Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
24/19.4GTBGC.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
NULIDADE
PENA ACESSÓRIA
NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O Ministério Público deve obrigatoriamente ponderar a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, antes de deduzir acusação em processo sumário.

II) Todavia, não o tendo feito, tal omissão não é suscetível de consubstanciar qualquer invalidade processual, mormente a nulidade de insuficiência do inquérito, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal.

III) Não é possível suspender a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor nem substituí-la por prestação de trabalho a favor da comunidade nem permitir o seu cumprimento de forma intermitente.

IV) A alegada violação do direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado, com a imposição ao condutor em estado de embriaguez da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não pode ser valorada em termos absolutos, pois o sacrifício daí decorrente não é arbitrário, gratuito ou sem motivação, mas antes justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a segurança e a vida dos demais utentes da via pública.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo especial, sob a forma sumária, com o NUIPC 24/19.4GTBGC, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Vila Flor, foi o arguido A. F. condenado, por sentença proferida oralmente a 20-05-2019, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, conjugado com o art. 81º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), perfazendo a quantia global de € 480 (quatrocentos e oitenta euros), e, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria por um período de 4 (quatro) meses.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, concluindo a respetiva motivação nos termos que a seguir se transcrevem[1]:

«CONCLUSÕES

1) (…)
2) O recorrente foi detido em flagrante delito e julgado em processo sumário, no qual confessou na integra, de livre vontade e sem reservas os factos que lhe eram imputados.
3) O recorrente demonstrou-se arrependido pelo sucedido e tem plena consciência da gravidade da sua conduta, contudo, não pode aceitar a tramitação processual sucedida.
4) O Ministério Público não propôs a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281º do CPP, nem o recorrente a pôde requer por não ser da tutela jurisdicional do Exmo. Juiz a quo.
5) A redação do art.º 281º, nº1 do CPP foi alterada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, de “pode o Ministério Público decidir-se … pela suspensão do processo” para a atual redação “ o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento … determina … a suspensão do processo … sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:”, confirmando o dever do Ministério Público na aplicação da suspensão provisória do processo.
6) O Ministério Público tem o dever de suspender o processo quando reunidos cumulativamente, no caso concreto, os pressupostos legais enunciados no art.º 281º do CPP.
7) O recorrente reúne todos os requisitos para a suspensão provisória do processo, sendo primário, não tendo antecedentes criminais de qualquer natureza, nunca lhe tendo sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, agiu com culpa mediana.
8) A TAS não é medida de culpa, nem relevante de culpa grave, segundo o disposto na jurisprudência (ver o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo nº 1856/08.4PBMTS, á data de 18/03/2009, relatado pela Exma. Juiz-Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias) e segundo o estipulado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (consultáveis em http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/Conselhos/Documents/O%20%C3%
81LCOOL%20E%20A%20CONDU%C3%87%C3%83O.pdf), de onde se depreende que a TAS não revela para a culpa do agende por depender de fatores externos e alheios: o peso, a idade, o género, o estado psíquico, emocional, físico e de saúde do consumidor, e até mesmo, da pressão atmosférica, alterações bruscas de temperatura, alimentação, além da quantidade e composição da bebida ingerida.
9) O Ministério Público sempre que verificar os respetivos pressupostos tem o poder-dever de determinar a suspensão provisória do processo e não o fazendo viola o disposto na Lei nº 51/2007, de 31 de agosto, que definiu os objetivos, prioridades e orientações de política-criminal para o biénio de 2007-2009, e que indicam a aplicação da suspensão provisória do processo ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, bem como, o disposto nos art.º 384º e 281º do CPP.
10) A violação do disposto nos art.º 281º e 384º do CPP causaram a nulidade do processado, conforme previsto no art.º 120º, nº 2, alínea d) do CPP, atendendo a que, o inquérito realizado foi insuficiente por o Ministério Público não ter praticado atos, tal ato, estava legalmente obrigado – suspensão provisória do processo – o que torna a sentença proferida nula por sequência, conforme art.º 122º, nº 1 do CPP.
11) O recorrente foi condenado a uma pena de multa de 80 dias à taxa diária de €6,00 (seis euros), da qual se recorre por se entender que não se coaduna com a ilicitude da conduta do recorrente nem com as circunstâncias do caso concreto.
12) O recorrente é primário, confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, demonstrou-se arrependido, tem uma vida profissional, familiar e social integrada e organizada, tem um filho ainda bebé para sustentar e exerce a profissão de comercial por conta de outrem, o que implica viagens de automóvel diárias entre clientes, conduzindo e utilizando como seu instrumento de trabalho, um veículo da sua entidade patronal.
13) As circunstâncias casuísticas do recorrente deveriam depor a favor da redução da pena de multa aplicada ao recorrente, que se irá traduzir num sacrifício exagerado atendendo às prevenções pretendidas.
14) A pena de multa aplicada ao recorrente deverá ser atenuada especialmente, e assim, reduzida ao limite mínimo legal, nos termos do art-º 72º, 73º e 47º do CP.
15) O recorrente recorre ainda, da pena acessória de inibição de suspensão de condução pelo período de 4 meses que lhe foi aplicada, por ser desproporcional face aos factos cometidos e à culpa do agente, que em nosso modesto entender, se trata de culpa mediana.
16) O recorrente, caso venha a cumprir a pensa acessória a que foi condenado, terá de deixar de trabalhar, despedindo-se, pois, a sua função de comercial só é exequível se o recorrente puder conduzir o veículo da entidade patronal, para realizar as visitas necessárias aos clientes.
17) O recorrente ficará sem rendimentos, sem qualquer subsídio social, sem ter como alimentar e sustentar a sua família, e principalmente o seu filho ainda bebé, passando por sofrimento e privação extremos.
18) A douta sentença recorrida viola os direitos constitucionais do recorrente ao exercício de uma atividade profissional (art.º 58º e 59º da CRP), sustento da sua família (art.º 35º, nº 5 da CRP), dignidade e igualdade (art.º 12º e 13º da CRP), com a condenação em penas desproporcionais (art.º 18º da CRP), pesadas demais em comparação com outras decisões de casos semelhantes.
19) O Tribunal a quo ao condenar o recorrente na pena acessória de inibição de conduzir por um período de 4 meses, violou o disposto no artº. 71º do CP, por desconsiderar as condições pessoais do agente, designadamente o facto de necessitar de conduzir veiculo automóvel como condição sine qua non para o exercício da sua atividade profissional.
20) As penas acessórias assumem a natureza de uma pena, estarão, portanto, sujeitas ao regime de suspensão ou substituição, nos termos do artº. 73°, nº 2 do Código Penal.
21) As penas acessórias desempenham uma função preventiva auxiliar da pena principal, não apenas de intimidação, mas de defesa contra a perigosidade individual, contudo, não foram provados quaisquer factos que sustem a perigosidade do recorrente.
22) A culpa do agente é o limite máximo inultrapassável de pena concreta a aplicar, a par das exigências de prevenção, que no caso são reduzidas pela inexistência de outros crimes praticados pelo recorrente.
23) A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada e substituída por outra que, levando em conta o supra alegado, altere a medida da pena acessória, suspendendo a sua execução ou substituindo-a por outra capaz de assegurar os critérios da proporcionalidade e adequação exigidos nos art.º 40, art.º 71 n.º 2 e 73º do CP, que foram violados pela douta sentença recorrida.
24) Ou, caso assim não se entenda, e considerando todas as circunstâncias específicas deste caso concreto, deverá a pena acessória aplicada, ser reduzida para o seu mínimo legal, que salvo melhor opinião, será suficiente e eficiente na prevenção da reincidência deste recorrente, evitando prejuízos extremos na sua vida económica e familiar, conforme se pretende com a política criminal vigente.
25) A douta sentença recorrida viola os art.º 12º, 13º, 18º, 35º, 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa, os art.º 40º, 47º, 71º, nº 2 e 73º do Código Penal, os art.º 281º e 384º do Código de Processo Penal e a Lei nº 51/2007, de 31 de agosto, sendo nula nos termos dos art.º 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1 do CPP.

Nestes termos e no mais de direito aplicável, deve o presente Recurso de apelação ser julgado procedente por provado, sendo revogada a douta sentença recorrida, por ser nula nos termos dos art.º 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1 do CPP, e sendo substituída por outra que, absolva o recorrente em virtude da nulidade arguida, ou caso assim não se entenda, que reduza as penas principal e acessória aplicadas ao limite mínimo legal, ou que substitua ou suspenda a execução da pena acessória de inibição de conduzir.
Pelo que, só assim se fará, como sempre,
INTEIRA JUSTIÇA!»

3. Em resposta à motivação do recorrente, a Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância pronunciou-se pela improcedência do recurso, pelas razões que sintetizou nas seguintes conclusões (transcrição):

«1. O grau de ilicitude da conduta do recorrente é bastante acentuado, atenta a taxa de alcoolemia, e o juízo de censura é pertinaz porquanto atuou com dolo direto;
2. As necessidades de prevenção geral e especial não são de descurar face à pungente sinistralidade rodoviária devida, em grande parte, à condução de veículos em estado de embriaguez;
3. Como tal, bem se decidiu ao não aplicar aos autos o instituto da suspensão provisória do processo;
4. Como assim agiu com total acerto o Mmº Juiz a quo na determinação do quantum das penas principal e acessória aplicadas ao arguido.
5. Destarte, a douta sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, pelo que não merece qualquer reparo.»
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, em que, após abordar exaustivamente as questões suscitadas pelo recorrente, conclui que
«o recurso do arguido não merece provimento, por um lado porque a sentença recorrida não padece de nulidade por não se verificar uma qualquer das situações previstas no art.º 379 do CPPenal, por outro, porque a circunstância de o MºPº não haver ponderado antes de haver deduzido acusação contra o arguido em processo especial, processo sumário, a aplicação a este do instituto da suspensão provisória do processo previsto no art.º 281 do CPPenal, não configura uma qualquer nulidade processual como tal prevista no CPPenal, tanto mais que se fosse nunca seria uma nulidade insanável sujeita ao regime da tipicidade, sendo ela, então, uma dependente de arguição e o arguido recorrente não haver concretizado tal arguição no tempo devido, ou seja e como prevê o art.º 120, n.º3, al. d) do CPPenal, “Logo no início da audiência”; não merece provimento porque a ilegalidade processual referida pelo arguido a verificar-se ocorreu sob a sua concordância porque podendo solicitar a suspensão provisória do processo assim evitando a sua eventual sujeição a julgamento, como previsto no art.º 281 citado, nunca o fez, optando pela realização daquele, em processo sumário; não merece provimento porque as penas aplicadas ao arguido, principal e acessória, esta de proibição de conduzir, se apresentarem penas adequadas e proporcionais já que tomam em devida conta o previsto no art. 71 do CPenal, aqui se destacando e relevando, notoriamente e com acerto, a TAS registada de 2,119 g/l; o recurso do arguido deverá ser rejeitado relativamente à sua pretensão em ver suspensa na sua execução a pena acessória de proibição de conduzir porque tal suspensão apenas está reservado para as contraordenações punidas com inibição de conduzir e para as penas de prisão como tal previstas no CPenal.»
5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido exerceu o direito de resposta ao parecer do Ministério Público, para se limitar a manter o alegado na motivação do recurso.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

a) - A nulidade de insuficiência do inquérito, por o Ministério Público não ter proposto a suspensão provisória do processo (conclusões 2ª a 10ª);
b) - A atenuação especial da pena de multa (conclusões 11ª a 14ª);
c) - A suspensão ou substituição da pena acessória de proibição de conduzir (conclusões 15ª a 23ª).
d) - Subsidiariamente, a redução da pena acessória de proibição de conduzir (conclusão 24ª).

2. DA DECISÃO RECORRIDA

Na sentença proferida pela primeira instância foram dados como provados, por remissão para a acusação de fls. 17, todos os factos aí descritos, bem como os factos apurados em audiência de julgamento relativamente às condições pessoais do arguido, conforme transcrição integral que se segue, com enumeração por nós introduzida:

«1. No dia 19/05/2019, pelas 18:32 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula TN, na via pública, mais concretamente ao KM 48 no IC5, em Vila Flor, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 2,119g/l - correspondente à taxa de álcool no sangue de 2,23g/l deduzido o valor erro máximo admissível.
2. O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido, em momento anterior à condução, era passível de determinar uma TAS superior a 1,2g/l, e, por esse motivo, não podia conduzir aquele veículo na via pública, uma vez que se encontrava sob o efeito do álcool e com reflexos diminuídos.
3. Não se coibindo de conduzir, fazendo-o da forma descrita.
4. O arguido agiu de forma consciente, voluntária e livre, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal.
5. Desempenha a profissão de comercial, de vendedor, sendo o uso da viatura automóvel indispensável para o exercício das suas funções.
6. Aufere mensalmente rendimentos brutos na ordem dos € 1.200 e rendimentos líquidos na ordem dos € 900 mensais.
7. Tem a seu cargo um filho menor, com cerca de 1 ano de idade, sendo o seu estado de saúde bastante débil, em função da sua prematuridade.
8. Vive com a esposa e com o filho menor, na casa dos pais.
9. Suporta atualmente um encargo financeiro no montante de cerca de € 270 mensais, em virtude de mútuo bancário contraído para aquisição de imóvel, casa de habitação própria.
10. Suporta com alimentação e outras despesas correntes do agregado cerca de € 250 mensais.
11. Suporta ainda um seguro de saúde no montante de € 90 mensais, especialmente direcionado para cobrir as despesas de saúde do seu filho menor.
12. Tem por habilitações literárias superiores o 2º ano de um curso superior não concluído.
13. O arguido formulou arrependimento.
14. O arguido não tem qualquer antecedente criminal.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da nulidade de insuficiência do inquérito, por o Ministério Público não ter proposto a suspensão provisória do processo

Nas conclusões 2ª a 10ª alega o recorrente que, encontrando-se reunidos todos os pressupostos para a suspensão provisória do processo, já que é primário, nunca lhe foi aplicado esse instituto e agiu com culpa mediana, o Ministério Público tinha o dever de propor tal suspensão, pelo que, ao omitir esse ato, causou a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, traduzida na insuficiência do inquérito, com a consequente nulidade da sentença, como decorre do art. 122º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência.
Analisemos, pois, a questão, nos termos em que nos é colocada.

3.1.1 - Ao consagrar o instituto da suspensão provisória do processo, o legislador manifestou o entendimento de que, dentro de certos parâmetros, que definiu, a tutela do bem jurídico pode ser suficientemente salvaguardada através da aplicação de medidas de natureza processual, privilegiando soluções de consenso e evitando submeter o arguido a julgamento, assim evitando os efeitos socialmente estigmatizantes deste, e respeitando, simultaneamente, o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal.
Como se pode ler na fundamentação do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 16/2009[2], «Na figura da suspensão provisória de processo penal convergem, na perspetiva do ponto de vista substantivo, a introdução de medidas de diversão (diversão com intervenção) e consenso na solução do conflito penal relativamente a situações de pequena e média criminalidade, para cuja consagração concorrem tanto razões de funcionalidade do sistema de justiça penal como de prossecução imediata de objetivos do programa político-criminal substantivo. A suspensão provisória do processo é, assim, um arquivamento condicionado ao prévio cumprimento de regras e injunções.».

O art. 281.º, com a epígrafe “Suspensão provisória do processo”, estabelece que:

1 - Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.

Esta norma, juntamente com o art. 282º, constituem o regime regra, para as quais remetem as demais situações de suspensão provisória do processo previstas no Código de Processo Penal.

Relativamente ao processo sumário, como é a situação dos presentes autos, dispõe o art. 384º o seguinte:

1 - Nos casos em que se verifiquem os pressupostos a que aludem os artigos 280.º e 281.º, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, respetivamente, o arquivamento ou a suspensão provisória do processo.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, o Ministério Público pode interrogar o arguido nos termos do artigo 143.º, para efeitos de validação da detenção e libertação do arguido, sujeitando-o, se for caso disso, a termo de identidade e residência, devendo o juiz de instrução pronunciar-se no prazo máximo de 48 horas sobre a proposta de arquivamento ou suspensão.
3 - Se não for obtida a concordância do juiz de instrução, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 382.º, salvo se o arguido não tiver exercido o direito a prazo para apresentação da sua defesa, caso em que será notificado para comparecer no prazo máximo de 15 dias após a detenção.
4 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento ou da condenação.

Como resulta inequivocamente destes preceitos, quer durante o inquérito (no processo comum), quer no caso de processo sumário, a decisão de suspensão provisória do processo é da exclusiva competência do Ministério Público, dependendo da verificação cumulativa dos pressupostos referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 281º e da concordância do juiz de instrução, concordância esta imposta pelo facto de a suspensão provisória do processo implicar a imposição ao arguido de injunções e de regras de conduta cuja aplicação é exclusiva da função jurisdicional.
Decorre dos arts. 263º, n.º 1, e 267º, que o inquérito é da titularidade do Ministério Público, nele intervindo o juiz de instrução só quando está em causa a prática de atos de natureza jurisdicional, tal como se prevê nos arts. 17º e 268º.
Sendo um instrumento processual de diversão e consenso, que pretende evitar a dedução da acusação e a realização do julgamento, cuja decisão compete ao Ministério Público, não faz sentido que a suspensão provisória do processo não esteja na sua titularidade e sob o seu controlo, enquanto titular da ação penal.
Salvo na fase de instrução (cf. art. 307º, n.º 2), a iniciativa da aplicação do referido instituto nunca parte do juiz (seja de instrução, seja de julgamento), apenas lhe estando reservado o papel, enquanto juiz de instrução, de dar a sua concordância se se verificarem todos os requisitos exigidos nas várias alíneas do n.º 1 do art. 281º.
A iniciativa dessa decisão é inquestionavelmente do Ministério Público, como titular da ação penal e enquanto dominus do inquérito, como, aliás, resulta claramente da letra da lei ao referir, nos arts. 281º, n.º 1, e 384º, n.º 1, que o Ministério Público “determina … a suspensão provisória do processo”, dependendo, pois, da sua decisão a aplicação desse instituto.
Embora o processo sumário não comporte uma fase de inquérito e não seja admissível a instrução, na sua tramitação é possível distinguir duas fases: uma fase preliminar ou fase pré-judicial, sob o domínio do Ministério Público, que se desenrola até à remessa dos autos para julgamento, e uma fase judicial, que se inicia com a apresentação do detido ao juiz para julgamento.
É durante essa fase preliminar que o Ministério Público pode efetuar e ordenar diligências, nomeadamente, se o entender conveniente, interrogar sumariamente o arguido (arts. 382º, n.ºs 2 a 4, e 384º, n.º 2).
Sendo aplicável ao processo sumário a disposição do art. 281º, é também nessa fase preliminar que o Ministério Público poderá optar por propor a suspensão provisória do processo, de acordo com o estabelecido no art. 384º, n.º 1, ou, não se verificando os respetivos pressupostos, remeter os autos para julgamento em processo sumário.
Do exposto decorre que o Ministério Público deve obrigatoriamente ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo antes de acusar em processo sumário.
Assim, se o Ministério Público verificar, nesta fase pré-judicial, que se encontram reunidos todos os pressupostos legais, previstos no artigo 281º, de aplicação da suspensão provisória do processo, promoverá a aplicação do instituto, se o arguido, o assistente (estando constituído como tal), e o juiz de instrução concordarem.
Esta possibilidade não é um poder discricionário do Ministério Público, na medida em que está sujeita à verificação dos pressupostos elencados no art. 281º, n.º 1, e, verificados que estejam tais pressupostos, impende sobre o Ministério Público o poder/dever de determinar a suspensão provisória do processo, embora com a concordância do juiz de instrução, do arguido e do assistente.

Como se pode ler o sumário do acórdão do STJ de 13-02-2008[3], «A Lei n.º 48/2007, acentuou a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 ao Ministério Público ao substituir a expressão “pode (…) decidir-se (…) pela suspensão do processo” por esta outra, claramente impositiva: “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina (…) a suspensão do processo», mas já assim se devia entender no domínio da redação dada pela Lei n.º 59/98, mas pretendeu-se afastar a interpretação de que “o pode decidir-se” constituía uma mera faculdade concedida ao Ministério Público a usar discricionariamente e afirmar a interpretação de que verificados os respetivos pressupostos, se impunha ao Ministério Público a suspensão provisória do processo.».
Com as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, o regime legal consagrado no n.º 1 do artigo 384º tem em vista a aplicação da suspensão provisória do processo na fase pré-judicial do processo sumário, ou seja, antes de iniciada a fase da audiência de julgamento, conforme resulta da remissão que o art. 384º, n.º 3, no caso de não ser obtida a concordância do juiz de instrução, faz para o art. 382º, n.º 5.
Enquanto até essa alteração legislativa a competência para determinar a suspensão provisória do processo competia ao juiz, na própria fase de audiência de julgamento, atualmente a competência para suspender provisoriamente o processo sumário é do Ministério Público.

A esse respeito, escreveu-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII, que esteve na base da referida revisão do Código de Processo Penal de 2013, o seguinte:

"A possibilidade de o instituto do arquivamento em caso de dispensa de pena e da suspensão provisória do processo ter lugar nos casos de detenção em flagrante delito é agora regulada por forma a esclarecer que, nesses casos, não há início da fase judicial do julgamento sumário, já que a sua tramitação é incompatível com esta forma processual.
É ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, que compete decidir, em primeira linha, sobre a oportunidade da suspensão provisória do processo, competindo-lhe também, necessariamente, a fiscalização do cumprimento das injunções e regras de conduta, pelo que, nestes casos, o processo deve manter-se na sua titularidade." (sublinhados nossos).

3.1.2 - Nos presentes autos, o Ministério Público não propôs a suspensão provisória do processo, não constando também expressamente dos mesmos que tenha ponderado a aplicação dessa solução de consenso, com indicação das razões pela qual a afastou, possivelmente o considerável valor da taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido (2,11 g/l), uma vez que de acordo com o ponto 1. do Capítulo VIII da Diretiva n.º 1/2014, de 15 de janeiro, da Procuradoria-Geral da República[4], mencionada na resposta ao recurso, esse elemento é um dos que deverão ser tomados em consideração na ponderação sobre a adequação da suspensão provisória do processo às exigências de prevenção que se verifiquem no caso concreto.
Com efeito, tendo-lhe o processo sido concluso, instruído com o auto de notícia elaborado pelo órgão de polícia criminal, com o certificado da ausência de antecedentes criminais por parte do arguido e com o resultado (negativo) da pesquisa efetuada na base de dados da suspensão provisória de processos crimes, o Exmo. Procurador Adjunto, após validar a constituição de arguido e a detenção e de providenciar pela nomeação de defensor ao mesmo, proferiu de imediato acusação para julgamento em processo sumário (cf. despacho com a referência eletrónica 21908258), sem exarar nos autos qualquer motivo para não ter proposto a suspensão provisória do processo.
Tem pois, razão o recorrente quando alega que o Ministério Público deveria ter exercido o poder/dever de diligenciar pela aplicação da suspensão provisória do processo, ou seja, já que isso não dependia exclusivamente de si, procurando obter a concordância do arguido e do juiz de instrução, pois tudo apontava para a verificação dos restantes pressupostos, atenta a ausência, quer de condenação anterior por crime da mesma natureza, quer de anterior suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza, quer ainda de um grau de culpa elevado.
Na verdade, como também salienta o recorrente[5], não se pode partir apenas da taxa de álcool no sangue apurada para aferir o grau de culpa, havendo que perspetivar, na análise da atitude ético-pessoal do agente perante o facto ilícito, a imagem global dos factos em apreciação, ponderando todos os fatores (atenuativos e agravativos) que relevem para aferir o grau de culpa, designadamente uma eventual motivação para a conduta e a duração do percurso efetuado, tendo ainda presente que os efeitos do consumo de álcool também variam consoante as características de cada pessoa e os seus hábitos e tolerância a esse tipo de consumo, elementos factuais estes que não se mostram apurados no caso dos autos.
Todavia, como bem acentua o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a apontada omissão do Ministério Público não é suscetível de consubstanciar qualquer invalidade processual, mormente a nulidade de insuficiência do inquérito, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), invocada pelo recorrente.
Desde logo porque, tratando-se de processo tramitado sob a forma sumária, não há lugar à fase de inquérito, por ser uma situação abrangida pela ressalva do nº 2 do art. 262º, sendo certo que, a existir tal nulidade, sempre estaria sanada, por ser dependente de arguição e não ter sido suscitada pelo arguido logo no início da audiência, como impõe o art. 120º, n.º 3, al. d).
Nem tão pouco estamos perante uma mera irregularidade, prevista no art. 123º, que também carecia de ter sido arguida pelo interessado no próprio ato ou, não tendo assistido a ele, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado, o que o recorrente não fez.
Ademais, o arguido não formulou, antes do início da audiência, como poderia ter feito, nos termos art. 384º, requerimento a pedir a suspensão provisória do processo.
Não obstante a referida inação do Ministério Público, o certo é que o arguido não viu de modo algum precludida a possibilidade de obter a suspensão provisória do processo, uma vez que ele próprio podia requerer a aplicação desse instituto, afastando assim a pretensa invalidade processual que agora invoca, o que não fez.
Não é, pois, correta, a afirmação feita pelo recorrente na conclusão 4ª, de que não pôde requerer a suspensão provisória do processo, por esta “não ser da tutela jurisdicional do Exmo. Juiz a quo”.
A não verificação da invocada nulidade deixa intocados os atos processuais subsequentes dela dependentes, incluindo o julgamento e a sentença que o recorrente também pretendia ver anulada por força do disposto no art. 122º, n.º 1.

Pelo exposto, improcede a questão em apreço.

3.2 – Da atenuação especial da pena de multa

Em relação à pena de multa, fixada pelo tribunal a quo em 80 dias, o recorrente pugna pela sua redução para o mínimo legal.
Fá-lo, porém, exclusivamente por via da atenuação especial da pena nos termos dos arts. 72º, 73º e 47º do Código Penal, já que, apenas pretende a aplicação desse instituto, com a consequente redução da moldura abstrata da pena, sem pôr em causa os critérios e a respetiva valoração que conduziram à determinação daquela medida concreta (cf. conclusões 11ª a 14ª).

3.2.1 - De acordo com o n.º 1 daquele primeiro artigo, “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.

Como ensina Figueiredo Dias[6], «Ao legislador compete, desde logo, estatuir as molduras penais cabidas a cada tipo de factos que descreve na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos de factos pode presumivelmente assumir. Mas porque o sistema não poderia funcionar de forma justa e eficaz se não fosse dotado, a este propósito, de válvulas de segurança, o legislador prevê ainda aquelas circunstâncias que, em casos especiais, podem agravar ou atenuar os limites máximo e (ou) mínimo das molduras penais, cabidas como regra a um certo tipo de factos (circunstâncias modificativas). (...) Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva, aí teremos um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena. (...) A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.».

Daí o entendimento de que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar, já que para a generalidade dos casos existem as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.

Salienta o mesmo autor[7] que não deve esquecer-se que esta solução de consagrar legislativamente uma “cláusula geral de atenuação especial” como válvula de segurança, dificilmente se pode ter como apropriada para um Código como o nosso, “moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas”, sendo, pois, uma solução antiquada, devendo ser reservada para situações relativamente extraordinárias ou mesmo excecionais, por estarem em causa valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade.

No n.º 2 do art. 72º do Código Penal são enumeradas várias circunstâncias suscetíveis de serem consideradas para o efeito do disposto no n.º 1, concretamente ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência [al. a)], ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida [al. b)], ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados [al. c)] e ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta [al. d)].
No entanto, estas situações não têm o efeito automático de atenuar especialmente a pena, apenas o possuindo se e na medida em que sejam reveladoras de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou das exigências de prevenção, nos termos sobreditos, funcionando esta diminuição como um verdadeiro pressuposto material da atenuação especial.
Conforme resulta expressamente da letra da lei, tal enumeração não é taxativa, podendo ainda atender-se a outras circunstâncias aí não previstas, desde que sejam reveladoras da referida diminuição acentuada da culpa, da ilicitude ou da necessidade da pena.
Uma vez verificados os respetivos pressupostos, a atenuação especial da pena não fica no arbítrio ou na discricionariedade do juiz, antes constituindo um dever ou uma obrigação.

3.2.2 - No caso em análise, de entre os factos invocados pelo recorrente para fundamentar a pretendida atenuação especial da pena, apenas o arrependimento faz parte do elenco das circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 72º.
Todavia, o facto dado como provado é apenas que o arguido "formulou arrependimento", o que é diferente da existência de atos demonstrativos de um arrependimento sincero, como exige o preceito legal, e que, refira-se, raramente sucede em situações como a presente, em que o arguido é detido em flagrante delito pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, correspondendo a sua declaração, em julgamento seguido à detenção, à exteriorização de que não teria praticado os factos se soubesse que viria a ser fiscalizado pelas autoridades, reação essa óbvia em semelhante contexto e inapta para, por si só, evidenciar um arrependimento sincero, enquanto indicador de uma acentuada diminuição da culpa ou da necessidade da pena.
Quanto aos restantes factos invocados pelo recorrente, não só não integram qualquer das circunstâncias elencadas no n.º 2 do art. 72º do Código Penal, como também não são suscetíveis de preencher o apontado pressuposto material da atenuação especial da pena.
Com efeito, como foi corretamente ponderado na decisão recorrida, o grau de ilicitude dos factos é acentuado, atenta a considerável taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido (2,11 g/l), próxima do dobro do valor a partir do qual a conduta é considerada crime (1,20 g/l).

Quanto à necessidade da pena, como também considerou o Mmº. Juiz, as exigências de prevenção geral são bastante significativas, atendendo à reação da comunidade perante a frequência com que são cometidos crimes de condução em estado de embriaguez, pondo em perigo relevante valores como a vida e a integridade física dos demais utentes da via pública, fazendo elevar as expetativas comunitárias no reforço da validade da norma violada.

Por outro lado, ainda que, em face dos factos provados, o dolo tenha revestido a forma eventual (como expressamente considerou o Mm.º Juiz na determinação da medida da pena), com reflexo num menor grau de culpa, e que as exigências de prevenção especial não sejam relevantes, uma vez que o arguido é primário, confessou integralmente os factos, está profissional e familiarmente inserido, exercendo a profissão de comercial por conta de outrem e utilizando o veículo automóvel como instrumento de trabalho, o certo é que a mitigação da culpa e da necessidade da pena daí decorrentes não pode ser tida como acentuada, não indo além do que é habitual em situações deste género, sem assumir, portanto, uma condição de excecional, tendo esses fatores sido devidamente ponderados na determinação da pena concreta, nos termos previstos no art. 71º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Assim, ao invés do que defende o recorrente, da factualidade provada resulta claro que não estamos perante um caso extraordinário ou excecional de redução do grau da ilicitude do facto, da intensidade da culpa ou da necessidade da pena, pois a imagem global do facto não é especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva, não se justificando, pois, proceder à atenuação especial da pena.

Improcede, assim, esta pretensão do recorrente.

3.3 – Da suspensão ou substituição da pena acessória de proibição de conduzir

Relativamente à pena acessória de proibição de conduzir com que também foi sancionado, pretende o recorrente, num primeiro plano, obter a suspensão da respetiva execução ou a sua substituição por outra pena (sem, todavia, concretizar qual), capaz de assegurar os critérios da proporcionalidade e adequação exigidos nos arts. 40º, 71º, n.º 2, e 73º do Código Penal (conclusões 15ª a 23ª).

Para tanto, alega que a pena acessória que lhe foi aplicada é desproporcional face aos factos cometidos e à culpa (mediana), pois caso venha a cumpri-la, terá de deixar de trabalhar e ficará sem rendimentos para alimentar e sustentar a sua família, principalmente o seu filho ainda bebé, passando por sofrimento e privação extremos, pelo que a sentença recorrida viola os direitos constitucionais do recorrente ao exercício de uma atividade profissional (arts. 58º e 59º da CRP), sustento da sua família (art. 36º, n.º 5, da CRP), dignidade e igualdade (arts. 12º e 13º da CRP), com a condenação numa pena pesada demais em comparação com outras decisões de casos semelhantes.
Esta sanção tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do citado artigo, da sua inserção sistemática e do elemento histórico[8], traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
Correspondendo a uma manifesta necessidade de política criminal, que se prende com a elevada sinistralidade rodoviária, a aplicação da pena acessória em questão visa dissuadir os condutores de ingerirem bebidas alcoólicas em quantidades que diminuem os reflexos e afetam a capacidade de reação e a destreza, indispensáveis ao exercício da condução em condições de segurança.
A propósito das suas finalidades, refere Figueiredo Dias[9] que, “se (…) pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (…). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
A pena em apreço tem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade e dirigindo-se ainda à perigosidade do agente.
Como ensina o mesmo autor[10], «A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor constitui uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente que, como a generalidade das penas acessórias no nosso ordenamento jurídico-penal, constitui uma sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal, que permite o reforço e diversificação do conteúdo penal da condenação.».
Também Maria João Antunes[11] refere que, pressupondo as penas acessórias a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais e por isso, estão também ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção.

No caso vertente, da audição do registo áudio da sentença proferida oralmente colhe-se que a Exma. defensora do arguido, em alegações orais, terá solicitado que a pena acessória em apreço fosse suspensa na sua execução, cumprida de forma intermitente ou substituída por caução de boa conduta.
Pretensão essa que, todavia, não obteve acolhimento por parte do Mmº. Juiz, invocando e estribando-se no entendimento expresso no acórdão desta Relação de 20-03-2017[12], no qual o ora relator interveio como adjunto, inteiramente aplicável ao caso dos autos e que aqui seguimos.
Como se pode ler nesse aresto: «A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é uma sanção de natureza penal sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que expressa, ou implicitamente, preveja a possibilidade da suspensão da sua execução, com ou sem caução, ou da sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, as quais estão apenas previstas para as penas de prisão – cfr. artigos 50.º e 58.º do Código Penal. Por outro lado, a proibição de conduzir tem um efeito contínuo, como resulta do artigo 500.º, n.º 4 do CPP e do artigo 138.º, n.º 5 do Código da Estrada, e, por isso, a proibição de conduzir não pode ser limitada a certos dias, nem a certos períodos do dia, ou seja, não pode ser cumprida em regime de dias livres, como pretende o recorrente (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição, anotação ao artigo 69.º; Acórdão da Relação de Guimarães de 15/4/2008, Proc.º n.º 589/08-1, in www.dgsi.pt/jtrg.; Acórdão da Relação do Porto de 17/12/2008, Proc.º n.º 6482/08, e Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2013, Proc.º n.º 5644/09.2TDLSB.L1, estes in www.colectaneadejurisprudencia.com.).»
Conclui-se, assim, pela ausência de suporte legal direto para a pretensão em apreço.
Quanto à alegação do recorrente de que o cumprimento da pena acessória contende com o seu direito ao exercício de uma atividade profissional e, reflexamente, com os direitos a manter o filho e à dignidade e igualdade, constitucionalmente consagrados, resultou efetivamente provado que o mesmo exerce a profissão de comercial (vendedor), sendo o uso da viatura automóvel indispensável para o exercício das suas funções.
Todavia, importa ter presente que a natureza do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com a inerente perigosidade que lhe está associada, torna adequada e proporcional à respetiva punição a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer a eventual perda de emprego por parte do arguido, consequência esta que nada tem de desproporcional se comparada com os perigos resultantes da condução em estado de embriaguez para a segurança das outras pessoas e que a aplicação da pena acessória visa prevenir.
Por outro lado, a necessidade de conduzir no âmbito do exercício da sua atividade profissional é uma circunstância comum a muitos cidadãos e as consequências negativas que, do ponto de vista profissional e familiar, poderão advir do facto de a proibição de conduzir poder afetar o emprego, são próprias das penas, as quais têm de representar para o condenado um autêntico sacrifício, de modo a satisfazerem as necessidades de prevenção geral e especial.

Como o Tribunal Constitucional referiu no acórdão n.º 440/2002[13]:

«(…) O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada atividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspetiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…)
Mas, ainda que fosse demonstrada aquela factualidade (ou seja, que o recorrente inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão) (…) adianta-se desde já que a objetiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.
Efetivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspetiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspetiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.
(…), o conteúdo essencial do direito ao trabalho (…) não é atingido na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a proteção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessória infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (…) - a punição da condução de veículo por quem apresenta uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei - são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.
Daí que a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições (…), não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.».
É, assim, de concluir que, pese embora o evidente sacrifício que pode envolver para a vida profissional e familiar do arguido, como consequência necessária da própria pena, todavia, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados não contende com o direito ao trabalho e, reflexamente, com os demais direitos e princípios constitucionalmente consagrados invocados pelo recorrente.

Pelo exposto, improcede a questão em análise.

3.4 - Da redução da medida da pena acessória de proibição de conduzir

Subsidiariamente, pretende o recorrente obter a redução da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir para o mínimo legal, alegando que este será suficiente e eficiente na prevenção da reincidência, evitando simultaneamente prejuízos extremos na sua vida económica e familiar (conclusão 24ª).

3.4.1 - Nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, essa pena acessória é fixada dentro de uma moldura que tem como mínimo de 3 meses e o máximo de 3 anos.

No caso vertente, o tribunal recorrido fixou-a em 4 meses, medida contra a qual se insurge o recorrente, considerando-a desproporcional face aos factos cometidos e à culpa, que considera mediana, alegando que o tribunal a quo violou o disposto no art. 71º do Código Penal, ao desconsiderar as condições pessoais do agente, designada e novamente o facto de necessitar de conduzir veículo automóvel como condição sine qua non para o exercício da sua atividade profissional.
São aqui aplicáveis as considerações atrás tecidas a propósito da natureza e das finalidades desta pena de proibição de conduzir, para onde remetemos, apenas se renovando, em suma, que a mesma tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade das pessoas, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação[14].
Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal quer a acessória assentam num juízo de censura global pelo crime praticado. Daí que para a determinação da medida concreta de uma e de outra se imponha o recurso aos critérios gerais estabelecidos nos arts. 40º e 71º do Código Penal.
Todavia, tratando-se de realidades complementares e distintas, não pode deixar de se ter em conta a natureza e as finalidades próprias da pena acessória, de modo a que a medida aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado naquele primeiro artigo.
Nos termos do n.º 1 do citado art. 71º, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.
Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar.
Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial (por regra, positiva ou de (res)socialização, mas que no caso será de advertência individual ou de inocuização) determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.

3.4.2 – Posto isto, analisemos o caso concreto:

São fortes as exigências de prevenção geral relativas ao crime de condução em estado de embriaguez, não só porque se trata de uma conduta muito frequente, mas também porque é, reconhecidamente, uma das principais causas da elevada sinistralidade rodoviária em Portugal, com devastadoras consequências a nível económico, social, familiar e pessoal. Continua, pois, a sentir-se uma particular necessidade de combater essa sinistralidade, atenta a necessidade de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
Acresce que, nos delitos de tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal de multa (que os infratores pagam sem grandes inconformismos) ou de prisão suspensa na sua execução (que é vista até como menos onerosa que aquela). Daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento do crime de condução em estado de embriaguez.
Assim, a medida ótima de tutela do bem jurídico e das expectativas comunitárias aponta para uma elevação dos limites da moldura da prevenção geral.
Por seu lado, a medida da culpa, que serve de limite absoluto à pena a aplicar, há de ser aferida pelos fatores elencados no art. 71º, n.º 2, do Código Penal e que têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Quanto aos primeiros, haverá que ter em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.). Quanto à personalidade do agente, haverá que atender às condições pessoais, situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto[15].
Ora, se é certo que no crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez o desvalor da ação é de pouca monta (por isso se integra no vasto universo da pequena criminalidade), não pode ser desvalorizado o grau de perigo associado a essa conduta, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária). Sendo a condução automóvel, em si, já uma atividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer. Esta é uma conduta que, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física e o património, se reveste de acentuada perigosidade.
É justamente essa perigosidade que se visa prevenir com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir.
Uma vez que tal perigosidade é tanto maior quanto maior for o grau de alcoolemia detetado no condutor, a taxa de álcool no sangue há de constituir um fator relevante na determinação da medida da pena acessória.

No caso vertente, o recorrente exercia a condução de um veículo ligeiro de passageiros, na via pública, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,119 g/l, ou seja praticamente o dobro do valor a partir do qual a conduta constitui crime (1,20 g/l), tendo sido, pois, elevado o grau da perigosidade criada com o exercício da condução nessas condições.
Não sendo o crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez exclusivamente doloso, podendo ser cometido por negligência, in casu, importante para o doseamento da pena acessória em apreço é também o facto de o recorrente ter agido dolosamente, como resulta de ter representado o facto e aceitado realizá-lo.
Já as exigências de prevenção especial são diminutas, atenta a ausência de antecedentes criminais e a inserção familiar e profissional do arguido.
Ao invés do sustentado pelo recorrente na conclusão 19ª, conforme se colhe da audição da gravação da sentença proferida oralmente, o Mmº. Juiz ponderou devidamente as suas concretas condições pessoais, concretamente a referida inserção e, sobretudo, a circunstância de necessitar de conduzir para o exercício da sua atividade profissional de vendedor.
Aliás, só assim se justifica que, atenta a amplitude da moldura abstrata (de 3 meses a 3 anos) a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir tenha sido fixada em 4 meses, ou seja, praticamente no limite mínimo.
Note-se que a confissão integral e sem reservas do arguido, para efeitos de determinação da pena acessória, tem valor residual, uma vez que, dada a situação de flagrante delito, em nada contribuiu para a descoberta da verdade.
Também a mera manifestação verbal de arrependimento pouco relevo assume, pelas razões já explicitadas atrás, aquando da apreciação da questão da atenuação especial da pena.
Afigura-se-nos, pois, que aquela medida se apresenta como necessária para se atingir o nível mínimo de verdadeira advertência penal, de modo a que a eficácia preventiva de tal pena não fique irremediavelmente afetada.
Por fim, quanto à circunstância de o recorrente necessitar de conduzir veículos com motor no exercício da sua atividade profissional de vendedor, para além do que já se referiu supra a propósito do conflito com o direito constitucional ao trabalho, para onde remetemos, importa salientar que não está afastada a possibilidade de o mesmo se socorrer do auxílio de terceiras pessoas (familiares ou amigos) para se fazer descolar nesse âmbito, não se podendo também deixar de referir que a necessidade de conduzir devia, antes, ter constituído um forte motivo para se abster da conduta em apreço.

Em conclusão, não se reconhece na decisão recorrida a invocada violação dos critérios de determinação da pena acessória, enunciados no art. 71º do Código Penal, tendo sido respeitado o que resulta ainda dos art.s 40º e 69º, n.º1, al. a) do mesmo Código, bem como o princípio da proporcionalidade na graduação da pena, ínsito no art. 18º da Constituição da República Portuguesa, termos em que também este segmento do recurso improcede.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A. F., confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 17 de dezembro de 2019

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)
1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada, sendo a formatação da responsabilidade do relator.
2. - Publicado no Diário da Republica, 1ª Série - N.º 248, de 24 de dezembro de 2009.
3. - Proferido no processo n.º 07P4561, disponível em http://www.dgsi.pt.
4. - Publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 17, de 24 de janeiro de 2014.
5. - Com apoio no acórdão do TRP de 18-03-2009 (processo n.º 1856/08.4PBMTS), disponível em http://www.dgsi.pt, que cita.
6. - In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 192, 302 e 306.
7. - In ob. cit., pág. 312.
8. - Atas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41.
9. - In ob. cit., pág. 165.
10. - In ob. cit. pág. 181.
11. - In Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Edição, 2015, Coimbra Editora, pág. 38.
12. - Proferido no processo n.º 2/16.5GCVLP.G1, disponível em http://www.dgsi.pt.
13. - De 23-10-2002, publicado no Diário da República, II SÉRIE, n.º 276, de 29 de novembro de 2002.
14. - Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 95 e 181.
15. - Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 245 e ss..