquerdo – 0,95 metros, largura da estrada (sem bermas) – 4,05 metros), sem bermas ou valetas demarcadas, sendo que no sentido de circulação do veículo e dos peões o caminho particular é de sentido descendente, que descreve uma curva para o lado direito, seguido de uma recta.
13. O caminho, ladeado por muros em pedra com vegetação, tem boa visibilidade, sendo que, à data dos factos, o pavimento era de asfalto betuminoso, em estado de conservação regular e encontrava-se seco e limpo; o tempo estava bom.
14. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1º, o arguido conduzia o veículo supra referido, afectado por uma taxa de alcoolemia no sangue de 3,27 g/l;
15. Ao agir da forma descrita, o arguido bem sabia que, dado o carácter perigoso que a condução reveste, não podia circular com falta de atenção e a uma velocidade que sabia ser manifestamente desadequada, porque excessiva, às condições, ao traçado da via, às características do veículo que então tripulava e à carga que transportava e também sabia que exercia a condução de modo desatento, imperito e desconcentrado.
16. O arguido estava consciente que circulava com uma quantidade de álcool no sangue superior aquela que era permitida por Lei, que havia consumido bebidas alcoólicas, até porque tinha estado num almoço de confraternização, actuando com esse propósito que concretizou em livre manifestação da vontade, consciente que tal conduta era proibida e censurada por Lei.
17. Não tendo observado a velocidade adequada e permitida para aquele local, conduzindo a uma velocidade desadequada e influenciado por um estado de alcoolemia superior ao limite máximo permitido por Lei, sendo que, ao iniciar a ultrapassagem ao veículo que seguia à sua frente, não se assegurou previamente que o fazia com segurança e de que a via estava livre e desimpedida para o efeito, o arguido violou o dever de cuidado que a condução exige, e que podia e devia ter observado, para evitar o resultado que, do mesmo modo, podia e devia esperar, sendo essa sua conduta a causa directa e necessária para a ocorrência do acidente supra descrito que originou as lesões e consequente morte do ofendido.
18. Agiu o arguido de modo descuidado e desrespeitador das regras de trânsito, conduzindo com incúria ou ligeireza, não tomando as precauções básicas exigidas pela mais elementar prudência na condução de veículos automóveis.
19. Ao agir da forma negligente, inconsiderada, sem o cuidado que o dever geral de providência aconselha e que podia e devia ter observado e com a vontade livre e a perfeita consciência, por um lado de que a sua conduta era proibida e punida por Lei e, por outro, das circunstâncias descritas;
20. A Quinta de … é uma quinta privada, que é cedida a título gratuito, para a realização de eventos.
21. O veículo tripulado pelo arguido iniciou a sua marcha do lado esquerdo da via, por aí se encontrar estacionado.
22. A circulação automóvel, nesse momento, fazia-se toda no sentido descendente uma vez que as pessoas estavam a abandonar a confraternização em que tinham participado.
23. Não ficou marcado no piso betuminoso qualquer rasto de travagem do veículo conduzido pelo arguido, antes ou depois do local do atropelamento;
24. Com a atrapalhação provocada pelo atropelamento e pelos gritos das pessoas que se encontravam naquele local, o arguido acabou por acelerar em vez de travar;
25. As vítimas caminhavam de costas para a circulação automóvel que se verificava naquele momento.
26. A colheita de sangue para análise, feita ao arguido, apenas ocorreu no Hospital, às 20:30 horas, aonde foi conduzido para o efeito, atendendo que o arguido não estava em condições físicas de efectuar o teste ao álcool pelo método de ar expirado, no local do acidente, não obstante as tentativas efectuadas, e apenas a essa hora atendendo ao número de feridos que foram transportados para o hospital e a quem foi feito também tal exame. (…).”
3. O processo referido em 1 teve início com o envio, em 09/09/2013, aos Serviços do Ministério Público, de auto de notícia lavrado pela GNR.
4. Não foi apresentada queixa por A. G., J. C. e M. O..
5. No referido acidente foram atropelados pelo veículo conduzido pelo réu, entre outros:
- A. G., que sofreu traumatismo craniano e traumatismo da face, traumatismo do ombro direito, abrasão nos antebraços e traumatismo do hallux esquerdo;
- J. C., que sofreu luxação do ombro esquerdo e contusão da anca esquerda;
- M. O., que sofreu feridas e escoriações nos membros inferiores e lombalgia traumática.
6. M. O. foi observada nos serviços clínicos da autora em 03/10/2013 que confirmaram a existência de feridas com alguma gravidade, nomeadamente junto ao joelho esquerdo, tendo sido seguida em consulta de ortopedia e cirurgia vascular devido a agravamento de patologia venosa pré-existente, e em 07/11/13 apresentando melhoria franca, iniciou medicina física de reabilitação que veio a cumprir até 13/02/2014, passando nesta altura a uma incapacidade de 30 % e encaminhada para consulta de avaliação de dano a 21/02/2014, altura em que teve alta com incapacidade respeitante às sequelas apresentadas face à tabela nacional em direito civil fixáveis em 7 pontos.
7. J. C. à data da alta, 28/03/2014, apresentava limitação articular do ombro esquerdo por processo de rotura da coifa anterior e queixas dolorosas à mobilização do mesmo, admitindo grande dificuldade para a realização das suas atividades durante o período desde o acidente e respetivo seguimento ortopédico e fisiátrico sendo de considerar uma situação de ITA desde a data do acidente até à data da alta (08/09/2013 a 28/03/2014), uma IPG final de 3 pontos ( Mf1202 ) e um QD de 3 pontos em 7.
8. A. G., à data da alta – 27/11/2013-, após convalescença em regime de ITA desde o acidente (8/9/2012), apresentava como sequela permanente uma limitação da mobilidade articular do ombro justificando a atribuição de uma IPG final de 6 pontos (Ma0206) e um QD de 3 pontos em 7.
9. Os sinistrados A. G., J. C., M. O., constituíram mandatário que reclamou a indemnização devida pelos danos sofridos à autora, tendo esta acordado em indemnizá-los, perante as evidências da responsabilidade do réu.
10. Mediante contrato de seguro obrigatório automóvel sob a apólice n.º …. celebrada em 08/09/2009 e vigente na anuidade iniciada em 08/09/2013, o réu transferiu para a autora a responsabilidade civil perante terceiros pelos danos emergentes da circulação automóvel do veículo Mitsubishi Lancer PV até ao valor do capital seguro obrigatório de € 6.000.000,00.
11. Pagou a Autora pelos danos corporais sofridos por:
A. G. a quantia de €5.500,00 a título de indemnização pelos danos corporais sofridos e supra descritos, paga em 20/7/2018;
J. C. a quantia de €9.000,00 a título de indemnização pelos danos corporais sofridos e supra descritos, paga em 26/9/2018;
M. O. a quantia de €14.000,00 a título de indemnização pelos danos corporais sofridos e supra descritos, paga em 26/9/2018.
12. Indemnizações, das quais os mesmos deram quitação através de recibos nos quais declaram que a recebem como “quitação integral e definitiva dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo presente sinistro. Mediante esta liquidação fica a presente companhia de seguros, bem como o seu segurado e tomador do seguro relevados por toda a obrigação relativa ao dito sinistro, passando o presente recibo definitivo e sem reserva por renunciar expressamente a quantos direitos de acção judicial e indemnizações lhe possam corresponder.”
13. Além dessas indemnizações pagas, a autora pagou por causa do acidente, em 05/05/2014, a quantia de € 1.430,00 a título de despesas de tratamento e honorários médicos com o sinistrado J. C..
14. A autora propôs contra o réu uma outra ação judicial que correu termos sob o n.º 1835/15.5T8BRG da ex-Instância Central de Guimarães – 2ª Secção Cível – Juiz 5, na qual, com base no mesmo acidente e a mesma causa de pedir – a TAS do condutor - reclamava do réu o reembolso das indemnizações e despesas pagas com as indemnizações aos lesados herdeiros do falecido J. F..
15. O processo findou por transação outorgada em 15/12/2015, homologada por sentença, com o seguinte teor:
“Transação
1.ª
A autora reduz o pedido à quantia de € 93.400,00 (noventa e três mil e quatrocentos euros) que o réu se obriga a pagar em quatro prestações mensais e sucessivas de € 23.350,00 cada uma, vencendo-se a primeira no próximo dia 25 de janeiro e as restantes ao dia 25 de cada um dos meses imediatamente subsequentes, por cheque a enviar à ordem da autora para a sua sede social na Avenida …, Lisboa, ou por transferência para o NIB que lhe vier a ser indicado pela autora ou pelo seu mandatário por escrito.
2.ª
As datas de vencimento correspondem à data em que a quantia deve estar transferida para a conta da autora ou em que o cheque deve ser recepcionado na sede desta.
3.ª
Em caso de não pagamento pontual de qualquer das prestações considerar-se-á ser imediatamente vencido e devido pelo réu à autora o valor integral do pedido (€ 116.596,13) apenas deduzido das prestações efectivamente pagas em cumprimento da cláusula 1.ª.
4.ª
O reembolso acima ajustado apenas abrange as quantias já pagas pela autora e especificadas na presente ação, não se incluindo na transação eventuais indemnizações que a autora tenha de vir a liquidar a outros ou aos lesados referidos na PI por outros danos ainda não ressarcidos.
5.ª
As custas são repartidas na proporção dos decaimentos.
***”
16. A presente ação deu entrada em juízo em 12/06/2020.
17. O réu foi citado em 18/06/2020.
18. Por carta datada de 16/10/2013 a autora remeteu a J. C. uma carta na qual assumia a responsabilidade e se propunha indemnizar o mesmo pelos danos emergentes do acidente.
19. Subsequentemente, submeteu este lesado a exame médico de avaliação de dano corporal com vista à quantificação dos danos para a sua indemnização extrajudicial, o que ocorreu em 03/04/2014.
20. Por email de 11/04/2014, dirigido ao mandatário do lesado em causa, a autora apresentou uma proposta de indemnização pelos danos corporais sofridos por este lesado, iniciando negociações, com nova proposta de indemnização em 03/07/2018, e que vieram a culminar com o pagamento da indemnização acordada em 26/09/2018.
21. A autora convocou M. O. para exame de avaliação de dano que teve lugar em 26/02/2014 e que motivou a proposta de indemnização que a autora formulou a esta lesada, por email dirigido ao respetivo mandatário, em 03/03/2014.
22. Seguiram-se negociações, com nova proposta de indemnização em 03/07/2018 e que vieram a culminar com o pagamento da indemnização acordada em 26/09/2018.
23. A autora convocou A. G. para exame de avaliação de dano que teve lugar em 11/02/2014 e que motivou a proposta de indemnização que a autora formulou a este lesado por uma carta datada de 27/02/2014.
24. Seguiram-se negociações, com nova proposta de indemnização em 03/07/2018 e que vieram a culminar com o pagamento da indemnização acordada em 20/07/2018.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I – Prescrição do direito dos lesados quando a autora lhes pagou a indemnização e consequente inexistência de direito de regresso quanto ao réu, face ao disposto no art. 521º, nº 2, do CC.

Em sede de ampliação do recurso, o réu vem dizer que “quando a Seguradora pagou as indemnizações aos lesados já os créditos destes se encontravam prescritos pelo decurso do prazo de 3 anos contados desde a data em que tiveram conhecimento do direito que lhes competia” sendo que, “no caso do J. C. e da M. O. tinha já decorrido o prazo de 5 anos”.
Mais refere que “os actos praticados pela seguradora, alegadamente interruptivos perante si do prazo de prescrição, não têm a virtualidade de interromper perante o réu/recorrido tal prazo de prescrição” o qual nenhum ato “praticou perante os lesados que tivesse interrompido o prazo prescricional a correr desde o acidente em causa”.
Conclui que a autora não tem direito de regresso quanto ao que pagou aos lesados J. C. e M. O. porque, como “resulta do nº 2 do artigo 521º do Cód. Civ., “O devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição”.
Vejamos, então, se quando a seguradora efetuou o pagamento das indemnizações aos lesados o direito já se encontrava prescrito, como defende o réu estribado na argumentação que se sintetizou.
No caso em apreço, a obrigação de indemnização decorre de um acidente de viação que ocorreu por culpa exclusiva do réu. Trata-se, pois, de uma situação de responsabilidade civil por facto ilícitos, prevista no art. 483º, nº 1, do CC, o qual dispõe que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Como a fonte geradora da obrigação de indemnizar decorre de um acidente de viação, estamos no domínio do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel cujo regime consta do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto.
Assim, estabelece o art. 4º, nº 1, do citado diploma legal, que toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei.
O seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º abrange, relativamente aos acidentes ocorridos no território de Portugal, a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil (art. 11º, nº 1, al. a).
O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 4.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo (art. 15º, nº 1).
O capítulo III do aludido diploma, intitulado Da regularização dos sinistros, fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel (cf. art. 31º e ss).
O regime previsto no referido capítulo não se aplica a sinistros cujos danos indemnizáveis totais excedam o capital mínimo legalmente estabelecido para o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (art. 32º, nº 1).

No caso de ser interposta uma ação judicial destinada à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer seja em processo civil quer em processo penal, e em caso de existência de seguro, a mesma deve ser deduzida obrigatoriamente:

a) só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório;
b) contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior (art. 64º, nº 1, als. a) e b).

Deste regime resulta que, em situações de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação em que haja seguro obrigatório e os danos não excedam o capital mínimo legalmente estabelecido para o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, cujo valor está definido no art. 12º, o processo extrajudicial ou judicial tendente ao ressarcimento e indemnização dos danos sofridos decorre diretamente entre a seguradora e o lesado, sem intervenção da pessoa civilmente responsável.
De forma alinhada com a anterior solução, decorre do art. 146º, nº 1, do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, diploma que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro (LCS), que, nos casos de seguro obrigatório, o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador.
Porém, enquanto a norma do art. 146º da LCS confere ao lesado uma mera faculdade, permitindo-lhe, mas não lhe impondo, que demande diretamente a seguradora nos casos dos seguros obrigatórios em geral, já as normas atrás citadas do DL n.º 291/2007 são imperativas no sentido de que impõem a demanda direta e exclusiva da seguradora desde que se trate de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e a indemnização se contenha dentro dos limites do capital obrigatório.
Por conseguinte, nestes casos, o lesado só pode pedir a indemnização à seguradora, e não ao causador do acidente. Ou seja, a relação desenrola-se diretamente entre o lesado e a seguradora, figurando esta, por força da lei, no lugar do lesante e civilmente responsável.
De todo o regime do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel ressalta que foi preocupação do legislador salvaguardar os interesses dos lesados, fazendo a seguradora intervir como garante da indemnização devida, a qual, por força do contrato de seguro, suporta definitivamente o pagamento da indemnização, com ressalva dos casos excecionais em que a lei lhe confere direito de regresso e que se encontram previstos no art. 27º.
Daí que, se diga que o “contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, face ao condicionamento imposto pela lei do seguro obrigatório, reveste a natureza de garantia social ou de contrato a favor de terceiro lesado que assume o papel de parte para poder exigir, directamente, da seguradora a concretização do seu direito à reparação ou à indemnização” (Ac. do STJ, de 06.07.2011, Relator Helder Roque, in www.dgsi.pt).
Por força da lei e devido à existência de contrato de seguro, a seguradora substitui-se ao lesante e passa a ocupar o lugar deste na relação de responsabilidade civil por factos ilícitos que o contrapõe ao lesado.
Ora, desenvolvendo-se a relação diretamente entre a seguradora e o lesado a seguradora pode exercer todos os direitos do lesante, em substituição deste, pois a responsabilidade civil que impendia sobre este último transferiu-se para a seguradora.
Porque assim é, o prazo de prescrição aplicável no caso é o de 5 anos.
Com efeito, estatui o art. 498º, nº 1, do CC, que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária, se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso. Porém, conforme estabelecido no nº 3 do mesmo preceito, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Portanto, “nos termos do nº 3, o prazo de prescrição será o do procedimento criminal, se o ilícito civil for também um ilícito criminal e aquele for superior a três anos. Esta alteração do prazo de prescrição não depende de o processo penal ter sido ou vir a ser iniciado, mas apenas da qualificação jurídica dos factos” (Ana Prata in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 688, com sublinhado nosso).
No mesmo sentido refere Gabriela Páris Fernandes, em anotação ao art. 498º, do CC, (in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, pág. 379) que “não é de exigir, no entanto, segundo entendimento jurisprudencial maioritário, para que se aplique o prazo mais longo da prescrição, que tenha havido prévio procedimento criminal contra o lesante ou condenação penal, assim como não impede a aplicação desse prazo a circunstância de o procedimento criminal ter sido arquivado, de o crime ter sido amnistiado ou de não ter sido exercido tempestivamente o direito de queixa”.
Ora, na situação em análise, embora os lesados A. G., J. C. e M. O. não tenham apresentado queixa contra o lesante e aqui réu (facto 4), os mesmos foram atropelados pelo veículo conduzido pelo réu e sofreram as lesões descritas no facto nº 5.
Por conseguinte, os factos são suscetíveis de integrar um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido no art. 148º, nº 1, com prisão até 1 ano, pelo que, de acordo com o disposto no art. 118º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, o prazo de prescrição é de 5 anos.
Deste modo, é esse o prazo de prescrição aplicável às relações entre os lesados e a seguradora.
Vejamos, agora, se quando a seguradora efetuou os pagamentos aos lesados, já tinha decorrido o aludido prazo de prescrição de 5 anos.
No caso, o acidente ocorreu em 8.9.2013.
Assim, o prazo de prescrição de 5 anos, em princípio, completar-se-ia em 8.9.2018.
Sucede que, de acordo com o estabelecido no art. 325º, nº 1, do CC, a prescrição interrompe-se pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (art. 326º, nº 1, do CC).

Provou-se quanto ao lesado J. C. que:
- a autora, por carta datada de 16.10.2013, assumiu a responsabilidade e propôs-se indemnizá-lo pelos danos emergentes do acidente (facto 18);
- submeteu este lesado a exame médico de avaliação de dano corporal com vista à quantificação dos danos para a sua indemnização extrajudicial, o que ocorreu em 3.4.2014 (facto 19);
- por email de 11.4.2014 dirigido ao seu mandatário a autora apresentou uma proposta de indemnização pelos danos corporais sofridos, iniciando negociações, com nova proposta de indemnização em 3.7.2018, e que vieram a culminar com o pagamento da indemnização acordada em 26.9.2018 (facto 20);
- a autora pagou ainda por causa do acidente, em 05.05.2014, a quantia de € 1.430,00 a título de despesas de tratamento e honorários médicos com o sinistrado J. C. (facto 13).
Esta descrita atuação da seguradora implica o reconhecimento do direito perante o lesado o que tem como efeito a interrupção do prazo de prescrição, em cada uma das aludidas datas, começando a correr novo prazo de 5 anos após cada interrupção.
Assim, o prazo interrompeu-se em 16.10.2013, em 3.4.2014, em 11.4.2014 e em 3.7.2018, não tendo decorrido entre cada um desses atos interruptivos o prazo de 5 anos, pelo que se conclui que, quando foi feito o pagamento da indemnização, em 26.9.2018, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de 5 anos.
O mesmo se diga quanto ao pagamento, em 05.05.2014, da quantia de € 1.430,00 a título de despesas de tratamento e honorários médicos com o sinistrado J. C. pois na referida data também ainda não tinha passado o prazo de prescrição de 5 anos e este ato também interrompeu o prazo de prescrição.

Provou-se quanto à lesada M. O. que:
- a autora convocou-a para exame de avaliação de dano que teve lugar em 26.2.2014 e que motivou a proposta de indemnização que a autora formulou a esta lesada por email dirigido ao respetivo mandatário em 3.3.2014 (facto 21);
- seguiram-se negociações, com nova proposta de indemnização em 3.7.2018 e que vieram a culminar com o pagamento da indemnização acordada em 26.9.2018 (facto 22).
Esta descrita atuação da seguradora implica o reconhecimento do direito perante o lesado o que tem como efeito a interrupção do prazo de prescrição, em cada uma das aludidas datas, começando a correr novo prazo de 5 anos após cada interrupção.
Assim, o prazo interrompeu-se em 26.2.2014, em 3.3.2014 e em 3.7.2018, pelo que se conclui que, quando foi feito o pagamento da indemnização, em 26.9.2018, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de 5 anos.

Provou-se quanto ao lesado A. G. que:
- a autora convocou-o para exame de avaliação de dano que teve lugar em 11.2.2014 e que motivou a proposta de indemnização que a autora formulou a este lesado por uma carta datada de 27.2.2014 (facto 23);
- seguiram-se negociações, com nova proposta de indemnização em 3.7.2018 e que vieram a culminar com o pagamento da indemnização acordada em 20.7.2018 (facto 24).
Esta descrita atuação da seguradora implica o reconhecimento do direito perante o lesado o que tem como efeito a interrupção do prazo de prescrição, em cada uma das aludidas datas, começando a correr novo prazo de 5 anos após cada interrupção.
Assim, o prazo interrompeu-se em 11.2.2014, em 27.2.2014 e em 3.7.2018, pelo que se conclui que, quando foi feito o pagamento da indemnização, em 20.7.2018, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de 5 anos.
Por conseguinte, ao contrário do que defende o réu, quando a autora efetuou os pagamentos das indemnizações aos três lesados bem como quando efetuou o pagamento das despesas de tratamento e honorários médicos com o sinistrado J. C. ainda não se tinha completado o prazo de prescrição de 5 anos.
É irrelevante que o réu não tenha ele próprio praticado qualquer ato interruptivo da prescrição, visto que o praticou a seguradora, em sua substituição, entidade para a qual foi transferida a responsabilidade do réu, mercê da existência de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório.

Não tendo decorrido o prazo de prescrição, não tem pertinência a invocação do disposto no art. 521º, nº 2, do CC, como forma de afastar a existência do direito de regresso da seguradora.
Conclui-se assim que improcede a pretensão do réu manifestada em sede de ampliação do recurso.

II – Prescrição do direito de regresso que a autora pretende fazer valer contra o réu

A sentença recorrida, embora tenha concluído pela existência de direito de regresso da seguradora, afirmando que “à autora assiste o direito de reclamar do réu o ressarcimento das quantias indemnizatórias e despesas que, efetivamente, demonstrou ter pago” considerou que ao caso se aplica o prazo prescricional de três anos previsto no art. 498º, nº 2, do CC, que quando a seguradora efetuou o pagamento aos lesados tal prazo já tinha decorrido, pelo que, tendo a seguradora pago voluntariamente as indemnizações sem ter invocado a prescrição, face ao disposto no art. 521º, nº 2, do CC, a mesma não goza de direito de regresso contra o réu.
Insurge-se a autora contra este entendimento alegando que a sentença labora em erro pois “confunde e trata da mesma maneira, prazo para exercício do direito de regresso, com o prazo para o lesado exigir da responsável a reparação”. Invoca que quando efetuou os pagamentos aos lesados o prazo de prescrição de 5 anos ainda não tinha decorrido. Refere que efetivamente o prazo para o exercício do direito de regresso é de três anos, mas que o mesmo se conta do último pagamento efetuado e, por esse motivo, quando a presente ação foi proposta e o réu citado (18.6.2020) ainda não tinha decorrido o aludido prazo.
Refere ainda que quanto ao pagamento, em 5.5.2014, das despesas de tratamento e honorários médicos do lesado J. C., o prazo de prescrição de prescrição não se pode contar dessa data, mas antes de 26.9.2018, data em que ocorreu o pagamento da última parcela de indemnização desse lesado, razão pela qual não ocorreu a prescrição.
Adiante-se desde já que a recorrente tem inteira razão quanto ao que invoca no recurso e que se acabou de sintetizar.

Na verdade, há que distinguir claramente duas situações no caso em apreço:
a) a relação que se estabeleceu entre a seguradora e os lesados, na qual a seguradora interveio em substituição e no lugar do réu por via da transferência da responsabilidade civil do réu operada pela existência do contrato de seguro;
b) a subsequente relação que se estabelece entre a seguradora e o réu lesante em que a primeira exerce contra o segundo o direito de regresso que lhe é conferido ao abrigo do art. 27º do DL 291/2007, de 21.8.
As duas relações são distintas, derivam de fontes diferentes e estão sujeitas a regras e prazos de prescrição diferentes.
Como já analisámos a propósito da questão anterior, o prazo de prescrição para o exercício do direito de indemnização por parte dos lesados, no caso em apreço, é de 5 anos.
Porém, esse prazo alargado é de aplicação restrita a esta relação e não se aplica ao exercício do direito de regresso por parte da seguradora, a qual tem que exercer tal direito no prazo de 3 anos a que alude o art. 498º, nº 2, do CC.
Com efeito, dispõe o art. 498º, nº 2, do CC, que prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. Esta norma aplica-se analogicamente às situações de direito de regresso da seguradora previstas no art. 27º do DL 291/2007, de 21.8.
Efetivamente, como é referido na decisão recorrida, ocorreu divisão jurisprudencial sobre se o alargamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do art. 498º, do CC, era de aplicação restrita à situação prevista no nº 1, ou seja, ao exercício do direito de indemnização por parte do lesado, ou se tal prazo alargado também se aplicaria à situação prevista no nº 2, ou seja, aos casos de exercício de direito de regresso entre os responsáveis.
Delinearam-se as duas correntes que são referidas na sentença recorrida e, tal como referido nessa decisão, também concordamos que a posição a seguir deve ser aquela que atende à razão de ser do alargamento do prazo e que, uma vez que essa razão não se verifica quanto ao exercício do direito de regresso, não é aplicável à situação prevista no nº 2 do art. 498º o prazo alargado previsto no nº 3.
Acrescentamos que, neste momento, essa divisão jurisprudencial está algo atenuada pois constitui entendimento maioritário, sobretudo do STJ, o de que o alongamento do prazo de prescrição do direito de indemnização, estabelecido pelo nº 3 do art. 498º não vale quanto ao direito de reembolso da seguradora que satisfez ao lesado indemnização ao abrigo do regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a exercer contra certos responsáveis civis pelo acidente de viação, nas situações taxativamente previstas na lei (cf. Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, págs. 380/381 e jurisprudência aí citada).
Mostram-se desnecessárias mais aprofundadas considerações sobre esta matéria uma vez que, no caso em apreço, não há discordância sobre o prazo para o exercício do direito de regresso, pois tanto a decisão recorrida como a recorrente e o recorrido consideram igualmente que o prazo de prescrição aplicável ao direito de regresso é de 3 anos.
Avançando, e assentes neste pressuposto, vejamos agora se o direito de regresso da autora se encontra ou não prescrito.
Como já referido, o direito de regresso prescreve no prazo de 3 anos a contar do cumprimento (art. 498º, nº 2, do CC).

No que toca às datas de cumprimento, verifica-se que a seguradora efetuou os pagamentos aos lesados nos seguintes termos:
.- a A. G. a quantia de €5.500,00 a título de indemnização pelos danos corporais sofridos e supra descritos, paga em 20.7.2018;
- a J. C. a quantia de €9.000,00 a título de indemnização pelos danos corporais sofridos e supra descritos, paga em 26.9.2018;
- a M. O. a quantia de €14.000,00 a título de indemnização pelos danos corporais sofridos e supra descritos, paga em 26.9.2018 (facto nº 11);
- em 05.05.2014, a quantia de € 1.430,00 a título de despesas de tratamento e honorários médicos com o sinistrado J. C. (facto nº 13).
A prescrição interrompe-se com a citação (art. 323º, nº 1, do CC), a qual, no caso, ocorreu em 18.6.2020.
Assim, tendo por referência o pagamento das indemnizações em 20.7.2018 e 26.9.2018 é de concluir que, em 18.6.2020, data em que o réu foi citado, ainda não se tinha completado o prazo de prescrição de três anos.
Por conseguinte, e diversamente do que se entendeu na decisão recorrida, não se verifica a prescrição do direito de regresso da seguradora quanto aos valores de €5.500,00, €9.000,00 e €14.000,00 que pagou aos lesados.
No que concerne ao pagamento da quantia de € 1.430,00 a título de despesas de tratamento e honorários médicos com o sinistrado J. C., o mesmo ocorreu em 05.05.2014. Se contarmos o prazo de prescrição de três anos desta data o mesmo completou-se em 5.5.2017.
Porém, o prazo a considerar para efeitos de contagem da prescrição não deve ser esse, mas antes 26.9.2018, data em que foi efetuado o pagamento da indemnização ao lesado J. C. pelos danos corporais pelo mesmo sofridos.
Como nos dá conta Gabriela Páris Fernandes (in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, pág. 382) “o regime do nº 2 do art. 498º não tem merecido resposta uniforme por parte da jurisprudência quanto à questão de saber como deve contar-se o prazo prescricional do direito de regresso ou de reembolso nos casos em que a indemnização devida ao lesado ou lesados tiver sido paga de forma faseada: se deve contar-se um prazo prescricional autónomo relativamente a cada ato de pagamento parcelar efetuado pelo titular do direito ao reembolso, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição a partir de cada ato de pagamento, atomisticamente considerado (...) ou se, pelo contrário, o prazo de prescrição só se inicia na data em que for realizado o último pagamento ao lesado, pois só neste último momento ficou integralmente satisfeita a indemnização global e unitária (...) por todos os danos sofridos em consequência do facto lesivo”.
Sobre esta temática pronunciou-se designadamente o Acórdão do STJ de 2.4.2019, Relatora Catarina Serra (in www. dgsi.pt) o qual refere no seu sumário que “Estando em causa pagamentos parcelares, a contagem do prazo de prescrição do direito de reembolso inicia-se na data do cumprimento integral da obrigação (i.e., na data do último pagamento parcelar), a não ser quando seja possível a autonomização de um ou mais dos pagamentos, por dizerem respeito a “danos normativamente diferenciados”.
Na fundamentação, e em abono da tese sufragada, o referido acórdão cita outras decisões do STJ, designadamente de 21.09.2017, Proc. 900/13.8TBSLV.E1.S1, de 18.01.2018, Proc. 1195/08.0TVLSB.E1.S1, e de 3.07.2018, Proc 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1, dizendo que nelas “se afirma claramente que, no caso de parcelamento ou fraccionamento do pagamento da indemnização, deve, em princípio, atender-se ao último pagamento efectuado.” Admite, porém, “que a regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização", para evitar que se prolongue injustificadamente o prazo para o exercício do direito. Mas esta autonomização é apenas admissível em relação a “danos normativamente diferenciados”, a “danos autónomos e consolidados”.
Perfilhando esta tese, que consideramos ser a mais adequada, importa apurar se no caso em apreço ocorre autonomia dos danos, para efeitos de diversa contagem do prazo de prescrição.
Ora, convocando a matéria factual provada, verifica-se que a quantia paga em 26.9.20218 a J. C. foi paga a título de indemnização pelos danos corporais pelo mesmo sofridos (facto 11) e que a quantia paga em 5.5.2014 foi paga a título de despesas de tratamentos e honorários médicos do mesmo sinistrado (facto 13).
Deste modo, esta última quantia não se refere a danos autónomos e normativamente diferenciados, mas antes a danos que se encontram conexionados com os danos corporais sofridos pelo referido lesado e que se destinam precisamente a indemnizar os custos de tratamento dos danos corporais.
E, por assim ser, não há razão que justifique que este pagamento tenha autonomia em termos de contagem do prazo prescricional, devendo o prazo contar-se do pagamento da indemnização pelos danos corporais, o qual ocorreu em 26.9.2018.
Desta forma, por referência a esta data, quando o réu foi citado, em 18.6.2020, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de três anos, o qual apenas se completaria em 26.9.2021.
Portanto, resta concluir que o direito de regresso que a autora veio exercer ao abrigo do disposto no art. 27º, nº 1, al. c), do DL 291/2007, de 21.8, o qual dispõe que satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, não se encontra prescrito.
Assim, a autora tem direito a receber, ao abrigo da citada disposição legal, e conforme havia peticionado, as quantias que pagou aos lesados e que totalizam € 29 930,00, a que acrescem os juros legais contados desde a citação e até integral pagamento (art. 805º, nº 1, do CC).
Nestes termos, procede o recurso.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado procedente na totalidade, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, julgam improcedente a exceção de prescrição invocada pelo réu/recorrido e condenam este a pagar à autora/recorrente a quantia de € € 29 930,00, acrescida de juros legais à taxa anual de 4% contados desde a citação (ocorrida em 18.6.2020) e até integral pagamento.
Custas pelo recorrido.
Notifique.
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Guimarães, 03 de novembro de 2022.

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas.