Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
149/14.2TBAVV.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PETIÇÃO DE HERANÇA
LEGITIMIDADE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.- Prima facie, não se descortina existir obstáculo adjectivo que impeça uma parte, em sede de acção de petição da herança , de cumular o competente pedido expresso de declaração/reconhecimento judicial de que tem a qualidade de herdeiro de um indivíduo, com o pedido implícito e próprio já de uma acção de investigação de paternidade de que o mesmo e referido individuo e de cujus é o progenitor do demandante.
2. - Todavia, e ainda que no âmbito de acção de petição da herança , carece já o demandante de legitimidade - em razão do disposto no artº 1869º, do CC - para deduzir pedido implícito e próprio de uma acção de investigação de paternidade no sentido de que o de cujus do qual se arroga único e universal herdeiro é filho de concreto individuo, e quando este último reconhecimento judicial consubstancia um pressuposto essencial para procedência do típico e principal pedido da acima referida acção de petição de herança - o de reconhecimento judicial da qualidade sucessória do demandante.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de Guimarães
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1. - Relatório.
Maria…, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra,
Manuel… , Manuel…, Maria…, G… e B…, todos residentes no lugar de…, comarca de Arcos de Valdevez, pedindo que, sendo a acção julgada procedente, por provada , sejam em consequência os Réus condenados a :
A - Reconhecer que a Autora é a única e universal herdeira de A… por ser sua única irmã .
B - Restituir à Autora todos os bens móveis e imóveis pertencentes ao seu irmão A….
Para tanto alegou, em síntese, que :
- No dia 8 de Janeiro de 2013, faleceu A…, solteiro, maior, sem descendentes ou ascendentes vivos, sem doação, testamento ou qualquer escrito de última vontade, e que, apesar de no respectivo assento de nascimento não constar o nome do pai , certo é que é público nas freguesias de Padroso e Mei, que era ele filho de C… e de M…;
- Tendo o referido M… vindo a contrair matrimónio com L…, deste último relacionamento nasceu a ora Autora Maria …, única filha de ambos, mas que soube a partir de determinada altura que tinha um meio irmão, o A…, o qual de resto sempre foi tratado como sendo filho de M…;
- Sucede que, tendo o A… - irmão da Autora - vindo a falecer em 8/1/2013, logo todos os RR tentaram assumir a posição de seus únicos herdeiros, apoderando-se de imediato e de forma concertada da totalidade do acervo da herança [ composto por seis prédios rústicos, um urbano, um veículo automóvel e alguns depósitos bancários ] aberta pelo óbito daquele, e declarando-se como únicos beneficiários do mesmo, designadamente junto da Repartição de Finanças de Arcos de Valdevez ;
- Ora, porque o A… faleceu no estado de solteiro, maior, sem descendentes ou ascendentes vivos, e sem testamento, doação ou qualquer escrito de última vontade, é a autora a sua única herdeira, por ser sua única irmã, sendo que, nos termos do artigo 1871.º do Código Civil, é de presumir a paternidade do A… pelo, também, pai da aqui Autora, razão porque a acção intentada tem como fundamento o disposto nos artigos 1871.º, 2075.º e 2145.º , todos do Código Civil.
1.1. - Citados os Réus, vieram os mesmos apresentar contestação, deduzindo defesa por excepção [ invocando a excepção da litispendência e em relação à acção que corre termos no mesmo tribunal e com o Processo nº 84/13.1TBAVV, e arguindo a ilegitimidade da autora, impetrando em consequência de ambas que o tribunal se abstenha de conhecer do mérito da causa e que decida pela absolvição dos RR da instância ] e por impugnação motivada, e formulando pedido reconvencional [ peticionando a condenação da A a reconhecer os RR como únicos e universais herdeiros do falecido A…].
1.2.- Após Réplica, foi designado dia para a realização de audiência prévia [ com o objectivo de realizar uma tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º, do CPC e facultar às partes a discussão de facto e de direito das excepções dilatórias deduzidas pelos RR ] , sendo que, frustrando-se a conciliação das partes, de imediato proferiu a Exmª Juiz a quo em sede de audiência despacho saneador que pôs termo à acção, pois que, conhecendo das excepções dilatórias suscitadas pelos RR :
a) julga procedente a excepção de ilegitimidade da Autora, e , consequentemente, absolve os Réus da instância.
b) julga procedente a excepção de caso julgado, e , consequentemente absolve os Réus da instância.
1.3. - Inconformada com a decisão indicada em 1.2, da mesma apelou a Autora Maria…, o que fez formulando as seguintes conclusões :
1) A Douta Sentença recorrida considerou a Autora parte ilegítima porque entendeu que esta não provou a sua qualidade de herdeira do falecido A….
2) Alicerçou essa decisão no facto de a recorrente não ter demonstrado nos autos por documento autêntico, por habilitação de herdeiros ou por sentença judicial transitada em julgada essa sua qualidade.
3) Considerou também que tendo a aqui recorrente intentado uma acção de investigação de paternidade que correu termos sob o n.º 84/13.1TBAVV na Secção Única do extinto Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez na qual foi considerada parte ilegítima para intentar tal acção;
4) Decisão confirmada por Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ;
5) Que havia excepção de caso julgado por se verificarem os requisitos enumerados no art. 581.º do C.P.C. a saber:
6) Identidade de partes, identidade do pedido e identidade da causa de pedir.
7) A subscritora do presente recurso concorda com a Douta Decisão proferida no Acórdão da Relação de Guimarães que confirmando a decisão da primeira Instância declara como parte ilegítima a aqui recorrente para peticionar a investigação de paternidade do seu falecido irmão.
8) Na verdade, a legitimidade de acordo com a Lei in casu, não tendo o falecido A… deixado ascendentes ou descendentes vivos ninguém teria legitimidade para intentar uma acção de investigação ou reconhecimento de paternidade.
9) O A… não intentou tal acção porque sempre foi reconhecido como filho por M…, pela mulher deste e pela aqui recorrente.
10) E o A… sempre considerou e tratou como pai o referido M….
11) O que a aqui recorrente agora intentou não é nem nunca foi qualquer investigação de paternidade.
12) A recorrente não pretende o reconhecimento judicial do A… como filho do seu pai M….
13) Nem pretende que seja judicialmente reconhecido que o referido A… é seu irmão por serem filhos do mesmo pai.
14) A acção que a recorrente intentou pretende apenas obter decisão judicial que a reconheça como herdeira.
15) Não pode provar essa qualidade por documento autêntico já que das certidões de nascimento de ambos, na dela consta como pai M… e na do irmão não consta qualquer pai.
16) Não pode provar essa qualidade por escritura de habilitação já que a mesma nos termos do art. 83.º e 85.º ambos do Código do Notariado a referida escritura para além de outro teria que ser instruída por documento justificativo da sucessão legítima – ou seja – por certidão de nascimento.
17) Resta-lhe por isso para provar essa qualidade de herdeira a acção que agora intentou nos termos do art. 2075.º do Código Civil.
18) A Mma. Juiz a quo entendeu que a acção só poderia prosseguir se a Autora já tivesse a qualidade jurídica de herdeira.
19) Quer isto dizer que a Mma. Juiz a quo entende que o que se pretende com a acção já devia instruir a mesma.
20) Mas entende a requerente, salvo o devido respeito, que se a mesma tivesse meio de provar a sua qualidade de herdeira esta acção seria completamente inútil
21) Cujo fim que visa já estava alcançado.
22) E então limitar-se-ia a requerer o competente inventário para a partilha dos bens do de cujus.
23) Ou se fosse caso disso uma acção de reivindicação dos bens do mesmo que estivessem, indevidamente, em posse de terceiro.
24) Ou uma anulação de qualquer acto ou negócio jurídico que pudesse ou que tivesse sem o seu consentimento sido realizado implicado a transmissão dos bens para terceiro.
25) A presente acção não colide com o direito de personalidade na dimensão da identificação pessoal vertida no artigo 26 da CRP do falecido A….
26) Nem viola o direito de reserva da intimidade da vida privada do mesmo.
27) Enquanto foi vivo o A… sabia quem era o pai que assim o tratava e por ele era tratado.
28) E a presente acção não viola aquela situação.
29) Os diversos Acórdãos citados e imanados das diversas instâncias superiores - STJ - 29/10/2009 Col. STJ n.º 3 2009 ; STJ 6752/08.TB2RASI.S1 in DGSI; STJ 07/10/2013 em DGSI 04A126 , ensinam que é por este meio - acção de petição da herança que alguém pede e vê reconhecido judicialmente a sua qualidade sucessória.
30) Este é o único meio que a recorrente tem para ver reconhecida a sua qualidade de herdeira de A….
31) Pelo que, a sua legitimidade é exuberante.
32) Não há no nosso modesto entender a verificação de caso julgado.
33) Há caso julgado quando há repetição de uma causa.
34) Ou seja, quando existam as mesmas partes, o mesmo pedido fundado na mesma causa de pedir.
35) Nos presentes autos a qualidade jurídica das partes é diferente.
36) Na primeira acção a Autora pretendia uma investigação de paternidade colocando-se como “uma estranha” em relação à matéria jurídica controvertida.
37) Pretendendo que, os Réus reconhecessem esse grau de parentesco.
38) Alegando que, A… era filho de M….
39) Em virtude das relações de sexo que este manteve com C….
40) Nos presentes autos a Autora apresenta-se como reivindicando a sua qualidade jurídica de herdeira.
41) Pedindo a condenação do reconhecimento dessa qualidade aos Réus por serem a classe sucessível seguinte.
42) E porque tão simples quanto isto a Autora é irmã de A… e consequentemente sua herdeira.
43) A Douta Sentença recorrida violou os arts. 26.º da CRP, 2075.º, 2133.º, 2146.º, 70.º, e 71.º todos do Código Civil.
44) E o artigo 580.º e 581.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra :
- que considere a recorrente como parte legítima;
- que considera que não se verifica a excepção de caso julgado;
- e que determine o prosseguimento dos autos.
1.4.- Contra-alegando, vieram os apelados impetrar a total improcedência da apelação, sustentando o acerto da decisão recorrida, que assim deve ser confirmada na íntegra.
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1.5.- Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes [ pela ordem imposta pela respectiva precedência lógica e ou de conhecimento das excepções dilatórias prevista no art. 278º, nº1, do C.P.C., em razão do disposto no artº 608º,nº1, do CPC, ex vi do artº 663º, nº2, do mesmo diploma legal ] :
- Primo : Aferir se in casu se justifica a revogação da decisão apelada que julgou procedente a excepção de ilegitimidade da Autora, e, consequentemente, absolveu os Réus da instância ;
- Secundo: A impor-se a revogação da decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade da Autora, se deve outrossim a decisão apelada que julga procedente a excepção de caso julgado ser revogada, determinando-se em consequência o prosseguimento dos autos.
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2.- Motivação de facto
Não tendo sido fixada qualquer factualidade assente em sede de decisão apelada, para o conhecimento da apelação importa atentar, para além da que resulta do relatório do presente Acórdão, também na seguinte :
2.1. - No dia 8 de Janeiro de 2013, na freguesia de Padroso, faleceu A…, solteiro, maior, sem descendentes ou ascendentes vivos, sem doação, testamento ou qualquer escrito de última vontade, sendo que do seu assento de óbito, lavrado na Conservatória de Registo Civil de Arcos de Valdevez consta como mãe do falecido, C…, já não constando o nome do pai ;
2.2. - A autora Maria…, nasceu a 14/9/1967, sendo filha de M… e de L…, à data casados ;
2.3. - A autora Maria… demandou - em acção que correu termos com o nº 84.13.1TBAVV.G1 , na Comarca de Arcos de Valdevez - Manuel…, Manuel…, Maria…, G… e B…, pedindo que A… fosse declarado e reconhecido como filho de M…, nascido das relações sexuais entre este e a mãe daquele C… ;
2.4. - Na acção identificada em 2.3. alega a Autora, em síntese, que o A… é seu irmão, uma vez que nasceu das relações sexuais que o seu pai M…, já falecido, manteve com a C…, sendo que, como aquele faleceu sem ser reconhecido, e está em discussão a habilitação dos herdeiros à herança do A…, que faleceu sem ascendentes ou descendentes, concorrendo os primos, e réus na acção , vê-se a autora na necessidade de se socorrer de meio judicial para provar a sua legitimidade para concorrer à herança aberta por óbito de A…, como sua única e universal herdeira.
2.5.- Na acção identificada em 2.3. e em sede de audiência prévia, foi proferida decisão que julgou a autora parte ilegítima, sendo os RR absolvidos da instância, considerando-se para tanto que, ao abrigo do disposto no artº 1847 e 1869º do C.Civil, só o falecido A… poderia propor a acção de investigação de paternidade ou dar autorização para tal, o que não aconteceu.
2.6. - Interposta apelação da decisão identificada em 2.5., por Ac. de 29 de Maio de 2014 , proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, foi a mesma confirmada, sendo o recurso julgado improcedente.
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3. Motivação de Direito.
3.1.- Se incorreu o a quo em error in judicando ao julgar procedente a excepção de ilegitimidade da Autora, tendo em consequência absolvido os Réus da instância.
Em sede de fundamentação da decisão apelada e ora em análise, e que, julgando procedente a excepção de ilegitimidade da Autora, absolveu os Réus da instância, recorda-se, discorreu a Exmª juiz a quo nos seguintes termos (sic):
“ (…)
A Autora configurou a presente acção como uma acção de petição da herança onde requer que seja reconhecido que a Autora é a única e universal herdeira da A… por ser sua única irmã bem como a restituir à Autora todos os bens móveis e imóveis pertencentes ao seu irmão A….
Determina o artigo 2075.º, n.º 1, do Código Civil, sob a epígrafe acção de petição, "que o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título".
Desta forma a legitimidade da Autora para propor a presente acção terá que se apreciar na sua qualidade ou não de herdeira de A….
A qualidade de herdeiro apenas pode ser provado por documento autêntico designadamente através das certidões de nascimento da Autora e do falecido A…, ou através de habilitação notarial do falecido A…, ou através de sentença transitada em julgado.
Das certidões de nascimento juntas aos autos, designadamente a folhas 8 (oito) e a folhas 9 (nove), verifica-se que a Autora não é irmã do A… e como tal dos referidos documentos não se vislumbra que a mesma seja herdeira de A….
Não foi junta aos autos qualquer habilitação de herdeiros do falecido A….
Por fim a única sentença transitada em julgado pela qual se podia aferir que a Autora era irmã de A… era através de uma acção de investigação da paternidade onde se reconhecesse que o falecido A… era filho do falecido M…, pai da aqui Autora.
Ora, não existe qualquer sentença proferida no âmbito duma investigação da paternidade em que se reconheça tal filiação.
Na verdade, a Autora antes de propor a presente acção propôs uma outra designadamente uma acção de investigação da paternidade quanto aos aqui Réus que correu no presente Tribunal sob o n.º 84/13.1TBAVV.
Em tal processo a Autora foi julgada parte ilegítima por decisão já transitada em julgado, conforme resulta das certidões ora juntas.
Face ao exposto, verifica-se que a Autora não poderia ter intentado a presente acção dado que a mesma não tem a qualidade de herdeira do A…, motivo pelo qual se julga procedente a presente excepção de ilegitimidade da Autora e consequentemente absolvem-se os Réus da instância.”
Discordando - compreensivelmente - da douta explanação que antecede, é entendimento da apelante que a mesma não justifica e merece qualquer adesão, e isto fundamentalmente porque, in casu, não se está perante uma acção de investigação de paternidade, pois que, com a sua proposição, não visa a ora recorrente o reconhecimento judicial de que o falecido A… é filho do seu pai M…, isto por um lado, e, por outro, não pretende outrossim que seja judicialmente reconhecido que o referido A… é seu irmão por serem filhos do mesmo pai, antes pretende tão só obter uma decisão judicial que a reconheça como herdeira.
Daí que, para a recorrente, se nenhum reparo lhe merece a decisão [ proferida em anterior acção que intentou e identificada no item 2.3. da motivação de facto do presente Ac. ] que julgou carecer a ora Autora de legitimidade para propor a acção judicial com vista ao reconhecimento judicial da paternidade de A…( em face do disposto no artº 1869º, do CC ), já nenhum fundamento legal existe, todavia - no seu entendimento - , que a impeça de ver reconhecida, judicialmente, a sua qualidade de herdeira de A….
Dir-se-á assim que, e em rigor, para a apelante, o reconhecimento judicial da sua qualidade de herdeira de A…, não implica, necessariamente, o reconhecimento judicial da paternidade de A…, e , consequentemente, que é ele seu irmão, porque também filho do seu Pai M….
Ora, com todo o respeito pela criatividade e destreza do raciocínio da apelante, é nosso entendimento que não pode ele merecer qualquer acolhimento, designadamente porque in casu a qualidade de herdeira da apelante só se justificará se emergente de título de vocação sucessória de carácter legal, que não decorrente de acto voluntário do de cuius [ testamento ou contrato, cfr. artº 2016º, do CC ] , e , assim sendo, não se alcança como reconhecer a qualidade de herdeira de A… da apelante sem que , por aplicação de normas legais de carácter imperativo, e para poder integrar a classe de sucessíveis da alínea c) do nº1, do artº 2133º, do CC, seja necessário o reconhecimento judicial da paternidade de A…, e , consequentemente, que é ele - o de cujus - seu irmão consanguíneo , porque também filho do seu Pai M….
Vejamos.
Antes de mais, é ponto assente que, in casu, em razão da articulação da causa petendi com o pedido formulado na presente acção, que a autora [ e visando prima facie contornar o obstáculo legal do artº 1869º, do CC ] , lançou mão de uma acção de petição de herança, acção esta que, nos termos do artigo 2075.º do Código Civil, tem por desiderato permitir ao demandante solicitar o reconhecimento judicial “da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título".
A referida acção, como decorre expressis verbis da disposição legal referida, envolve necessariamente a formulação de dois pedidos, a saber , (a) o reconhecimento da qualidade de herdeiro do demandante e , (b) a restituição de bens - de todos ou de parte deles - que fazem parte do acervo hereditário, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título, consistindo a respectiva causa petendi na sucessão mortis causa. (1)
Dir-se-á que, como bem se nota no Ac. do STJ de 5/3/2013 (2), de acção se trata que, ainda que nos seus efeitos práticos apresente algumas semelhanças com a acção de reivindicação, é a invocação da qualidade de herdeiro que na acção de petição de herança justifica o pedido de reconhecimento da qualidade sucessória e a invocação do direito à entrega dos bens integrantes do acervo hereditário do de cujus .
Daí que, em razão do duplo fim que tem a mesma por desiderato alcançar - o reconhecimento judicial do título ou estatuto de herdeiro que o demandante se arroga e a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro - , há muito que Cunha Gonçalves (3) considerava não se justificar atribuir à acção de petição de herança uma natureza pessoal, nem real, mas sim mista: “ é pessoal, quanto ao reconhecimento da qualidade de herdeiro; é real, quanto à entrega do quinhão de herança, pertencente a este herdeiro” .
Face ao acabado de referir, licito é para nós concluir que, a acção de petição de herança, é, ao mesmo tempo, uma acção declarativa que integra uma componente de natureza de apreciação e/ou reconhecimento [ o demandante, ao reconhecer-se-lhe a qualidade de herdeiro, tal equivale a dizer que sempre possuiu tal estatuto, desde o falecimento do autor da herança, razão porque ao aceitar a herança o domínio dos bens hereditários retrotraem-se ao momento da morte do autor daquela - cfr. artºs 2031º e 2050º, ambos do CC ] , e , outrossim, uma componente de índole condenatória ( cfr. artº 10º, nº2 e 3, do CPC), sendo que, em conformidade com a existência de ambas, o comando dispositivo da sentença que julga a acção procedente e acolhe a pretensão do demandante integra sempre dois tipos de provimento jurisdicional, a saber : um primeiro - de declaração - proclama e reconhece a qualidade de herdeiro do autor - , e , um segundo, e decorrente, de condenação - impõe ao réu a obrigação de restituir os bens da herança ao autor.
Do mesmo modo, é para nós igualmente incontornável que, a conditio para que seja acolhido o pedido do demandante de restituição de bens da herança, é sempre a antecedente e prévia declaração/reconhecimento judicial de que tem ele a qualidade de herdeiro , que o mesmo é dizer, que não se lhe pode negar a vocação sucessória , assistindo-lhe portanto o direito de ser chamado [ cfr. artºs 2024º, 2026º, 2030º e 2032º,nº1, todos do CC ] à titularidade das relações jurídicas do falecido, porque seu sucessor na totalidade ou numa quota do seu património .
Ora, como é consabido, e tendo por objecto a identificação dos títulos de vocação sucessória , do artº 2026º, do CC, resulta que a sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato , ou seja, existem fundamentalmente dois tipos de sucessão mortis causa, a sucessão legal [ decorre imediatamente da lei ou de disposição normativa de carácter legal, podendo ser legítima ou legitimária ou forçosa - cfr. artº 2027º, do CC -, porque deferida por lei imperativa, não podendo - ao contrário da legítima - ser afastada pela vontade do seu autor ] e a voluntária [ decorre de acto voluntário do de cujus, podendo ser contratual ou testamentária ]. (4)
In casu, recorda-se, arroga-se a Autora e ora apelante, a qualidade de herdeira, justificando o pedido de reconhecimento da qualidade sucessória, não com fundamento em acto voluntário do de cujus, mas com base na Lei, intitulando-se sucessora legítima de A…, porque seu irmão, logo, integra no seu entendimento - como sua herdeira - a classe de sucessíveis a que alude a alínea c), do nº1, do artº 2133º, do CC.
Porém, porque a paternidade biológica e jurídica do referido A… não se mostra estabelecida e reconhecida judicialmente, tendo o de cujos falecido sem que tenha sido perfilhado pelo M… - também pai da autora - , e antes ainda da propositura pelo próprio da competente acção de investigação da paternidade ( cfr. artºs 1847º e 1869º, ambos do CC ), no âmbito da presente acção de petição de herança como que inevitável é que a fase pessoal da mesma e direccionada para o reconhecimento da qualidade de herdeira da Autora exija antes de mais o reconhecimento judicial da paternidade do de cujus A… [ sem o qual não se descortina como se concluir ser a autora herdeira de A…, porque sua irmã consaguínea, logo integrando a terceira classe de sucessíveis a que alude o nº1, do artº 2133º, do CC ].
Em última análise, portanto, e no âmbito da presente acção, como que cumula a Autora Maria… uma acção de petição da herança, com uma acção de investigação de paternidade , tendo esta última por escopo fundamental a obtenção de “ganhos” emergentes do direito sucessório , ou , dito de uma outra forma, estando o almejado - ainda que implicitamente - reconhecimento da paternidade do de cujus direccionado quase em exclusivo para as consequências patrimoniais que do mesmo sempre derivam .
Dito isto, e admitindo-se que nada obsta à cumulação de pedidos deduzidos pela Autora e ora apelante ( nos termos do artº 555º, do CPC ) , sendo um expresso e outro implícito - é expresso o referente ao Reconhecimento de que a Autora é a única e universal herdeira de A… por ser sua única irmã , e é implícito o de que o de cujus A… é filho de M… , sendo este último o pressuposto no qual tem forçosamente que assentar a procedência do primeiro - , e dispondo a Autora de legitimidade para em sede de acção de petição da herança formular o primeiro ( cfr. artº 30º, do CPC ), tal já não sucede todavia em relação ao segundo , e isto em face do disposto no artº 1869º, do CC.
O acabado de expor, por si só, e ainda que com base em considerações ligeiramente diversas, como que “obriga” a confirmar o decidido pelo tribunal de primeira instância, no que ao julgamento - como procedente - da excepção de ilegitimidade da Autora e consequentemente absolvição dos Réus da instância concerne.
Acresce que, a assim não se entender, tal equivaleria a permitir-se à ora apelante, apenas porque no âmbito de acção de petição da herança, lograr o reconhecimento judicial de paternidade de um individuo, ainda que para tanto não disponha da competente e exigível legitimidade ( nos termos do artº 1869º, do CC), permitindo-se assim que, através de meio processual diverso, obtenha uma parte um determinado fim/conhecimento a cujo acesso o legislador lhe veda através do emprego da acção judicial destinada precisamente para o efeito [ como que possibilitando-se a uma parte que alcance determinado resultado que a lei lhe quer vedar ] .
Por outra banda, e também a assim não se entender , estava criado o caminho/artificio - enviesado - para, porque a acção de petição da herança pode ser intentada a todo o tempo ( cfr. nº2, do artº 2075º, do CC ), se ultrapassarem os obstáculos atinentes aos prazos de caducidade a que estão sujeitas as acções de investigação de paternidade [ cfr. artº 1817º, nºs 1 , 2 e 3, do CC, ex vi do artº 1873º do mesmo diploma legal ], e sabendo-se como hoje se sabe que, quer o Tribunal Constitucional (5) , quer o STJ (6) , vêem decidindo nos tempos mais recentes no sentido da não inconstitucionalidade da norma do artigo 1817º, n.ºs 1 e 3, alínea b), do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo Código, prevêem prazos para a propositura da acção de investigação de paternidade.
Em conclusão, em razão de tudo o acima exposto, não é susceptível de censura a decisão recorrida, no tocante ao segmento decisório através do qual se julga procedente a excepção de ilegitimidade da Autora, e , consequentemente, se absolvem os Réus da instância.
3.2.- Se incorreu o a quo em error in judicando ao julgar procedente a excepção de caso julgado, impondo-se a revogação de tal decisão e a determinação do prosseguimento dos autos.
Em razão do decidido no tocante à primeira questão da excepção de ilegitimidade da Autora/ apelante, e por aplicação in casu do disposto no artº 608º,nº2, do CPC, ex vi do artº 663º, nº2, do mesmo diploma legal, manifesto é que o conhecimento da questão da “excepção de caso julgado” mostra-se prejudicada, não se justificando de todo.
Acresce que, a assim não se entender, sempre a apreciação aqui e agora da referida questão configuraria a prática de um acto de todo inútil, estando o mesmo legalmente vedado/proibido, porque não lícito ( cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil ).
Destarte, nada mais se justificando acrescentar, resta concluir que, em suma, a apelação improcede in totum
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4. Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC).
4.1.- Prima facie, não se descortina existir obstáculo adjectivo que impeça uma parte, em sede de acção de petição da herança, de cumular o competente pedido expresso de declaração/reconhecimento judicial de que tem a qualidade de herdeiro de um indivíduo, com o pedido implícito e próprio já de uma acção de investigação de paternidade de que o mesmo e referido individuo e de cujus é o progenitor do demandante.
4.2. - Todavia, e ainda que no âmbito de acção de petição da herança , carece já o demandante de legitimidade - em razão do disposto no artº 1869º, do CC - para deduzir pedido implícito e próprio de uma acção de investigação de paternidade no sentido de que o de cujus do qual se arroga único e universal herdeiro é filho de concreto individuo, e quando este último reconhecimento judicial consubstancia um pressuposto essencial para procedência do típico e principal pedido da acima referida acção de petição de herança - o de reconhecimento judicial da qualidade sucessória do demandante.
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5.- Decisão.
Na sequência de todos os fundamentos supra expostos, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em :
5.1. - Julgar a apelação de Maria… improcedente, mantendo-se assim a decisão ( saneador-sentença ) apelada .
Custas na primeira instância e na Relação, pela apelante.
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(1) Cfr. João António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. I, 1990, pág. 19 e Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, pág. 41, nota 598, Coimbra Editora, 1980/82.
(2) In Proc. nº 10512/03.9TBOER.L1.S1, sendo Relator Abrantes Geraldes, e in www.dgsi.pt.
(3) In Tratado, Vol. X, pag. 479, por sua vez citado no Ac. do STJ de 29/10/2009, Proc. nº 577/04.1TVLSB, sendo Relator OLIVEIRA ROCHA, e in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa , Ibidem, pág.s 33 e segs..
(5) Vide Ac. do T.C. de 22/5/2012, Processo n.º 638/10 , e Acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120247.htm.
(6) Vide o Ac. de 9/4/2013, Proc. nº 187/09.7TBPFR.P1.S1, sendo Relator Fonseca Ramos, e , em sentido diverso, o Ac. de 14/1/2014, Proc. nº 155/12.1TBVLC-A.P1.S1, sendo Relator Martins de Sousa, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
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Guimarães, 19/3/2015
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte