Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
186/14.7TTVRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Decorre do disposto no n.º 1 do artigo 77º do CPT. que a arguição de nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

II – Se a Recorrente não incluir no requerimento de interposição de recurso a arguição da nulidade e respectiva motivação, é de considerar extemporânea a arguição que seja feita apenas nas alegações de recurso, não sendo por isso de conhecer de tal nulidade.

III - Nos termos do art. 78.º, n.º 1, do CSC, o gerente responde para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

IV – Tal não se verifica no caso da gerente (única) de uma sociedade, omitir no requerimento de apresentação à insolvência da sociedade a identificação dos credores titulares de créditos laborais judicialmente reconhecidos, pois apesar de tal impossibilitar que tais credores vissem considerados os seus créditos no âmbito do processo de insolvência, de tal comportamento não resultou a insuficiência do património social para satisfação dos respectivos créditos, por este nem sequer ter sido suficiente para suportar pagamento das custas e das dívidas da massa insolvente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: C. V.
APELADOS: J. M. e M. L..

Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Vila Real – Juízo do Trabalho, Juiz 2

I – RELATÓRIO

J. M., casado, residente na Rua …, Pedras Salgadas – Bornes e Aguiar e
M. L., viúvo residente no Bairro …, Vreia de Jales instauraram acções declarativas comuns, que vieram a ser apensadas, contra:
- C. V., divorciada, residente na Av…, Barcelos;
- A. A., solteiro menor, representado por sua mãe, a ré C. V.;
- J. S., solteiro maior, residente na Rua …, Arcozelo, Barcelos
Pedem a condenação solidária dos réus no valor dos créditos a que a sociedade “Granitos, Lda” foi condenada a pagar-lhes por sentença proferida nas Acções Comuns nºs. 431/07.5TTVRL e 432/07.3.TTVRL, respectivamente, de €7.224,00 e €5.200,00, acrescidas dos valores que se vierem a apurar em sede de execução de sentença quanto às remunerações vencidas desde a dada do despedimento, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Alegam em síntese que os créditos de que são titulares são resultantes da cessação da relação laboral que mantiveram com a empresa da qual os Réus eram sócios. A referida empresa apresentou-se à insolvência e foi declarada insolvente, não figurando os autores entre os credores indicados pela sócia gerente, ora aqui 1ª ré, nem foram incluídos na lista dos credores da insolvente “Granitos, Lda.” O processo de insolvência foi encerrado em 12-06-2012, não tendo os autores visto satisfeito o pagamento dos seus créditos que lhes haviam sido reconhecidos por acção judicial.
Concluem pedindo a condenação solidária dos réus já que estes tinham a obrigação de declarar no processo de insolvência que os autores eram credores da sociedade insolvente e não o tendo feito violaram, culposamente as suas obrigações na garantia dos créditos devidos aos autores.
Os Réus vieram contestar a presente acção, deduziram a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho, a excepção impeditiva da falta de qualidade de gerente dos três últimos réus e impugnaram os factos alegados pelos autores, concluindo pela sua absolvição dos pedidos.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se apreciou a excepção da incompetência, em razão da matéria, a qual veio a ser julgada improcedente, decisão esta que veio a ser confirmada por acórdão proferido por este Tribunal da Relação. Foi apreciada a excepção impeditiva da falta de qualidade de gerente dos três últimos réus a qual veio a ser julgada de improcedente e foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi pelo Mmº. Juiz a quo proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, julgam-se parcialmente procedentes as acções e, em conformidade, decide-se condenar a co-ré C. V., a pagar:

a)- Ao autor J. M., a quantia de €7.224,00 (sete mil duzentos e vinte e quatro euros), acrescida dos valores que se vierem a apurar em sede de execução quanto às remunerações vencidas a título de retribuições salariais, em total conformidade com a decisão proferida na Acção Comum Nº. 431/07.5TVRL, com juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
b)- Ao autor M. L., a quantia de €5.200,00 (cinco mil e duzentos euros), acrescida dos valores que se vierem a apurar em sede de execução quanto à remunerações vencidas a título de retribuições salariais, em total conformidade com a decisão proferida na Acção Comum Nº. 432/07.3TTVRL, com juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
*
Absolver os co-réus A. A., J. S. e J. C., enquanto sócios da sociedade “Granitos, Lda.”, dos pedidos contra si deduzidos pelos autores.
*
Custas a cargo da co-ré C. V. – cfr. art. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC, ex vi, art. 1º nº. 2, alínea a) do Cod. Proc. Trabalho.
Registe e Notifique.”
Inconformado com o decidido apelou a Ré C. V. para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem como objecto, quer a decisão sobre a matéria de facto, quer a decisão respeitante às questões de direito.

Quanto à decisão sobre a matéria de facto:

II. O facto vertido no facto provado sob o número 13, não foi alegado pelos Autores, nem pelos Réus, nem considerado como assente pelas partes, sendo certo que nenhuma das testemunhas se pronunciou quanto ao mesmo, devendo considerar-se como não provado.

III. O facto dado como provado sob o número 17, mostra-se, certamente por lapso de escrita, incompleto, impondo-se a sua rectificação.

IV. O facto provado sob o número 17 deve ser redigido com respeito pela matéria de facto dada como assente por acordo entre as partes, em audiência de julgamento, nos seguintes termos: “O Autor J. M. na sequência das diligências necessárias para intentar a acção executiva teve conhecimento que a firma dos réus... tinha sido declarada insolvente” e que “Tais factos vieram ao conhecimento dos Autores através do anúncio de encerramento do processo de insolvência”.

V. Quanto ao Autor M. L., em face da confissão deve ser dado como provado que nunca teve conhecimento da insolvência da sociedade “Granitos”, sob pena de violação do disposto no artigo 358.º n.º 1 do Código Civil.

VI. Quanto ao tema de prova constante sob a alínea d) em face dos depoimentos gravados e da confissão do Autor M. L., deveria ser dado como provado que os Autores não promoveram qualquer diligência para obter a penhora de bens ou procurar obter a cobrança coerciva do seu crédito, limitando-se a aguardar um qualquer pagamento.

VII. Tal facto é de extrema importância, porque a considerar-se que os Autores sofreram prejuízos, a verdade é que os mesmos, com a sua atitude passiva e até omissiva, concorreram para verificação o resultado danoso, facto que tem de ser valorado pelo tribunal.

VIII. Quanto à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, cumpre ainda alegar que a mesma não é comprovada pelos depoimentos gravados, sendo totalmente falso que os depoimentos das testemunhas C. C. e D. F., confirmem, nem sequer no essencial, que a gerência da sociedade “Granitos, Lda.” era exercida de facto pela co-ré C. V. e que os autores foram trabalhadores da referida sociedade.

IX. Assim, a sentença padece, nesta parte de ambiguidade e obscuridade, que a tornam ininteligível, pois não tem reflexo ou é comprovada com os elementos dos autos acima indicados; verifica-se assim a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.

Quanto à decisão sobre as questões de direito,

X. A justificação para a condenação da Recorrente, parece flutuar entre os requisitos do artigo 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comercias, sem que contudo o tribunal indique especificamente em qual das normas funda a condenação da Recorrente, limitando-se a referir no arrazoado, despreocupadamente, ora os requisitos do artigo 78.º ora os do artigo 79.º dai retirando uma base para a responsabilidade civil da Recorrente – afinal – ao abrigo do artigo 483.º do Código Civil.

XI. A Recorrente não pode ser responsabilizada solidariamente com a sociedade comercial ao abrigo do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais, sendo certo que não está provada a violação pela Recorrente de qualquer norma destinada à protecção dos credores sociais, nem o tribunal indica qual seja essa norma e muito menos está alegada nem provada qualquer factualidade que permita ao tribunal concluir que, pelo facto de a Recorrente ter pressupostamente violado a disposição legal destinada à protecção de terceiros, o património social se tornou insuficiente para satisfazer as dívidas sociais.

XII. Os únicos culpados pela não obtenção do pagamento dos respectivos créditos laborais foram os próprios Autores, os quais, na posse das sentenças de condenação deveriam imediatamente proceder à execução das mesmas e, assim, penhorar os bens sociais necessários à satisfação do seu crédito.

XIII. Devem os Autores considerar-se para todos os efeitos notificados e conhecedores da sentença da insolvência, a partir do momento em que foram publicados os respectivos anúncios e editais, sendo irrelevante se, de facto conheciam ou não a pendência do processo - foi com o intuito de considerar os credores sociais como sabedores da existência do processo que o legislador estabeleceu a publicidade dos anúncios.

XIV. Quanto à responsabilização da Recorrente nos termos conjugados dos artigos 79.º do Código das Sociedades Comerciais e o artigo 483.º do Código Civil, quanto à ilicitude da conduta não resulta provado ou mencionada a obrigação legal que a Recorrente violou; quanto ao dolo, não existe qualquer “presunção de culpa” da Recorrente, cabendo ao lesado a respectiva prova, a qual não foi produzida; quanto ao dano ou prejuízo suportado pelos Autores pelo não recebimento dos créditos salariais, resulta que inexiste qualquer nexo de causalidade entre a pressuposta conduta ilícita e culposa da Recorrente e a verificação do dano; não podendo assim ser a Recorrente responsável civilmente pelos danos sofridos ao abrigo de tais normativos.

XV. Ainda que se considere que a Recorrente não cumpriu o dever de elencar os autores como credores sociais na insolvência, a verdade é que não se verifica um nexo de causalidade entre esse incumprimento e o não recebimento dos créditos salariais; pois mesmo que a Recorrente tivesse elencado os Autores como credores sociais, a verdade é que os mesmos não teriam o respectivo crédito satisfeito na insolvência, a qual foi encerrada por insuficiência de bens da massa para a satisfação sequer das custas do processo – cfr. facto dado como provado sob o n.º 15.

XVI. Pelo que a douta sentença viola o disposto quer nos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comercias, bem como o disposto no artigo 483.º do Código Civil e bem assim o disposto no artigo 335.º do Código do Trabalho.
Termina peticionando a revogação da sentença com a sua consequente absolvição de todos os pedidos contra si formulados.
Responderam os Recorridos/Apelados defendendo a manutenção do julgado.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls. 390 a 400, no sentido da procedência total da apelação.
Os recorridos apresentaram resposta mantendo a posição defendida nas contra alegações apresentadas.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 – Da nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC;
2 - Da impugnação da matéria de facto;
3 – Da impugnação da matéria de direito
- Da responsabilidade solidária da gerente da firma “Granitos, Lda” pelo pagamento dos créditos dos AA./Recorridos, emergentes de contrato individual de trabalho.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A sociedade “Granitos, Lda.” foi constituída como sociedade por quotas, com o NIPC …, com o capital social de €49.897,80 e objecto comercial de extracção, transformação e comercialização de granitos e seus derivados e obras públicas.

2. Os réus C. V., A. A., J. S. e J. C., foram sócios da “Granitos, Lda.”, detendo, respectivamente, quotas de €17.457,93; €14.963,94; €19.457,93 e €4.963,94.

3. O autor J. M. manteve uma relação de trabalho subordinado com a sociedade “Granitos, Lda.”, com a categoria profissional de encarregado, sob a autoridade e direcção desta, na pedreira sua propriedade e noutros locais.

4. No âmbito dessa relação laboral, iniciada em 15/05/2006 e cessada em 15/05/2007, por despedimento verbal efectuado pelo representante legal da sociedade “Granitos, Lda.”, o autor J. M. auferia um salário mensal líquido de €1.250,00.

5. O autor J. M. intentou contra a referida sociedade “Granitos, Lda.”, no tribunal de trabalho, a acção nº. 431/07.5TTVRL.

6. Por sentença de 12/04/2010, proferida na acção nº. 431/07.5TTVRL, foi a sociedade “Granitos, Lda.” condenada a pagar ao autor J. M., a quantia de €7.224,00 a título de indemnização em substituição da reintegração e às retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da referida sentença, a apurar em sede de execução de sentença.

7. O autor M. L. manteve uma relação de trabalho subordinado com a sociedade “Granitos, Lda.”, com a categoria profissional de pedreiro de 2ª.

8. O autor M. L. intentou contra a sociedade “Granitos, Lda.”, no tribunal de trabalho, a acção nº. 432/07.3TTVRL, pedindo a condenação desta no pagamento de créditos laborais vencidos e não liquidados, no valor global de €5.650,80.

9. Na referida acção, foi proferida sentença, em 26/04/2011, transitada em julgado, que condenou a sociedade “Granitos, Lda.” no pagamento ao autor da quantia de €5.200,00, a título de indemnização em substituição da reintegração e no pagamento de remunerações vencidas desde a data do despedimento e até trânsito em julgado dessa decisão, a apurar em sede de execução de sentença

10. Nas acções nºs. 431/07.5TTVRL e 432/07.3TTVRL a sociedade/empregadora, “Granitos, Lda.”, foi representada pela sua sócia/gerente C. V., aqui co-ré.

11. A sociedade “Granitos, Lda.”, apresentou-se à insolvência, por requerimento apresentado pela sócia/gerente C. V., tendo sido declarada insolvente por decisão de 24/02/2012.

12. Por sentença de 24/02/2012, proferida no processo Nº. 8/12.3TBSBR do extinto Tribunal Judicial de Sabrosa, foi a sociedade “Granitos, Lda.”, declarada insolvente.

13. Do requerimento de apresentação à insolvência da sociedade “Granitos, Lda.”, os aqui autores J. M. e M. L. não figuram entre os credores indicados pela sócia/gerente.

14. Os autores J. M. e M. L. não foram incluídos na lista dos credores da insolvente “Granitos, Lda.”.

15. Conforme Inscr. 24 – Ap. 6/20120903 – 17:23:36, na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Vila Pouca de Aguiar, mostra averbada a decisão de encerramento liquidação do processo insolvência da sociedade “Granitos, Lda.”. “Causa: A massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa”.

16. Os réus J. S. e J. C., foram indicados como testemunhas nas acções nºs. 431/07.5TTVRL e 432/07.3TTVRL.

16.-A Os AA., na sequência das diligências necessárias para intentarem as acções executivas, tendo em vista a obtenção do pagamento dos seus créditos, tiveram conhecimento que a firma dos Réus “Granitos, Lda” tinha sido declarada insolvente.” (aditado conforme resulta do ponto IV – 2).

17. Tais factos vieram ao conhecimento dos Autores através do anúncio de encerramento do processo de insolvência nº. 8/12.3.TBSBR, datado de 12/06/2012, que correu termos no Tribunal Judicial de Sabrosa.” (retificado conforme resulta do ponto IV - 2).

18. A sociedade “Granitos, Lda.”, enquanto demandada nas acções nºs. nºs. 431/07.5TTVRL e 432/07.3TTVRL, contestou-as e apresentou pedidos reconvencionais, tendo actuado como sua legal representante a co-ré C. V..

19. Os autores não receberam qualquer das quantias que lhe foram reconhecidas judicialmente nas acções que intentaram contra a sociedade “Granitos, Lda.”.

20. Os autores foram notificados, em 26/07/2013, pelo administrador da insolvente “Granitos, Lda.”, de que os seus créditos não haviam sido relacionados nem reconhecidos, não tendo, na sequência dessa notificação, instaurado, no âmbito do processo de insolvência, acção de graduação ulterior de créditos.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1- Da nulidade da sentença nos termos do art.º 615º n.º 1 al. c) do CPC.
A recorrente/apelante veio arguir a nulidade da sentença invocando que a mesma padece de ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível – artigo 615º n.º 1 al. c), do CPC. uma vez que a matéria de facto não se mostra comprovada com os elementos dos autos que o tribunal fez constar na motivação da mesma.
Resulta do nº 4 deste art. 615º do CPC que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
No entanto o processo laboral tem uma particularidade que resulta do disposto no artigo 77.º n.º 1 do CPT ao dispor o seguinte: “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
O que significa que a parte que queira recorrer da decisão e arguir uma qualquer nulidade da sentença tem de a referir no requerimento de interposição do recurso que pretende recorrer e dizer de forma clara, que quer arguir a nulidade da mesma, fundamentando esta arguição separadamente das alegações.
Esta regra do regime da arguição das nulidades da sentença é ditada por razões de economia e celeridade processuais e tem a ver com a faculdade concedida ao juiz de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso, conforme prevê o n.º 3 do citado artigo 77º do CPT
Assim, para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz a quo e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, o entendimento de que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr. a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 22/10/2008, 5/11/2014, Proc. n.º 279/08.0TTBCL.P1.S1 e de 14/01/2016, Proc. N.º 359/14.2TTLSB.L1.S1, e Ac da Relação de Coimbra de 10-05-2001, disponíveis em www.dgsi.pt., dentre muitos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., pág. 540 “…as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, como o determina o art. 77.º, n.º 1, do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas. Neste sentido cfr. os Acs. do STJ, de 17/06/2010, de 27/05/10, de 27-03-14, de 16-06-15 e de 1-10-15(www.dgsi.pt).
Na verdade, verificamos no caso sub judice que a recorrente não arguiu a referida nulidade no requerimento de interposição de recurso, tendo por isso desrespeitado o imperativamente estatuído no n.ºs 1 e 3 do artigo 77.º do CPT.
Com efeito, a Recorrente apenas veio arguir a nulidade da sentença no corpo das suas alegações e nas respectivas conclusões do recurso.
Em suma, a Recorrente, não incluiu, como exige o citado artigo art.77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição das nulidades e obsta a que delas se conheça.
Em face do exposto se decide não conhecer da arguida nulidade, não se apreciando por isso as conclusões VIII e IX do recurso de apelação.

2 - Da impugnação da matéria de facto

A recorrente insurge-se além do mais quanto ao ponto 17º dos factos dados como provados na sentença recorrida, alegando que atentos os factos que por acordo as partes fizeram consignar nos autos, a fls. 300 a 303 a sua redacção encontra-se manifestamente incompleta, devendo por isso ser retificada.
Ora, no que respeita a este ponto afigura-se-nos dizer que assiste efetivamente razão à recorrente, pois basta atentar no teor do artigo 17.º dos pontos de facto provados para nos apercebermos que, por lapso, a sua redacção não se encontra completa, resultando dos factos acordados entre as partes uma outra redacção de tal facto que não se fez constar, razão pela qual e sem necessidade de qualquer outra consideração se determina a retificação do lapso cometido pelo tribunal a quo, alterando-se a sua redacção, como mais à frente se explicitará.
Por outro lado, atento os factos acordados entre as partes de forma a perceber-se sequencialmente as circunstâncias em que os autores tiveram conhecimento da declaração de insolvência da empresa para a qual haviam prestado o seu trabalho e da qual os Réus eram sócios e ainda de forma a evitar equívocos relativos aos factos declarados pelo autor M. L., afigura-se-nos ser aditar aos factos assentes um outro facto, que será enumerado de 16 – A e terá a seguinte redacção:
Os AA., na sequência das diligências necessárias para intentarem as acções executivas, tendo em vista a obtenção do pagamento dos seus créditos, tiveram conhecimento que a firma dos Réus “Granitos, Lda” tinha sido declarada insolvente.” (aditado no local próprio).
Em face do teor do facto agora aditado a redacção do ponto 17 dos factos provados passará a ser a seguinte:
“Tais factos vieram ao conhecimento dos Autores através do anúncio de encerramento do processo de insolvência nº. 8/12.3.TBSBR, datado de 12/06/2012, que correu termos no Tribunal Judicial de Sabrosa” (retificação a efectuar no local próprio).
Procedem as conclusões III e IV do recurso de apelação.
Quanto ao facto do autor M. L. ter declarado em audiência que nunca teve conhecimento da insolvência da sociedade “Granitos”, temos de salientar que na acta de audiência de julgamento apenas se fez constar o teor de tal declaração proferida por este autor, sem dela se extrair qualquer declaração confessória, da qual não existe menção. Por outro lado, dos factos acordados entre as partes no que respeita ao Autor M. L. fez-se constar que as partes por acordo deram por assentes precisamente os factos que constam agora dos pontos de facto provados sob os n.ºs 16 –A e 17 (cfr. fls. 302 v.), pelo que nenhum relevo se nos afigura ter a declaração proferida pelo M. L. no sentido de não ter tido conhecimento da declaração de insolvência, que apenas poderá ser interpretado, no sentido de que na altura efetivamente não teve conhecimento, contudo tal facto não afasta, nem põe em causa que mais tarde ao pretender instaurar a acção executiva para cobrança de crédito, tomou conhecimento que a firma dos Réus havia sido declarada insolvente.
Improcede assim a conclusão V do recurso de apelação.
No que respeita ao ponto de facto n.º 13 pretende a recorrente que o mesmo seja eliminado dos factos provados, defendendo que para além do mesmo não ter sido alegado pelas partes, nenhuma testemunha se pronunciou sobre o mesmo.
O ponto de facto dos factos provados enumerados em 13.º tem a seguinte redacção:
Do requerimento de apresentação à insolvência da sociedade “Granitos, Lda.”, os aqui autores J. M. e M. L. não figuram entre os credores indicados pela sócia/gerente.”
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos ser de manter a redacção do referido facto, pois resulta da posição assumida pelos autores nas respectiva petições iniciais que os seus créditos não constavam mencionados no processo de insolvência, nem os seus nomes figuravam entre os credores identificados pela requerida.
Ora, se é certo que tais factos não foram referidos por qualquer uma das testemunhas inquiridas, também é certo que os mesmos resultam do teor dos documentos juntos aos autos, designadamente da certidão junta aos autos a fls. 223 a 240, documento esse, apresentado por um dos Réus, cujo teor não foi posto em causa por qualquer um dos interessados.
Por se tratar de factos que têm relevo para a boa decisão da causa, bem andou o tribunal a quo em os ter dado como provados, razão pela qual improcede a conclusão II) do recurso de apelação.
Por fim, insurge-se a recorrente quanto ao facto de não se ter dado como provados os factos alegados nos artigos 25.º a 31.º de cada uma das contestações por si apresentadas, requerendo que seja dado como provado que “os Autores não promoveram qualquer diligência para obter a penhora de bens ou procurar obter a cobrança coerciva do seu crédito, limitando-se a aguardar um qualquer pagamento.”
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que para além do facto que a recorrente pretende que seja dado como provado ser manifestamente conclusivo, pois tal como a própria alega ele resulta indiretamente dos elementos documentais carreados para os autos, o mesmo afigura-se-nos não ter qualquer relevo para a boa decisão da causa, razão pela qual não será aditado aos factos provados.
Em face do exposto improcedem as conclusões VI e VII do recurso de apelação.

3 – Da impugnação da decisão de direito

Da responsabilidade solidária da gerente da firma “Granitos, Lda” pelo pagamento dos créditos dos AA./Recorridos, emergentes de contrato individual de trabalho
Importa agora apreciar se a Recorrente deve ser responsabilizada solidariamente com a sociedade da qual foi gerente, em conformidade com o previsto no artigo 78.º do CSC.
O tribunal a quo fundamentou a condenação da recorrente na conjugação do disposto no n.º 2 do art.º 335.º do CT, com as disposições legais previstas nos art.º 78.º e 79.º do CSC e 483.º do CC., tendo consignado o seguinte a este propósito o seguinte:
Já em relação à co-ré C. V., ter-se-á que apurar se se verificam os pressupostos estabelecidos nos artigos 78º n.º 1 e 79º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, de forma a podermos concluir pela verificação ou não da sua responsabilidade pelo pagamento dos créditos laborais reclamados pelos autores.
(…)
Perante toda a factualidade que se vem referindo e que resultou provada, não se poderá deixar de concluir que a conduta da aqui co-ré C. V., enquanto gerente única da sociedade “Granitos, Lda.”, constitui violação culposa na vertente de, pelo menos, de uma culpa grosseira, enquanto gerente da sociedade “Granitos, Lda.”, porquanto não agiu de forma a proteger os créditos (dívidas) de que a referida sociedade era devedora para com os aqui autores e que incidiam sobre a referida sociedade, enquanto empregadora, em conformidade com o reconhecimento que deles resultou por decisões judiciais transitadas em julgado e que, como supra se referiu, eram do conhecimento directo da co-ré C. V., enquanto gerente da sociedade.
Deste modo, ao abrigo do n.º 2 do art.º 335º do Código do Trabalho conjugado com os preceitos nele referidos e com o disposto no art. 483º, nº. 1 do Código Civil, mostram-se verificados, no caso “sub judice”, os pressupostos para uma responsabilização da co-ré C. V., enquanto gerente que foi da sociedade “Granitos, Lda.”, pelo pagamento dos créditos laborais dos aqui autores sobre a referida sociedade “Granitos, Lda.” e que lhe foram judicialmente reconhecidos por decisões judiciais transitadas em julgado em momento anterior ao encerramento e liquidação da referida sociedade.”
Opinião diferente tem a Recorrente pois entende que não pode ser responsabilizada solidariamente com a sociedade pois não se provou qualquer facto do qual se possa concluir que por ter violado disposição legal destinada à protecção de terceiros, o património social tornou-se insuficiente para satisfazer as dívidas sociais. E por outro, o tribunal a quo não menciona qual a obrigação legal que a recorrente violou, inexistindo qualquer nexo causal entre o prejuízo suportado pelos autores de não recebimento dos seus créditos salariais e a pressuposta conduta ilícita da recorrente.

Vejamos.

Estabelece o art.º 335º do CT com a epígrafe “Responsabilidade de sócio, gerente, administrador ou director” o seguinte:

1 - O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78º, 79º e 83º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido.

2 - O gerente, administrador ou director responde nos termos previstos no artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido.”
Da citada disposição legal resulta, no que aqui nos interessa que os gerentes das sociedades respondem solidariamente pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, desde que se verifiquem os pressupostos que constam dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais (adiante, apenas CSC), sendo assim aplicáveis as normas de direito das sociedades sobre responsabilidade dos gerentes no âmbito laboral na medida em que os trabalhadores sejam credores perante a empresa.
Tendo presente que em regra só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade – cfr. art. 197.º n.º 3 da CSC, os mencionados artigos do Código das Sociedade Comerciais, constituem excepção.
Assim prescreve o artigo 78.º n.º 1 do CSC, para o qual remete o art. 335.º do CT que “1. Os gerentes, administradores ou directores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos». E prescreve o art.º 79.º do CSC que: “1. Os gerentes, administradores ou diretores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções”.
Dos citados preceitos resulta assim que a responsabilidade dos gerentes perante os credores tem como pressuposto o facto de a sociedade não ter bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos credores e insere-se no âmbito da responsabilidade civil ou aquiliana - cfr. art. 483.º do CC – tendo natureza delitual e não obrigacional, pois que não existe anteriormente ao acto ilícito, qualquer direito de crédito do credor social perante o gerente administrador ou diretor, existindo apenas um interesse juridicamente protegido a que corresponde o dever de caráter geral [Raul Ventura e Brito Correia, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerente de Sociedades por Quotas”, BMJ 195.º, pág. 66].
A este propósito pronunciou-se o Acórdão do STJ de 21/11/012, Proc. n.º 3.365/04.1TTLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt
referindo o seguinte: “
O art. 78º, n.º 1 do CSC prevê expressamente a responsabilidade civil dos gerentes administradores ou diretores perante os credores sociais.

Esta responsabilização depende da verificação de dois requisitos:

a) Inobservância de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais;

b) Insuficiência do património social para satisfação dos respectivos créditos.
O primeiro pressuposto refere-se à ilicitude e à culpa, ou seja, deve tratar-se de uma violação culposa de normas legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais.
Esta modalidade de responsabilidade civil é de natureza extracontratual e situa-se no quadro da chamada responsabilidade pela violação de normas de protecção, prevista no art.º 483.º n.º 1 do C. Civil. As normas de protecção relevantes são aquelas que protegem a função de garantia do capital social para os credores sociais (…).
A responsabilidade directa dos administradores só surge quando a inobservância culposa das normas de protecção provoque uma insuficiência patrimonial (…).
Nos termos do art.º 79.º, n.º 1 do CSC, os gerentes respondem, nos termos gerais, para com terceiros, pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.
Esta norma prevê uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos do art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil, norma jurídica segundo a qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Está em causa, portanto, a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de direitos subjectivos absolutos ou de normas de protecção. Cabe, então, ao Autor, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade aquiliana, nos termos gerais: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O art.º 79.º, n.º 1 do CSC procede, contudo, a uma delimitação especial da responsabilidade civil dos gerentes, nos termos da qual, esta cobre apenas os danos directamente causados ao terceiro.
A responsabilidade é directa quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos, o que redunda, em termos valorativos, numa restrição desta responsabilidade, como defende Menezes Cordeiro, aos casos de «práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado»; ou de «práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa»
Como afirma Menezes Cordeiro, a hipótese prevista no n.º 1 do art.º 79.º do CSC é de difícil verificação, pois, a não ser assim, de pouco valeria a ideia de personalidade colectiva”.
Em suma para que se verifique a responsabilização dos gerentes da sociedade, nos termos das disposições legais referidas, é necessário:
- Que a atuação dos mesmos tenha constituído inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas a proteger os interesses dos credores sociais;
- Que o património da sociedade se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos credores sociais;
- Que se verifique a existência de um nexo causal entre o(s) ato(s) do(s) gerente(s) e a insuficiência do património social para satisfação dos credores sociais.
Importa ainda realçar que a culpa a que alude o artigo 78º n.º 1 do CSC respeita à omissão da diligência exigível a um gerente responsável, para que cuide do património da sociedade, de forma a assegurar que dele e possam pagar os credores da sociedade e o dano reporta-se não ao pagamento dos créditos, mas sim à perda de garantia patrimonial.
Neste sentido refere-se o Acórdão deste tribunal de 22/10/2015, proferido no Proc. n.º 3605/11.0TBGMR.G2, disponível in www.dgsi.pt, onde se consignou o seguinte:

”Trata-se de uma responsabilidade extracontratual, por factos ilícitos e, como tal, sujeita aos seguintes requisitos:
· ato voluntário e ilícito do gerente
· ocorrência de danos ao credor
· nexo de causalidade entre a conduta do gerente e os danos
· insuficiência do património social
· culpa
Nada prescrevendo o preceito legal quanto ao ónus da prova, a solução terá de ser encontrada em conformidade com os princípios gerais de direito, ou seja, o ónus recai sobre o lesado: art. 487º do Código Civil (de futuro, apenas CC).
Passemos então a analisar tais pressupostos.
O ato voluntário e ilícito do gerente terá de ser reportado ou traduzir-se na inobservância de disposições legais/contratuais destinadas à proteção dos credores.
(…)
A culpa de que se cuida em sede de responsabilidade subsidiária dos gerentes, não se reporta à falta de pagamento. As pessoas colectivas estão impossibilitadas de agir por si próprias, incumbindo aos gerentes o suprimento dessa incapacidade; são os gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais variados negócios jurídicos e é através deles que a sociedade manifesta a sua capacidade de exercício de direitos.
A culpa aqui relevante é reportada à omissão da diligência exigível a um gerente para que cuide do património da empresa por forma a assegurar que desse património se possam pagar os credores da sociedade.

(…)
Quanto ao requisito da insuficiência do património social, convém precisar de que realidade se trata.
«O património de uma sociedade (…) é, na definição clássica de Manuel de Andrade, o “conjunto de relações jurídicas com valor económico, isto é, avaliável em dinheiro de que é sujeito activo e passivo uma dada pessoa”. Trata-se de um fundo real de bens e direitos, efectivo, concreto e continuamente variável na sua composição e montante; i.é, o património é a expressão de uma realidade tangível e inconstante.
(…)
Pode dizer-se, de forma simplificada, que ocorre insuficiência do património sempre que o passivo/dívidas é superior ao ativo/créditos.
Assim, torna-se necessário demonstrar a ocorrência dessa insuficiência de património, ou em que é que ela se traduziu, referindo, por exemplo, qual era o acervo de bens e/ou direitos da sociedade e quais, ou em que medida, eles foram delapidados, diminuídos ou desaparecidos.
Para o efeito, não basta provar-se que a sociedade ficou insolvente, ou mesmo que essa insolvência foi declarada culposa, pois são diversos os pressupostos de ambas as situações.
À insolvência basta a demonstração da impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas: art. 3º do CIRE.
É que, se na maioria dos casos essa realidade estará relacionada com o património, tal pode não decorrer de delapidação do património (realidade que importa para efeitos do art. 78º do CSC) mas, por exemplo, da sua simples diminuição de valor como será o caso de maquinaria que pura e simplesmente se torna obsoleta.
Mesmo quando qualificada de culposa, essa qualificação pode advir de várias outras circunstâncias que não a delapidação do património social: cf. art. 186º do CIRE.
Neste sentido, Maria Elisabete Gomes Ramos, distinguindo entre insuficiência patrimonial e situação de insolvência: «Há certamente casos em que a insolvência e a insuficiência patrimonial se sobrepõem e a sociedade encontra-se numa situação de insolvência porque não dispõe de património para cumprir as suas dívidas. Contudo, apesar de uma manifesta zona de sobreposição, ainda há espaço para a distinção entre as duas figuras. Entendida a insolvência como insuficiência do “activo disponível” ([[] Que, citando Coutinho de Abreu, se diz significar «meios líquidos (ou bens de liquidez)— v.g., dinheiro em caixa e depósitos bancários, créditos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito fácil e oportunamente convertíveis em dinheiro — assim como outros bens possuídos pela empresa e de que ela pode dispor para cumprir as suas obrigações.».]) parece-me que ela se distingue do requisito da insuficiência patrimonial, exigido pelo art. 78º nº 1. E a distinção assume certamente relevo científico — porque explicita o sentido normativo dos preceitos analisados —, ao que acrescem as importantes consequências prático-jurídicas.». [[] In“A responsabilidade dos Membros da Administração”, Problemas do Direito das Sociedades, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Almedina, 2ª reimpressão, 2008, pág. 86-87.]
(…)
Por fim, o dano. O dano a que se reporta o preceito é o dano na perda da garantia patrimonial e não propriamente o não pagamento do crédito.
À responsabilização dos gerentes não basta a simples previsão ou potencialidade de o crédito não vir a obter pagamento, total ou parcialmente [[] Situação que importará aos procedimentos cautelares.], antes se tornando necessário a verificação da ocorrência da perda da garantia patrimonial.
Tem de estar demonstrado que património/garantia inexiste por forma a que o credor possa através desses bens satisfazer o seu crédito.”
Por fim cabe referir que sendo tais requisitos elementos constitutivos o direito de que se arrogam os Autores nos presentes autos, a estes competia o ónus de alegação e prova de factos materiais e concretos que permitam concluir pela verificação dos mesmos.
Revertendo ao caso em apreço importa agora apurar se verificam os requisitos estabelecidos nos mencionados normativos legais, de forma a podermos concluir pela verificação ou não da responsabilidade solidária da Recorrente pelo pagamento dos créditos laborais que se encontram reconhecidos judicialmente a favor dos recorridos.
Ora, a este propósito, diremos, desde já, que nada resulta da matéria de facto provada que nos leve a considerar ter a gerente da sociedade dissolvida ”Granitos, Lda.”, atuado em termos suscetíveis de se poder enquadrar em qualquer das situações previstas nos mencionados arts.º 78º n.º 1 e 79.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.
Dos factos provados resultam os seguintes factos com relevo para apreciação desta questão:
- Que a Ré C. V., ora Recorrente, era gerente (única) da sociedade “Granitos, Lda.”;
- Esta sociedade apresentou-se à insolvência, por requerimento apresentado pela sócia/gerente C. V., tendo sido declarada insolvente por decisão proferida em 24/02/2012;
- Do requerimento de apresentação à insolvência da sociedade “Granitos, Lda”, os Autores/Recorridos não figuram entre os credores indicados pela gerente, nem foram incluídos na lista dos credores da insolvente;
- Na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Vila Pouca de Aguiar, está averbada à decisão de encerramento liquidação do processo insolvência da sociedade “Granitos” que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa”;
- Os autores são titulares de créditos laborais que se encontram reconhecidos judicialmente nas acções que intentaram contra a “Granitos, Lda.”, tendo na altura actuado como legal representante desta sociedade a Ré C. V..
Ora, estes factos revelam-se de manifestamente insuficientes para podermos concluir pela verificação dos requisitos conducedentes à responsabilização da sócia gerente, já como bem assinala o ilustre Procurador-Geral Adjunto no douto parecer junto aos autos “nada foi alegado ou comprovado, no que se refere à violação pela recorrente de qualquer norma legal ou contratual destinada à protecção dos credores, que tivesse tido como consequência a insuficiência do património social para satisfazer o pagamento dos credores da sociedade.”
Dos factos provados não resulta que a gerente tenham violado qualquer um dos deveres que sobre si impendiam, designadamente os referentes à protecção dos credores sociais, ou que visem a defesa dos seus interesses, tais como os que prevêem a conservação do capital social (arts. 31.º, 34.º, 514.º, 236.º, 346.º n.º 1, 513.º, 220,º n.º 2 e 317.º n.º 4 do CSC.) que causassem dano para a sociedade decorrente da violação de normas de protecção dos credores sociais. Por outro lado, também não foi alegado e por isso não foi provado que a Recorrente tivesse delapidado ou dissipado o património da sociedade “Granitos, Lda.” com a intenção de prejudicar os autores, nem foi alegada qualquer atuação fraudulenta da recorrente, usando aquela pessoa colectiva tendo em vista prejudicar os credores, designadamente impedindo-os de verem satisfeitos os seus créditos.
Com efeito, apesar dos Autores terem logrado provar serem titulares de créditos laborais, sobre a sociedade “Granitos, Lda”, não podendo a sócia gerente desconhecer tais factos, visto que foi quem actuou como legal representante da referida sociedade no âmbito das acções laborais instauradas para apuramento dos mesmos e posteriormente foi quem na qualidade de gerente (única) subscreveu o pedido judicial de declaração de insolvência da sociedade, sem fazer qualquer referência aos autores, não os incluindo nem no mapa dos credores como credores da sociedade, nem mencionando os valores dos seus créditos, é óbvio que com este comportamento a Recorrente incumpriu o dever de incluir os Autores no rol dos credores, previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 24.º do CIRE, infringindo consequentemente o dever de diligência previsto no art.º 64.º do CSC, mas o incumprimento de tal obrigação não tem qualquer relação de causalidade com a situação de insolvência, nem tem qualquer relação com a insuficiência de meios para satisfazer o pagamento dos créditos dos autores, nem foi por causa de tal omissão que os Autores perderam a garantia da satisfação dos seus créditos.
Importa salientar que o mencionado comportamento omissivo da recorrente não causou qualquer prejuízo aos autores, nem perda de qualquer garantia, uma vez que o processo de insolvência foi encerrado sem que nele se desse pagamento a qualquer credor, pela simples razão de que os bens existentes não foram sequer suficientes para suportar o pagamento das custas e das dívidas da massa insolvente.
A actuação omissiva da gerente (única) da sociedade da qual os autores eram credores não foi feita com intenção de defraudar a possibilidade de satisfação dos interesses dos autores, nem a mesma fez desaparecer a garantia de pagamento constituída pelo património societário, que ao tudo indica já era manifestamente insuficiente quando foi requerida a declaração de insolvência da sociedade.
Em suma, por ausência de verificação dos pressupostos cumulativos referentes à responsabilidade dos sócios/gerentes, uma vez que da matéria de facto apurada não resulta que a sócia/gerente tivesse assumido qualquer comportamento culposo do qual resultasse que a insuficiência de património para satisfação das dívidas aos credores se ficou a dever a tal actuação, tendo-o feito com intenção de prejudicar os Autores, nem se tendo apurado qualquer actuação fraudulenta, utilizando aquele pessoa colectiva, teremos de concluir que os Autores não lograram provar tais pressupostos como lhes incumbia nos termos previstos no artigo 342.º n.º 1 do CC.
Deste modo, ao abrigo do n.º 2 do art.º 335º do Código do Trabalho conjugado com os preceitos nele referidos e com o mencionado artigo do 485.º Código Civil, teremos de concluir que não se mostram verificados, no caso “sub judice”, os pressupostos para a responsabilização da gerente (única) pelo pagamento dos créditos laborais dos Autores, procedendo nesta parte o recurso.

V- DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente e, em conformidade, decide-se alterar a sentença recorrida, julgando a presente ação improcedente por não provada e consequentemente se absolve C. V. dos pedidos contra si deduzidos.
Custas a cargo dos Recorridos, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam
Notifique.
Guimarães, 21 de Setembro de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Decorre do disposto no n.º 1 do artigo 77º do CPT. que a arguição de nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

II – Se a Recorrente não incluir no requerimento de interposição de recurso a arguição da nulidade e respectiva motivação, é de considerar extemporânea a arguição que seja feita apenas nas alegações de recurso, não sendo por isso de conhecer de tal nulidade.

III - Nos termos do art. 78.º, n.º 1, do CSC, o gerente responde para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

IV – Tal não se verifica no caso da gerente (única) de uma sociedade, omitir no requerimento de apresentação à insolvência da sociedade a identificação dos credores titulares de créditos laborais judicialmente reconhecidos, pois apesar de tal impossibilitar que tais credores vissem considerados os seus créditos no âmbito do processo de insolvência, de tal comportamento não resultou a insuficiência do património social para satisfação dos respectivos créditos, por este nem sequer ter sido suficiente para suportar pagamento das custas e das dívidas da massa insolvente.

Vera Sottomayor