Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1281/12.2TBEPS-B.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: ARROLAMENTO
BENS COMUNS
DEPÓSITO BANCÁRIO
DEPOSITÁRIO
MOVIMENTAÇÃO DA CONTA PELOS CÔNJUGES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A interpretação teleológica da norma e o fim último dos institutos jurídicos não podem deixar de nortear o juiz na tomada das suas decisões, arredando aquelas que, não obstante assentes em construções jurídicas defensáveis, acabam por se traduzir em claro prejuízo para as partes e tornar iníquo o direito.
II – Em caso de arrolamento de depósitos bancários, deve nomear-se como depositários desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção de metade do respectivo valor.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO.

1. No Tribunal Judicial de Esposende, no âmbito de procedimento cautelar de arrolamento, instaurado contra por M… contra o seu cônjuge A…, foi proferida a seguinte decisão:
«Veio o requerido que se ordene às instituições bancárias nas quais foram arrolados os saldos bancários existentes em nome dele e da requerente para que lhe seja permitida a respectiva movimentação.
Opôs-se a requerida ao deferimento desta pretensão.
Cumpre decidir.
(…) Nesta senda entendemos que com o arrolamento permite-se aos cônjuges que possam continuar a dispor dos bens arrolados. E no caso de depósitos bancários, os possuidores ou detentor dos bens, serão o titular/titulares da conta ou contas a arrolar (nº 1, do art. 426º do CPC).
Este entendimento da possibilidade de movimentação da conta pelos seus titulares, mesmo havendo arrolamento, não é novo e vem já decidido nos Ac. R. Porto de 28-10-93 e de 31-05-2004, ambos em www.dgsi.pt, dos quais se retira que as contas bancárias, mesmo com o arrolamento, podem ser movimentadas, uma vez que se entende que o legislador não pretendeu impedir a normal utilização dos bens arrolados pelos conjugues, antes apenas obviar ao seu extravio ou dissipação, que se atinge então com a descrição, avaliação e depósito dos bens.
(…) com este arrolamento não pretendeu o legislador impedir a normal utilização dos bens arrolados pelos cônjuges, isto é, não se pretendeu que os bens ficassem numa situação de indisponibilidade absoluta de tais bens, privando muitas vezes o casal ou só um dos cônjuges de satisfazer até algumas necessidades primárias.
(…)Do exposto é de reconhecer razão ao requerido, uma vez que não há qualquer motivo para o impedir o saldo das contas arroladas nestes autos.
Termos em que se decide deferir o requerido, determinando que se comunique o presente despacho às instituições bancárias que efetuaram o arrolamento decretado nestes autos esclarecendo que os titulares das referidas contas podem movimentá-las.».

Com ela não se conformando, interpôs recurso a aludida requerente M… .
Remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Termina pela procedência do recurso e pela revogação
do despacho recorrido, substituindo-o por um outro que indefira o requerimento apresentado pelo Requerido e reconheça ou declare que as quantias ou saldos existentes nas contas bancárias arroladas à ordem dos presentes autos se encontram apreendidas à ordem deste processo, não podendo as mesmas ser movimentadas por quem quer que seja, nomeadamente pelo Requerido.

Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
A factualidade a ter em consideração é a que consta já do relatório supra.
A providência decretada havia determinado o arrolamento de todas as quantias em depósitos e aplicações financeiras tituladas pelo requerido, com o limite máximo de €180.000,00.
Da factualidade dada como provada na decisão, consta que esse valor de €180.000,00, depositado em instituição bancária, resultou de dinheiro obtido com a venda da casa que a ambos pertencia.

Decidindo:
À apreciação deste tribunal coloca-se a questão de saber se, requerido o arrolamento de bens por um cônjuge contra o outro e decretado o mesmo, pode um dos cônjuges movimentar os saldos bancários respectivos.
Diversamente do que invoca a recorrente, não temos para nós que ocorram diferenças dignas de nota quando o arrolamento ocorre em caso de divórcio ou noutra situação. O que acontece é que o legislador, na iminência da dissolução do contrato conjugal, dá como assente a verificação de um justo receio, dispensando a respectiva prova; é este o alcance do nº3 do actual artº 409º do Código de Processo Civil.
Isto posto e como já foi feito constar nos autos, o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens e tem por finalidade evitar o extravio ou a dissipação, salvaguardar a sua conservação – artºs 403º, nº1 e 406º, nº1, do mesmo diploma.
Aliás, deve o juiz ordenar as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério – artº 405º, nº2, ainda do Código de Processo Civil.
Daqui resulta, desde logo, um importante ponto que é o de que o arrolamento tem em vista evitar o extravio ou a dissipação; sendo essa a vontade do legislador, ao julgador devem estar arredadas as interpretações normativas que possam fazer frustrar tal fim.
Na senda da preservação da coisa que se visa arrolar, o legislador basta-se com a possibilidade de ocultação, não exigindo a prova da dissipação, e admite que a providência seja decretada sem audição prévia da outra parte.
Por outro lado, no âmbito desta providência inclui-se a nomeação de depositário e, de acordo com o estatuído no artº 1189º do Código Civil, este não tem o direito de usar, sem mais, a coisa depositada.
Além disso, manda aplicar, subsidiariamente, as regras relativas à penhora, de acordo com o disposto no artº 406, nº5.
Todos estes considerandos servem para alicerçar aquilo que julgamos verdadeiramente importante na aplicação do direito ao caso concreto: a interpretação teleológica da norma e o fim último dos institutos jurídicos não podem deixar de nortear o juiz na tomada das suas decisões, arredando aquelas que, não obstante assentes em construções jurídicas defensáveis, acabam por se traduzir em claro prejuízo para as partes e tornar iníquo o direito.
Daí que, com todo o respeito por opinião contrária, que, aliás, a Srª Juiz a quo citou, não nos podemos rever na decisão recorrida, porquanto ela, ainda que indirectamente, vem permitir que ocorra exactamente o que se pretendia obstar, ou seja, a eventual ocultação ou dissipação da quantia arrolada.
É notória a facilidade com que extravia, oculta ou dissipa uma quantia em dinheiro, não resultando apuradas quaisquer garantias de que, em caso de incumprimento, a requerente tenha outros meios de vir a receber a sua meação.
Sendo assim, a decisão que permite ao requerido movimentar o dinheiro depositado equivale a retirar eficácia a diligência judicial antes ordenada e a colocar a recorrente numa situação desprovida de real tutela jurídica.
No caso em apreço foi decidido arrolar as quantias depositadas e tituladas pelo requerido até ao montante de €180.000,00, devendo ter-se, ainda em consideração que as partes são casadas em regime de comunhão geral de bens. Como, do mesmo modo, não poderá deixar de se atentar que os cônjuges, na gestão da sua vida privada, podem ver-se confrontados com a necessidade de utilizar parte das quantias aforradas, o que não é totalmente incompatível com o fim da providência.
Por isso, também nós entendemos que, tratando-se de arrolamento de depósitos bancários, «deve nomear-se como depositários desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção de metade do respectivo valor» - Ac. RE de 12.10.2006, Procº368=6-3, itij e, no mesmo sentido embora não abordando directamente a questão, o acórdão desta Relação datado de 12.01.2012 – Procº419/08.0TCGMR.G1, itij).
Nesta conformidade, o recurso tem de obter procedência, ainda que parcial.

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente a apelação e declarar que o recorrido apenas poderá movimentar metade do valor depositado em instituições bancárias, movimentando a apelante a remanescente metade.
Custas por ambos os cônjuges, na proporção de metade para cada um.
Guimarães, 19 de junho de 2014
Raquel rego
António Sobrinho
Isabel Rocha

Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora):
I – A interpretação teleológica da norma e o fim último dos institutos jurídicos não podem deixar de nortear o juiz na tomada das suas decisões, arredando aquelas que, não obstante assentes em construções jurídicas defensáveis, acabam por se traduzir em claro prejuízo para as partes e tornar iníquo o direito.
II – Em caso de arrolamento de depósitos bancários, deve nomear-se como depositários desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção de metade do respectivo valor.