Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5932/13.3TBBRG-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ARRENDATÁRIO
COMODATO
PROMITENTE-COMPRADOR
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Posto que a relação locatícia e a comodatícia se fundam num dever de prestar, de natureza obrigacional, nem o locatário nem o comodatário, no exercício do seu direito pessoal de gozo do arrendado e da coisa comodatada, são havidos como possuidores, sendo antes simples detentores, nos termos do artº. 1253º., alínea a), do C.C..
II - Sem embargo, porque também estas situações de posse precária necessitam de tutela quando o seu exercício é impedido por actos de terceiro, concede-lhes a lei, a título excepcional, a possibilidade de usarem os meios de defesa próprios da posse (nº. 2 do artº. 1037º., e nº. 2 do artº. 1133º., ambos do C.C.) mesmo contra o senhorio e o comodante.
III – Porém, se estes meios de defesa, designadamente os embargos de terceiro, podem ser opostos ao senhorio e ao comodante, já só o poderão ser ao proprietário (que não seja o senhorio nem o comodante) se o contrato de arrendamento e o contrato de comodato lhe forem oponíveis.
IV – Considerado o disposto na alínea b) do artº. 671º., ex vi do artº. 759º., nº. 3, ambos do C.C., o promitente-comprador, ainda que tenha o direito de retenção derivado da entrega antecipada da coisa prometida-vender, não a pode usar sem o consentimento do promitente-vendedor.
V – Assim, carece de legitimidade substantiva para outorgar um contrato de arrendamento e ou de comodato da fracção autónoma prometida-vender, pelo que nem este nem aquele contrato são oponíveis ao proprietário (promitente-vendedor) que não deu o consentimento para o seu uso.
VI – Nestes termos, devem ser liminarmente rejeitados os embargos de terceiro deduzidos pelo arrendatário/comodatário contra o proprietário e o locador/comodante, em reacção à restituição àquele da posse, ordenada judicialmente, por o contrato de arrendamento e de comodato não lhe poder ser oposto, visto não ter consentido no uso da coisa e nem ter reconhecido o locatário e comodatário como tal.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES -

A) RELATÓRIO
I.- R…, por apenso aos autos de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse nº. 5932/13.3TBBRG, que correm termos pela Vara Mista de Braga, deduziu embargos de terceiro contra a “Massa Insolvente de…, S.A.” e E…, respectivamente Requerente e Requerido naqueles autos, opondo-se à restituição da fracção autónoma designada pela letra “C”, com o nº. 21, do prédio urbano sito na Rua…, da cidade de Braga, com a alegação de lhe ter sido dada de arrendamento, por contrato que celebrou com o segundo Embargado em 02/05/2013.
Em síntese, afirma que, estando em processo de separação e litígio com o seu cônjuge, celebrou aquele contrato, numa primeira fase para guardar os seus haveres na referida fracção autónoma, tencionando mais tarde aí fixar a sua residência permanente. Assim, levou para lá pertences seus e aí pernoitou algumas vezes, e ficou lá vários dias durante algumas horas, não raras vezes na companhia do seu filho menor.
Os embargos foram rejeitados liminarmente, no essencial, com os seguintes fundamentos: i) o embargante não alega qualquer facto que ponha em causa de forma efectiva o direito de propriedade da embargada “S…” e também não adiantou qualquer justificação para ter celebrado validamente o aludido contrato de arrendamento com o também embargado E…; ii) o embargante não tendo posto em causa a propriedade do bem imóvel em questão, nem invocado que o E… era seu proprietário, teria que alegar um qualquer título que o legitimasse a celebrar o propalado contrato, o que também não fez; iii) o embargante não alegou que relativamente ao vínculo contratual outorgado entre si e o embargado E… se operou uma transmissão da posição contratual válida, eficaz e oponível à ora embargada “S…”; iv) E também não alegou que esta embargada tenha reconhecido em algum momento a sua qualidade de arrendatário.
Reagindo contra esta decisão, traz o Embargante o presente recurso, pretendendo vê-la revogada e substituída por outra que designe data para a inquirição de testemunhas.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, apreciar e conhecer.
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II.- O Embargante/apelante funda o recurso nas seguintes conclusões:
1. Tendo tomado conhecimento, através do seu senhorio, de que havia sido decretada providência cautelar de restituição de posse do imóvel onde estabeleceu a sua habitação na sequência da celebração de contrato de arrendamento, o Recorrente deduziu embargos de terceiro com o intuito de impedir a violação do seu direito e para salvaguardar os bens existentes no imóvel;
2. Porém, o Tribunal “a quo” liminarmente indeferiu os embargos deduzidos;
7. Refere a sentença em crise que não obstante a alegação por parte do recorrente de ter celebrado contrato de arrendamento com E…, que tais factos são manifestamente insuficientes para se considerar ser o embargante possuidor do imóvel;
8. Refere, ainda, por um lado, que o contrato de arrendamento apenas atribui ao Embargante o gozo temporário da coisa, que exerce em nome do senhorio e por tolerância deste;
9. E refere também que o Embargante não alegou qualquer facto que ponha em causa de forma efectiva o direito de propriedade da embargada “S…” e também não adiantou qualquer justificação para ter celebrado validamente o aludido contrato de arrendamento;
10. Pelo que, refere, a diligência de restituição ordenada não constitui ofensa de qualquer direito do embargante validamente constituído;
11. Por tudo isto concluiu a sentença sem apreciar ou entender necessária a produção de qualquer prova;
12. O Recorrente alegou (1) que está em processo de separação e litígio com a sua mulher e (2) celebrou, no passado dia 02 de Maio de 2013, um contrato de arrendamento com o Sr. E…, (3) com o objectivo de mudar para lá logo que ficasse determinada a partilha de bens do dissolvido casal, (4) tendo passado a ocupar a residência em questão;
13. Alegou (5) que tem as chaves (todas elas) em seu poder, por via do arrendamento celebrado (cfr. cláusula sexta);
14. Que (6) a moradia arrendada destinou-se a permitir ao Requerente, numa primeira fase, a arrumação dos seus pertences enquanto fazia a saída da casa de morada de família;
15. Com intenção de se poder mudar para lá a título definitivo.
16. Alegou também que tem na moradia bens móveis e várias coisas que lhe pertencem, e já lá pernoitou algumas vezes, embora seja durante o dia que vai mais à casa, ali ficando vários dias durante algumas horas, não raras vezes na companhia do seu filho menor;
17. Considera-se, pois, que tais alegações são mais do que suficientes para demonstrar a incompatibilidade do direito do Embargante com a providência de restituição decretada;
18. Diga-se ainda que a posse não é requisito fundamental para a admissibilidade dos embargos
19. Para o efeito, atente-se no n.º 2 do art.º 1037.º e art.º 1285, ambos do CC.
20. Logo por este motivo falece a tese da sentença recorrida, pois o recebimento e procedência dos embargos não depende da posse - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2006 (processo 06A2868), assim como o Acórdão STJ de 27-11-2001 (processo 02B2011) esclarece isso mesmo;
21. A sentença recorrida faz, ainda, um juízo perfunctório sobre a validade do contrato de arrendamento celebrado entre E… o Embargante/Recorrente, referindo que este não adiantou qualquer justificação para ter celebrado validamente o aludido contrato de arrendamento;
22. Ora, não competia ao Recorrente questionar a posse do seu senhorio E…, pelo que também não lhe competia alegar esses factos;
23. Caso o Embargante/Recorrente tivesse tido oportunidade de produzir a prova do seu direito, poderia ter demonstrado que celebrou o contrato de arrendamento com o possuidor do imóvel, que recebeu a posse do seu proprietário por celebração de contrato promessa de compra e venda com tradição material;
24. Poderia também ter provado que os sinais da posse do senhorio eram evidentes para qualquer pessoa, sendo pública a posse do senhorio;
25. Poderia ter demonstrado que no muro da morada e na porta do imóvel existiam placas que a menção “Propriedade de E…”, que necessariamente levariam qualquer pessoa a acreditar na mesma posse;
26. Mas tal não foi possível! Foi coarctado tal direito ao ora Recorrente, apenas e só porque o julgador estava claramente condicionado e sugestionado pela prova que (achou) ter sido produzida no âmbito do procedimento cautelar de que estes autos são apensos, e que também se encontram em fase recursiva;
27. A decisão em crise violou assim os mais elementares direitos fundamentais do Embargante/Recorrente, nomeadamente o direito a justiça (art. 20º CRP) e inviolabilidade do domicílio (art. 34º CRP), e ainda o direito de livre acesso à justiça e aos Tribunais;
28. A existência do contrato de arrendamento válido não pode ser apreciada liminar e perfunctoriamente;
29. O indeferimento liminar dos embargos, como se referiu, impediu o Embargante/Recorrente de demonstrar a validade do contrato;
30. Entente o Recorrente que foram invocados factos suficientes para o recebimento dos embargos e designação de diligência para produção de prova;
31. Ainda que não tivessem sido alegados factos suficientes para o recebimento (o que não se concede), sempre deveria ter sido facultado ao Embargante/Recorrente a faculdade de proceder ao aperfeiçoamento da petição inicial, tendo em consideração a importância dos valores em causa, nomeadamente por se tratar da habitação do Embargante;
32. Não só o Tribunal a quo andou mal ao permitir a realização da diligência sem que a decisão tivesse transitado em julgado, quando o recurso tem forçosamente efeito suspensivo, como também incumpriu a lei quando não permitiu ao Embargante/Recorrente aperfeiçoar a sua petição inicial;
33. Para terminar, não pode deixar de se questionar a razoabilidade da afirmação contida na sentença quando afirma que a diligência ordenada não põe em causa os bens do Embargante, que se encontram no interior do imóvel;
34. O Recorrente se encontra privado do seu património desde que a diligência teve lugar. Tal apreensão (judicial) dos seus bens é absolutamente ilegal e abusiva;
35. O Embargante/Recorrente nada deve ao seu senhorio nem ao proprietário do imóvel, pelo que a privação do património a que está sujeito constitui a prática de um crime de furto.
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III.- Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nos. 1 a 3; 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas a única questão a apreciar é a de saber se, considerados os autos, há fundamento para o indeferimento liminar dos embargos.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- a) Resulta destes autos que:
1.- Pelo escrito de fls. 10 a 14, intitulado “CONTRATO DE COMODATO” no qual figuram como “Primeiro Contraente” o embargado E… e como “Segundo Contraente” o Embargante R…, consta que “Os CONTRAENTES celebram entre si o presente contrato de arrendamento urbano para habitação de duração limitada que se rege nos termos das seguintes e únicas cláusulas:
Cláusula Primeira
O PRIMEIRO CONTRAENTE dá de arrendamento ao SEGUNDO CONTRAENTE, a fracção autónoma designada pela letra C com o numero 21 do prédio sito na Rua…, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º…, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.º…, a qual foi desanexada da descrição nº …, da citada freguesia, nos termos do alvará de loteamento nº 55 emitido pela C.M. Braga correspondente a habitação tipo T5, com garagem com três lugares de aparcamento.
Cláusula Segunda
O local arrendado destina-se a habitação do Inquilino, não podendo ser sublocados ou cedidos por qualquer outra forma, gratuita ou onerosamente, no todo ou em parte, os direitos deste arrendamento, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, sem autorização prévia e expressa do SENHORIO, devidamente reconhecida.
Cláusula Terceira
O presente contrato é celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 2 de Maio de 2011, renovável sucessivamente por períodos de um ano, nos termos do disposto nos Arts. 1095º e seguintes do Código Civil.
Cláusula Quarta
4.1. A renda anual é de € 10.800,00 (...) que será paga em duodécimos de € 900,00 (...) através de transferência bancária ou depósito em conta a indicar pelo SENHORIO, cheque ou vale postal, que se vencem no primeiro dia útil do mês a que disser respeito.
... ... ...
Feito na cidade de Braga, em três exemplares, todos valendo como originais, ao dia 2 de Maio de 2013, rubricado e assinado pelos CONTRAENTES.”.
2.- No escrito de fls. 16 e 17, intitulado “ADITAMENTO AO CONTRATO CELEBRADO A 02/05/2013” “Entre” os mesmos Embargado e Embargante ficou a constar que:
“Tendo presentes os acontecimentos ocorridos no início do corrente mês de Julho de 2013, e porque ficou o SEGUNDO OUTORGANTE sem água na sua habitação por via da retirada coerciva do contador por parte da AGER, tendo que recorrer, para o efeito a ligações externas, acordam as partes em alterar o contrato original, no que respeita à cláusula Quarta, ficando suspenso o pagamento da renda até regularização da situação.
Fica assim o SEGUNDO CONTRAENTE sem obrigação de pagar a renda mensal enquanto não estiver o imóvel com capacidade para permitir o seu uso pleno, ou seja, até ter de novo instalado o contador da água, uma vez que o contador da luz não foi retirado e continua funcional.
... ... ...
Feito na cidade de Braga, em dois exemplares, todos valendo como originais, ao dia 10 de Julho de 2013, rubricado e assinado pelos CONTRAENTES.”.
b) Da certidão extraída da Providência Cautelar de que estes autos são apenso, com o nº. 5932/13.3TBBRG, id. no item 1. da P.I., resulta que:
3.- A “S…, S.A.”, intentou Providência Cautelar de Restituição de Posse contra o acima referido (aqui Embargado) E…, alegando ser “dona, senhora e legítima possuidora da Fracção Autónoma, destinada a habitação, tipo T4, Sul-Centro, com entrada pelo número 21 da Rua… com compartimento para arrumos e um terraço exclusivo no último piso, implantado no prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal sito naquela Rua…, da cidade de Braga, inscrito na Matriz Predial sob o artigo matricial … e descrito na Conservatória sob o número …/Braga ...”, fracção autónoma que corresponde à letra “C”.
4.- Aquela “S…” é a titular do registo de propriedade da referida fracção autónoma na Conservatória do Registo Predial, sendo ainda a titular da inscrição matricial.
5.- Por contrato-promessa datado de 10 de Dezembro de 2007 a mesma “S…” prometeu vender ao Requerido E… aquela fracção autónoma e ainda uma outra, correspondente à letra “D”.
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V.- Por decisão proferida nos autos de Providência Cautelar acima referidos foi ordenada a restituição da posse da aludida fracção autónoma “C” à Requerente “S…”, restituição que foi executada, sendo contra este acto, assim judicialmente ordenado, que reage o Apelante.
E fá-lo com base num contrato de arrendamento que alega ter celebrado com o Embargado E…, o promitente-comprador da fracção autónoma em causa.
Cerca de um mês depois, porque a “ocupação” da referida fracção passou a ter natureza gratuita, aquele contrato ter-se-á convertido num contrato de comodato (posto que o Embargante ainda aí não morava, parece dever afastar-se a classificação do contrato como de uso e habitação, regulado pelos artos. 1484º.-1490º., do Código Civil (C.C.)).
Posto que a relação locatícia e a comodatícia se fundam num dever de prestar, de natureza obrigacional – cfr., respectivamente, artos. 1031º., alínea b) e 1129º., ambos do C.C. – nem o locatário nem o comodatário, no exercício do seu direito pessoal de gozo do arrendado e da coisa comodatada, são havidos como possuidores.
Sendo possuidores em nome de outrem, eles são considerados simples detentores, nos termos da alínea a) do artº. 1253º., do C.C..
Sem embargo, porque também estas situações de posse precária necessitam de tutela quando o seu exercício é impedido por actos de terceiro, concede-lhes a lei, a título excepcional, a possibilidade de usarem os meios de defesa próprios da posse – ao locatário/arrendatário o nº. 2 do artº. 1037º., e ao comodatário o nº. 2 do artº. 1133º., ambos do C.C. – mesmo contra o senhorio e o comodante.
Ora, um dos meios de defesa da posse são os embargos de terceiro, referidos no artº. 1285º., do C.C. e regulados pelos artos. 342º. a 350º., do C.P.C..
Sem embargo, se este meio de defesa pode ser oposto a terceiros e ao senhorio e comodante, já só poderá opor-se ao proprietário (que não seja o senhorio nem o comodante) se o contrato de arrendamento e o contrato de comodato lhe forem oponíveis, o que só pode ocorrer se o arrendamento e o comodato tiverem sido por ele autorizados ou ele tiver reconhecido o arrendatário e o comodatário enquanto tal.
Na situação sub judicio, o Embargado E…, promitente-comprador da fracção autónoma, ainda que fosse titular do direito de retenção, derivado da entrega antecipada dela, considerado o disposto na alínea b) do artº. 671º., ex vi do artº. 759º., nº. 3, ambos do C.C., não tinha legitimidade substantiva para outorgar o contrato de arrendamento e nem o de comodato (atenta a natureza gratuita deste, ele não permite ficcionar um qualquer benefício económico para o proprietário, promitente-vendedor).
Com efeito, o direito de uso apenas é permitido ao titular do direito de retenção se houver o consentimento do dono da coisa ou o uso for essencial à sua conservação - cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, que nos dão conta de ser contrária a solução do Código Civil de 1867, que atribuía o direito de uso “sempre que do seu exercício não resultasse perda ou deterioração da coisa” (in “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª. ed., pág. 660).
Ora, se o próprio titular do direito de retenção está impedido de, sem o consentimento do promitente-vendedor, usar a coisa prometida-vender, por maioria de razão está impedido de proporcionar a outrem esse uso.
A falta de legitimidade substantiva, não afectando a validade do contrato inter partes, apenas constituindo fundamento para a resolução, por incumprimento, nos termos dos artos. 1034º., nº. 1, alínea a) e corpo do artº. 1032º., ambos do C.C., obsta a que esse mesmo contrato possa ser oposto ao proprietário.
Na situação sub judicio o(s) contrato(s) que o Apelante invocadamente celebrou com o Embargado E… é (são) ineficaz(es) em relação à Embargada (agora) “Massa Insolvente de…, S.A.”, que é, reconhecidamente, a proprietária da fracção autónoma.
E que o contrato não foi autorizado por esta e nem esta reconheceu ao Apelante a qualidade de arrendatário/comodatário é facto dele pessoalmente conhecido por ter sido devido a intervenção dela junto da “AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga” que o contador da água, que ele próprio requisitou, foi removido, ou não acabado de instalar, episódio que vem referido no item 7 da P.I. e no “Aditamento ao Contrato”, constante de fls. 16 e 17, e a que se reporta o nº. 2 da matéria de facto.
Por outro lado, cumpre reparar que, apesar do erro no título do contrato, ele se apresenta de tal modo completo que faz acreditar ter sido elaborado por quem tem conhecimentos jurídicos, o que torna inexplicável que o outorgante E…, numa singular excepção ao que se verifica em todos os demais contratos, e, por isso, dificilmente deixaria de ser observado pelo Apelante, não comece por indicar o direito que o legitima a dar de arrendamento (proprietário, usufrutuário, locatário, etc.).
Assim sendo, é forçoso concluir que, atenta a ineficácia do contrato de arrendamento, convertido em comodato, em relação à Embargada, os presentes embargos nunca podiam vir a ser julgados procedentes, e, por isso, foram bem rejeitados liminarmente.
Impõe-se, pois, confirmar a decisão impugnada.
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C) DECISÃO
Atento tudo quanto acima vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 10/07/2014
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar