Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6087/04.0TBGMR.G2
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
CASO JULGADO
INDEMNIZAÇÃO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO DA EXPROPRIANTE/PARCIALM,ENTE PROCEDENTE O RECURSO DOS EXPROPRIADOS
Sumário: I.- Não se verificando nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas b) e c), do art. 712.º n.º 1 do C.P.Civil (redacção anterior), se não foram gravados os esclarecimentos que os Peritos prestaram em audiência não pode a Relação, em sede de recurso, alterar a matéria de facto, num segmento que se não refere concretamente ao conhecimento científico dos peritos.
II.- As decisões arbitrais, por terem carácter e natureza jurisdicional, transitam em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente.
III.- E embora o caso julgado se forme sobre a decisão, abrange todos os pressupostos indispensáveis à formação dessa decisão.
IV.- Ainda que, em sede de expropriação, o montante da indemnização seja normalmente correspondente ao valor de mercado normal da coisa expropriada, se estiver em causa a casa de morada de família, cabem no conceito de justa indemnização as despesas decorrentes da mudança e instalação do agregado familiar na nova residência.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES -

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A) RELATÓRIO
I.- Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é Expropriante “E.P. - Estradas de Portugal, S. A.”, e são Expropriados D.. e M.., recorreram estes da decisão arbitral que fixou na importância de € 191.151,74, a indemnização devida pela expropriação da parcela n°. 56, a destacar do prédio urbano que lhes pertence, sito na freguesia de Nespereira, Concelho de Guimarães, registado na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº. 000587/230998 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1245.
Alegaram, em síntese: que a área da parcela a considerar deverá ser a de 1.818 m2; que o custo de construção em que se baseiam os árbitros não se encontra escudado nos valores de mercado, reportando-se a um custo fixado administrativamente pelo Estado; que, ao invés de tomarem aquele valor como mero referencial, assumiram-no como sendo o valor de mercado, concluindo por montantes inferiores ao valor real do bem; que os valores tomados por base para a avaliação da construção estão afastados da realidade do mercado; que, a este respeito, não se justifica avaliar de modo diferente a garagem e as demais áreas; que o factor de ponderação referido no artigo 26°, nº. 10, do Código das Expropriações (Cod. Exp) deve ser considerado de modo aditivo, na percentagem de 1,15, tendo em consideração que eles, Expropriados suportaram o esforço inerente à actividade construtiva; que, a título de localização e qualidade ambiental, deve ser considerada a percentagem de 12%; que o valor utilizado para determinação do coeficiente de ocupação do solo é adequado a realidades rurais, o que não é o caso; que o acórdão arbitral omite qualquer indemnização pelos custos de reinstalação dos expropriados.
Concluem, pugnando pela fixação da indemnização em € 339.850.00 - cfr. fIs. 381 a 393.
A Expropriante respondeu, pugnando pela manutenção do valor arbitrado, a fls. 441 a 446.
Procedeu-se a avaliação, tendo os Srs. Peritos apresentado o laudo de fIs. 480 a 489, o qual, por unanimidade, apresenta três avaliações alternativas: se a área a considerar for de 1.818 m2, o valor da indemnização seria € 225.000,00; se for considerada a área de 1.156 m2, com inclusão das benfeitorias e respectivas áreas de implantação, então o valor é de € 221.640,84; e se for de considerar esta área, mas sem as benfeitorias, o valor da indemnização será de € 146.731,68.
Convidadas as Partes a apresentarem as suas alegações, os Expropriados apresentaram as de fls. 525-527, e a Expropriante as de fls. 530-533.
Foi proferida decisão que fixou a indemnização no montante de € 221.640,84, acrescida do valor que se vier a liquidar em execução ulterior, a título de prejuízos com o realojamento, até ao limite de € 30.000,00 - cfr. fls. 537 - 552.
Dessa decisão foi interposto recurso pela Expropriante e pelos Expropriados, tendo este Tribunal da Relação anulado aquela decisão, ordenando que os Srs. Peritos se desloquem ao local para confirmarem se a casa de habitação dos Expropriados está ou não dentro da área expropriada.
Cumprida esta diligência, foram apresentados os laudos de fls. 764 e de fls. 770-771, respectivamente, pelo Perito dos Expropriados e pelos demais Peritos, que se devem complementar com os esclarecimentos de fls. 816-819, tendo ainda sido prestados esclarecimentos em audiência.
Depois de apresentadas novas alegações – as dos Expropriados a fls. 846-847 e as da Expropriante a fls. 850-856, foi proferida douta sentença que fixou a indemnização aos Expropriados no montante de € 221.640,84, procedendo-se à actualização de acordo com os índices dos preços ao consumidor, acrescendo o que se vier a liquidar a título de prejuízos com o realojamento deles, até ao limite de € 30.000.
Inconformados com esta decisão dela recorreram os Expropriados pretendendo que sejam considerados os valores apresentados pela arbitragem no cálculo da indemnização relativa ao terreno expropriado e se fixe desde já a indemnização pela reinstalação, seja acolhendo o valor que foi indicado pelos Peritos - € 25.000 - seja recorrendo à equidade - cfr. fls. 401-404 (há um nítido erro de paginação a partir da folha 860) do III volume.
Recorreu também a Expropriante – cfr. fls. 408-419 – insurgindo-se contra os parâmetros utilizados para o cálculo da indemnização e defendendo não haver lugar à indemnização pela reinstalação, por o Cód, Exp. a prever apenas para os arrendatários.
Respondeu ainda a Expropriante ao alegado pelos Expropriados – fls. 434-437.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- Os Expropriados formularam as seguintes conclusões:
1.- O Tribunal a quo subsumiu o valor preconizado na Avaliação de € 29.239,21 para o solo da parcela expropriada na área de 1.156m2.
2.- Não podem - como foram - os Expropriados, por via do recurso, ser prejudicados desconsiderando-se valores que se solidificaram por caso julgado.
3.- A Decisão Arbitral proferida nos presentes autos debruçou-se sobre a questão concreta do valor do m2 de terreno do solo aceite pela Expropriante.
4.- É o valor de € 36.645,20 (€ 31,70 x 1.156m2) que deve prevalecer - ver Ac. RG de 3/5/2007, Proc. nº. 589/07-1, www.dgsi.pt e Ac. RP de 15/4/2008, 2ª Secção, Proc. nº. 6871/07-2, Relatora Cristina Coelho (Origem: Tribunal Judicial de Matosinhos, 3°. Juízo Cível, Proc. n°. 3981/05. 4TBMTS).
5.- Inexiste razão para remeter a fixação da indemnização por reinstalação para decisão ulterior por inexistir o pressuposto da indeterminabilidade.
6.- Todos os Peritos consideraram adequado um valor de € 25.000,00 pelo que deve ser este o valor a fixar e que é certo e determinado.
7.- Mesmo que assim não fosse - que é - sempre poderia o Tribunal a quo fazer apelo a um juízo de equidade nos termos do artigo 566.º, nº. 3 do Código Civil tanto mais que, salvo melhor opinião, atenta a natureza especial do Processo Expropriatório, inexiste a possibilidade de fixação ulterior.
8.- Numa ou noutra circunstância, caberá considerar o valor de € 25.000,00.
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III.- Por sua vez a Expropriante conclui:
a) - A sentença do Tribunal a quo ao deferir um valor indemnizatório apurado por critérios acima dos expressamente aceites pelos expropriados, violou o princípio do dispositivo e, consequentemente, o objecto do recurso fixado pelos expropriados;
b) - A avaliação pericial só pode incidir sobre factos invocados pelas partes e sobre as premissas em que assentou a avaliação do acórdão de arbitragem postas em causa pelas partes, em estrito respeito ao princípio do caso julgado e o princípio do dispositivo;
c) - Uma vez que os expropriados expressamente delimitaram em 12% a percentagem a fixar nos termos do artigo 26.º, n.º 6 CE, não podia o Tribunal, em sede de sentença, pronunciar-se para além do peticionado pelos expropriados no seu recurso;
d) - A sentença é nula, conforme o artigo 668.º, n.º 1, al. d) e e) CPC, por excesso de pronúncia e, consequente, violação do princípio do dispositivo, por ter aplicado uma percentagem para efeitos dos n.ºs 6 e 7 do artigo 26.º superior à aceite e expressamente alegada pelos expropriados: 18%;
e) - A qualidade de construção existente era razoável,
f) - Logo não pode o Tribunal concluir que tinha uma qualidade de construção superior à habitação social;
g) - A habitação social e o seu custo é uma previsão de construção de qualidade média-boa;
h) - Sendo a construção de razoável qualidade, não pode o Tribunal concluir que a moradia tem uma qualidade de construção superior à da habitação social, pelo que se requer a eliminação, no ponto 16 da matéria de facto assente, da expressão: “sendo de qualidade superior a habitação social”, nos termos do artigo 712.º, n.º 1 CPC;
i) - Considerando o destino construtivo existente - moradia de construção recente -, concluímos que, à revelia do valor fixado na arbitragem e na ausência de factos que considerem um custo de construção acima do valor de referência fixado na Portaria, os Peritos e o Tribunal fixaram um valor superior sem prova bastante que ilidisse a presunção;
j) - A existência de um quadro de critérios detalhado e claro, de um itinerário controlável pelas partes e pelo juiz, permite assegurar o controlo do processo de fixação da indemnização. O apelo a outros critérios, não previstos na lei, escancara as portas para a especulação, o arbítrio e a precariedade da prova;
k) - Deve ser confirmada a decisão arbitral quanto ao valor das benfeitorias, fixando-se como indemnização o valor de € 131.150,00;
l) - Uma vez que o valor da parcela foi determinado em função do existente, ou seja, nos termos do artigo 28.º CE, o valor da parcela fixa-se em € 16.160,88;
m) - A moradia não foi afectada pela construção da auto-estrada por desistência parcial da expropriação (decorrência do princípio da necessidade) e que continua a ser usada e habitada pelos expropriados;
n) - A ser reconhecido judicialmente o uso privativo do domínio público, o valor da justa indemnização fixa-se de acordo com a opção C do laudo pericial de fls. 483 e seguintes, devidamente rectificado de acordo com o ponto A das presentes alegações para € 29.329,21 e reiterado nos esclarecimentos de fls. 816 dos autos, porquanto os expropriados continuam a beneficiar do uso e gozo da moradia, que se conserva na sua propriedade;
o) - A este valor não acresce a contabilização de qualquer desvalorização da parte sobrante, uma vez que a expropriação apenas afecta a divisão fundiária do prédio e não o uso e cómodos que dele se faziam à data da DUP;
p) - A parte sobrante integra uma construção que é objecto de normal utilização pela expropriada, sem quaisquer limitações ao seu uso e fruição corrente e normais;
q) - Sobrevém referir que a reconstrução está juridicamente assegurada pela licença prevista no alvará, prévia à oneração da servidão, conforme o artigo 60.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação;
r) - Não integra o objecto da indemnização questões relativas à situação ambiental posterior à expropriação;
s) - Sem prescindir, a se confirmar a douta sentença do Tribunal a quo a respeito da fixação do objecto da indemnização, o valor das benfeitorias e do solo corresponde ao indicado no ponto A. e B., ou seja € 131.150,00 + € 23.607,00, no total de € 154.757,00.
t) - Fixando-se como valor da desvalorização da parte sobrante € 7.403,80;
u) – O Código de Expropriações não reconhece qualquer direito de indemnização ao proprietário a título de despesas de reinstalação:
v) - Não se verifica qualquer discriminação arbitrária entre arrendatário e proprietário, nem violação do princípio da igualdade, pois a atribuição aos proprietários da indemnização decorrente do rendimento efectivo e potencial do solo, que corresponde ao valor real e de mercado, passa, claramente, o crivo constitucional.
w) - O critério de indemnização foi o valor de mercado da parcela expropriada e não o valor de substituição:
x) - A parcela expropriada foi avaliada por correspondência ao valor que um normal adquirente pagaria, logo a indemnização corresponde ao máximo preço que o expropriado, objectivamente considerado, se faria pagar para alienar a casa, assumindo os encargos e riscos inerentes à alienação em circunstâncias normais de mercado;
y) - O legislador optou, nos artigos 23.º, 26.º, e 28.º CE pelo critério do valor de mercado, aceite e aplicado pelos expropriados pelo tribunal, pelo que o mesmo, pelo acima exposto, assegura o ressarcimento integral do expropriado.
z) - Não é devida qualquer indemnização por despesas de reinstalação.
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Como vem sendo entendido as conclusões definem e delimitam o objecto do recurso, nos termos dos artº.s 660º., nº. 2; 684º., nº. 3; 690º., nº. 1, todos do C.P.Civil, na redacção anterior, pelo que as questões a conhecer são:
- alteração da matéria de facto;
- indemnização: - valor do terreno expropriado;
- benfeitorias:construção habitacional, garagem e muro;
- depreciação da parte sobrante;
- despesas de realojamento.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1- O Secretário de Estado das Obras Públicas, através de despacho de 10 de Fevereiro de 2003, publicado no Diário da República, nº. 48, II Série, de 26 de Fevereiro de 2003, declarou a utilidade pública e atribuiu carácter urgente às expropriações necessárias à construção da obra “Concessão Norte - A7 - IC5 - lanço Guimarães - Fafe - sublanço Selho - Calvos (quilómetro 0+000 a quilómetro 6+819)”.
2 - A parcela expropriada, incluída na planta parcelar anexa à DUP, com o nº. 56, é destacada do prédio urbano com maiores dimensões, sito na freguesia de Nespereira, Concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 1245 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº. 00587/230998, de Nespereira.
3 - A parcela apresenta as seguintes confrontações: a Norte com A..; a Sul com D..; a Nascente com A.. e a Poente com J...
4 - A propriedade do prédio expropriado encontra-se inscrita a favor de D.., casado com M.. segundo o regime de bens da comunhão de adquiridos.
5 - Na D.U.P. referida em 1, é definida como área da parcela a expropriar a de 1.8118 m2.
6 - Por despacho proferido a fls. 237 foi homologada a desistência parcial da expropriação, no sentido de esta se limitar à área de 1.156 m2.
7 - A parcela expropriada é servida por caminho pavimentado com pedra à fiada, com 7 m de largura, dotado de rede de distribuição de energia eléctrica, rede de distribuição domiciliária de água, de saneamento e telefone.
8 - O terreno encontra-se classificado no Plano Director Municipal para o Concelho de Guimarães como Zona de Construção Dominante (Tipo II).
9 - A área expropriada abrange parte da moradia ali implantada.
10 - Essa moradia é composta por:
- Casa de habitação, com a área de implantação de 120 m2, e de construção de 240 m2, de r/chão e andar. No rés-do-chão tem uma cozinha, sala, quarto e despensa. No 1º. andar tem três quartos, sala e casa de banho.
- Garagem, com a área de 28 m2.
- Muro de blocos de cimento rebocado, com 18 metros de comprimento e 1 metro de altura.
11- Da expropriação resulta uma parcela sobrante com a área de 662 m2, a qual não possui qualquer aptidão construtiva, dada a impossibilidade de anexação de outros terrenos.
12 - A parcela dispõe do acesso que faz a ligação à Estrada Nacional Guimarães - Vizela.
13 - A parcela situa-se a cerca de 300 metros do Centro Cívico da freguesia de Nespereira, a 3 Km do Centro Urbano de Guimarães; a 9 Km do Centro Urbano de Vizela; e a 500 metros da EN 105 e a 750 metros da EN 106.
14 - O terreno já foi objecto de uma operação de loteamento.
15 - A parcela encontra-se bem integrada paisagisticamente, inexistindo focos poluidores junto à mesma.
16 - A casa de habitação é de boa qualidade, de construção recente e possuía quatro frentes autónomas, sendo de qualidade superior à habitação social.
17 - A área expropriada abrange parte da moradia, obrigando ao desalojamento, tendo os Expropriados de se reinstalarem noutro local, com as despesas e incómodos inerentes.
18 - A execução da empreitada para a qual se destinou a expropriação não importou a demolição da parte da moradia abrangida pela área expropriada.
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V.- Relativamente à matéria de facto acima transcrita, insurge-se a Expropriante contra a redacção da facticidade incluída no nº. 16, pretendendo que se elimine o último segmento - que a casa de habitação é de qualidade superior à habitação social.
Alega, para tanto, que a qualidade da construção existente era razoável e que a habitação social “e o seu custo é uma previsão de construção de qualidade média-boa” (conclusões 5 a 8).
O artº. 712º., do C.P.Civil permite ao Tribunal da Relação alterar a decisão da 1ª. Instância sobre a matéria de facto se no processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada (alínea a)); se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (alínea b)); se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (alínea c)).
Ora, quanto a esta parte, o que poderemos anotar é a existência de uma, pelo menos aparente, contradição entre o que consta, quer da decisão arbitral, quer do laudo da peritagem e as respostas dadas aos quesitos que os Expropriados formularam.
Assim, na decisão arbitral escreveu-se: “uma moradia … e com acabamentos razoáveis” (cfr. fls. 79).
No entanto, os mesmos Árbitros, ao 1º. quesito dos formulados pelos Expropriados, que perguntava “Se a vivenda – Casa de Morada de Família – objecto desta expropriação é ou não de construção recente, bons acabamentos boa qualidade edificativa geral e arquitectonicamente falando?” responderam: “Sim, de arquitectura simples”.
No 2º. quesito perguntava-se: “O imóvel a demolir é, ou não, de qualidade muito superior ao que se consigna, em termos avaliatórios, como “Habitação Social”?”, responderam “A qualidade do imóvel a demolir é boa” (cfr. fls. 80).
Os Peritos, no seu laudo, referem “… a moradia … é de construção recente e com acabamentos razoáveis” (cfr. fls. 482 – 2º. volume).
No quesito 15º. perguntava-se: “A casa de habitação era, ou não, de boa qualidade, de construção recente e possuindo quatro frentes autónomas?”, havendo sido respondido: “Sim”.
No quesito 16º., perguntava-se: “Esta é, ou não, de qualidade muito superior ao que se consigna, em termos avaliatórios, como “Habitação Social”?” sendo a resposta: “Sim” (cfr. fls. 485 – 2º. volume).
A contradição é, porém, só aparente já que, como explicitam os Árbitros na resposta ao quesito 3º. “Os valores da portaria nº. 1.369/2002 … não se referem a “Habitação Social”, mas sim a “… valores do preço da habitação para efeitos de cálculo da renda condicionada” (cfr. fls. 80, ao fundo).
Os Peritos não são tão explícitos mas o certo é que atribuem ao m2 da construção um valor superior - € 698,85 – do que o fixado na Portaria nº. 1369/2002, de 19 de Outubro - € 550,29.
De qualquer modo, eles prestaram esclarecimentos em audiência que não foram gravados – cfr. acta de fls. 843 (3º. Volume).
Sem embargo, o que se pode extrair daqueles esclarecimentos dos Árbitros é que sob a perspectiva dos valores do preço da habitação para efeitos do cálculo de renda condicionada, a construção deve ser considerada com “acabamentos razoáveis”, o que não invalida que sob a perspectiva da construção havida como “habitação social” ela deva ser considerada como de qualidade superior à desta.
Pelo que se deixa antever das respostas aos quesitos e dos esclarecimentos dos Árbitros, não há no processo elementos que imponham uma decisão diversa da do Tribunal a quo, no que se refere ao segmento do facto em causa.
Deste modo, uma vez que se não verificam as hipóteses formuladas no nº. 1 do artº. 712º., do C.P.Civil, é forçoso concluir que não há razão que fundamente a alteração pretendida, ao nº. 16 da matéria de facto, com o que improcedem as conclusões 5 a 8, da Expropriante.
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VI.- As demais conclusões prendem-se com o cálculo da indemnização devida aos Expropriados.
Sem prejuízo do que desenvolvida e acertivamente se escreveu na douta sentença impugnada, diremos que o artº. 17º. da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que o Tratado de Lisboa integrou, consagra o jus fruendi e o jus utendi como fazendo parte do direito de propriedade, reconhecendo a quem for privado do seu direito de propriedade por razões de utilidade pública, o direito a “uma justa indemnização pela sua perda, em tempo útil”.
O artº. 62º. da nossa Constituição, reconhecendo o direito universal à propriedade privada, reconhece ainda aos proprietários o direito a transmiti-la “em vida ou por morte”, e, bem assim, o direito a receberem uma “justa indemnização” em caso de requisição ou expropriação por utilidade pública.
Na interpretação deste preceito constitucional, o Tribunal Constitucional (T.C.) vem entendendo que o direito à justa indemnização, em casos de expropriação, se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias pelo que só pode sofrer as restrições previstas na Constituição, as quais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr., por todos, o Ac. nº. 194/97, proferido no Procº. 225/96 (Messias Bento)).
Igualmente se extrai da jurisprudência daquele Tribunal que “o conceito constitucional de justa indemnização leva implicado três ideias: a proibição de indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; a consideração de interesses públicos da expropriação”.
Considera-se que o critério mais adequado para a fixação da indemnização aos expropriados é o do valor de mercado, entendido em sentido normativo, ou seja, “o valor de mercado normal ou habitual, não especulativo” (Cfr. Fernando Alves Correia, in “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de Expropriações de 1999”, apud “Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 132, nº.s 3905 e 3906, págs. 232 a 241 e Salvador da Costa, in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Almedina, 2010, págs. 143 a 146).
O Ac. da Rel de Lisboa, de 30/11/2006, fundando-se naquele entendimento do T.C. e no do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.), afirma: “o direito à justa indemnização, que não pode ser irrisória nem pode atender a valores especulativos, é um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias constitucionais tutelados, devendo as restrições ao mesmo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, devendo o expropriado ser indemnizado “de molde a ver ressarcido o prejuízo que lhe advém da expropriação, medido pelo valor do bem expropriado tendo em consideração todas as circunstâncias e condições de facto existentes na data da declaração de utilidade pública, designadamente o valor de mercado normal ou habitual” (in C.J., ano XXXI, Tomo V/2006, pág. 132 e 133).
Os critérios para o cálculo do montante da indemnização constam dos nº.s 1 e 5 do artº. 23º., do Cód. Exp. (aprovado pela Lei nº. nº. 168/99, de 18/09, aplicável à situação sub judicio): esta não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, e há-de corresponder “ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”, valor esse que deve ser calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do artº. 26º. e seguintes, devendo “corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”, sem prejuízo de o tribunal determinar, quer a requerimento do expropriante ou do expropriado, quer oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
Acerca da justa indemnização, refere o Ac. do T. C. nº. 11/2008 (Procº. 584/07, tirado em Plenário) “a “justa indemnização” há-de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com o respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor do bem expropriado.
Se é admissível que na fixação deste montante interfiram razões de interesse público que justifiquem a introdução de cláusulas de correcção do puro valor de mercado, de modo a evitar avaliações que não se enquadrariam na ideia do valor “justo” já não devem ser admitidas operações redutoras do valor real do bem expropriado, visando apenas uma diminuição oportunista do valor a pagar, ou com fundamentos estranhos à equidade desse valor” (o texto integral pode ser consultado em www.tribunalconstitucional.pt).
Como nos dá conta J. A. Santos, o critério “do valor venal ou do justo preço resultante de um livre contrato de compra e venda é também o adoptado na generalidade das legislações estrangeiras e aí defendido pela respectiva doutrina” (in “Código das Expropriações”, Anotado e Comentado, 5ª. edição, pág. 306).
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VII.- Como dos autos resulta, estamos perante uma expropriação parcial, tendo ficado definitivamente estabelecido nestes autos, pelo Acórdão de fls. 732 e sgs., que transitou em julgado, que a área efectivamente expropriada foi de 1156 m2.
Das diligências a que se procedeu, em cumprimento do Acórdão de fls. 706 e sgs., resultou, inequivocamente, que, muito embora a Expropriante tenha colocado uma vedação a contornar a casa de habitação dos Expropriados, o certo é que parte do edifício encontra-se dentro da parcela de terreno expropriada.
Destarte, quando a Entidade Expropriante o considere necessário, ou simplesmente útil, para a optimização dos objectivos visados com a expropriação poderá apossar-se daquela parte do terreno, que é, agora, seu, com a consequente demolição da parte da casa de habitação que nele assenta - v. g. por necessidade de alargamento da auto-estrada, que justifica a constituição da servidão non aedificandi; quiçá pela necessidade de criar ali uma vedação mais segura se se tornar um ponto crítico de invasão da auto-estrada (nas fotografias de fls. 626 e 764 é possível ver que a garagem fica praticamente sobranceira ao morro que margina a auto-estrada).
Desta constatação resulta, desde logo, o reconhecimento do direito dos Expropriados serem indemnizados (para além do solo) do valor da construção assim como do prejuízo resultante da desvalorização da parte sobrante do terreno que, reconhecidamente, pelas suas dimensões, fica inaproveitado para os fins que tinha antes da Declaração de Utilidade Pública (DUP), que eram a construção.
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Antes de passar à indemnização que há-de ressarcir os Expropriados, cumpre abordar a questão do valor do acórdão arbitral.
É entendimento pacífico o de que a decisão arbitral tem carácter e natureza jurisdicional, funcionando como tribunal arbitral necessário.
Deste modo, os árbitros julgam as questões que lhes são colocadas.
Aplicam-se-lhe, por isso, as regras e disposições processuais que regem a impugnação das decisões judiciais pela via do recurso.
Assim, as instâncias de recurso estão limitadas pelas questões que lhes forem suscitadas nas conclusões, como se extrai do disposto nos artº.s 660º., nº. 2; 684º., nº. 3; e 690º., nº. 1, todos do C.P.Civil (com a redacção anterior à do Dec.-Lei 303/2007, face ao começo de vigência deste Diploma Legal, fixado pelo artº. 12º.).
E, por outro lado, transitam em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente já que a falta de recurso legitima o juízo de que aceitou a decisão (cfr., dentre outros, os Acs. do S.T.J. 26/11/2009, Procº. 2416/04.4TJVNF.S1 (Ferreira de Sousa); Ac. do S.T.J. de 12/12/2010, Procº. 4925/07.4TBGMR.G1.S1 (Urbano Rodrigues), in www.dgsi.pt).
Acompanhamos o Ac. da Rel. de Évora de 30/03/2000, que diz: “Os efeitos do julgado (na decisão arbitral) na parte não recorrida não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (artº. 684º., nº. 4, do C.P.C.) produzindo efeitos de caso julgado. E embora o caso julgado se forme sobre a decisão, abrange também os pressupostos indispensáveis à formação dessa decisão, entre os quais se encontra aquela questão do potencial edificativo do prédio” (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, 2001/2002, pág. 82).
Descortina-se neste pressuposto a ratio do nº. 3 do artº. 52º., do Cód. Exp. que manda “atribuir” aos interessados o montante da indemnização sobre o qual se verifique acordo.
Nesta conformidade, estamos em condições de afirmar que as instâncias de recurso – in casu o tribunal judicial, que funciona como 2ª. instância e o tribunal da Relação, que é a 3ª. instância – não podem condenar em quantia inferior àquela em que as partes acordaram porque, sendo a sua função dirimir o conflito, onde não há dissenso não se justifica a actividade dirimente.
Vem isto a propósito de os Expropriados pretenderem repristinar a decisão arbitral quanto à avaliação do terreno, por ela lhe ser mais favorável que a peritagem (cfr. conclusões I a IV), pretensão que merece acolhimento nos termos e com os fundamentos acima expostos.
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VIII.- Procedendo agora à decisão sobre o quantum da indemnização havemos de considerar:
A) A parte relativa ao solo, sendo inequívoca a sua classificação como “apto para a construção”, de acordo com o disposto no artº. 25º., do Cód. Exp..
Conforme já acima se deixou referido, cumpre, quanto a esta parte, sufragar os coeficientes de valorização que foram utilizados pelos Árbitros.
Assim, aos cálculos da decisão arbitral de fls. 78 e 79 importa apenas introduzir a correcção resultante da área expropriada, que é de 1.156 m2.
O valor do solo é, pois, dado pelo resultado da seguinte equação: 1.156 m2 x 0,4 m2/m2 x € 495,26/m2 de área bruta x 0,16, o que perfaz € 36.641,32.
Assim se decidindo, procedem as conclusões I a IV dos Expropriados (sendo de desprezar, porque insignificante, o erro de cálculo que se extrai da importância referida nesta última conclusão).
E, do mesmo passo, é agora inútil cogitar se a decisão do Tribunal a quo, que acolheu o laudo dos Peritos, considerando um coeficiente superior ao invocado pelos Expropriados no recurso da decisão arbitral, violou o princípio do dispositivo, questão suscitada pela Expropriante, nas conclusões acima transcritas sob as alíneas a) a d).
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B) Relativamente às benfeitorias, sendo coincidentes a decisão arbitral e a peritagem no que se refere à garagem e ao muro de vedação, a que foi atribuído o valor de, respectivamente, € 9.800 e € 1.350, cumpre pronunciarmo-nos sobre o valor da casa de habitação, que foi posto em causa pela Expropriante.
Na determinação do valor dos edifícios ou das construções com autonomia económica devem ter-se em consideração, in casu, os elementos enunciados nas alíneas: a) – a localização, o ambiente envolvente e a antiguidade; b) – sistemas de infra-estruturas, transportes públicos e proximidade de equipamentos; c) – nível de qualidade arquitectónica e conforto das construções existentes e estado de conservação, nomeadamente dos pavimentos e coberturas, das paredes exteriores, partes comuns, portas e janelas; d) – área bruta; g) valor dos imóveis próximos, da mesma qualidade.
Como ficou provado, a casa de habitação é de boa qualidade, sendo uma construção recente, possuindo quatro frentes autónomas, sendo de qualidade superior à da habitação social.
Encontra-se bem integrada paisagisticamente, e junto a ela não há focos poluidores.
É servida por um caminho pavimentado com pedra à fiada, com sete metros de largura, sendo dotada de rede de distribuição de energia eléctrica, rede de distribuição domiciliária de água, rede de saneamento e de telefone.
Os Árbitros, havendo esclarecido que tiveram em consideração o valor constante da Portaria nº. 1369/2002, de 19 de Outubro, não explicitam porque adoptaram um valor inferior ao desta Portaria - valor adoptado € 500/m2 e valor da Portaria € 550,29/m2.
Os Peritos, por unanimidade, atribuíram à construção o valor de € 698,85/m2.
Conquanto seja esta uma área em que os conhecimentos técnicos e, na medida em que os elementos que intervêm na avaliação, não estando legalmente quantificados, não prescindem de uma certa subjectividade de quem avalia, o que cria habituação a critérios mais ou menos constantes na valorização de cada um deles (cfr. artº. 28º., referido), habituação que é proporcionada pela experiência que os peritos têm das suas muitas intervenções, não deixa de ser certo também que a própria observação do julgador, o conhecimento que tem da realidade em que actua, e também a sua própria experiência em julgar situações com os mesmos contornos, apetrecham-no para fazer uma apreciação crítica das conclusões periciais.
Ora, considerado o quadro das condições da construção acima descrito, não só no que respeita à construção, ao estado de nova em que se encontrava, como também às infra-estruturas de que dispõe, assim como às boas condições ambientais envolventes, é de aceitar como coincidente com o normal valor de compra aquele a que chegaram os Peritos.
Como ficou já referido, muito embora apenas uma parte da moradia esteja construída na parcela expropriada, e a construção da auto-estrada não houvesse determinado a efectiva utilização desta porção de terreno, o certo é que se/logo que, a Expropriante decida intervir, num futuro mais próximo ou mais longínquo, isso determina a demolição daquela parte da moradia, e, por via dela, a inutilização total da construção para casa de habitação.
Ora, até pelo sentimento de insegurança que daí decorre, nada justifica contrariar os Expropriados, ainda que, eventualmente, aí continuem a viver, pondo-os, bem vistas as coisas, à mercê da ocorrência de uma qualquer circunstância que, sabendo-se certa, é incerto o tempo em que poderá vir a ocorrer, determinante da demolição da garagem e da sua habitação.
Acresce que também nada justifica, contrariando a vontade que manifestam nos autos, obrigá-los a viverem (ou continuarem a viver) paredes meias com uma auto-estrada pela degradação das condições ambientais, e da sua própria qualidade de vida, e ainda do perigo que daí decorre, o que, não podendo ser valorado para se integrar no cômputo da indemnização, deve ser tomado em consideração para aferir da razoabilidade da posição dos Expropriados.
Assim considerando impõe-se concluir pela nossa total concordância com o decido pelo Tribunal a quo.
No que respeita às benfeitorias, o montante da indemnização será, pois, de € 178.875 (167.725 + 9.800 + 1.350).
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C) Como se viu, a expropriação não abrange todo o terreno e, de resto, nem sequer todo o imóvel urbano pelo que se impõe saber se houve desvalorização para a parte sobrante.
Acolhendo o bem fundamentado da douta decisão impugnada, dir-se-á a propósito que o nº. 2 do artº. 29º., do Cód. Exp. determina que acresçam ao valor da parte expropriada os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos que depreciem a parte não expropriada.
Daqui resulta, com clareza, só não haver lugar à avaliação da parte não abrangida pela expropriação se ela própria, pela sua área, assegurar os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.
Ora, a este propósito, expuseram os Peritos o entendimento de que a parte sobrante, com a área de 662 m2 , ficará francamente depreciada, visto não oferecer os mesmos cómodos que oferecia antes da expropriação, tendo ficado anulada a sua capacidade construtiva e não sendo viável um eventual aproveitamento agrícola, dada a impossibilidade de anexação de outros terrenos” (cfr. fls. 483).
Ou seja, na parte do terreno não abrangido pela expropriação e atenta a imposição de uma zona que terá de ficar livre de construções, não é possível erigir uma moradia e muito menos com os mesmos cómodos daquela que lá se encontra.
Impõe-se, assim, indemnizar os Expropriados, fazendo acrescer o valor da depreciação acima mencionada, que se fixa em € 13.436,63, acolhendo o valor calculado pelos Peritos.
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D) Finalmente, cumpre apreciar a questão das despesas de realojamento.
Entende a Expropriante que o Cód. Exp. não reconhece qualquer direito de indemnização ao proprietário a título de despesas de reinstalação, preenchendo completamente o âmbito da indemnização o valor do rendimento efectivo e potencial do solo, que é dado pelo valor real e de mercado e, tendo a parcela expropriada sido avaliada por correspondência ao valor que um normal adquirente pagaria, a indemnização corresponde ao máximo preço que o expropriado, objectivamente considerado, se faria pagar para alienar a casa, assumindo os encargos e riscos inerentes à alienação, em circunstancias normais de mercado.
Numa primeira abordagem poderíamos, de facto, ser tentados a aderir a esta posição, defendida pela Expropriante, se partíssemos da consideração de que o montante da indemnização deve apenas ser medido pelo valor do bem expropriado, e de que o dever de indemnizar é de natureza diferente do que emerge da responsabilidade civil contratual e extracontratual (cfr., neste sentido, o Parecer dos Profs. Meneses Cordeiro e Teixeira de Sousa, publicado na C. J., ano XV-1990, tomo V, pág. 25) e, por isso, a indemnização não tende a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado a expropriação, abrangendo todas as perdas patrimoniais do lesado assim como os benefícios que ele deixou de obter por via do acto lesivo, como se expressam os artºs. 562º. e 564º., do C.Civil.
De resto, Salvador da Costa inclina-se para esta hipótese de a indemnização devida ao arrendatário habitacional não integrar “as despesas feitas pelo arrendatário com a nova localização da habitação, designadamente as resultantes do transporte de mudanças, nem o dano derivado da cessação ou interrupção da actividade industrial caseira que exerça no locado (in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Almedida 2010, pág. 227).
Contudo, a questão terá de ser vista à luz do conceito de justa indemnização.
E também aqui acompanhamos o bem fundamentado da douta decisão impugnada, sensibilizados pelos argumentos do Ac. do T.C. nº. 231/2008, que aí vêm transcritos.
Apenas com o sentido de repisar a ideia do que deve abranger o conceito de justa indemnização, cumpre trazer à colacção o que acima ficou escrito, tirado do Ac. do T.C. nº. 11/2008 – A indemnização só é justa se observar os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Como afirma Fernando Alves Correia “ao conceito de «justa indemnização» está umbilicalmente ligada a observância do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º., nº. 1 da C.R.P.), na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, abrangendo a relação externa da expropriação” e, referindo-se ao nº. 4 do artº. 23º., do Cód. Exp. diz que ele impede “que os expropriados sejam plenamente compensados pelo «sacrifício» patrimonial que lhes foi exigido” (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 137º., nº. 3948 (Janº.-Fevº. 2008), pág. 196).
Acresce um elemento histórico que não pode ser menosprezado.
No Cód. das Expropriações aprovado pelo Dec.-Lei nº. 845/76, de 11/12, dizia-se, no nº. 1 do artº. 28º., que “o prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente”.
Ainda que se entenda que o pensamento do legislador se dirigia apenas ao simples preço de aquisição do bem substituto, o certo é que o elemento literal afasta qualquer hipótese de inclusão das despesas decorrentes da necessidade de aquisição de uma nova casa de habitação e transferência do agregado familiar para ela.
O Código das Expropriações que se lhe seguiu (aprovado pelo Dec.-Lei nº. 438/91, de 9 de Novembro) abandonou aquela última formulação, dispondo no nº. 2 do artº. 22º., que a justa indemnização destinada a “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação”, é medida “pelo valor do bem expropriado, fixado por acordo ou determinado objectivamente pelos árbitros ou por decisão judicial, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública”.
A formulação deste conceito de justa indemnização, mais aberta que o anterior, ainda assim parece querer restringir a indemnização ao puro valor do bem expropriado.
As críticas que foram dirigidas àquela formulação terão determinado a alteração que foi introduzida no nº. 1 do artº. 23º., do Cód.Exp. que, como já se disse, faz apelo ao “valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal …”.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional e a doutrina foram, porém, evoluindo no sentido de a justa indemnização dever ser quantificada em montante que coloque o expropriado na mesma posição dos não expropriados – princípio da igualdade -, nada justificando exigirem-se maiores sacrifícios a uns do que a outros para a causa pública.
Assim, se é um facto que se não deve entender que o que o legislador deixa de proibir passa a permiti-lo, não podemos afastar a ideia de que a evolução do conceito de indemnização tem a ver, cada vez mais, com a reposição do património do expropriado, contemplando todas as despesas que ela acarrete.
Ora, na situação sub judicio os Expropriados tinham a sua casa de morada de família no imóvel urbano que foi (em parte) abrangido pela expropriação.
Isso significa que, sendo-lhes impossível viver na parte da casa que fica fora da área expropriada, terão de comprar uma nova habitação e mudarem-se para lá.
A aquisição de um prédio acarreta despesas (com a escritura de compra, com o registo, com a obtenção dos documentos necessários) e a instalação numa nova casa também as determina (desde logo as decorrentes da mudança e depois também as relativas à celebração dos contratos de fornecimento dos serviços de água, luz, telefone e gás).
As despesas referidas foram directamente causadas pela expropriação.
Não lhes reconhecer o direito a serem ressarcidos delas viola o princípio da igualdade porque os coloca numa posição mais desfavorável relativamente àqueles que não foram expropriados com o que a indemnização que lhes seja atribuída não pode considerar-se justa porque os não compensa totalmente da perda, que lhes foi imposta, do seu direito de propriedade.
Estando, embora, identificadas essas despesas, não há elementos nos autos que conduzam à sua quantificação porquanto, ao que tudo indica, os Expropriados ainda se mantêm na habitação objecto da expropriação.
Também não é caso para se recorrer à equidade já que é possível saber-se o valor exacto daquelas despesas.
Os Peritos não justificam, convincentemente, o valor de € 25.000 que referiram, é de crer, tendo presente o disposto no artº. 31º., nº. 1 do Cód. Exp., que se reporta à transferência da actividade de comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, que o proprietário exerça no prédio expropriado.
A indemnização a atribuir aos Expropriados não poderá exceder o montante real dos gastos, o que redundaria num enriquecimento sem causa para eles.
Tanto basta para, como fez a Meritíssima Juiz a quo, deixar para decisão ulterior a liquidação daqueles valores, de conformidade com o que dispõe o nº. 2 do artº. 661º., do C.P.Civil, sendo que, como ali ficou consignado, a quantia a liquidar nunca poderá ultrapassar os € 25.000 que os Expropriados expressamente aceitam, e restringe-se apenas aos peticionados gastos com o realojamento.
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De quanto vem de expor-se resulta a total improcedência do recurso interposto pela Expropriante e a procedência parcial do recurso dos Expropriados, fixando-se o montante líquido da indemnização na importância de € 228.952,95 (36.641,32 + 178.875,00 + 13.436,63) acrescendo as despesas de realojamento que vierem a ser comprovadas, decorrentes da mudança de habitação e da celebração dos contratos de fornecimento dos serviços de água, luz, telefone e gás, e que serão liquidadas em decisão ulterior.
De acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ), do S.T.J., nº. 7/2001, a importância primeiramente mencionada será actualizada desde a data da publicação da Declaração de Utilidade Pública (DUP) até à notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante da indemnização sobre o qual se verificou acordo, sendo que a partir desta data a actualização se fará pela diferença entre a quantia levantada e aquela importância de € 228.952,95
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C) DECISÃO
Considerado quanto acima se expõe, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Expropriada, e parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados fixando em € 228.952,95 (duzentos e vinte e oito mil novecentos e cinquenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos) o valor da indemnização a pagar pela Expropriante pela parcela expropriada, valor que deve ser actualizado nos termos artº. 24º., nº. 1, do Cód. das Expropriações, nos termos acima mencionados.
Mais pagando a Expropriante aos Expropriados o que se vier a liquidar em decisão ulterior referente às despesas de realojamento dos Expropriados e seu agregado familiar, como supra se ficou referido.
Custas em ambas as Instâncias pela Expropriante e pelos Expropriados, na proporção do vencido.
Notifique.
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Guimarães, 13/Fevº./2012