Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
974/14.4TBBRG.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: MANDATO FORENSE
HONORÁRIOS
LAUDO PERICIAL
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os laudos emitidos pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados não têm um valor vinculativo e constituem meios de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
II- Não sendo vinculativo para o tribunal, tal laudo deve merecer a máxima atenção do julgador, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da Ordem dos Advogados que o proferiram e as regras deontológicas que presidem à sua atividade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO (1)

A. As partes
Autor:
H. E., Advogado, titular da cédula profissional n.º …-C, com escritório na Praça …, da cidade de Braga;
Réu:
P. R., residente na Rua … Brasil;

Intervenientes acessórios:
X-Companhia de Seguros SA, com sede no Largo do Calhariz, 30, 1249-001 Lisboa; e
Y-Portugal Companhia de Seguros SA, com sede na Rua … Porto.

B. Objecto do litígio

Trata-se de acção comum, pela qual o A. pretende a condenação do R. no pagamento da quantia de € 13.000,00, acrescida de IVA, à taxa legal, e de juros moratórios desde a citação, a título de honorários por serviços de advogado que lhe prestou.
Em reconvenção, pretende o R. a condenação do A. no pagamento de valor não inferior a € 50.000,00, acrescido de juros moratórios, a título de danos patrimoniais pela perda de chance verificada na acção 670/09.4TTBRG que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga decorrente da falta de impugnação do despedimento por extinção do posto de trabalho.

C. Procedimento

O A. estriba a sua pretensão condenatória nos serviços jurídicos que prestou ao R., a solicitação deste, quantificando os honorários de acordo com o número de horas de trabalho despendidas, a complexidade das questões envolvidas, as suas qualificações técnicas e a reputação e qualificações do seu opositor.

O R. contestou, pugnando pela absolvição do pedido, fundada na impugnação do tempo de trabalho alegado e dos critérios que presidiram à quantificação dos honorários, escudando-se, ainda, na falta de apresentação para pagamento de nota de despesas e honorários.
Mais deduziu reconvenção com a pretensão sobredita, por entender que o despedimento de que foi alvo estava ferido de nulidade, que o A., no exercício do mandato, não questionou ou impugnou, como lhe era exigível, frustrando-lhe assim a possibilidade de obter, por via da acção, compensação pela ilicitude do despedimento.

O A. replicou, requerendo a intervenção acessória das companhias de seguros X, SA e Y, SA e pugnando pela improcedência da reconvenção, cujos fundamentos impugna.

Foi admitida a reconvenção.

Foram admitidas as intervenções acessórias provocadas das companhias de seguros, admitidas a intervir como auxiliares da defesa em relação ao pedido reconvencional.

Citadas para contestar, veio a Y Portugal, SA confirmar a existência de contrato de seguro realizado com o A., tendo por objeto a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em consequência de erro ou falta profissional praticados no exercício da sua profissão de advogado, e pugnar pela improcedência da reconvenção.

De igual modo procedeu a X, SA.

Foi realizada audiência prévia, na qual os autos foram saneados, fixado o objecto do litígio e delineados os temas da prova.

Foi emitido laudo de honorários pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do pertinente formalismo legal.

No final, foi proferida decisão que:
a) Julga a presente ação parcialmente procedente, e consequentemente, condena o réu P. R. a pagar ao autor H. E., a quantia de 9.000,00 € (nove mil euros), acrescida de IVA à taxa legal, mais os juros moratórios legais, contados desde a citação sobre a quantia de 9.000,00 €, até efetivo e integral pagamento.
b) Julga a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o autor/reconvindo do pedido reconvencional.
Custas da ação, por autor e réu, na proporção do decaimento.
Custas da reconvenção pelo réu.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o R. P. R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O ora Recorrente considera que a Senhora Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração da prova, e por isso esteve mal na sentença ao julgar:

a) A ação do autor parcialmente procedente, e consequentemente, condenar o ora recorrente a pagar ao autor a quantia de € 9.000,00, acrescida de IVA à taxa legal, mais juros moratórios legais, contados desde a citação sobre a quantia de € 9.000,00, até efetivo e integral pagamento;
b) A reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o autor/reconvindo do pedido reconvencional.
2. Mais, considera que foram incorretamente julgados e valorados os factos constantes dos pontos 9, 20, 34 e 53 dos factos considerados como provados.
3. Assim, não pode o recorrente concordar com a decisão da Senhora Juiz “a quo” de considerar como provado que o autor foi incumbido pelo recorrente de propor uma ação judicial tendente a obter a condenação da CH. no pagamento das prestações patrimoniais a que se julgava com direito.
4. O recorrente sempre comunicou ao autor que considerava o seu despedimento ilícito, pois a CH. apenas pretendia afastar o recorrente e a toda a sua família da empresa devido a um conflito societário que existia com o pai do ora recorrente.
5. Aliás, tal situação foi considerada como provada pela Senhora Juiz “a quo” no ponto 7 dos factos considerados provados na Sentença.
6. Mais, tal posição foi confirmada pelas declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha R. A., que à data dos factos era o mandatário da CH..
7. O próprio autor quando prestou as suas declarações também foi assertivo ao afirmar que existiam várias ações entre a família do recorrente, nomeadamente do seu pai, e a CH..
8. Acresce que, na resposta à comunicação que a CH. fez ao ora recorrente de que o pretendia despedir por extinção do posto de trabalho, a qual foi elaborada pelo autor, após reunião com o ora recorrente, na qual é invocada a ilicitude do despedimento que a CH. pretendia fazer do ora Recorrente.
9. Relativamente ao tempo que a Senhora Juiz “a quo” deu como provado que o autor despendeu com os processos do ora recorrente, este considera que os mesmos não deveriam ter sido dados como provados, em virtude de não existir nenhum elemento em todo o processo que permita chegar a essa conclusão.
10. Aliás, se atentarmos às declarações do próprio autor ele afirma de forma peremptória desconhecer que tempo gastou para realizar tais tarefas.
11. Mais, nenhuma das testemunhas arroladas pelo autor no seu depoimento afirmou ter conhecimento de quanto tempo aquele despendeu na preparação das referidas peças processuais, nem o poderiam fazer pois não estiveram presentes nesses momentos.
12. Acresce ainda que, a Senhora Juiz “a quo” considerou, erradamente na opinião do recorrente, que a elaboração das ditas peças processuais, devido aos assuntos nelas implicados exigiram esforço de investigação e reflexão, ora tal posição entra em contradição com o facto dado como provado no ponto 54 ao considerar o autor como um advogado de grande prestigio e experiência profissional.
13. Ora, um advogado de grande experiência profissional não precisaria de despender grande tempo na elaboração de uma p.i. com 23 artigos, nos quais apenas se peticiona créditos laborais vencidos.
14. Ou numa resposta à contestação e reconvenção deduzida pela CH., que possui uns meros 24 artigos, a maioria dos quais apenas dedicados à impugnação dos artigos da constestação/reconvenção.
15. A contestação à ação intentada pela CH. reduz-se a uns singelos 6 artigos, é verdade que as peças processuais não são avaliadas ao metro, mas a sua simplicidade também demonstra a rapidez da sua execução.
16. Atente-se ainda à sentença do processo nº 670/09.4TTBRG, no seu ponto 3.3. com a epígrafe “Diferenças retributivas referentes a subsídio de férias, de Natal e ajudas de custo”, e aos seus dois primeiros parágrafos os quais passamos a transcrever: “Pretende o autor que a Ré lhe pague os subsídios de férias e de Natal vencidos ao longo da vigência do contrato, de valor equivalente à soma da retribuição-base, ajudas e comissões.”; “Tal pedido é, sem dúvida infundado e até mirabolante, desde logo, no que se refere ao subsídio de Natal.”.
17. Assim, o recorrente entende que foi indevidamente considerado como provado o tempo que o autor despendeu a preparar as referidas peças processuais, pois não foi demonstrado de forma alguma se o autor gastou 5, 10, 20 ou 30 horas, aliás, nem o próprio autor sabe, motivo pelo qual impõe-se uma decisão diversa da proferida pela Senhora Juiz “a quo”.
18. Não pode o ora recorrente concordar com a decisão da Senhora Juiz “a quo” quando julga a ação parcialmente procedente, e consequentemente, condena o réu a pagar ao autor a quantia de € 9.000,00, acrescida de IVA à taxa legal, mais juros moratórios legais, contados desde a citação sobre a quantia de € 9.000,00, até efetivo e integral pagamento.
19. O ora recorrente entende que a Senhora Juiz “a quo” esteve mal ao fixar o valor dos honorários do autor, em valor superior ao constante do Laudo de Honorários emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, pois salvo melhor entendimento, o ora recorrente considera que aquele órgão é o mais capaz para determinar, em caso de falta de acordo, quais os honorários devidos pela prática de atos de advocacia.
20. Ora, que melhor órgão existe para ter conhecimento dos usos e costumes da atividade da advocacia, ou para determinar quais os honorários devidos a um advogado pelo exercício da sua atividade profissional?
21. Mais, o Estatuto da Ordem dos Advogados, o qual é uma Lei com a força legal igual a todas as outras emitidas pela Assembleia da República estabelece no seu artigo 100º, quais os critérios legais para a determinação do valor dos honorários na falta de convenção prévia reduzida a escrito.
22. Entende o recorrente que o grau de dificuldade do assunto, não foi muito elevado, pois trata-se de uma ação de determinação de créditos laborais, ou seja, uma operação maioritariamente matemática, com uma base jurídica já consolidada.
23. Quanto ao tempo despendido, tal como ficou dito supra, entende o ora recorrente que não ficou provado em sede de audiência de julgamento qual o número de horas despendido pelo autor com os dois processos.
24. Quanto ao resultado obtido, conforme resulta dos documentos juntos ao processo, o resultado foi nulo, pois no processo 670/09.4TTBRG, a CH. foi condenada no pagamento da quantia € 5.370,00, quando o pedido era de € 160.788,29.
25. Perante a liberdade que existe na fixação dos honorários devidos pela pratica de atos de advocacia, e pela discricionariedade na determinação desses montantes, entende o ora recorrente não existir órgão mais adequado para a determinação desse valor que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no qual estão representados todos os advogados, para além de ter um conhecimento aprimorado dos usos e costumes da prática da advocacia.
26. Assim, se o Conselho Superior da Ordem dos Advogados após analisar todos os documentos juntos ao processo determinou que o valor justo a conceder seria o de € 6.000,00 acrescido de IVA à taxa legal, não deveria a Senhora Juiz “a quo” ter fixado um valor superior àquele.
27. Mais, entende o ora recorrente que a Senhora Juiz “a quo” na sentença não fundamenta a sua decisão de fixação em nenhum critério diferente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, limitando-se a mencionar o reconhecimento que o autor goza na comarca, não valorando por exemplo o resultado obtido, ou analisando a qualidade das peças processuais para determinar o grau de dificuldade.
28. Mais, relativamente ao pedido reconvencional, não pode o ora recorrente concordar com a decisão da senhora Juiz “a quo” de julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o autor/reconvindo do pedido reconvencional.
29. Entende o ora recorrente que em sede de audiência de julgamento ficou devidamente demonstrado que a sua vontade era impugnar o despedimento a que foi sujeito por parte da CH..
30. Não podemos olvidar que, tal como ficou dado como provado pela Senhora Juiz “a quo” naquela data existia um conflito societário entre o sócio maioritário da CH. e a família do ora recorrente, o qual terminou com o afastamento de toda a família do ora recorrente da empresa CH..
31. Da análise dos documentos podemos confirmar que de facto o que a CH. pretendeu fazer foi despedir e afastar o ora recorrente por querer afastar toda a sua família da empresa, e não por ir proceder à extinção do seu posto de trabalho, esse facto está bem evidente na contestação/reconvenção e na ação que a CH. deduziu contra o ora recorrente no Tribunal de Trabalho de Braga.
32. Ao não impugnar esse despedimento o autor impediu o recorrente de fazer valer os seus direitos.
33. Mais, analisando a comunicação da intenção de proceder ao despedimento do ora recorrente, podemos verificar que a CH. omitiu determinados pressupostos o que invalidariam todo o procedimento em causa.
34. Ao não impugnar o despedimento, o autor privou o recorrente de ver esta sua pretensão julgada pelo Tribunal de Trabalho.
35. Estamos perante o instituto da chamada “perda de chance”, que se prende com a inexecução ou execução defeituosa do mandato.
36. O advogado, na execução do acordado com o cliente, deve agir segundo as exigências legis artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos então existentes, atuando de acordo com o dever objectivo de cuidado.
37. Ora, na presente situação, o autor não defendeu qualquer interesse do recorrente pois a sua conduta negligente provocou um dano na esfera patrimonial do recorrente, uma vez que não recebeu qualquer valor a nível de compensação pela ilicitude do despedimento, em virtude do autor não ter impugnado o mesmo e reclamado esses valores em nome do recorrente.
38. Mais, exigia-se que o autor, atendendo ao seu vasto curriculum e experiência enquanto advogado tivesse estudado com cuidado e tratasse com zelo a questão que lhe foi incumbida, o que não sucedeu.
39. Ora, não se podendo afirmar que o recorrente iria ver a sua pretensão atendida aplica-se o instituto da “perda de chance”, devendo este ser indemnizado pela ausência de possibilidade de ter tido a sua pretensão apreciada pelo Tribunal.
40. Assim, esteve mal a Senhora Juiz “a quo” ao absolver o autor do pedido reconvencional deduzido pelo recorrente, devendo por isso ser revogada a decisão ora impugnada e ser o autor condenado nos termos peticionados pelo recorrente na sua reconvenção.

Termos em que, por todo o exposto, e pelo que V. Excelências doutamente suprirão, impõe-se a revogação da decisão impugnada, pelo que assim, farão Vossas Excelências inteira e sã JUSTIÇA.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo A. H. E., que as finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I.- deve o recurso respeitante à matéria de facto ser rejeitado;
II.- e deve, em qualquer caso, a sentença recorrida ser integralmente confirmada.
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Notificada do recurso apresentado pelo R., também a interveniente acessória W Portugal – Companhia de Seguros, S.A. - que veio substituir a Y-Portugal Companhia de Seguros SA - apresentou as suas contra-alegações, limitando-as à parte do recurso em que o recorrente alega erro de julgamento da decisão relativa à matéria de facto constante do ponto 9 dos Factos Provados.
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Igualmente a interveniente acessória X-Companhia de Seguros SA apresentou as suas contra-alegações, notificada que foi do recurso apresentado pelo R., defendendo que o recurso deve ser rejeitado na apreciação da decisão quanto à matéria de facto e, consequentemente, não pode merecer provimento.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto pelo R., tendo também admitido as respostas às alegações do A. e das intervenientes acessórias.

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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante P. R., este pretende:

- terem sido incorretamente julgados e valorados os factos constantes dos pontos 9, 20, 34 e 53 dos factos considerados como provados;
- que se reaprecie a decisão de mérito da acção e da reconvenção.
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3 – OS FACTOS

1 – FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão a proferir, julgada a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. O autor exerce a profissão de advogado, há mais de trinta anos, no seu escritório instalado no ..º. andar frente do prédio urbano sito na Praça …, n.º .., da cidade de Braga.
2. Foi professor de Direito na Faculdade de Direito de … e na Faculdade de Direito da Universidade Católica do ….
3. O réu sabia que o autor lecionava.
4. O início da prestação pelo autor dos seus serviços de advogado ao réu ocorreu quanto este o incumbiu de lhe elaborar a resposta à comunicação que recebeu de CH.-Equipamentos para Pesagem, Lda., no âmbito de procedimento para o seu despedimento com fundamento na extinção do posto de trabalho de diretor do departamento de exportação que ele ocupava nessa empresa.
5. Para elaborar essa resposta teve o autor de verificar os factos em que a CH. alicerçava o pretendido despedimento e, posteriormente, tomar posição sobre tais factos, o que fez, elaborando para o réu, a partir das informações que o réu lhe prestou, uma resposta, a impugná-los.
6. Para tanto, teve o autor de reunir-se com o réu, por mais de uma vez.
7. Este procedimento tendente ao despedimento do réu aconteceu num ambiente de rompimento das relações societárias entre o pai do réu, sócio minoritário da CH., e os demais sócios da sociedade.
8. E, como era previsível, o processo findou com o seu despedimento.
9. Depois disso, foi o autor incumbido pelo réu de propor uma ação judicial tendente a obter a condenação da CH. no pagamento das prestações patrimoniais a que se julgava com direito à luz do contrato de trabalho escrito existente entre ambos o qual, na opinião do réu, estava a ser incumprido desde o início do ano de 2006.
10. A fim de fundamentar essa pretendida demanda, exibiu ao autor um contrato de trabalho escrito, datado de 01 de outubro de 2003, segundo o qual era admitido ao serviço da CH. para exercer as funções de diretor do departamento de exportação mediante a remuneração fixa mensal, que imediatamente antes do despedimento era de 2.358,00 € e uma remuneração variável correspondente a 3% do valor líquido das vendas efetuadas pela CH. nos mercados externos a Portugal, além de alguns outros complementos salariais.
11. Alegando que a entidade patronal, a partir do início do ano de 2006, lhe deixara de pagar as comissões acordadas, pretendia o réu que lhe fossem pagas todas as comissões em dívida e os demais direitos conexos e emergentes dessa remuneração variável.
12. O autor teve de ponderar os termos da ação e a viabilidade do seu êxito.
13. O corte das comissões verificou-se numa altura em que a gerência de facto da CH. era exercida pelo pai do réu e pelo seu irmão F. R., uma vez que o terceiro gerente se encontrava em Itália.
14. O autor ponderou a possibilidade de a CH. vir defender-se, na ação que fosse intentada, com a alegação de que o réu tinha aceitado tácita ou expressamente a eliminação das comissões.
15. Para tanto, teve o autor de debruçar-se sobre várias questões, entre as quais saber se a entidade patronal podia unilateralmente abolir a acordada retribuição mensal variável mediante um aumento, igualmente unilateral, da sua remuneração fixa; e a de saber se do facto do réu, desde o início de 2006 e até ser despedido, ter recebido, sem qualquer reclamação ou protesto, a remuneração fixa, por essa altura aumentada, não poderia concluir-se pela aceitação tácita da abolição das comissões.
16. Sobre esse ponto o autor não encontrou suficiente informação na jurisprudência e na doutrina portuguesas.
17. Ponderou ainda o autor a possibilidade de a CH. poder vir a alegar – como veio a suceder – que o réu e a CH. tinham acordado expressamente a eliminação das comissões, em troca de um aumento da remuneração fixa.
18. Equacionando o autor que o réu apenas poderia contar com o depoimento do seu irmão, F. R., então igualmente em litígio com a CH.;
19. Estudou a possibilidade de invocar a aplicabilidade do disposto no artigo 394.º do CC, de molde a impedir, em julgamento, que G. C. prestasse depoimento que desfavorecesse a tese do réu.
20. E foi assim eliminando essas sucessivas barreiras, num percurso em que gastou mais de 35 horas de trabalho, que o autor se decidiu a intentar a almejada ação, que correu seus termos no 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga, com o n.º 670/09.4TTBRG.
21. A elaboração da petição inicial, com um pedido de condenação da CH. a pagar ao réu a quantia de 160.788,29 €, mais juros moratórios, exigiu a feitura de inúmeros cálculos e correções, porque o réu não dispunha de dados documentais seguros sobre as vendas.
22. A indicação dos meios de prova também exigiu particular atenção, em particular o requerimento para a elaboração do exame pericial à escrita da ré e a notificação desta para juntar aos autos nota discriminativa mensal de todas as vendas com indicação dos respetivos valores e pagamentos efetuados.
23. Não possuindo o autor sistema informático para gerir o processo eletronicamente, recorreu a favores do seu colega e amigo Dr. A. A., exclusivamente para esse fim, por forma a evitar o pagamento de taxa de justiça mais elevada.
24. A audiência de partes teve lugar no dia 18 de junho de 2009, com início pelas 09h30, o que obrigou o autor a deslocar-se ao Tribunal de Trabalho de Braga, onde permaneceu durante a manhã.
25. Gorada a tentativa de conciliação promovida pelo Senhor Juiz na audiência de partes, foi apresentada contestação, em que a ré se defendeu alegando, tal como o autor previra, um acordo expresso entre o réu e a CH. sobre a eliminação das comissões.
26. A resposta à contestação não ofereceu dificuldade merecedora de relevo; a única preocupação que suscitou foi a de não deixar sem impugnação algum facto constitutivo ou instrumental da exceção alegada.
27. Aquilo em que o autor teve mais dificuldade e lhe fez gastar mais de uma dezena de horas de trabalho foi contestar a reconvenção deduzida pela CH., em que esta pedia a condenação do réu no pagamento da quantia de 279.914,46 €.
28. Ao fim de muita reflexão e várias conversas com o réu, encontrou o autor forma de impugnar os factos alegados pela reconvinte sem, por um lado, fragilizar a posição do réu e, por outro, incorrer em responsabilidade processual por litigância de má fé.
29. Depois da resposta à contestação-reconvenção, teve o autor de apreciar a resposta da reconvinte.
30. O despacho saneador julgou inadmissível a reconvenção por supostamente não respeitar a conexão exigida pela lei. E isso fez com que a CH. intentasse contra o autor uma ação autónoma com o mesmo pedido e com a mesma causa de pedir da extinta reconvenção, ação de cuja defesa também se incumbiu o autor e que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga, com o n.º 394/10.0TTBRG.
31. Nesta ação, depois da audiência de partes que teve lugar pelas 14h do dia 17 de maio de 2010, elaborou o autor a contestação, que tendo sido decalcada da resposta que havia dado à reconvenção, não apresentou assinalável esforço.
32. E a resposta à sua contestação apresentada pela então autora também não lhe ocupou mais tempo do que a sua leitura atenta, a fim de se certificar de que não tinha sido alegado facto novo que houvesse de ser oportunamente impugnado, na audiência de julgamento.
33. Entretanto na ação em que o réu era demandante, depois de analisar o extenso relatório pericial, o autor começou a preparar o julgamento.
34. Nessa preparação gastou o autor mais de 30 horas de trabalho.
35. A primeira sessão da audiência de julgamento da ação em que o réu era demandante foi marcada para 03 de novembro de 2009.
36. Tal sessão foi posteriormente adiada para 29/09/2010.
37. No dia apontado, porquanto o autor carecia de ausentar-se pelas 11h00 mercê de outras diligências judiciais inadiáveis, a audiência foi adiada para o dia 24 de janeiro de 2011 e 26 de janeiro de 2011, em ambos os casos, pelas 10h00.
38. No dia 24 de janeiro de 2011 a audiência iniciou-se com a produção da prova testemunhal, tendo sido inquiridas 3 testemunhas e suspendeu-se pelas 12h30, tendo sido designada a sua continuação na data agendada de 26 de janeiro de 2011.
39. Tal sessão veio a ser transferida para 25 de maio de 2011, pelas 10h00, por indisponibilidade de sala de audiências.
40. Nesse dia, a audiência iniciou-se apenas pelas 11h30 e até às 13h00 teve lugar o depoimento de parte do réu e a inquirição da testemunha comum C. M., tendo sido designado para a sua continuação o dia 06 de julho de 2011 às 10h00, continuação que não aconteceu por falta de sala de audiências, o que motivou novo agendamento para o dia 23 de setembro de 2011, designação que veio a ficar sem efeito, com a indicação de 16 de novembro para a continuação, que voltou a não ter lugar, por mais uma vez faltar sala de audiências.
41. Antes do dia 20 de janeiro de 2012, data que tinha sido designada para a continuação da audiência, requereu-se a suspensão da instância por 15 dias para uma tentativa de conciliação.
42. A par dessa ação em que era demandante, corria também a ação em que o réu era demandado e cujo julgamento teve o autor de preparar, selecionando os documentos que se propunha apresentar em audiência e idealizando as perguntas e contra perguntas que devia fazer às testemunhas.
43. A audiência nesta ação foi agendada para as 10h00 do dia 06 de outubro de 2010 mas à hora marcada, encontrando-se o autor no Tribunal para início da diligência, o seu colega, advogado da parte contrária, comunicou ao Tribunal e ao autor que, em virtude de uma avaria no automóvel, não lhe era possível comparecer, solicitando, por via disso, o adiamento da diligência.
44. Simultaneamente, solicitou a anuência do autor a um pedido de suspensão da instância por 30 dias, anuência que o autor deu e de que o réu ficou conhecedor.
45. No dia 13 de dezembro de 2010, data que, findo o período da suspensão, foi designada para a audiência, a autora juntou um documento para cuja análise o autor carecia de prazo, do qual, por isso, não prescindiu e como o autor e o seu colega declararam de imediato pretender inquirir as testemunhas sobre o conteúdo desse documento, julgou-se que não seria oportuno dar início à produção da prova testemunhal.
46. E daí o adiamento da audiência para o dia 23 de março de 2011, que não chegou a realizar-se, como não chegou a realizar-se em 13 de setembro de 2011, por nessa data se ter pedido nova suspensão da instância por 60 dias, para se tentar pela última vez chegar a uma conciliação nas duas ações.
47. No dia 16 de janeiro de 2012 que, findo o prazo da suspensão, foi o dia designado para a audiência, esta voltou a ser adiada.
48. Entretanto, na ação em que o réu era demandante só faltava ouvir o testemunho do seu irmão e impedir o depoimento de G. C..
49. Apesar do momento processual em que a ação se encontrava, o réu, em 5 de março de 2012, outorgou procuração com poderes forenses à Sr.ª Dr.ª B. S. que, no dia seguinte, a apresentou em juízo nas duas ações, o que ao chegar ao conhecimento do autor, no dia 07 de março de 2012, levou-o a renunciar ao mandato.
50. Nessa data – 07 de março de 2012 – findaram os serviços de advogado que o autor prestou ao réu.
51. Em 23 de agosto de 2013 o autor remeteu ao réu a carta junta a fls. 510-520 dos autos, na qual fixou os honorários em 13.000,00 €, acrescidos de IVA.
52. Tal carta foi remetida para a Rua …, n.º …, Braga e foi devolvida ao autor por não ter sido reclamada.
53. Na determinação dos honorários teve o autor em consideração que na gestão do procedimento de despedimento gastou mais de 5 horas de trabalho, bem como na gestão das duas ações, ao longo de 3 anos, mais de 135 horas de trabalho, que os assuntos nelas implicados exigiram esforço de investigação e reflexão e que, no conjunto de ambas as ações, se discutiam pretensões cujo valor patrimonial ascendia a mais de 400.000,00 €.
54. Além disso, levou-se em consideração o prestígio e experiência profissional do autor.
55. E, bem assim, a reputação, experiência profissional e preparação técnica do seu opositor, Dr. R. A..
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56. A CH. comunicou ao reconvinte a extinção do posto de trabalho por carta junta a fls. 53, com o teor que dela consta.
57. A licitude do despedimento não foi questionada ou impugnada na ação 670/09.4TTBRG.
58. A relação laboral que vinculava o reconvinte e a CH. cessou em 16 de abril de 2009.
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59. A CH. pagou ao autor indemnização por antiguidade mercê do despedimento por extinção do posto de trabalho, que o mesmo recebeu.
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60. Por escritura pública outorgada em 02/12/1997, foi alterada a denominação da sociedade comercial anónima com a firma K – Companhia de Seguros, S.A. para Y Portugal - Companhia de Seguros, S. A.
61. A Y Portugal – Companhia de Seguros, S.A. (então denominada K – Companhia de Seguros, S.A.), celebrou com o autor, H. E., um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice nº …….., pelo qual garantiu a responsabilidade civil do segurado contra as consequências pecuniárias da responsabilidade civil em que ele possa incorrer por motivo de negligências e faltas cometidas no exercício da sua profissão de advogado, até ao montante de € 250.000,00, tudo conforme consta da respetiva apólices, condições gerais, especiais e particulares juntas a fls. 311 verso a 322.
62. Esse contrato teve início em 13/01/1993 e foi celebrado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovado, mantendo-se válido e em vigor até à presente data.
63. Foi convencionada uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 500,00.
64. Mais foi contratado que caso o segurado celebrasse dois ou mais contratos de seguro, com diversas seguradoras, destinados a cobrir um mesmo risco respeitante à mesma responsabilidade ou interesse seguro e por idêntico período de tempo, em caso de sinistro a Y Portugal – Companhia de Seguros, S.A. contribuiria para a indemnização na proporção do capital nela seguro, sem que possa ser ultrapassado o valor total do dano verificado.
65. O contrato de seguro não garante a responsabilidade civil emergente de perdas indiretas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações.
66. O autor contratou com a X-Companhia de Seguros, SA um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, com a apólice actual n.º …, que se encontrava em vigor à data da propositura da ação.
67. Apólice essa com a cobertura da responsabilidade profissional do segurado na atividade de “advogados e jurisconsultos” com o conteúdo constante das condições particulares e gerais juntas a fls. 329 verso a 337 verso.
68. Sendo o capital em risco coberto de € 498.797,90, é de € 2.493,99 o valor da franquia contratada a cargo do segurado.
69. O autor não participou a qualquer uma das companhias de seguro qualquer sinistro.
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70. A ação 670/09.4TTBRG findou por sentença proferida em 20 de março de 2013, transitada em julgado após recurso julgado improcedente, pela qual a CH. foi condenada a pagar ao aqui réu a quantia de 5.370,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, tendo sido absolvida do demais peticionado.
71. A ação 394/10.0TTBRG findou em 16/06/2014, por transação homologada por sentença, pelo qual o réu liquidou à CH. a quantia de 5.370,00 €, fazendo operar a compensação do débito, com o crédito resultante da sentença referida em 70.
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2 – FACTOS NÃO PROVADOS:

i) Foi entre 1973 e 1980 que o autor exerceu as funções de assistente na Faculdade de Direito de ….
ii) A exibição referida em 10 ocorreu em demorada reunião no escritório do autor.
iii) O facto referido em 16 determinou a necessidade de procurar esclarecimento na literatura francesa, designadamente na tese sustentada por C.H. Camerliynck in Traité de Droit du Travail, Contrat de Travail, pag. 180.
iv) A comunicação da decisão do despedimento do réu ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, a ter existido, foi posterior à enviada ao réu.
Não se provaram outros factos, com relevo para a decisão a proferir, alegados na petição inicial, contestações ou réplica, entendidas estas como expurgadas de todas as alegações repetidas, sinónimas, conclusivas ou que encerram considerações de direito.
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3 – Convicção do Tribunal:

A convicção do Tribunal resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, a prova pericial realizada, os documentos que deles constam, a prova por declaração das partes e a prova testemunhal ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, enriquecida pelo que foi dado ao Tribunal ouvir e ver, resultado da oralidade e imediação de que beneficiou.

No que à prova documental concerne atendeu-se:

Ao teor da ata de audiência de partes de fls. 22-23, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 20, 24, 25, e 35;
Ao teor da petição inicial de fls. 24-45, cujo original se mostra junto nos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 30;
Ao teor da contestação de fls. 46-49, cujo original se mostra junto nos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 31;
Ao teor da comunicação escrita de fls. 53 a 55, quanto à prova dos factos vertidos em 4, 8, 56 e 58;
Ao teor da resposta de fls. 56, quanto à prova do vertido em 5;
Ao teor do contrato de trabalho junto a fls. 60-62, quanto aos factos mencionados em 10;
Ao teor da petição inicial de fls. 63-71, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 9-11, 20-23 e 57;
Ao teor da contestação/reconvenção de fls. 72-90, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 25 e 27;
Ao teor do relatório pericial de fls. 95-101 e 104-131, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 33 e 34;
Ao teor da resposta à matéria de exceção de fls. 132-142, cujo original se mostra junto nos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 32;
Ao teor da ata de fls. 143-144, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 36 e 37;
Ao teor da ata de fls. 145-147, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 38;
Ao teor da ata de fls. 148-149, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 39;
Ao teor da ata de fls. 150-152, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 40;
Ao teor da ata de fls. 153-154, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 40;
Ao teor da ata de fls. 155-156, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 40 e 41;
Ao teor do despacho de fls. 157, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 41;
Ao teor da ata de fls. 161, cujo original se mostra junto nos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 45 e 46;
Ao teor da ata de fls. 162, cujo original se mostra junto nos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 46;
Ao teor do requerimento e procuração de fls. 165-167, cujo original se mostra junto nos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 49;
Ao teor da comunicação de fls. 168-169, quanto aos factos referidos em 49 e 50;
Ao teor do requerimento de fls. 170-171, quanto aos factos referidos em 49 e 50;
Ao teor da sentença junta a fls. 200-213, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 30, 57 a 59, e 70;
Ao teor da certidão comercial de fls. 232-243, quanto aos factos correspondentes referidos em 13;
Ao teor do relatório de gestão do exercício de 2009 de fls. 246-256, coadjuvante da prova dos factos referidos em 4, 7, 18;
Ao teor da ata de fls. 284-285, cujo original se mostra junto nos autos 670/09.4TTBRG apensos, quanto à prova dos factos referidos em 50;
Ao teor dos dados de apólice, aviso recibo e condições contratuais de fls. 286-288, 311 verso-322 e 329 verso a 337, quanto aos factos referidos em 61 a 68;
Ao teor da escritura pública de fls. 309 verso a 311, quanto à prova dos factos vertidos em 60;
Ao teor da carta de fls. 510-520, respetivo envelope, registo e aviso de receção de fls. 521-523, quanto aos factos referidos em 51-55;
Ao teor da comunicação de fls. 525-526, quanto aos factos referidos em 8, 58 e 59.
Ao teor da ata da audiência de fls. 219-220 dos autos 394/10.0TTBRG apensos, quanto ao referido em 71.
A consulta dos autos apensos – 670/09.4TTBRG e 394/10.0TTBRG – permitiu aferir das iniciativas processuais das partes, das pretensões deduzidas, dos procedimentos adotados, das démarches processuais, em moldes coincidentes com aqueles que se tiveram como provados.
No mais, atendeu-se ao parecer emitido pela Ordem dos Advogados no que tange aos honorários apresentados pelo autor, nos termos do qual se entendeu que, fazendo uma justa composição de todos os interesses, valorando a importância dos serviços prestados, a dificuldade e urgência dos assuntos, os resultados obtidos, o tempo despendido e as responsabilidades assumidas, não se concedeu laudo favorável ao montante de honorários solicitado pelo autor de 13.000,00 €, sendo que o seria de conceder pelo valor de 6.000,00 €, acrescido de IVA.

No que à prova testemunhal concerne, atendeu-se, conjugadamente com a demais prova produzida, ao testemunho de:

R. A., advogado desde há cerca de 30 anos, com escritório no Porto, conhecedor de ambas as ações em causa nos autos, nas quais representou a CH., e instrutor no processo que culminou no despedimento do réu. Confirmou o contexto que determinou a decisão da empresa e, bem assim, o conflito societário em que se integrou. Confirmou a complexidade da ação intentada pelo autor, que não se restringiu a uma questão de diferenças salariais, colocando em foco matérias atinentes à remuneração variável, que à data, não se encontravam tratadas na doutrina e jurisprudência internas. No mais, considerou que o número de horas de trabalho alegados pelo autor são conformes com o exercício do mandato e com a complexidade das questões de facto e de direito que os assuntos apresentavam, caracterizando-o como advogado cuidadoso e zeloso. Teve ainda por ajustado o valor hora aplicado pelo autor, considerando a sua experiência, reconhecimento e a complexidade das causas.
O seu depoimento, nos sobreditos termos sumariado, foi coadjuvante da prova dos factos referidos em 1, 7, 8, 11, 12, 15, 16, 20, 21, 22, 23, 30, 34, 53-59.
A. A., advogado desde há cerca de 25 anos, com escritório em Braga, e primo do autor, caracterizou-o como pessoa íntegra, idónea, trabalhadora, bem reputada e conceituada, com vasta experiência profissional e na docência a que se dedicou. Mais sustentou que as competências técnicas do autor e a reputação que granjeou justificam que os honorários que pratique sejam superiores aos comuns. Admitiu ter tramitado as ações em causa nos autos no Citius, conhecendo os seus trâmites por essa razão, limitando-se a formatar os documentos, a submeter os requerimentos na aplicação e a reencaminhar as versões finais para o autor, por email. Declarou que, pelo que conhece do autor, a indicação do tempo despendido corresponde à verdade, posto que o mesmo não lançaria um número de horas que não se adequasse à realidade. Quanto ao valor/hora, declarou que a massificação dos advogados fez baixar o custo hora antes praticado. Em 2010/2011 teve processo em que orçamentou o valor/hora em 75 € e 85 €, sendo que atualmente o valor mínimo que contabiliza é de 65 €, comparando-o com o de outras profissões, valor que tem como ajustado e unanimemente aceite na comarca. Confirmou ter trocado emails com o réu, com vista a disponibilizar-lhe peças processuais. Explicou o contexto em que surgiu a renúncia ao mandato e as causas a ela subjacentes.
O seu depoimento, nos sobreditos termos sumariado, foi coadjuvante da prova dos factos referidos em 1, 2, 23, 53 e 54, bem como reforçou a tese do autor quanto ao tempo despendido e valor hora aplicado.

Por fim, atendeu-se às declarações de parte produzida em audiência:

H. E., prestou declarações em tudo coincidentes com toda a factualidade que se deu por assente, confirmando, na íntegra, as alegações ali vertidas, o que conjugadamente com o depoimento das testemunhas e documentos vindos de referir, permitiu formar convicção positiva acerca da sua veracidade. Não obstante a posição processual que ocupa e o seu interesse direto no desfecho da lide, as declarações prestadas afiguraram-nos inteiramente sinceras e credíveis, denotando reproduzir fielmente os eventos que vivenciou e que logrou evocar. Relativamente ao tempo de trabalho contabilizado, explicitou as diligências a que procedeu no estudo, tratamento jurídico, concretização das peças processuais, preparação dos julgamentos, as diligências a que compareceu e os esforços envidados com vista a defender os interesses do réu, em moldes que permitem aceitar como verdadeira a contabilização do tempo de trabalho que verteu nos autos. Explicou que não tendo por hábito registar o número de horas empregues no exercício das suas funções, o valor a que chegou foi o que entendeu espelhar minimamente a realidade, tendo por referência o trabalho, a reflexão, o estudo, as reuniões e conversas com o cliente, o agendamento das diligências, a sua preparação e habitual demora. Está, por isso, convicto de que o número de horas cobrados peca por defeito. Quanto ao valor hora referiu que fixou-o de acordo com o trabalho despendido, a sua experiência profissional e tendo por referência os valores do mercado à época, não se conformando com o valor que resulta do laudo de honorários, equiparado ao custo da mão de obra de uma oficina de reparação de automóveis. Quanto à não impugnação do despedimento do réu, declarou que que a mesma era inviável, quer em termos substantivos, quer em termos formais, facto que transmitiu ao réu e que este não contestou, sendo que sempre acompanhou o estado dos processos.
As declarações, nos sobreditos termos sumariadas, foram coadjuvantes da prova de toda a factualidade assente.
P. R., explicou o contexto em que recorreu aos serviços do autor, admitindo saber que o mesmo lecionava. Declarou ter reunido com ele, desconhecendo o número de horas investido nas questões de que o incumbiu. Declarou nunca ter recebido qualquer nota de honorários, sendo que ao tempo do envio da carta junta aos autos se encontrava ausente no Brasil. A morada para a qual foi remetida a carta era a da sua mãe, que ali residia. Mais confirmou que teve o seu despedimento como inevitável, posto que inserido numa pretensão de afastar a sua família da vida societária. Confirmou ainda que lhe foi dito que a impugnação do despedimento era inviável e que o caminho a seguir seria a reclamação das retribuições que lhe eram devidas, com base no contrato que firmara com a empresa.
As declarações, nos sobreditos termos sumariadas, foram coadjuvantes da prova dos factos referidos em 1 a 11, 13, 30, 56-59.
Os factos vertidos em 1 (in fine), a docência a que o autor se dedicou, referida em 2, os factos referidos em 4, 7, 8, 9, a deslocação referida em 24, 25, 30, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 44, a outorga da procuração referida em 45, e bem assim os factos referidos em 60 a 69 não geraram controvérsia.
A consideração como não provados dos factos que nessa qualidade se elencaram resultou da ausência de prova bastante que confirmasse as específicas alegações neles vertidas.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

I) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Diverge o apelante da decisão da matéria de facto, entendendo terem sido incorretamente julgados e valorados os factos constantes dos pontos 9, 20, 34 e 53 dos factos considerados como provados.

Como decorre do disposto no art. 640º do CPC, a parte que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de rejeição do recurso, especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ainda em honra dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, que enformam aquele dever, incumbe também à parte recorrente, igualmente sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, no caso de os meios probatórios terem sido gravados, como lho impõe a alínea a) do nº 2 daquele art. 640º.
A parte recorrida deverá, ainda que sem qualquer cominação se o não fizer, indicar os concretos meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e indicar, com igual exactidão, as passagens da gravação em que se funda, nos termos referidos na alínea b) do nº 2, do mencionado art. 640º.
Porém no caso em apreço a pretendida impugnação nos moldes em que foi feita, não reúne condições mínimas de atendimento.
Vejamos porquê.
Tal como já supra referido, o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, considerando que foram incorretamente julgados e valorados os factos considerados como provados constantes dos pontos 9, 20, 34 e 53. Lembra a sua versão dos factos e, quanto ao ponto 9, as declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha R. A. (transcreve 2 trechos da gravação) e as suas próprias declarações (transcreve 2 trechos da gravação), bem como transcreve uma frase do documento junto aos autos na p.i. do autor. Já quanto aos pontos 20, 34 e 53, discorda do tempo de trabalho efectivamente despendido pelo A., lembrando as suas declarações (transcreve 2 trechos da gravação), bem como sobre o esforço de investigação e reflexão exigido ao A. na elaboração das peças processuais, até porque estamos perante um advogado de grande prestígio e experiência profissional (como consta provado no ponto 54), tecendo considerações.
Ora, como resulta do disposto no art. 639º/1 do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, compreendendo-se tal exigência, porquanto são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cfr. ainda arts. 608º/2 e 635º/4 do mesmo Código).
Existe ainda um ónus de especificação de cada um dos pomos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo, neste caso, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. arts. 639º/2 e 640º/1 e 2 do CPC).
Todavia, como já referido, o ora recorrente não cumpriu cabalmente os ónus de impugnação da matéria de facto nos termos estabelecidos no citado art. 640º do CPC, o que ocorre inequivocamente quanto à alínea c), mas também quanto à b).
Efectivamente, tendo o recorrente identificado a matéria de facto e especificado os concretos pontos dessa matéria que considera incorrectamente julgados – os factos constantes dos pontos 9, 20, 34 e 53 dos factos considerados como provados –, não diz qual a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre tais questões, nem concretiza convenientemente os concretos meios probatórios que impunham essa decisão sobre tais itens diversa da recorrida. Limitando-se a tecer considerações sobre alguma da prova produzida e a discutir a motivação apresentada na sentença para os itens em causa, criticando a convicção do Tribunal a quo.
Todavia, sempre se dirá que da argumentação usada nas alegações, não se vê, in casu, fundamento para alteração da decisão de facto tomada na 1ª instância, quanto à matéria em apreço, tanto mais que aquando da “Convicção do Tribunal”, o Tribunal a quo fez uma análise crítica e detalhada de toda a prova produzida nos autos. Com efeito, na decisão proferida sobre a matéria de facto a Mmª Juiz, que desenvolveu a fundamentação da sua decisão de modo criterioso e aprofundado, apreciando criticamente os depoimentos produzidos, deixou bem claros os motivos do seu julgamento, referindo quem lhe mereceu credibilidade e porquê, esclarecendo por forma a permitir compreender o raciocínio lógico que conduziu à decisão sobre a matéria de facto que nela se mostra explanada, com os fundamentos que aqui acolhemos porque os compreendemos. Verificando-se, pois, da motivação da decisão de facto, que o Tribunal a quo na sentença analisou criticamente as provas e formou livremente a sua convicção, sem a violação de qualquer imposição legal quanto ao ónus ou necessidade de meio probatório para ser dado determinado facto como provado ou não provado.
O que o recorrente pretende é impor a sua própria convicção e ilações, às convicções do Tribunal, o que não é admissível.
Para alterar a matéria de facto dada como provada ou como não provada na sentença, é necessário demonstrar concretos meios de prova que existam no processo ou no registo da gravação, que imponham decisão diversa à constante na sentença e não alegar convicção diferente à convicção do Tribunal.
O apelante, no essencial, dissente da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que entende deles resultar.
Porém o apelante, em abono da alteração dos factos, não pode fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. O que não fez.
Também resulta evidente nos autos, que não só o tribunal recorrido tudo fez para que ao processo fossem trazidos todos os elementos (factuais e de prova) essenciais para a apreciação do mérito da acção, como quer na motivação da decisão sobre a matéria de facto, quer na fundamentação jurídica elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos. Não sendo assim possível adquirir convicção diferente daquela obtida pelo tribunal da 1ª instância.
Resta acrescentar quanto ao ponto 9, não ter o mesmo gerado qualquer controvérsia, como bem se refere na sentença a quo (convicção do tribunal), por ter sido o que objectivamente ocorreu e consta das próprias declarações do recorrente em audiência de julgamento, como bem resulta da transcrição constante das contra-alegações do A. recorrido. Já quanto à quantidade de horas de trabalho de que o recorrente discorda, de referir as considerações de cariz subjectivo e não rigorosas que tece quanto às declarações do A./recorrido, pois verifica-se serem estas a principal fonte da convicção do Tribunal, sem descuidar o parecer da Ordem dos Advogados que não emitiu qualquer juízo de desaprovação sobre o tempo apresentado pelo A. na nota de honorários, o que não deixaria de fazer, caso o achasse desadequado ou excessivo.

Como assim e sem necessidade de mais considerações, ao abrigo do disposto no art. 640º/1 do CPC, rejeita-se o recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto por parte do apelante R.

II) Reapreciação da decisão de mérito da acção e da reconvenção

Vejamos, agora, a reapreciação da decisão de mérito da acção e da reconvenção.
Ora, atendendo a que a matéria de facto não sofreu qualquer alteração, prejudicada fica a reapreciação da decisão em conformidade com a pretendida alteração.
De qualquer forma, o recorrente não imputa à sentença recorrida a violação de qualquer norma jurídica, que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Pelo que, quanto ao pedido reconvencional, estando todo o recurso sustentado na impugnação da matéria de facto, cujo conhecimento foi rejeitado nessa parte por não cumprir os ónus previstos nas als. b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, nenhuma alteração pode ser introduzida na decisão recorrida quanto a esta parte, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos, a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Já quanto ao valor fixado de honorários ao A., perante a liberdade que existe na fixação dos honorários devidos pela pratica de atos de advocacia, e pela discricionariedade na determinação desses montantes, entende o ora recorrente não existir órgão mais adequado para a determinação desse valor que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no qual estão representados todos os advogados, para além de ter um conhecimento aprimorado dos usos e costumes da prática da advocacia. Assim, se o Conselho Superior da Ordem dos Advogados após analisar todos os documentos juntos ao processo determinou que o valor justo a conceder seria o de € 6.000,00 acrescido de IVA à taxa legal, não deveria a Senhora Juiz “a quo” ter fixado um valor superior àquele. Mais, entende o ora recorrente que a Senhora Juiz “a quo” na sentença não fundamenta a sua decisão de fixação em nenhum critério diferente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, limitando-se a mencionar o reconhecimento que o autor goza na comarca, não valorando por exemplo o resultado obtido, ou analisando a qualidade das peças processuais para determinar o grau de dificuldade. Ou seja, entende o recorrente que a Srª Juiz a quo esteve mal ao afastar-se do laudo emitido pela Ordem dos Advogados, alegando em apoio dessa tese que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados é o mais capaz e o mais habilitado do ponto de vista técnico-científico para a determinação dos honorários dos advogados.
Com o que discorda o recorrido, não só porque o laudo - é apenas um parecer entre os que refere o art. 426º do C.P.C. e o seu valor, enquanto tal, não lhe advém de autoridade científica que não possui - não é uma perícia - a perícia tem como finalidade ajudar a dirimir uma questão de facto, sob a alçada do princípio da livre apreciação da prova -, mas também por ser profundamente errado dizer que o Conselho Superior é o órgão mais competente do ponto de vista técnico-científico para determinar os honorários dos advogados.

Quid iuris?

O mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 1157º do CC).
Prevaleceu assim a definição avançada por Galvão Telles em que definira que o objecto do mandato “tem de ser específico, em relação aos demais contratos de prestação de serviços, a natureza do seu objecto que é a prática de actos jurídicos” (2).
Na formulação de Menezes Cordeiro, “o mandato tem, porém, no âmbito dos contratos de prestação de serviços, uma posição especial, já que as suas disposições, (…), regulam, ainda, nos termos do artigo 1156º, mas com as necessárias adaptações, as modalidades do contrato de prestação de serviços que a lei não regule especificadamente. O mandato apresenta-se, assim, como o protótipo dos contratos de prestação de serviços” (3).
O contrato de mandato é um contrato típico ou nominado e, em virtude de serem frequentes no quotidiano judiciário e de levantarem alguns problemas específicos, a lei entendeu vantajoso atribuir aos contratos típicos regulamentação própria.
Trata-se, aliás, de institutos cujas linhas básicas se encontram marcadas por uma longa tradição doutrinal e legislativa. Todavia, para além das suas particularidades, há que ter em conta princípios comuns a todas as figuras contratuais e ainda relativas ao regime geral do negócio jurídico (4).
O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso (art. 1158º/1 do CC).
Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (art. 1158º/2 do CC).
Pires de Lima e Antunes Varela ensinam que “casos correntes de mandato oneroso são os dos advogados e dos solicitadores” (5).

No caso em apreço, estamos perante um contrato de mandato oneroso, uma vez que o mesmo tem por objecto actos praticados no exercício da sua profissão de advogado, sem qualquer ajuste prévio.
A questão julgada reporta-se exclusivamente à remuneração do mandato e existe uma prescrição normativa sediada no art. 100º (6) do Estatuto da Ordem dos Advogados [que regia à data da fixação dos honorários levada a cabo pelo A. – 22 de agosto de 2013 –: cfr. ponto 51 dos factos provados] que estabelece os critérios a ponderar na fixação da remuneração.
Sempre se entendeu que, na emissão do laudo, haverá que partir do pressuposto de que os serviços profissionais referenciados pelo Advogado como tendo sido prestados o foram efectivamente, uma vez que não é da competência da Ordem dos Advogados decidir, se, na verdade, tais serviços foram efectivamente prestados (cfr. pontos 20 e 21 do laudo). Tal competência, sob pena de usurpação de poderes, cabe aos Tribunais enquanto órgãos de soberania a quem cabe a função jurisdicional e não à ordem dos Advogados (7).
É indiscutível que os laudos emitidos pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados não têm um valor vinculativo e constituem meios de prova a apreciar livremente pelo Tribunal. Porém, como contrapeso, a credibilidade que merece o laudo de honorários só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade.
Pronunciando-se quanto ao laudo para a fixação dos honorários, o Tribunal a quo refere o seguinte: “Percorrendo tal laudo constata-se que, quanto ao tempo despendido, não foi colocada em crise o número de horas que o autor quantificou e que se deram como provadas. Quanto a ele concordamos com o parecer emitido no sentido de que é de valorizar de forma distinta o trabalho qualificado de consulta de jurisprudência, doutrina, estudo, definição de uma estratégia processual, preparação e intervenção nos julgamentos, daqueloutro burocrático ou respeitante a requerimentos em que se suscitam suspensões da instância ou adiamentos. Da mesma forma que o tempo despendido nessas funções não deve ser remunerado na mesma medida do tempo gasto na espera pelo início das diligências ou no seu adiamento. Como não terá idêntica similitude o tempo gasto em reuniões com o cliente e aqueloutro em que o advogado, coligindo as informações obtidas, estuda as questões, desenvolve o plano de ação e elabora as peças processuais de maior relevo. O trabalho intelectual, que exige qualificação técnica, merece maior remuneração.
Outrossim, ponderou o mesmo laudo os resultados obtidos, concluindo que os mesmos, em ambas as ações ficou aquém das pretensões do réu. Sucede, porém, que o termo de ambos os processos ocorreu após o termo da intervenção do autor, que renunciou ao mandato quando confrontado com a outorga de procuração pelo réu a nova mandatária e com a sua junção, por esta, aos processos em curso. Daí que, em bom rigor técnico, o desfecho das ações, tal como ocorreu, escapou à atuação do autor e à estratégia processual por ele delineada.
No mais, não obstante as considerações genéricas emitidas no laudo quanto aos critérios da importância dos serviços prestados, dificuldade do assunto, grau de criatividade intelectual e responsabilidades assumidas, descendo ao caso concreto, considerou-se no parecer que a dificuldade do assunto foi a típica deste tipo de processos nomeadamente quanto à elaboração dos respetivos articulados e das diversas diligências que se realizaram e se encontram documentadas nos autos, não envolveram a resolução de questões que implicassem demorado estudo jurisprudencial ou doutrinal.
Tais pressupostos foram infirmados pela prova produzida nestes autos. Dela resultou a evidência que as questões suscitadas na ação 670/09.4TTBRG, que se prendiam com a remuneração variável, implicaram um vasto estudo prévio, não encontrando, à data, tratamento bastante na doutrina e jurisprudência internas. Outrossim, a falta de elementos documentais com que o autor se deparou (para o cálculo da remuneração variável devida ao réu) e as dificuldades de ordem probatória que geraram, exigiram um trabalho de cálculo e correções sucessivas, bem como o estudo de soluções processuais que não pode considerar-se típico.
Ora, não descuramos a relevância que adquire o Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados, dada a especial qualificação de quem o emite. Porém, também não podemos aceitar os seus termos acriticamente, quando a prova produzida aponta em sentido distinto dos pressupostos nele valorados.
O laudo da Ordem dos Advogados tem uma natureza meramente orientadora, constituindo um parecer sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389.º do CC e 489º e 607º, nº 5, do CPC).
Assim, face à factualidade apurada, destacamos, em sentido contrário ao vertido no Laudo, a dificuldade das matérias sobre as quais o autor se debruçou e o tempo despendido, como critérios preponderantes, pois refletem a complexidade das causas e o esforço despendido pelo advogado na defesa dos interesses do réu, a exigir que, por recurso à equidade, se fixem os honorários devidos ao autor em montante distinto do alcançado no aludido parecer.
Em matéria de fixação de honorários a advogado, haverá sempre um espaço, um momento, de inevitável, discricionariedade, no sentido civilístico, que muito tem a ver com a boa fé que impregna toda a relação contratual e com os poderes do juiz. O critério mais adequado será a equidade, que tem a sua dinâmica na conjugação e interligação de todos os elementos relevantes disponíveis, à luz da experiência comum de vida, do “bonus pater famílias”, da realidade e razão das coisas, do justo equilíbrio e da serena ponderação e bom senso que o julgador usará com a larga margem de discricionariedade que a lei lhe confere.
Neste contexto, valorando a extensão e complexidade dos serviços jurídicos prestados pelo autor, a complexidade das matérias e o estudo que exigiram, o tempo gasto que se contabilizou em 140 horas de trabalho, o trabalho processual desenvolvido, as deslocações às diligências, a intervenção no julgamento da ação 670/09.4TTBRG, os usos da comarca, a preparação técnica e experiência profissional do autor, entende-se ajustada a fixação dos honorários no montante de 9.000,00 €.”.
Tendo, pois, o Tribunal a quo, secundando a nossa jurisprudência, entendido como elementos de ponderação mais decisivos para a fixação dos honorários, o tempo gasto pelo advogado e a dificuldade do assunto, já que refletem a complexidade da causa e o esforço despendido pelo advogado para solucionar o problema, devendo ser relegado para um plano secundário o resultado conseguido.
Ora, aceitando-se tal hierarquia entre os elementos de ponderação, afigura-se-nos que os aspectos invocados e relevados pelo Tribunal a quo para divergir do laudo - a dificuldade das matérias sobre as quais o autor se debruçou e o tempo despendido, como critérios preponderantes, pois refletem a complexidade das causas e o esforço despendido pelo advogado na defesa dos interesses do réu, a exigir que, por recurso à equidade, se fixem os honorários devidos ao autor em montante distinto do alcançado no aludido parecer -, foram já ponderados por aquele que, abordando todos os aspectos, ainda que sem os hierarquizar (cfr. pontos 29 a 32 do laudo), concluiu em não conceder laudo favorável ao montante dos honorários solicitados no valor de 13.000,00 €, antes concedendo pelo valor de 6.000,00 €. A diferença reside no facto do Tribunal a quo não ter considerado todos os elementos de ponderação para a fixação dos honorários, designadamente o resultado obtido, o que não se nos afigura assertivo. Hierarquizar os elementos de ponderação, não significa excluir os entendidos como menos decisivos.
Assim, face aos referidos critérios legais de determinação dos honorários e à hierarquia entre os elementos de ponderação, não se vislumbra qualquer razão para tão grande divergência relativamente ao montante do parecer que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados concedeu laudo, pelo que se entende ajustada a fixação dos honorários devidos ao A. no montante de € 7.000,00.
Daí que, nesta parte, se imponha a modificação da sentença.

Em suma, nos termos assim expostos, procede parcialmente a apelação do apelante.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Os laudos emitidos pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados não têm um valor vinculativo e constituem meios de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
II – Não sendo vinculativo para o tribunal, tal laudo deve merecer a máxima atenção do julgador, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da OA que o proferiram e as regras deontológicas que presidem à sua actividade.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, no parcial provimento do recurso do apelante P. R. no que concerne à fixação dos honorários devidos ao A., revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em fixar o valor da condenação do R. ao A. na quantia € 7.000,00 em substituição da aí referida quantia de € 9.000,00, mantendo no mais o decidido.
As custas da 1ª instância são a cargo do A. e R., na proporção do decaimento, levando em consideração o valor ora fixado.
As custas do recurso são a cargo do apelante e do apelado, fixando-se respectivamente, em 4/5 e 1/5.
Notifique.
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Guimarães, 11-02-2021
(José (José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Comarca de Braga, Braga - JC Cível - Juiz 2
2. In Contratos Civis, “Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. IX, pág. 210-211.
3. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. III, 2ª Ed., pág. 315.
4. Almeida e Costa, "Noções de Direito Civil", 2ª ed., pág. 333.
5. Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 627.
6. De acordo com o texto do art. 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro [a que corresponde actualmente o art. 105º da Lei nº 145/2015, de 09/09]: “1 – Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa. 2 – Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados. 3 – Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”.
7. Orlando Guedes da Costa, Direito Profissional do Advogado – Noções Elementares, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 259.