Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
381/10.8YRLSB.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: JULGAR O TRG INCOMPETENTE
Sumário: .I – È aplicável a Convenção de Bruxelas às decisões proferidas por um Tribunal francês antes da entrada em vigor do Regulamento CE 44/2001.
.II – O Tribunal da Relação é incompetente em razão da hierarquia para efeitos de revisão e confirmação da sentença em causa.
Decisão Texto Integral: Processo 381/10.8YRLSB.G1

Relatora: Helena Gomes de Melo
1º Adjunto: Desembargador Amílcar Andrade
2º Adjunto: Desembargador Manso Rainho


Acordam os juízes da 1ªsecção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
Veio a Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurar acção sob a forma de processo especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra M. e R., alegando, em síntese:
Em 25 de Janeiro de 1993 foi proferida sentença pelo Tribunal de 1ª instância de Saint-Maur-des-Fossés que condenou solidariamente os RR. a pagarem-lhe a quantia de 24.542,84 que equivale a euros 3.741,54 e os juros à taxa legal sobre a quantia de 5.177,95 francos que equivale a euros 789,83, a contar da data da sentença.
Até à presente data os RR ainda não procederam ao pagamento da referida quantia.
Ambos os RR foram regularmente citados ao abrigo das leis francesas. Não existe excepção de litispendência ou de caso julgado que se possa invocar relativamente a causa afecta a tribunal português.
A referida sentença foi proferida por tribunal competente e não contém decisões contrárias aos princípios da ordem pública portuguesa.
A sentença transitou em julgado em 24.02.1993.
Pede, consequentemente, que se a sentença estrangeira seja revista e confirmada para todos os efeitos legais.
Devidamente citados, os requeridos vieram deduzir oposição, alegando, em síntese:
Têm residência há cerca de 15 anos na Av., freguesia de , concelho de Amares, em Portugal e não em França.
Regressaram de França por volta de 1995, tendo deixado as suas dívidas pagas, estranhando esta tentativa de cobrança por parte da requerente decorridos cerca de 18 anos. Face à legislação francesa a dívida está prescrita e nunca foram notificados pessoalmente da sentença e em face da legislação francesa e tinham que o ser no prazo de 6 meses após ser proferida a sentença, sob pena de a mesma se tornar nula. Falta na sentença o documento designado por “Signification” – artº 478º do CPC Francês, o que torna a sentença nula em Portugal.
O Tribunal da Relação de Lisboa é incompetente em razão do território para julgar a revisão pretendida e, caso assim não se entenda, deverá julgar-se improcedente o pedido da requerente por falta dos requisitos a que alude o artº 1096º do CPC.
A requerente respondeu, impugnando os factos alegados pelos requeridos e pugnando pelo deferimento da sua pretensão.
Por despacho de fls 50 foi julgado procedente a excepção de competência em razão do território e ordenada remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº1 do artº 1099º do CPC.
O requerente ofereceu alegações, concluindo como na petição inicial.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal nada obstou à confirmação da decisão do Tribunal Francês.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Do Direito aplicável
A sentença revidenda foi proferida em 25 de Janeiro de 1993, por um Tribunal francês, sendo uma acção de dívida tendo como causa de pedir um crédito concedido pela ora requerente aos requeridos que estes deixaram de pagar, a partir de determinada, condenando-os a pagar solidariamente a quantia de 29.720,79 F e os juros à taxa contratual a contar de 21 de Outubro de 1992 sobre quantia de 24.542,84 F, e os juros à taxa legal sobre a quantia de 5.177,95 F a contar da data da sentença – uma questão de direito comercial, portanto.
De acordo com o disposto no art. 8º nº 2 da CRP, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
O Estado Português encontra-se vinculado à Convenção de Bruxelas relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, de 1968, aprovada para ratificação pela Resolução da AR nº 34/91, de 24/4, publicada no DR I Série-A de 30-10 e ratificada pelo Decreto PR nº 52/91, de 30-10, tendo sido depositado o respectivo de instrumento de ratificação em 15-04-92 (Aviso nº 92/95, de 10-07) e entrado em vigor para Portugal em 01-07-1992 e à Convenção de Lugano relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial de 1988, aprovada para ratificação pela Resolução da AR nº 33/91, de 24/4, publicada no DR I Série-A, de 30-10 e ratificada pelo Decreto PR nº 51/91, de 30-10, depositado o respectivo de instrumento de ratificação em 14-04- 92 , e entrado em vigor para Portugal em 01-07-1992.
A Convenção de Bruxelas entrou em vigor em França em 01.02.1991 e a de Lugano em 01.01.92.
Vincula também o Estado Português o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22-12-2000, relativo à Competência Judiciária ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, publicado no JOC, nº L12/1, de 16-01-2001 e rectificado no JOC º 307, de 24-11-2001, que substituiu a Convenção de Bruxelas, salvo nas relações com a Dinamarca (conforme considerando 22) e entrou em vigor em 01-03-2002 (artº 76º).
A Convenção de Bruxelas pretendeu dar execução ao artº 220º do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, por força do qual os Estados-Membros se obrigaram a assegurar a simplificação das formalidades a que se encontram subordinados o reconhecimento e a execução recíprocos das decisões judiciais, aplica-se em matéria civil e comercial independentemente da natureza da jurisdição (artº 1º) e visa determinar a competência das jurisdições dos estados contratantes em matéria civil e comercial na ordem jurídica intra-comunitária.
A Convenção de Lugano visa a extensão do regime da Convenção de Bruxelas aos países membros da EFTA, tendo o mesmo campo de aplicação – matéria civil e comercial independentemente da natureza da jurisdição.
O nº 1 do art. 54º-B desta Convenção de Lugano dispõe que os preceitos da Convenção de Lugano não prejudicam a aplicação da Convenção de Bruxelas pelos Estados Membros da Comunidade Económica Europeia. Dispõe o nº2 do mesmo preceito que a Convenção de Lugano será sempre aplicada:
.a) em matéria de competência, quando o requerido se encontre domiciliado no território de um Estado Contratante que não seja membro das Comunidades Europeias ou quando os artigos 16º ou 17º da presente Convenção atribuam competência aos tribunais desse Estado Contratante;
. b) em matéria de litispendência ou de conexão, como as previstas nos artigos 21º e 22º, quando as acções sejam instauradas num Estado Contratante que não seja membro das Comunidades Europeias e num Estado Contratante membro das Comunidades Europeias;
.c) Em matéria de reconhecimento e de execução, quando o Estado de origem ou o Estado requerido não seja membro das Comunidades Europeias.
O Regulamento CE 44/2001 veio substituir a Convenção de Bruxelas. Nos termos do nº 1 do artº 66º do Regulamento CE 44/2001 as disposições do regulamento só são aplicáveis às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor.
E nos termos do nº 2 do artº 66º do Regulamento, se as acções no Estado Membro de origem tiverem sido intentadas antes da entrada em vigor do Regulamento, as decisões proferidas após essa data são reconhecidas e executadas em conformidade com o disposto no capítulo III, nos seguintes casos:
.a) se as acções no Estado Membro tiverem sido intentadas após a entrada em vigor das Convenções de Bruxelas ou de Lugano quer no Estado Membro de origem quer no Estado Membro requerido;
.b) em todos os outros casos, se a competência se baseou em regras correspondentes às previstas no capítulo II ou numa convenção celebrada entre o Estado-Membro requerido e que estava em vigor quando as acções foram intentadas.
Não sendo caso de aplicação do disposto nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 66º, mantém-se aplicável ao caso dos autos a Convenção de Bruxelas.
Nos termos do artº 26º parágrafo 1º da Convenção de Bruxelas “as decisões proferidas num Estado Contratante são reconhecidas nos outros Estados Contratantes, sem necessidade de recurso a qualquer processo”.
Não carece assim a decisão em apreço de ser reconhecida autonomamente.
A requerente pretendia certamente o reconhecimento para poder vir a executar a decisão. Nos termos do artº 31º da Convenção de Bruxelas “as decisões proferidas num Estado Contratante e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas em outro Estado Contratante depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada”. O requerimento deve ser apresentado, de acordo com o disposto no nº1 do artº 32º da Convenção, no Tribunal Judicial de Círculo.
O Tribunal em que for apresentado o requerimento decidirá em curto prazo, não podendo a parte contra a qual a execução é promovida apresentar observações nesta fase do processo (parágrafo 1º do artº 34º da Convenção).
As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito (parágrafo 3º do artº 34º da Convenção).
No caso do requerimento ser indeferido o requerente poderá, então, interpor recurso para o Tribunal da Relação (artº 37ºda Convenção).
O requerimento para reconhecimento de sentença de Tribunal europeu aderente à Convenção de Bruxelas, como é o caso da França, que condenou os requeridos em certa quantia, deve ser apresentado, em Portugal, no Tribunal de Círculo, conforme se defende no Ac. do TRL de 16.11.95, relatado por Ferreira Girão, proferido no Proc. nº 0010120, no Ac. de 12.06.1996 (Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 0004186 e no Ac. do TRL de 07.12.1995 (Campos Oliveira), proferido no Proc. nº 0002862, todos disponíveis em www.dgsi.pt, sendo que relativamente aos dois últimos apenas estão disponíveis os sumários.
Este Tribunal da Relação é assim absolutamente incompetente, em razão da hierarquia, nos termos do artigo 101º do CPC, para reconhecer a sentença em causa, e, consequentemente, ao abrigo do disposto no nº1 do artº 105º do CPC, há que absolver os requeridos da instância.

Sumário (nº 7 do artº 713º do CPC)
.I – È aplicável a Convenção de Bruxelas às decisões proferidas por um Tribunal francês antes da entrada em vigor do Regulamento CE 44/2001.
.II – O Tribunal da Relação é incompetente em razão da hierarquia para reconhecer a sentença em causa.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar este Tribunal incompetente, em razão da hierarquia e, consequentemente, em absolver os requeridos da instância.
Custas pela requerente.
Notifique.
Guimarães, 3 de Março de 2011
Helena Melo
Amílcar Andrade
José Rainho