Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
348/20.8T8CBT-B.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: DILIGÊNCIA DE PROVA
SEGUNDA PERÍCIA
DEFERIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Uma diligência de prova só será impertinente (e deverá, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa; e só será dilatória (e deverá, por isso, ser indeferida) quando tenha como único propósito o protelamento do fim do processo, já que qualquer diligência de prova implica necessariamente a respectiva dilação.

II. Atento o regime processual vigente, sendo pretendida a realização de uma segunda perícia, deverá o respectivo requerente: em primeiro lugar, especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia (por forma a delimitar o objecto da segunda); em segundo lugar, indicar os motivos pelos quais discorda.

III. Constitui condição suficiente de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira (sendo essa alegação especificada o único requisito legal do deferimento daquela pretensão).

IV. Tendo o requerente da segunda perícia agido conforme lhe impunha a lei (para deferimento da sua pretensão), não pode o Tribunal a quo indeferi-la por, no seu juízo, as razões de discordância invocadas não se mostrarem fundadas.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
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Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ...

ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ... (aqui Recorrente), propôs uma acção declarativa, sob a forma comum, contra R... Seguros, S.A., com sede na Avenida ..., Edifício ..., no ... (aqui Recorrida), pedindo que a Ré fosse condenada
· a reconhecer que ela própria se encontra afectada de invalidez total e permanente, com uma incapacidade de 70%;
· a reconhecer que o contrato de seguro a que ela própria aderiu, conforme lhe foi proposto pela própria Ré (R... Seguros, S.A.), é válido;
· a indemnizá-la no valor correspondente ao capital seguro, de € 40.000,00, acrescido de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde 16 de Janeiro de 2020;
· numa sanção pecuniária compulsória, que não deverá ser inferior a € 100,00 por cada dia em que a Ré (R... Seguros, S.A.) incumpra o que lhe vier a ser determinado na acção.

Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado com a Ré (R... Seguros, S.A.) um contrato de seguro, prevenindo nomeadamente o risco de invalidez total e permanente, com um capital garantido de € 40.000,00; e que se limitou a assiná-lo, pré-elaborado e pré-estabelecido, sem que lhe tivessem sido fornecidas quaisquer explicações sobre o seu conteúdo.
Mais alegou encontrar-se desde 16 de Janeiro de 2020 numa situação de invalidez total e permanente, mercê de múltiplas patologias, nomeadamente de índole psiquiátrica; e recusar-se a Ré (R... Seguros, S.A.) a reconhecê-lo.

1.1.2. Regularmente citada, a (R... Seguros, S.A.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, terem sido cumpridos os procedimentos de comunicação e explicação das cláusulas integrantes do contrato de seguro celebrado entre as partes; e desconhecer se as patologias invocadas pela Autora (AA), a provarem-se, eram, ou não, do seu prévio (à data de celebração do contrato de seguro) conhecimento, sendo certo que não as revelou então.

1.1.3. A Autora (AA) respondeu, reiterando o seu pedido inicial.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, ter respondido a tudo o que lhe foi perguntado no momento da celebração do contrato de seguro e não ter prestado quaisquer falsas declarações, tendo inclusivamente sido os colaboradores da Ré (R... Seguros, S.A.) quem preencheu todo o clausulado.

1.1.4. Em sede de audiência prévia foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 41.529,86; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e determinando oficiosamente a realização de uma perícia médico-legal à pessoa da Autora (AA).

1.1.5. Tendo as partes apresentado os respectivos quesitos e sido definido o objecto da perícia, foi a mesma realizada pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do ..., que juntou aos autos o respectivo relatório, datado de 02 de Dezembro de 2021, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
CONCLUSÕES PELIMINARES
Para uma avaliação mais completa das consequências médico-legais do evento, deverá a Examinada ser submetida a exame da especialidade de Psiquiatria Forense no GMLF do ... (Guimarães), a qual já foi solicitada a este GMLF do ..., sendo que este último informará sobre a data e a hora da realização da mesma de modo a que esse Tribunal convoque a examinada.
A perícia deverá determinar se a examinada possui patologia psiquiátrica suscetível de ser desvalorizada pelo ANEXO I da TNI em vigor, e em que percentagem.
(…)»

1.1.6. Realizada a avaliação psiquiátrica forense na pessoa da Autora (AA), foi junto aos autos o respectivo relatório, datado de 10 de Abril de 2022, e reiterado no relatório de 18 de Abril de 2022, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Exame do estado mental:
A examinada apresenta-se com obesidade moderada, aspecto cuidado e com idade aparente coincidente com a idade real, sem deformidades ou limitações observáveis.
Após as apresentações entendeu na íntegra o objectivo do exame pericial, tendo manifestado uma atitude colaborante mas defensiva durante toda a entrevista.
Ao exame do estado mental revelou-se orientada no tempo, espaço e situação, sem dificuldades de memória antiga ou recente.
O seu funcionamento intelectual não está afectado do ponto de vista cognitivo.
O seu humor é neutro e não mostra activação fisiológica, quando se abordam as suas alegadas limitações físicas, ou a morte da sua mãe.
Não tem alterações do curso ou do conteúdo do pensamento, nem da percepção.
O seu juízo crítico está conservado.
Não apresenta qualquer psicopatologia observável.

Discussão:
Apesar de ser referido pela examinada, não existe qualquer registo médico de que tenha sido seguida em consulta de Psiquiatria, quer a nível hospitalar quer em clínica privada, existindo apenas um único registo de consulta, ocorrido a 7/12/2011 onde vem referido “Síndrome depressivo ligeiro reativo”.
Não tem qualquer evidência clínica da existência de perturbação psiquiátrica significativa de carácter incapacitante ou com impacto no nível de eficiência pessoal e profissional.

Conclusão da perícia:
Após a consulta de todos os elementos processuais disponíveis e tendo em conta a observação directa (realizada em 08/02/2022), conclui-se que não se encontram elementos clínico que possam comprovar a existência de patologia psiquiátrica permanente e carácter incapacitante.
 (…)»

1.1.7. A Autora (AA) reclamou, pedindo nomeadamente que se esclarecesse qual a incapacidade que adviria para si da medicação que tomaria diariamente («escitalopram sentiva 10 Mg e diazepan 10 Mg») e do atestado médico multiusos (afirmando que do qual «consta que a A. padece de sequelas psiquiátricas, tendo as mesmas sido devidamente valorizadas»).

1.1.8. Foi junto um aditamento ao relatório inicial, com «prestação de esclarecimentos» ou «resposta a quesitos», datado de 17 de Julho de 2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
4., 5. e 6. - Toda a história médica e clínico-psiquiátrica da examinada, quer a fornecida por ela própria, quer a registada na documentação clínica, sintomas, consultas médicas, datas, identificação de especialidades, acompanhamento clínico, medicação, identificação de fármacos (como os que vêm mencionados) e estado mental actual, tudo foi tido em conta e devidamente plasmado no relatório pericial e Psiquiatria Forense (ver segmento História Médica).
7. - Em relação ao Atestado Médico de Incapacidade Multiusos de 16/1/2020, a perícia colegial que o atribui é constituída por médicos especialistas de Saúde pública. Esta avaliação pericial complementar na especialidade de Psiquiatria é subscrita por médica especialista Consultora em Psiquiatria, especialista em Medicina do Trabalho, especialista em Psiquiatria Forense, com a Competência de Avaliação de Dano Corporal, com a Competência de Medicina da Segurança Social, inscrita de pleno direito em todos estes Colégios e Competências da Ordem dos Médicos, fundamentado a sua avaliação no conhecimento clínico e científico adquirido ao longo da sua carreira e na sua longa experiência de avaliação médico-legal e de referenciação e uso da TNI nos diversos âmbitos da sua utilização.
8. e 9. - Na avaliação psiquiátrica forense não verifica a existência de situação clínica psiquiátrica de carácter incapacitante ou com algum impacto no nível de eficiência pessoal e profissional, pelo que não se encontra justificação para rectificar o relatório pericial.
(…)»

1.1.9. A Autora (AA) requereu então a realização de uma segunda perícia, alegando nomeadamente para o efeito:
«(…)
6. Além da medicação descrita pela médica perita, a sinistrada fez-se acompanhar da medicação que toma diariamente: escitalopram sentiva 10 Mg e diazepan 10 Mg.
7. Ora, tal medicação não foi tida em consideração pela perita médica, nem no relatório que apresentou, nem nos esclarecimentos que prestou.
8. Também não foi tida em consideração a história clínica da sinistrada.
9. Acresce que, do atestado médico de incapacidade multiusos (elaborado por médicos credenciados para o efeito e imparciais) consta que a A. padece de sequelas psiquiátricas, tendo as mesmas sido devidamente valorizadas em função do acompanhamento médico e medicação diária.
10. E nada do que foi apreciado por aqueles médicos e que consta do atestado médico de incapacidade multiusos foi tido em consideração pela Exma. Senhora Perita Média, justificando a mesma que aqueles médicos são especialistas de saúde pública.
11. Contudo, certamente com capacidade para proceder à avaliação do atestado médico de incapacidade multiuso (que se trata de um documento totalmente imparcial e onde constam apenas as incapacidades devidamente avaliadas e documentadas).
(…)»

1.1.10. Foi proferido despacho, indeferindo a realização da segunda perícia impetrada pela Autora (AA), lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
A Sra. Perita já respondeu aos esclarecimentos solicitados pela Autora, pelo que, nessa sequência, veio esta requerer a realização de uma segunda perícia médica, por considerar, no essencial, que aquela não teve em consideração a medicação por si tomada diariamente e por considerar que existe uma discrepância entre as conclusões da Sra. Perita (inexistência por parte da Autora de situação clínica psiquiátrica incapacitante) e o atestado de incapacidade multiuso junto aos autos (que conclui no sentido de que a Autora padecer de sequelas psiquiátricas), alegando ainda que aquela não teve em consideração este atestado.
Ora, efetivamente nos termos do disposto no artigo 487.º, nº 1, do CPC, qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, e o Tribunal pode, se julgar necessário ao apuramento da verdade, deferir o pedido ou até ordená-la oficiosamente.
No entanto, no caso em concreto, afigura-se desnecessária a realização da segunda perícia, porquanto conforme resulta do relatório de avaliação psiquiátrica forense a examinanda referiu à Sra. Perita a toma da medicação em causa, que foi tida em conta por esta, tal como resulta dos seus esclarecimentos.
Ademais, a Sra. Perita também esclareceu o motivo pelo qual pode existir uma desconformidade entre o que resulta do atestado de incapacidade multiuso (o qual é constituído por médicos de saúde pública e não por médicos da especialidade como aconteceu no caso) e o que resulta do seu relatório, sendo que mesmo naquele atestado a taxa de desvalorização atribuída à Autora relativa à psiquiatria é quase residual.
Desta feita, e por se considerar que a avaliação psiquiátrica levada a cabo pela Sra. Perita teve em conta toda a informação que lhe foi feita chegar pela Autora (incluindo de medicação tomada), assim como toda a informação clínica disponível, sendo ainda comparada a avaliação por aquela feita e a que se encontra vertida no atestado de incapacidade multiuso (tal como foi referido em sede de esclarecimentos), indefere-se a 2.ª perícia requerida.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Autora (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se lhe desse provimento.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

A.  Recorrente não se conforma       com o despacho recorrido, porquanto no mesmo não foi feita a melhor aplicação do Direito.

B. A Recorrente não tem qualquer interesse em protelar a ação, mas antes em convocar para o processo o maior número de elementos probatórios que permitam concluir pela sua situação clínica (física e psicológica), bem como concluir do seu concreto grau de incapacidade.

C. De facto, a diligência requerida, realização de segunda perícia, não só é útil como é essencial à descoberta da verdade e à justa composição do litígio.

D. Ao afirmar que a diligência requerida é desnecessária e inútil, o Tribunal a quo está a impedir que se realizem diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade e à justa composição do litígio conforme lhe incumbe pelo princípio do inquisitório, vertido no art. 411.º do CPC.

E. De facto, deve o Juiz dirigir ativamente o processo, cabendo-lhe nomeadamente o dever de realizar, ou ordenar oficiosamente, todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados.

F. O novo processo civil confere ao juiz poderes instrutórios para que se possa aproximar o mais possível da verdade material, ou seja, um poder-dever de realizar as diligências probatórias     necessárias à realização da justiça.

G. Pelo que, não deve rejeitar a realização de prova pericial, salvo manifestamente desnecessária - que não é - e também não se pode considerar que já esteja suficientemente esclarecido, tanto que a Sra. Perita, nos seus esclarecimentos, apenas remete para o seu relatório pericial outrora formulado que suscitaram inúmeras dúvidas na A./Recorrente,

H. Que urgem esclarecer.

I. Pelo que, revela-se essencial à descoberta da verdade material a realização de segunda perícia !

J. Ora, o juiz apenas deve indeferir o requerimento de prova pericial em caso de impertinência - se a perícia não é reportada aos factos da causa - ou caráter dilatório.

K. É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não dependa de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais (cfr. art. 388º, do Código Civil).

L. O que, salvo melhor entendimento, não é o caso dos presentes autos.

M. Sendo que, fora desse expediente dilatório, não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, como consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

N. Nessa senda, andou mal o Tribunal, s.d.r., ao indeferir a prova requerida, não cumprindo com o seu poder-dever, violando, entre outos, o disposto nos arts. 5.º, 411.º e 436.º do CPC.

O. Pelo que, ante o supra alegado, é de admitir a realização de 2.ª perícia requerida pela recorrente, porquanto, daí nenhum prejuízo deriva, sequer, para qualquer dos intervenientes, nem mesmo para o regular andamento dos autos,

P. Revelando-se, aliás totalmente essencial ao apuramento da verdade material e para a correta composição do litígio.

Q. Ora, sendo patente que a factualidade alegada pela Recorrente não é indiferente à boa decisão da causa, deve dar-se a possibilidade à Recorrente de usar de todos os meios de prova legalmente admissíveis para cumprir o seu ónus probatório e assim salvaguardar de forma plena os seus legítimos interesses.

R. Pelo que, ante os argumentos aduzidos, desde já deverá este Tribunal determinar a realização da 2.ª perícia médica requerida, revogando o despacho proferido.

S. O certo é que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os princípios do inquisitório, do ónus de alegação das partes e do contraditório (entre os quais, 5.º, 411.º e 436.º CPC e art. 342º, n.º 3 do CC, bem como o art. 20° da Constituição da República Portuguesa).

T. Não contribuindo para a pacificação do conflito e, pelo contrário, manteve-o em aberto agravando-o.

U. Pelo que, deverá o despacho recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que, com base nos elementos constantes do processo, defira a realização de segunda perícia médica à Recorrente, que deverá levar em consideração toda a prova documental junta aos autos e que responda objetiva e fundamentadamente aos quesitos, para que, em conformidade, atribua   à Recorrente a sua efetiva/real incapacidade.
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1.2.2. Contra-alegações

A (R... Seguros, S.A.) não contra-alegou.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC [1]), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
           
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Autora (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao indeferir o pedido de realização de uma segunda perícia nos autos, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, por forma a que se admita a mesma ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Direito à prova - Prova Pericial
4.1.1. Direito à prova

Lê-se no art. 342.º, do CC, que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º, do CC, e art. 414.º, do CPC).
«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207), corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º, da CRP [4].
Pode definir-se genericamente o direito à prova como o «direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova», o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova»; e o direito de participação na produção das provas» (Ac. da RC, de 14.07.2010, Carvalho Martins, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).
Enfatiza-se aqui que, sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito e ao processo equitativo seriam meramente formais: se não fosse facultada às partes a possibilidade de apresentarem os meios de prova legalmente admissíveis, obtidos de forma lícita, e pertinentes para a prova dos factos que previamente alegaram e cujo ónus de prova lhes compete, não conseguiriam obter o reconhecimento das respectivas pretensões.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumental da realização de um outro, substantivo, «uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Ac. do STJ, de 17.12.2009, Hélder Roque, Processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1).
Logo, e como regra geral, «os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.190).
Dir-se-á que, mercê deste imperativo constitucional, a própria interpretação das normais legais infra constitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efectiva actividade probatória.
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Recorda-se ainda que incumbe ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7.º, n.º 4, do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411.º, do CPC).
O tribunal deverá, porém, assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório - corolário da exigência constitucional do processo equitativo (consagrada no art. 20.º, n.º 4, da CRP) -, expressamente enunciado no art. 3.º, do CPC [5].
Assim, e por imposição do princípio do contraditório, todas as fases do processo decorrem num diálogo entre as partes, sob a direcção do juiz (v.g. articulados, audiência prévia, audiência final, recursos); todas as diligências ou actos relacionados com a proposição ou produção de meios de prova pressupõem o cumprimento dessa estrutura dialéctica ou bipolar (as partes podem, em igualdade de circunstâncias, apresentar todos os meios probatórios potencialmente relevantes, podem decidir fazê-lo até ao momento que considerem acentuar a sua relevância, a admissão ou produção da sua prova é feita com audiência contraditória, e podem apreciar a prova produzida por si, pelo outra parte, e pelo tribunal).
Considera-se, deste modo, que só a permanente audição de ambas as partes permite que, simultaneamente: se apure a verdade (material) e se alcance a justa composição do litígio (art. 411.º, do CPC); e se controle o modo como o Tribunal exerce a sua actividade, com vista precisamente a alcançar esse fim.
Por fim, deverá o Tribunal, ao longo de todo o processo, assegurar «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art. 4.º, do CPC) - emanação do princípio do contraditório - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
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4.1.2. Definição de prova pericial
Lê-se no art. 388.º, do CC, que «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam».
Deste modo, a prova pericial «traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).
Assim, a «nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas poder trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 576, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que a «prova pericial tanto pode visar a perceção indiciária de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos [maxime, os livros e documentos de suporte da escrita comercial e os documentos electrónicos] ou o reconhecimento de assinatura, letra (art. 482), data, alteração ou falta de autenticidade de documento» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 294).
O perito é, assim, uma «pessoa qualificada», e exerce a sua actividade «sobre dados técnicos, sobre matéria de índole especial», por isso se afirmando que «o perito maneja uma experiência especializada», dando ao «juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica». A sua função é a de «mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, págs. 168, 169 e 181).
Reitera-se, deste modo, que o «traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, págs. 175 e 176, com bold apócrifo).
Concluindo, a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova», sendo que no primeiro caso [factos] visa «a afirmação de um juízo de certeza sobre os» factos «ou circunstâncias» (v.g. perícia sobre ADN de alguém), no segundo [máximas da experiência] visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (v.g. actuando o perito nos «mesmos moldes» que «o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. Artigo 492º, nº 1 do Código de Processo Civil»), e no terceiro [prova sob prova] visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (v.g. «exame grafológico» ou «tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita») (Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem).
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4.1.3. Objecto da prova pericial - Pressupostos de (in)deferimento
Lê-se no art. 341.º, do CC, que as «provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos», precisando de forma conforme o art. 410.º, do CPC, que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» [6].  
Mais se lê, no art. 475.º, do CPC, que, ao «requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões que pretende ver esclarecidas através da diligência» (n.º 1), podendo a perícia «reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária» (n.º 2).
Entende-se, assim, que o «objeto da perícia é constituído por questões de facto que sejam condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou exceção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis de direito»; e, por isso, «a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 539) [7].
Logo, não constitui fundamento de indeferimento de prova pericial a circunstância de o objecto proposto para a mesma não se sobrepor aos temas da prova, ou mesmo aos factos essenciais alegados nos articulados [8]. Importa, sim, que se reporte a matéria «com interesse para a solução jurídica da causa» (Ac. da RG, de 19.02.2013, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 3984/10.7TBBCL-C.G1).
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Lê-se ainda, no art. 476.º, do CPC, que se «entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição» (n.º 1), e incumbindo ainda àquele, «no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade» (n.º 2) [9].
Cabe, assim, ao juiz a fixação definitiva do objecto da perícia, tendo nomeadamente presentes os factos contidos nos temas da prova enunciados.
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Dir-se-á, face ao disposto no art. 476.º, n.º 1 citado [o juiz, se «entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, (…) ouve a parte contrária sobre o objecto proposto], que se contam entre os pressupostos de deferimento da perícia a sua pertinência para o objecto da prova a produzir (os factos contidos nos «temas da prova enunciados», ou os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art. 5.º, do CPC), e o seu carácter não dilatório.

Precisando, então, a «pertinência» para o objecto do processo, terá a perícia que se reportar «a factos condicionantes da decisão final» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 539) [10].
Não se exige, porém, que a prova pericial seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto (isto é, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos); poderá ser apenas a prova mais natural ou preferencial, face ao objecto do litígio [11].
Dir-se-á, ainda, que, na sua decisão de admissão, ou de não admissão, deste meio de prova (como de qualquer outro), «o Tribunal (…) deve ter sempre presente a ideia de que, na admissão dos meios de prova, não pode rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto» (Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta).
Com efeito, o que a lei, cautelarmente, lhe impõe é que apenas recuse a diligência probatória em causa se entender que a mesma é impertinente (art. 6.º, n.º 1, do CPC), deferindo-a se entender que não é impertinente (art. 476.º, n.º 1, do CPC): o juízo de certeza, para a rejeição, terá de ser o da impertinência, bastando porém para a admissão que aquele não se verifique, isto é, que seja apenas verosímil a pertinência da diligência probatória requerida.
Logo, «não pode entender-se que uma diligência de prova é impertinente se o facto que com ela se pretende provar - ou efectuar a respectiva contra prova - pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não o prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa» (Ac. da RG, de 20.10.2011, Carlos Guerra, Processo n.º 3361.0TBBCL-B.G1) [12].

Precisando agora a natureza «não dilatória», dir-se-á que, necessariamente, qualquer diligência de prova implica a dilação do subsequente fim do processo, pelo que não pode a lei ter aqui querido impedir esse natural protelamento, mas sim querido impedir o deferimento de diligência prova que apenas tivesse esse propósito.
Com efeito, não só o Tribunal está proibido de «realizar no processo actos inúteis» (art. 130.º, do CPC), como deve «dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, (…) recusando o que for (…) meramente dilatório» (art. 6.º, n.º 1, do CPC), desse modo actuando o seu dever de gestão processual, aqui claramente em nome do princípio da economia processual.
Tem-se ainda como dilatória a perícia que se reporte a factos cujo apuramento não exija conhecimentos especiais [13].
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4.1.4. Segunda perícia
Lê-se no art. 487.º, n.º 1, do CPC, que «qualquer das partes pode requer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundamentadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado» [14].
Não basta, assim, à parte requerer a segunda perícia: «é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente»; e tais razões podem reportar-se a factos «que a primeira perícia devesse ter considerado» e haja omitido ou não tenha esclarecido suficientemente (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 342-343) [15].
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «segunda perícia não é propriamente uma faculdade assegurada às partes, pois que tem de ser requerida e devidamente fundamentada com a exposição das razões de discordância com o relatório apresentado» (Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, 3.ª edição, Almedina, Setembro de 2017, pág. 151).
Contudo, se a parte terá de «indicar os pontos de discordância (…) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica», não cabe porém «ao Tribunal aprofundar o bem (ou mal) fundado da argumentação apresentada, embora já possa indeferir o requerimento com fundamento no carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia» (Ac. da RP, de 10.07.2013, Fonte Ramos, Processo n.º 1357/12.6TBMAI-A.P1).

Precisa-se, ainda, que o prazo de 10 dias para requerer a segunda perícia conta-se da notificação do relatório pericial (art. 485.º, n.º 1, do CPC); mas, se tiver havido prévia reclamação contra o mesmo (art. 485.º, n.º 2, do CPC), contar-se-á da notificação do relatório complementar [16].

Mais se lê, no n.º 3.º, do art. 487.º citado, que a «segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta».
Deste modo, a segunda perícia não é uma nova perícia, mas apenas uma repetição da primeira, justificando-se pela necessidade ou conveniência em submeter à apreciação doutros peritos os mesmos factos, partindo-se da hipótese de que os primeiros os viram mal, ou emitiram sobre eles juízos de valor que não mereceram confiança, que não satisfazem, não se considerando conveniente o resultado obtido na primeira perícia (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, pág. 297) [17].
Entende-se, assim, que justificará a realização de uma segunda perícia a alegação de qualquer inexactidão que seja relevante ao nível dos seus resultados e que possa influir no juízo de avaliação do tribunal: «tanto abrange as inexatidões verificadas ao nível da fundamentação, como as relativas à perceção dos peritos ou às conclusões a que chegaram com base nos seus conhecimentos especializados» (Ac. da RG, de 29.10.2015, Francisca da Mota Vieira, Processo n.º 5532/13.8TBBRG-A.G1) [18].
Concluindo, a «fundamentada alegação de discordância» de que a lei fala, «consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por, nele e no relatório em que assenta, existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respectivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptível de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa» (Ac. da RG, de 12.07.2016, José Amaral, Processo n.º 559/14.5TJVNF.G1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao tribunal novos elementos relativamente aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (art. 488-a) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 342) [19].
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4.1.5. Valor da prova pericial
Lê-se no art. 389.º, do CC, que a «força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal»; e lê-se no art. 489.º, do CPC, que a «segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal».
«Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 583).
Pondera-se, a propósito, que «o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as prova produzida, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocada pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, págs. 183 e 184).

Precisa-se, porém, que, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.

Com efeito, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).
Logo, o «juiz, querendo responder, num certo sentido, a determinados pontos de facto controvertidos, relativamente aos quais o relatório pericial inculca uma resposta diferente, deverá naturalmente analisar criticamente as restantes provas (…) e mostrar, até certo ponto, que as razões invocadas pelos peritos para lograr determinadas respostas não são convincentes à luz do quadro mais geral de certas provas, que terão inculcado na mente do julgador uma diferente convicção» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 560). [20]
Deverá, assim, reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal); mas, se em abstracto, se concede que nem sempre a razão estará do lado do maior número, há que igualmente admitir a possibilidade de um perito ser induzido em erro [21].
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4.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
4.2.1. Razões de discordância invocadas (suficiência)

Concretizando, verifica-se que, tendo sido realizada uma primeira e singular perícia nos autos, para avalização médico-legal da Autora (AA), nomeadamente na vertente psiquiátrica, veio esta, num primeiro momento, reclamar do relatório apresentado; e, depois, requerer a realização de uma segunda perícia, aduzindo e discriminando as razões da sua discordância, relativamente àquele.

Com efeito, e segundo a sua alegação: a «medicação que toma diariamente (…) não foi tida em consideração pela peita médica, nem no relatório que apresentou, nem nos esclarecimentos que prestou»;  também «não foi tida em consideração a história clínica da sinistrada»; e «nada do que foi apreciado» pelos médicos que subscreveram «o atestado médico de incapacidade multiuso (elaborado por médicos credenciados para o efeito e imparciais)» - e «onde consta que a A. padece de sequelas psiquiátricas, tendo as mesmas sido devidamente valorizadas em função do acompanhamento médico e medicação diária» - «foi tido em consideração pela Exma. Senhora perita Médica, justificando a mesma que aqueles médicos são especialistas de saúde pública».

Considera-se, assim, que a Autora (AA) cumpriu o que lhe era exigido para obter a realização de uma segunda perícia, isto é, indicou discriminadamente os pontos da sua discordância (a indevida não valorização da medicação diária que faz e da sua história clínica), e explicou as razões pelas quais entende que os mesmos deveriam determinar uma nova e distinta avaliação técnica (nomeadamente, por isso mesmo já ter resultado de outro colégio de médicos, no atestado multiusos de que é portadora), sem prejuízo de não se avaliar aqui da  bondade, ou falta dela, da primeira perícia realizada.
Por outras palavras, para «requerer a realização de segunda perícia, nos termos do artº. 487º do NCPC, o requerente, em primeiro lugar, deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda; em seguida, deve indicar os motivos pelos quais discorda». Contudo, se «constitui condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia», «tal alegação especificada [é] o único requisito legal do requerimento em causa a formular, nos termos da supra citada disposição legal».
Já o saber «se os fundamentos e razões invocados pelo requerente da segunda perícia têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar» (Ac. da RG, de 14.04.2016, Maria Cristina Cerdeira, Processo nº 2258/14.9T8BRG-B.G1, com bold apócrifo) [22].
Deveria, assim, ter sido deferida a realização da segunda perícia impetrada pela Autora (AA).
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4.2.2. Irrelevância do juízo de mérito do Tribunal a quo (sobre as razões de discordância invocadas)
Contra este juízo não se considera pertinente o entendimento seguido pelo Tribunal a quo, de que, tendo a Perita que subscreveu o relatório de avaliação psiquiátrica esclarecido previamente (mercê da reclamação apresentada pela Autora) que tomou em consideração a medicação que a mesma toma e a sua história clínica, não se justificaria uma segunda perícia, porque precisamente baseada numa alegada omissão que não se verificaria.
Com efeito, se é certo que, num primeiro momento, a discordância da Autora (AA) poderia ter contendido com a inteligibilidade do relatório de avaliação psiquiátrica (nomeadamente, com a respectiva «deficiência» ou «obscuridade», por desconhecer se a medicação que faz e a sua história clínica teriam sido consideradas no mesmo), num segundo momento a sua discordância, deviamente interpretada, prende-se com a substancial inexactidão do seu resultado, face aos elementos utilizados.
Por outras palavras, a «reclamação contra o relatório e o requerimento de segunda perícia têm objectivos diversos. A reclamação é o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar o(s) perito(s) que o elaborou(raram) a completá-lo, esclarecê-lo ou dar-lhe coerência (art.º 587º, do CPC); a segunda perícia é o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam (art.º 589º, n.º 3, do CPC)» (Ac. da RP, de 10.07.2013, Fonte Ramos, Processo nº 1357/12.6TBMAI-A.P1, com bold apócrifo).
Logo, «a reclamação consiste em apontar a deficiência e pedir que a resposta seja completada, ou em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido, ou em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita, ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas»; já a «segunda perícia, dado que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e por finalidade a correcção da eventual inexactidão dos resultados desta, é, simplesmente, a repetição da primeira» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Henrique Antunes, Processo nº 4857/07.6TBVIS.C1).
Ora, sendo a Autora (AA) esclarecida de que a medicação que toma e a sua história clínica foram efectivamente consideradas no relatório de avaliação psiquiátrica, quando insiste em defender que assim não foi reporta-se, não ao acto do respectivo conhecimento (da toma de medicação e da sua história clínica) mas à forma como foram desvalorizadas, nomeadamente porque um colégio de outros médicos (os que subscreveram o relatório multiusos) procederam antes a uma distinta avaliação.

Não se ignora ainda que a Perita que subscreveu o relatório de avaliação psiquiátrica respondeu igualmente a este argumento, sobrepondo a respectiva e específica diferenciação técnica neste domínio à indiferenciação dos demais colegas.
Contudo, e como explicitado supra, esse é apenas um factor a ponderar quando o Tribunal a quo proceder à avaliação do resultado final da prova pericial produzida, e não um argumento para, antecipando o seu juízo de mérito, indeferir desde já a segunda perícia impetrada.
*
Mostra-se, assim, fundado o recurso de apelação interposto, devendo ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, em conformidade, determine a realização da segunda perícia impetrada.
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA) e, em consequência:

· Revogam o despacho recorrido, substituindo por decisão a deferir a realização da segunda perícia por ela impetrada.
*
Custas da apelação pela Recorrente, que dela tirou proveito sem oposição da parte contrária (art. 527.º, do CPC).
*
Guimarães, 02 de Março de 2023.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

           

[1] Lê-se no art. 639.º, n.º 1, do CPC, que o «recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão»; e lê-se no art. 635.º, n.º 4 do CPC, que nas «conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso».
 
[2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
 
[3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».

[4] A propósito do direito à prova como parte do direito à tutela jurisdicional efectiva, face a decisões do Tribunal Constitucional Português, vide Nuno Lemos Jorge, «DIREITO À PROVA: BREVÍSSIMO ROTEIRO JURISPRUDENCIAL», Julgar, N.º 6, 2008, págs. 99 a 106.

[5] Lê-se no at. 3.º, do CPC: : «O tribunal não pode resolver o conflito e interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» (n.º 1); «Só em casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida» (n.º 2); «O juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (n.º 3).
[6] Alterou-se, deste modo, a redacção do art. 513.º, do CPC de 1967 (onde se lia que «a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova»), mas não o seu sentido último.

[7] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 325, onde se lê que as «questões de facto objeto da perícia podem ter sido trazidas ao processo pelo requerente (ou um seu comparte) ou pela parte contrária»; e podem «igualmente constituir pontos de facto instrumentais, como tais não carecidos de prévia alegação, que sejam via para a prova dos factos principais da causa».

Na jurisprudência, Ac. da RP, de 13.12.2013, José Igreja Matos, Processo n.º 2002/11.2TBVCD.P1.

[8] Neste sentido, Ac. da RP, de 12.06.2014, Freitas Vieira, Processo n.º 91/10.6TJVNF-H.P1.
 
[9] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 326, onde se lê que a «determinação final do objecto da perícia é feita pelo juiz, ao qual compete excluir as questões de facto, propostas pelas partes, que julgue inadmissíveis ou irrelevantes, e acrescentar-lhe outras que considere necessárias».

[10] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 326, onde se lê que a perícia é impertinente «por não respeitar aos factos da causa».
 
Na jurisprudência, A. da RL, de 24.09.2019, José Capacete, Processo n.º 2009/17.6T8OER-C.L1-7, onde se lê que a perícia «é impertinente se não respeita aos termos da causa».

[11] Neste sentido, Ac. TCAS, de 07.05.2015, Anabela Russo, Processo n.º 08577/15, onde se lê que, ainda «que se entenda que a perícia não é o único meio de prova através do qual se logra alcançar o valor de mercado de um imóvel, é seguramente aquela, quando realizada por perito avaliador, a que melhor assegura a valia dessa avaliação, atentos os qualificações, experiência e conhecimentos técnicos de que estes são dotados».

                Ainda Ac. da RG, de 02.02.2017, da aqui Relatora, Processo n.º 6420/14.6T8VNF-A.G1, onde se lê que a «prova pericial é, não só idónea, como natural ou preferencial para se apurar com rigor o valor de prédios urbanos e de veículos automóveis (por esse apuramento pressupor conhecimentos técnicos subtraídos ao indiferenciado julgador); e, por isso, não deverá ser recusada num litígio que tenha por objecto a determinação da alegada simulação de uma venda de tais bens».

[12] Reiterando-o, Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo nº 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta.

[13] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 326, onde se lê que a perícia é dilatória «por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388 CC)».


[14] Afastou-se, deste modo, a redacção inicial do art. 589.º, n.º 1, do CPC de 1967, que consagrava singelamente a faculdade de se requerer a segunda perícia, considerando-se por isso que o «requerente do segundo arbitramento não precisa de justificar o pedido; não carece de apontar defeitos ou vícios ocorridos no primeiro arbitramento; não tem de apontar as razões por que julga pouco satisfatório ou pouco convincente o resultado do primeiro arbitramento».
                Defendia-se, então, que, se «qualquer das partes pode requerer segundo arbitramento, sem que tenha de dizer as razões por que o requer», «segue-se, como consequência lógica, que o juiz não pode indeferir o requerimento com o fundamento de considerar impertinente ou dilatória a diligência» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, págs. 302 e 303).

A Reforma de 1995/1996 (operada pelos Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro) viria, porém, a consagrar um entendimento e uma redacção mais exigentes, visando evitar a mera «solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual» (Ac. do STJ, de 25.11.2004, Ferreira de Almeida, Processo n.º 04B3648).
Com efeito, passou desse então a exigir-se, como pressuposto de realização, que o requerente da segunda perícia alegasse «fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado», o que se reiteraria depois no actual CPC, de 2013. Deixou, assim, de se tratar de uma «faculdade discricionária» (Ac. da RC, de 28.04.2015, Maria Domingas Simões, Processo nº. 408/13.1TBBBR-A.C1).

[15] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 13.03.2014, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 548/11.1TBCBT-D.G1, onde se lê que o «requerente de 2.ª perícia tem que explicitar os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente».

[16] Neste sentido: José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 297; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 360; ou José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 342.

[17] No mesmo sentido:  Ac. da RC, de 24.04.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 4857/07.6TBVIS.C1, onde se lê que a «segunda perícia não é uma nova perícia», mas sim, «simplesmente, a repetição da primeira»; ou Ac. da RP, de 05.07.2012, Leonel Serôdio, Processo n.º 2809/10.8TJVNF-A.P1, onde se lê que as «razões de discordância do requerente da segunda perícia não têm necessariamente que incidir sobre a fundamentação e/ou critérios utilizados no primeiro relatório pericial, podendo incidir apenas sobre as suas conclusões».

[18] No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 599, onde se lê que a «parte interessada no segundo arbitramento pode discordar do resultado da perícia efectuada, como pode apenas considerar insuficiente a fundamentação ou justificação do laudo emitido, receando que ela não seja capaz de persuadir o tribunal».
 
[19] Quanto ao regime da segunda perícia, lê-se no art. 488.º, n.º 1, do CPC, que «a segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as seguintes ressalvas: a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira»; b) «Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela».
Logo, no actual regime processual vigente, «a segunda perícia terá sempre a mesma estrutura e o mesmo número de peritos da primeira: será singular ou colegial, consoante a primeira o tenha sido» (Ac. da RP, de 11.01.2016, Carlos Querido, Processo n.º 4135/14.4TBMAI-A.P1).
                Na perícia colectiva, pesou a suspeita de que «o perito de cada uma das partes tem a tendência natural para dar dos factos a versão e a interpretação que convêm à pessoa que o nomeou (pecado de origem). Em vez de examinar os factos com absoluta objectividade e de os apreciar com perfeita serenidade e independência, a cada passo sucede que os deforma, mesmo involuntariamente, para os acomodar aos interesses da parte que supõe representar» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, pág. 303).
Já na perícia singular essa suspeita não se justifica, uma vez que o perito único, ou é indicado por acordo pelas partes, ou é escolhido pelo juiz «de entre as pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria da causa» (art. 467.º, n.º 1, do CPC).

[20] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 01.10.2015, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 40/12.7TBSBR.G1, onde se lê que «sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva».

Ainda Ac. da RE, de 03.11.2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho, Processo n.º 232/10.3T2GDL.E1, onde se lê que as «conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos artigos 655º e 591º do Código de Processo Civil, quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção».

Reiterando-o, Ac. da RE, de 09.03.2017, Albertina Pedroso, Processo n.º 81/14.0T8FAR.E1.

[21] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 08.10.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 8264/09.8T2SNT.L2-6, onde se lê que, «se, por definição, o que está em causa [na prova pericial] é a apreciação de factos para a qual são necessários conhecimentos especiais que o juiz não possui, impõe-se concluir que para apreciar esses factos, o juiz irá fundamentar-se principal ou mesmo exclusivamente, nessa mesma prova, por ser a mais idónea para o efeito»; e se «tiver sido feita a peritagem por três peritos e vier a ocorrer divergência entre os mesmos, havendo o acordo de dois peritos sobre determinada matéria e estando o outro perito em desacordo, na normalidade das situações, é razoável que o juiz opte pelo parecer técnico que obteve maioria», já que «há maior probabilidade de acerto no caso de serem dois peritos a afirmar determinado facto, em relação à afirmação defendida apenas por um perito».

[22] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 17.01.2013, Conceição Bucho, Processo nº 785/06.0TBVLN-A.G1.