Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8279/17.2T8VNF-A.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO
CONTRATO MÚTUO BANCÁRIO
CAPITAL MUTUADO
PRESTAÇÕES MENSAIS E SUCESSIVAS
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
INTERRUPÇÃO
RECONHECIMENTO
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da alínea e) do artº. 310º do C.C., as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, situação que se mantém quando opera o vencimento de todas as prestações por força do artº. 781º do mesmo C.C..
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

CAIXA ... CRL propôs ação executiva contra A. S. e C. J., dando à execução um documento particular, mais precisamente, um “Contrato de Mútuo”, celebrado a 06.08.2009, entre a exequente, a executada A. S. e C. J., mediante o qual a exequente concedeu a C. J. e À executada um empréstimo no montante de €20.000,00, que estes se obrigaram a reembolsar em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 16.11.2009 e as restantes no mesmo dia de cada um dos meses subsequentes.
Mais alega, no requerimento inicial, que nesse contrato ficou ainda consignado que o não pagamento de alguma prestação acarretaria o vencimento e exigibilidade imediatos de todas as demais prestações. C. J. e a executada A. S. não pagaram a prestação do empréstimo que se venceu em 16.05.2010, vencendo-se, por isso, então, todas as demais prestações. Nessa data, a exequente notificou C. J. e a executada desse incumprimento e consequente vencimento da totalidade do valor do empréstimo, interpelando-os para efetuarem o pagamento do valor devido, o que nunca fizeram.
Conclui pelo valor em dívida à data de € 18.490,73 de capital e 20.606,04 de juros vencidos, sendo o total de € 39.096,77.
Falecido C. J., a execução é proposta além de contra a executada, também contra o filho daquele, seus herdeiros.
*
Em oposição à execução por embargos e por apenso aos autos de execução, requereu o oponente/executado C. J. a suspensão da instância executiva, ao abrigo do disposto no artº. 733º, nº. 1, c), do C.P.C., o que foi indeferido.
Mais foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o valor da execução, elaborado o despacho saneador, tendo-se conhecido e indeferido as exceções também por aquele invocadas de ineptidão e ilegitimidade passiva.
Mais visando a extinção da execução, invocou o oponente a inexistência de título executivo quanto a si, pois, em face do título invocado e dos factos alegados no requerimento executivo, não é titular da relação material controvertida. Invocou ainda a prescrição do capital e respetivos juros, uma vez que aquando da apresentação do requerimento executivo já tinham decorrido mais de 5 anos desde a data em que os mutuários omitiram o pagamento da prestação do contrato de mútuo que se venceu em 16.05.2010. Sustentou ainda que não é devedor da quantia exequenda, mas antes herdeiro do devedor e a herança do seu pai não foi ainda partilhada, permanecendo ilíquida e indivisa, tendo, juntamente com a executada A. S., aceite essa herança apenas em benefício de inventário. Por último referiu que, beneficiando a executada A. S. da exoneração do passivo restante, concedida no âmbito do processo de insolvência n.º5453/10.6TBBRG, do Juízo Local Cível de Braga - Juiz 4, encontrando-se a decorrer o período de cessão de rendimentos, impõe-se a extinção da execução quanto à mesma.
A exequente contestou, alegando, em suma, que o embargante é executado apenas e só enquanto herdeiro do falecido devedor, tendo-lhe sucedido na obrigação exequenda, daí a sua legitimidade e a existência de título executivo contra o mesmo. No tocante à prescrição, afirmou que, tendo sido, em face do incumprimento dos devedores, considerada vencida toda a dívida, ficando sem o plano prestacional, ocorreu uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, ficando, por isso, o capital sujeito ao prazo prescricional ordinário de 20 anos. No mais, disse que não pode o embargante substituir-se à executada sua mãe, alegando, em vez desta, factos em defesa da mesma, que, por opção própria, apesar de ter deduzido oposição à execução, deixou que a instância fosse julgada extinta. Para além disso, não é verdade que a executada se encontre a cumprir o período de cessão previsto no referido processo de insolvência, conquanto não procedeu à entrega dos valores relativos ao 1.º e 2.º anos do período nem da declaração de IRS do ano de 2018 e, por isso mesmo, será declarada a cessação antecipada do procedimento de exoneração, nada obstando, portanto, ao prosseguimento da execução.
*
Tendo previamente o Tribunal notificado as partes da intenção de conhecer do mérito da causa em sede de despacho saneador, ao que as mesmas responderam, passou a conhecer de mérito quanto às seguintes questões: a (in)existência de título executivo quanto ao oponente/executado C. J. e, após, a prescrição do capital e juros reclamados.
*
Nesse sentido, o Tribunal proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se julgar verificada a prescrição do crédito exequendo e, em consequência, julgar procedente os presentes embargos de executado, determinando-se a extinção da instância executiva relativamente ao aqui oponente/executado, C. J..” Mais atribuiu as custas da execução pela exequente/embargada.
*
Inconformada, veio a exequente interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1.ª - Pelo seu não exercício durante o tempo legalmente previsto para o efeito, estão sujeitos à prescrição os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição e, completada a prescrição, o beneficiário pode recusar o cumprimento da obrigação ou opor-se ao exercício do direito prescrito- vd. n.º 1, art.º 298.º CC- vd. art.º 304.º CC
2.ª - A prescrição apresenta-se como um meio de defesa do devedor, pelo que, só o mesmo tem legitimidade para a invocar, começando a correr o seu prazo quando o direito puder ser exercido - vd. art.ºs 301.º; 303.º e n.º 1, art.º 306.º CC
3.ª - O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos, mas a lei estabelece prazos de prescrição mais curtos, nomeadamente, quando em causa estão quotas de amortização do capital pagáveis com juros - vd. art.º 309.º e al. e), art.º 310.º CC
4.ª - Em 16.05.2010, a recorrente considerou vencida toda a dívida, ficando sem efeito o plano de pagamento prestacional inicialmente acordado, ocorrendo, assim, a perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações- vd. art.º 781.º CC - cfr. cláusula 19.ª do doc. n.º 1 junto ao requerimento executivo inicial - vd. n.º 1, art.º 406.º CC - vd. Ac. TR Guimarães de 16.03.2017, proc. n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 - vd. Ac. TR Coimbra de 26.04.2016, proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1
5.ª - O vencimento imediato de todas as prestações determinou a extinção do plano de pagamentos acordado, pelo que os valores em dívida voltaram a assumir a sua natureza original de capital e de juros, aplicando-se o prazo de prescrição ordinário de 20 anos
6.ª - O tribunal “a quo” aplicou erroneamente a norma constante da alínea e), art.º 310.º do Código Civil, sendo, ao invés, aplicável ao caso concreto a norma que prevê o prazo ordinário de prescrição de 20 anos - vd. art.º 309.º do Código Civil
7.ª - No caso concreto, não ocorreu a renúncia ao direito da recorrente, pois a mesma exerceu o seu direito contra, entre outros, o recorrido, enquanto herdeiro do seu falecido pai
8.ª - A expressão “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada no sentido de o prazo da prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições de o titular poder atuar, ou seja, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação - vd. n.º 1, art.º 306.º CC - vd. Ac. STJ de 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, de 22.09.2016
9.ª - A execução em causa foi instaurada contra, entre outros, um dos herdeiros do devedor primitivo, o recorrido, em virtude do falecimento do seu pai, ocorrido em 26 de janeiro de 2013 - cfr. ponto 7. dos factos provados - cfr. requerimento executivo inicial
10.ª - A titularidade das relações jurídicas patrimoniais de pessoa falecida transmite-se para os seus sucessores, pelo que, por efeito da morte do primitivo devedor, entre outros, o recorrido adveio-lhe à sucessão - vd. art.ºs 2024.º e 2025.º CC
11.ª - Foi no chamamento do recorrido à sucessão que se iniciou o prazo de prescrição, porque até esse momento a recorrente não poderia exigir deste o cumprimento da obrigação - vd. Ac. STJ de 22.09.2016, proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1 - vd. n.º 1, art.º 306.º CC
12.ª - Apenas com o decesso do seu falecido pai, adquiriu o recorrido a qualidade de herdeiro que fundou a sua legitimidade passiva, tal como a mesma vem retratada no requerimento executivo inicial, e só a partir daí poderia o recorrido responder pela dívida em causa nos autos - vd. Ac. STJ de 08.01.2019, proc. n.º 25635/15.3T8LSB.L1.S2
13.ª - Na ação executiva é parte legítima quem figura no título como credor ou devedor, contudo, tal regra deve ser adaptada no caso de haver sucessão mortis causa, sendo, pois, parte legítima na ação executiva, os sucessores do devedor - vd. Ac. STJ de 10.10.2000, proc. n.º 00A2515
14.ª - De resto, não faria sentido considerar-se como parte legítima nos presentes autos o de cujus, pois a sua personalidade jurídica cessou com a sua morte - vd. n.º 1, art.º 68.º CC
15.ª - O início do prazo de prescrição em relação ao recorrido iniciou-se com a sua sucessão hereditária e apenas com o conhecimento do herdeiro do devedor primitivo poderia a recorrente exercer o seu direito contra esse herdeiro - vd. n.º 1, art.º 306.º CC
16.ª - Quer se considere aplicável ao caso o prazo prescricional de 20 anos, quer o de 5 anos, o início desse prazo em benefício do recorrido apenas começou a ser contabilizado a partir do decesso do seu pai - 26.01.2013 - pelo que, a dívida não se encontra prescrita em relação ao recorrido”.
Pede que seja concedido provimento à apelação, com a revogação do despacho saneador-sentença proferido, sendo a decisão substituída por outra que julgue não verificada a prescrição do crédito exequendo em relação ao recorrido C. J., com os devidos efeitos legais
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
***
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-a exceção de prescrição está ou não verificada o que depende no caso da análise de duas outras questões –qual o prazo de prescrição aplicável e desde quando se início no caso de morte do primitivo devedor.
***
III MATÉRIA A CONSIDERAR.

Assente a matéria que o Tribunal considerou e que não foi posta em causa e que se passa a reproduzir.

FACTOS PROVADOS

1. Em 19.12.2017, CAIXA ... CRL intentou ação executiva contra A. S. e C. J., que corre termos neste Juízo sob o n.º8279/17.2T8VNF, para cobrança coerciva da quantia total de €39.096,77- cfr. requerimento executivo do processo principal.
2. Para o efeito, muniu-se do contrato de empréstimo n.º ………47 – “Crédito a Particulares” -, celebrado a 06.08.2009, entre a exequente, C. J. e a executada A. S., mediante o qual a primeira concedeu aos segundos um empréstimo no montante de €20.000,00 – cfr. documento particular junto com o requerimento executivo.
3. C. J. e a executada A. S. obrigaram-se a reembolsar o capital emprestado, acrescido de juros mensais à taxa nominal de 11,927%, em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira a 16.11.2009 e as restantes no mesmo dia de cada um dos meses subsequentes - cfr. documento particular junto com o requerimento executivo.
4. Nesse contrato, a exequente, C. J. e a executada A. S. consignaram que «o não cumprimento das obrigações pelos Mutuários com a Caixa pelos montantes e nos prazos devidos, ainda que decorrentes de outra operação ou título, acarreta o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais obrigações, sem embargo de outros direitos conferidos por lei ou contrato, (…)» - cfr. cláusula 19.ª das Condições Gerais do documento particular junto com o requerimento executivo.
5. Mais consignaram que, «em caso de mora no pagamento de qualquer prestação, de juros ou de outra obrigação, à taxa de juro referida nos pontos 8 e11, acresce a sobretaxa de quatro pontos percentuais, sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora, a esse título e de cláusula penal, que se vencem e são exigíveis dia a dia, sem necessidade de aviso e interpelação» - cfr. cláusula 17.ª das Condições Gerais do documento particular junto com o requerimento executivo.
6. C. J. e a executada A. S. não pagaram a prestação que se venceu em 16.05.2010.
7. C. J. faleceu no dia 26.01.2013, no estado de casado com a executada A. S., tendo deixado como único e universais herdeiros esta e o executado C. J. – cfr. assento de óbito junto com o requerimento executivo e cópia do processo de inventário n.º5897/17, junta com a oposição.
8. O executado C. J. foi citado para deduzir oposição à execução no dia 17.01.2018 – cfr. ref.ª6566596 do processo principal.
9. Em 30.10.2017, pelo oponente C. J., na qualidade de herdeiro de C. J., foi requerido processo de inventário, a correr termos no Cartório Notarial da Dra. A. M., sito na Rua …, da cidade de Braga, o qual corre termos sob o n.º5879/17 – cfr. documento junto sob o n.º1 com a oposição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Por sentença proferida a 13/09/2010, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Cível – Juiz 4, no processo n.º5453/10.6TBBRG, transitada em julgado, C. J. e a executada A. S. foram declarados insolventes - cfr. documento junto sob o n.º3 com a oposição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. No âmbito desse processo, a exequente reclamou, e foi-lhe reconhecido, o crédito (capital) reclamado na presente execução.
12. Ainda no âmbito desse processo de insolvência, na Assembleia de Credores, realizada a 25.10.2010, foi proferido despacho a declarar encerrado o processo, por insuficiência de bens da massa - cfr. documento junto sob o n.º4 com a oposição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido..
13. Ainda no âmbito desse processo, em 01.12.2015, foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante quanto à A. S., tendo sido fixado o rendimento o ceder por esta à fiduciária - cfr. documento junto sob o n.º6 com a oposição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
FACTOS NÃO PROVADOS

a) Ainda não foi realizada a partilha do património do falecido C. J..
b) A herança aberta por óbito de C. J. é composta por uma quantia monetária aproximada de €10.000,00 e um passivo na ordem de €200.000,00.
***
IV- O MÉRITO DO RECURSO.

Conforme anunciamos “supra” na delimitação do objeto do recurso, a recorrente apenas se insurge relativamente ao julgamento da exceção de prescrição. Todas as outras matérias adquirem o efeito de caso julgado, pelo trânsito da decisão que as conheceu.
Também não está em causa nos presentes autos a natureza e qualificação do título executivo dado à execução: o contrato de mútuo bancário, pelo qual C. J. e a executada A. S. confessaram-se devedores à exequente da quantia de €20.000,00, obrigando-se a restituir tal quantia, com juros, em 60 prestações, vencendo-se a primeira a 16/11/2009 e as restantes no mesmo dia de cada um dos meses subsequentes.
Estamos, pois, perante um contrato de mútuo bancário.
Assente também que face ao falecimento do devedor C. J. em 26/01/2013 o recorrente é executado na qualidade de herdeiro –artºs. 2024º do C.C. e 54º, nº. 1, do C.P.C..
*
Dispõe o artº. 298º, nº. 1 do C.C. que estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo de ordem pública o regime de prescrição.
E decorre do artº. 300º do C.C., que são nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar as condições em que a prescrição opera os seus efeitos. A renúncia à prescrição só é admitida depois de ter decorrido o prazo prescricional, nos termos previstos no artº. 302º, do C.C..
Assente por isso que a prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento específico da prescrição, como referiu o Prof. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, pags. 445-446), citado na decisão sob recurso, “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. Obstando a que o titular do direito possa vir a exercê-lo sem limite de tempo, o instituto visa ainda a segurança do tráfego jurídico.
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito –artº. 304º, nº. 1, C.C.. Trata-se de um meio de defesa do devedor que só este tem legitimidade para invocar, não sendo do conhecimento oficioso –cfr. artºs. 301º e 303º, do C.C..
O prazo geral ou ordinário da prescrição é de 20 anos, conforme o artº. 309º do C.C..
Porém a lei estabelece prazos mais curtos, atentas as situações de base, conforme dispõe o artº. 310º do C.C.. Trata-se da consagração das chamadas prescrições de curto prazo, que visam evitar que o credor deixe acumular os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde –obra citada, pag. 452.
*
A primeira questão a exigir tomada de posição tem que ver com o momento do início do prazo prescricional. O Tribunal recorrido considerou que se iniciou quando os mutuários deixaram de cumprir com o pagamento das prestações/mensalidades devidas, ou seja, 16/05/2010; considerando ainda que nesse momento a exequente passou a poder exercer o seu direito –cfr. artº. 306º, nº. 1, do C.C..
A recorrente diz no presente recurso que o prazo só se iniciou em 26/01/2013, com a morte do primitivo devedor porque só aí se dá a sucessão e só a partir daí a credora conhece o devedor legitimado pela sucessão.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
O prazo inicia-se “quando o direito puder ser exercido”, de acordo com o citado artº. 306º, nº. 1, C.C., o que deve ser interpretado no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respectiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (art.ºs 318º e ss do Cód Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art.º 308º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil) -cfr. Ana Filipa Morais Antunes, “Prescrição e Caducidade”, 2ª edição, pag. 83, e Ac. do STJ de 22/9/2016, www.dgsi.pt, citado pela recorrente mas que não tem o alcance que a mesma pretende, tal como não têm os demais citados.
De facto, a titularidade do débito que está em causa –e não do crédito- em nada altera o conhecimento por parte credor relativamente às circunstâncias de exercício do seu direito, pois que tanto podia exigir a dívida do “primitivo” devedor, como da herança, como dos seus herdeiros, sem necessidade de qualquer procedimento extrajudicial; e se já intentada a ação/execução contra o “primitivo” devedor apenas teria de promover a habilitação de herdeiros; se ainda não tivesse intentado, estaríamos perante a chamada “habilitação legitimidade” a deduzir no requerimento inicial (como foi o caso). Para tal não é necessário nem o inventário, nem a aceitação da herança.
Ou seja, o exequente podia ter exigido o pagamento da dívida ainda em vida do devedor/mutuário; como pode ainda que antes de efetuada a partilha; neste caso, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas do executado falecido é exclusivamente da herança (cfr. art.º 2097º do C. Civil), que constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros; a citação destes destina-se a chamar à execução a herança (assegurando a legitimidade passiva após a morte do executado), citação que pode ser efectuada na pessoa do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja já a correr, ou não, inventário.
Em suma, o crédito é sempre o mesmo, o prazo de prescrição é o mesmo.
Não ocorrendo no caso qualquer situação que implique a suspensão ou interrupção do prazo, e sendo a própria lei que afasta a sucessão na dívida como causa de interrupção (a não ser que a assunção importasse reconhecimento interruptivo da prescrição, cujos efeitos estão previstos no artº. 326º do C.C., o que não tem aqui aplicação –nº. 2 do artº. 308º), o prazo efetivamente iniciou-se em 16/5/2010.
*
Resta então saber qual o prazo de prescrição aplicável.
Isto posto a questão em apreço nos autos desdobra-se em duas, muito embora a primeira não esteja em discussão no caso sob recurso:
-tratando-se de um mútuo por uma quantia global, amortizável em prestações de capital e juros, estamos perante a situação enquadrável na alínea e) do artº. 310º?
-vencida toda a dívida por força da aplicação e exercício do previsto no artº. 781º do C.C., continuamos a aplicar a dita alínea?
O Ac. do STJ de 10/9/2020 (www.dgsi.pt) elencou ambas, referindo que há unanimidade na primeira questão (-na medida em que o plano de amortização inicial se mantém inalterado); deu nota da segunda (-se, porventura, por via do seu incumprimento, ocorre antecipação do vencimento de todas as prestações esse consenso desvanece-se, entendendo uns que se continua a aplicar a prescrição de curto prazo e outros que passa a aplicar-se ao capital em dívida a prescrição ordinária) - e assumiu posição que aqui também seguiremos, como se verificará.
Quanto ao instituto em si, e prazos legais, o Tribunal “a quo” já elencou de forma cabal toda a matéria. Igualmente, face ao caso concreto, anunciou os prazos que podem ser aplicáveis, enunciando a divergência jurisprudencial nesta matéria, sendo que o Tribunal optou por uma posição e a recorrente advoga outra. Cabe-nos por isso quase “só” assumir uma das posições.
De facto, não se discute nos autos que a divergência se situa entre a aplicabilidade do prazo de 20 anos previsto no artº. 309º ou o prazo de 5 anos que decorre da alínea e) do artº. 310º e que se reporta às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Conforme o Ac. do S.T.J. de 29/09/2016 (https://www.direitoemdia.pt/document/s/10c9bb), “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos”; “(…) apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, -a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.” Veja-se ainda o Ac. do STJ no mesmo endereço de 23/01/2020.

O Tribunal recorrido aplicou ao caso e situou a divergência na matéria desta forma:

“Tem, portanto, a obrigação exequenda por objeto, não uma obrigação unitária, de prestação fracionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo, ou seja, a prestação é renovável consecutivamente e não é determinada pelo seu montante total, mas pelo quantum atinente a cada período de utilização reiterada. E qualquer das prestações periódicas integra uma componente de capital e uma outra de juros, a pagar conjuntamente.
Defende, no entanto, a oposta/exequente que, tendo sido, em face do incumprimento dos devedores - verificado a 16.05.2010 -, considerada vencida toda a dívida, ocorreu perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, sendo, por isso, aplicável o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos.
Resulta dos factos assentes que, tal como o acordado, o não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumida no contrato acarretava o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais obrigações – ou seja, o pagamento de todas as prestações em falta -, acrescidas de juros de mora à taxa de 4 % [cfr. factos provados n.ºs4 e 5].
Sobre esta concreta temática, a jurisprudência divide-se, entendendo uns que se continua a aplicar a prescrição de curto prazo e outros que passa a aplicar-se ao capital em dívida a prescrição ordinária.
A primeira posição vem sendo a maioritariamente seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se, nesse sentido, entre outros, os acórdãos de 04.05.1993, in CJ/STJ, 2/93, 82, 27.03.2014 [proc. n.º189/12.6TBMIR-A.C1.S1], 29.09.2016 [proc. n.º201/13.1TBMIR-A.C1.S1], 18.10.2018 [proc. n.º2483/15.5T8ENT-A.E1.S1], 23.01.2020 [proc. n.º4518/17.8T8LOU-A.P1.S1] e 10.09.2020 [proc. n.º805/18.6T8OVR-A.P1.S1], todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Já na jurisprudência das Relações encontram-se alguns arestos no sentido de que, em caso de vencimento antecipado das prestações, o prazo de prescrição é o prazo ordinário. Por exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.04.2016 [proc n.º525/14.0TBMGR-A.C1], acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.03.2017 [proc. n.º589/15.0T8VNF-A.G1] e acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.04.2018 [proc. n.º2483/15.5T8ENT-A.E1], todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, a argumentação defendida na referida jurisprudência das Relações não se nos afigura convincente, nem com a virtualidade de justificar o afastamento do que tem sido a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Justiça.
De facto, como se afirmou no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.09.2020, «o vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do Cód. Civil, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento».
Na verdade, «não ignorou o legislador, ao estabelecer um prazo de curta duração para as situações de amortizações de quotas de capital pagáveis com o juro o facto de, estando uma em mora, se vencerem todas as restantes. É que a aplicação do disposto no artigo 781.º Cód. Civil, a aceitar-se a tese da exequente, esvaziaria de sentido a al. e) do artigo 310.º Cód. Civil e retirar-lhe-ia toda a utilidade que é a reconhecida nos arestos que se citaram: evitar que o devedor se veja confrontado com valores elevadíssimos de juros e capital por causa da inércia do credor quando, por força da aplicação da regra do artigo 781.º Cód. Civil, todas as prestações de amortização podem já ser pedidas. De modo que o não exercício do direito dentro do período mais do que razoável de cinco anos, embora não extinga a obrigação (que se torna natural), torna legítima a invocação da exceção aqui em causa. O mútuo bancário reembolsável a prestações está em regra sujeito a juros (moratórios e compensatórios) elevados e é o contrato prefigurável como sendo o tido em vista pela fixação desta regra prescricional, sendo que os credores, neste caso, sequer se assemelham a um particular, dispondo de todos os meios e recursos para um rápido e fácil acesso à tutela judiciária. Na verdade, o mútuo bancário “é o mais frequente subtipo de mútuo oneroso de dinheiro. A natureza do mutuante (uma instituição de crédito), atuando no mercado monetário, em ambiente concorrencial e sob supervisão pública, justifica a liberdade das taxas de juro e a admissibilidade do anatocismo»20.20 Cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2019, proc. n.º1324/18.6T8OAZ-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.”
*
Atente-se que é a exequente que diz no requerimento executivo que em 16/5/2010 interpelou os devedores dando conta do seu incumprimento, bem como do vencimento de todo o valor em dívida, exigindo o respetivo pagamento. Ou seja, foi feita a interpelação extrajudicial que permite a exigibilidade de toda a divida nos termos do artº. 781º do C.C., cuja aplicabilidade foi convencionada (cfr. Ac. do S.T.J. de 12/07/2018, www.dgsi.pt).
Quanto à primeira questão, que não está colocada neste recurso, aderimos à posição do Tribunal recorrido e dos Acs. do STJ já citados quanto à aplicação da alínea e) do artº. 310º ao caso do mútuo global mas amortizável em prestações de capital e juros.
Assumindo posição quanto à questão jurisprudencial suscitada e que tem que ver com a segunda questão que colocamos e essa sim objeto do recurso, a intenção legislativa na consagração dos prazos curtos de prescrição e em concreto neste caso, foi que, numa situação em que um determinado capital (e respetivos juros) se vem pagando de forma mais suave, em prestações, não existisse uma acumulação de dívidas ao longo de muitos anos, do modo que pudesse tornar incomportável o pagamento –cfr. Ac. da Rel. do Porto de 24/03/2014, www.dgsi.pt.
Em situações de vencimento de todo o capital, como o dos autos, essa preocupação com o devedor, no sentido de não o confrontar com um pagamento súbito, deve manter-se.
O crédito é concedido com a possibilidade de um pagamento fracionado e, seja porque se poderia deixar prolongar no tempo a exigência do pagamento de várias prestações, seja porque o crédito agora se considera totalmente vencido, não se deve confrontar o devedor com o pagamento súbito de toda uma quantia dentro de um prazo amplo como seria o de 20 anos previsto no artº. 309º, do C.C. o que iria inclusive conduzir a uma grande acumulação de juros.
A permitir-se não só o pagamento da totalidade da quantia, mas também que o credor dispusesse do prazo de 20 anos, estaríamos a postergar a finalidade que o legislador pretendeu com a fixação do prazo curto de 5 anos, o que, a nosso ver, não deve suceder, sob pena de se colocar o devedor numa situação muito difícil (e que esteve na génese da lei querer evitar).
Daí que também entendemos que, neste caso de exigência antecipada da totalidade do crédito, advindo de um mútuo, ao abrigo do artº. 781º, do C.C., se deve aplicar o prazo de 5 anos, contado da interpelação para cumprimento feita extrajudicialmente e até à citação dos executados (sem qualquer influência, como vimos, advinda da sucessão “supra” mencionada) –cfr. artº. 323º, nº. 1, do C.C..
Isso posto, tendo a citação do executado/recorrente ocorrido em 17/01/2018, já antes estava prescrito o crédito os cinco anos foram atingidos em 16.05.2015; mesmo considerando a data da propositura da execução (19/12/2017), há muito que a dívida estava prescrita, pelo que não é sequer necessário fazer apelo ao disposto no artº. 323º, nº. 2, C.C..
Enveredamos por isso no mesmo sentido que presidiu à decisão recorrida. Neste sentido podem ver-se os recentes Acs. do STJ de 9/2/2021, e de 4/5/2021 (www.dgsi.pt).
Há aqui apenas uma consideração a fazer que não foi tida em conta pelo Tribunal recorrido: por força do artº. 100º do CIRE, ainda em vida do mutuário o prazo esteve suspenso pelo período de tempo decorrido entre a data da declaração da insolvência (13/9/2010) e a data do encerramento do processo (25/10/2010) –por ser um período de tempo tão curto, não tem qualquer influência no prazo de prescrição que se completou.
*
A título de nota diremos ainda que mesmo que se entendesse que a reclamação de créditos –no caso que teve lugar em processo de insolvência- tinha efeito interruptivo da prescrição por força da notificação judicial que aí é feita ao devedor dando a conhecer a vontade de ser pago, no caso dos autos a mesma ocorreu seguramente antes de outubro de 2010 (data do encerramento do processo por insuficiência da massa) pelo que ainda assim o prazo de 5 anos decorreu antes de intentada a execução aqui em apreço. Veja-se a abordagem feita a esta matéria no Acórdão do S.T.J. nº. 3/98, de 26/03/1998, D.R. 109/1998, I-A, de 12/05/1998.
*
Verificada a prescrição do crédito exequendo, mostra-se acertada a decisão de consequentemente julgar procedentes os presentes embargos de executado, com a extinção da instância executiva relativamente ao oponente/executado, C. J..
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
*
Guimarães, 23 de setembro de 2021.
*
Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)