Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/15.3GAVFL.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REINCIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I. - A possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo. Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
II. - Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, de uma «liberdade para a objectividade», assente no alto grau de probabilidade do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida, não numa certeza absoluta. Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
III. - O tribunal, orientado pela descoberta da verdade material prático-jurídica, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta nem das declarações dos ofendidos, desde que credíveis e coerentes, mas tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas.
IV. - A agravante reincidência não actua automaticamente diante da presença dos requisitos formais expressamente enunciados no art. 75º CP, antes pressupõe, materialmente, que, de acordo com as circunstâncias do caso, seja de censurar o agente por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime, sendo no seu desrespeito ou desatenção a esta advertência que o legislador vê fundamento para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente.
V. – Assim, apesar de no Código Penal vigente o conceito de reincidência abranger, agora, tanto a reincidência homótropa como a polítropa, sujeitando a lei ambas a igual tratamento, o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, embora não implicando um regresso à ideia de que só a homótropa é verdadeira reincidência, exige, de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela maior censura.
VI. - Desta maneira, é a distinção entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que importa fazer, com base em matéria de facto concreta: operando a reincidência ope judicis há que distinguir o verdadeiro reincidente do pluriocasional, pois uma nova condenação, por ser devida a causas fortuitas ou exógenas que excluam a conexão entre os crimes reiterados, pode não ter força indiciadora de desrespeito, o que impede a actuação da advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. A reiteração criminosa pode ter diversa etiologia e, para efeitos da reincidência, apenas releva a que esteja ligada a um defeito da personalidade que leve o agente a ser indiferente à solene advertência contida na sua condenação em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por crime doloso (p. ex., não voltar a procurar trabalho, ou continuar a conviver com delinquentes, ou fazer do crime o seu modo de vida).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No processo comum colectivo nº 72/15.3GAVFL da Instância Central, Secção Cível e Criminal, da Comarca de Bragança, os arguidos Augusto P. e Maria P., foram julgados tendo sido decidido por decisão proferida a 4/02/2016 e depositada a 8/02/2016 o seguinte (transcrição):
«Absolver o arguido Augusto P. da acusação da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea h), 3.º, n.º 2, alínea l), 4.º, n.º 1 e artigo 86.º, n.º 1, alínea c).
Condenar o arguido Augusto P. de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 2, alínea l), 4.º, n.º 1 e artigo 86.º, n.º 1, alínea d), na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Condenar o arguido Augusto P. pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico das supras descritas penas parcelares, condenar o arguido Augusta P. na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
Condenar a arguida Maria P. pela prática em co-autoria material e na forma consumada um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se suspende na sua execução por igual período e mediante regime de prova a definir pelos serviços competentes.
Declarar perdidas a favor do estado a arma de fogo, o aerossol apreendido nos autos, e os três pedaços de cerâmica.
Condenar os arguidos no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC por cada um (artigos 513.º, do Código de Processo Penal e 8.º, n. 5, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).».
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Inconformado com a referida decisão, o arguido Augusta P. interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1- Os factos incorretamente julgados neste processo foram os pontos em 1, 2, 3, 4, 5 6, 8, 9, 10 in fine, 11 in fine,
2- Efetivamente decorreu quer de depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento o total desconhecimento do envolvimento do arguido na prática dos factos, quer ainda porque do depoimento prestado pela principal testemunha inquirida Marco D. resultaram evidentes contradições entre este depoimento e o declarado pelos agentes do OPC.
3- A testemunha José T., que se encontrava na parte de cima do café refere, que ouviu “ruídos” de garrafas de cerveja a bater, ouviu uma voz, sem conseguir distinguir se era uma voz masculina ou feminina, e que falava baixinho, não vendo ninguém, tendo a perceção que poderia ser o seu pai, que costuma ir caçar a ser ele que se encontrava no mesmo estabelecimento (Ficheiro áudio sob numero 20151209114924-1386509 2870626, ao minuto 01: 36 ao minuto 02: 46, prestado a 9/12/215)
4- Por sua vez Adriano A., ofendido nos presentes autos também não visualizou o que quer que fosse, ouvindo somente o que o seu filho lhe transmitiu, limitando-se a ir para o estabelecimento com a sua mulher, a testemunha Albertina J., que nada sabem do seu ou seus autores (ficheiro áudio sob numero 20151209115846 1386509 287062 prestado a 9/12/2015 ao minuto 01:00 até ao minuto 3.00.
5- A testemunha Adriano A., ouvida em sede de audiência de julgamento, proprietário do estabelecimento, o aqui ofendido referiu-se a tal distancia, tendo-se chegado á conclusão que entre as duas localidades a distancia é significativa, sendo que de carro normalmente demorar-se-ia entre 35 a 40 minutos, - (depoimento gravado em sistema áudio sob ficheiro 20151209115846 1386509 287062, prestado a 9 de Dezembro de 2015, pelas 11:58:47, terminado o mesmo ás 12: 09: 12 e ainda ao minuto 08:05 ate ao minuto 08: 35 sob o mesmo numero de ficheiro.)
6- Tudo isto prova inequivocamente que não pode ter sido o arguido quem perpetrou o crime de furto, pois não tinha viatura.
7- A acrescer a este raciocínio que a defesa faz é essencial o depoimento prestado pela Testemunha Marco D. e o agente da GNR C.., já que ambos entram em contradição sob o modo como os objectos furtados foram encontrados e a forma como foi desencadeada a operação policial.
8- Vide ficheiro das declarações prestadas pelo agente C... no ficheiro 20151217152027_1386528_2870626 ao minuto 4:50 até ao fim
9- Em suma este depoimento permite concluir que havia discrepância na narrativa dos factos entre o OPC e o declarado pela testemunha Marco D., ganhando assim consistência a tese de vingança desta testemunha a um mau relacionamento entre este e o aqui recorrente justificando por via disso eventual incriminação num furto que até ocorreu em local próximo do local de trabalho desta testemunha.
Sem prescindir,
10- A pena é exagerada, tendo sido violado o disposto no artigo 71 e seguintes do CP.
11- Devendo no limite ser suspensa na sua execução, violando-se nesta parte o disposto no artigo 50 do CP
12- Na factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado, afastando-se uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de fatores exógenos como por exemplo de degradação económica do arguido.
13- Não existem factos dados como provados, designadamente a nível da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime de furto aqui em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efetiva não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas.
14- Foi assim violado o disposto no artigo 75 do CP.».

O Ministério Público apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso e, neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral adjunta emitiu parecer mantendo o sentido da resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:
1ª- Saber se foi incorrectamente julgada a matéria de facto assente nos números 1 a 10 (in fine) e 11 (in fine), por deficiente exame e valoração da prova produzida (dos depoimentos das testemunhas decorreu o total desconhecimento do envolvimento do arguido na prática dos factos);
2ª – Saber se se verificam todos os pressupostos para o arguido poder ser condenado como reincidente;
3ª – Saber da adequação da pena (medida e suspensão).
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição):
«1 - No dia 3 de Maio de 2015, os arguidos tomaram em conjunto a decisão de entrar, sem o consentimento do proprietário Adriano A., no interior do café/minimercado denominado “C…”, sito na freguesia de B…, concelho de Vila Flor, com objectivo de se apoderarem dos objectos de valor que ali se encontrassem e lhes interessassem.
2 - Assim, entre as 5h e as 5h30m do referido dia, os arguidos, sempre em comunhão de esforços, arrancaram o vidro e a borracha de uma janela existente ao lado da porta de entrada do referido estabelecimento comercial e introduziram-se no seu interior.
3 - Já no seu interior ambos os arguidos, em comunhão de esforços, apoderaram-se dos seguintes objectos:
- Uma carteira, contendo uma carta de condução e um cartão de cidadão, ambos pertencentes a Adriano A., um cartão multibanco emitido pela Caixa Geral de Depósitos com o n.º 4061700023605606 em nome de Albertina J., três cartões multibanco emitidos pelo Banco Espírito Santo com os n.ºs 4261500035072094; 4035410017958739 e 375589040538471, todos em nome de Adriano A.; um relógio da marca Stainless com bracelete de cor azul, com a insígnia BPI, no valor de 90,00 € (noventa euros), um porta-moedas em cabedal, cor castanha, da marca “Rubre”, de valor não inferior a 19,50 € (dezanove euros e cinquenta cêntimos), contendo no seu interior uma nota de 10,00 € (dez euros) e 3,00 € (três euros) em moedas;
- Uma máquina de brindes contendo no seu interior 40,00 € (quarenta euros) em moedas de 0,50 € (cinquenta cêntimos).
4 - O custo dos cartões multibanco acabados de descrever ascende ao valor unitário de 15,00 € (quinze euros).
5 - Ainda no interior do referido estabelecimento os arguidos arrastaram uma máquina automática que continha no seu interior maços de tabaco de diversas marcas e com o recurso a facas que ali se encontravam tentaram, sem êxito, proceder à sua abertura, a fim de se apoderarem do tabaco e dinheiro que ali se encontravam guardados.
6 - Após apoderarem-se dos objectos acima identificados os arguidos puseram-se em fuga para parte incerta.
7 - No dia 6 de Maio de 2015, pelas 18h30, a GNR de Pinhel, após ter sido contactada telefonicamente por um indivíduo de nome Marco P. que afirmava estar a ser vítima de agressões físicas pelos aqui arguidos, deslocou-se até à residência sita na Rua de S…, Vila Nova de Foz Côa, habitação pertencente a Marco D. mas onde os arguidos se encontravam a pernoitar desde o dia 24-04-2015.
8 - Aí chegados os elementos da GNR constataram que no hall das escadas que dá acesso à referida residência, os arguidos tinham dispostos no solo vários sacos de viagem e em cima de um deles, dentro de um saco plástico preto, encontrava-se uma espingarda de caça, calibre 36, sem marca e sem número, com 67 cm de comprimento e 50 cm de cano, com a coronha e o respectivo cano serrado.
9 - O arguido Augusto P. guardava no bolso direito do casaco que trazia vestido um aerossol de defesa, de 25ml, marca “SAS”, modelo “SPECIAL POLICE, com as inscrições “Anti-Agression”; “CS-GAZ-GAS 1005”; “Made in France”, composto por gás lacrimogéneo;
10 - Já no bolso grande da frente, lado direito, das calças que indumentava, o arguido trazia consigo um porta-moedas em cabedal, de cor castanha, com a insígnia “Rubre”, correspondente ao descrito em “3.º”;
11 - No pulso esquerdo o arguido envergava um relógio da marca Stainless com bracelete de cor azul, com a insígnia BPI, correspondente ao descrito em “3.º”.
12 - Já a arguida Maria P. tinha na sua posse, mais concretamente na bolsa que a mesma envergava no ombro direito, quatro cartões multibanco, três inerentes à instituição bancária “Banco Espirito Santo” emitidos em nome de Adriano A., e um da instituição bancária denominada “Caixa Geral de Depósitos”, emitido em nome de Albertina J., todos correspondentes aos cartões descritos no artigo “3.º”.
13 - O arguido Augusta P. não é titular de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio.
14 - A espingarda de caça supra descrita não se encontra registada/manifestada.
15- Ambos os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, mediante plano previamente elaborado e em comunhão de esforços, com o propósito conseguido de se apropriarem dos bens descritos no artigo “3.º, fazendo-os seus, apesar de saberem que esses bens não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos proprietários dos mesmos, e para o efeito querendo e sabendo introduzir-se sem consentimento em espaço alheio, também sem o consentimento do seu proprietário ou possuidor.
16 - O arguido Augusta P. conhecia as características do aerossol acima descrito e apesar de saber que lhe estava vedada a detenção deste objecto quis adquiri-lo e mantê-lo na sua posse com o objectivo de o utilizar.
17 - Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.
Mais se provou que:
Da contestação:
18 - A testemunha Marco D. conhecia o local dos factos, por ter trabalhado na empresa de cogumelos na localidade.
19 - À data dos factos o arguido Augusta P. não possuía viatura própria.
Quanto à situação económica e pessoal dos arguidos
20 - O arguido Augusta P. é filho único de uma relação afectiva mantida pela sua mãe, enquanto jovem, e nunca teve apoio por parte do progenitor, o qual entretanto constituiu agregado familiar próprio, tendo cinco irmãos consanguíneos.
21 - Posteriormente a sua mãe contraiu matrimónio, sendo com o marido da mãe, e com esta, que decorreu o processo de desenvolvimento/formação de Augusto P., até aos 19 anos de idade, data em que o companheiro da mãe faleceu, passando depois os dois a viverem sozinhos, sendo que aquele nunca investiu nem afectivamente nem monetariamente na educação do mesmo.
22 - O arguido frequentou a escola em idade normal, tendo concluído o 1º ciclo de escolaridade aos 13 anos, não prosseguindo os estudos pelo seu desinteresse pelas actividades escolares.
23 - Desde os 12/13 anos passou a acompanhar a progenitora nos trabalhos ligados ao sector primário, trabalhando esta por conta de outrem.
24 - Com cerca de 19 anos começou a trabalhar na construção civil, e aos 20 anos de idade autonomizou-se do agregado familiar de origem dado ter iniciado uma relação de facto com Maria A., com a qual teve dois filhos, actualmente já ambos maiores de idade, fixando o casal residência na cidade de Castelo Branco, sendo o ambiente familiar caracterizado como disfuncional.
25 - Durante o período de cumprimento de uma pena de prisão a companheira abandonou-o levando consigo os seus filhos, tendo o mais velho sido entregue posteriormente aos cuidados da avó paterna e o mais novo permanecido com a mãe. Nesse período o arguido iniciou o consumo de estupefacientes.
26 - Restituído à liberdade reintegrou o agregado familiar da progenitora em C… /Vila Nova de Foz Côa, dedicando-se à agricultura e posteriormente passou a viver numa casa separada, na mesma rua que a sua progenitora com D. Silva com quem manteve uma união de facto durante 1 ano e 6 meses.
27 - Na sequência desta relação conheceu Maria T., irmã da sua companheira com quem de seguida também iniciado uma relação amorosa de maior duração e com quem teve dois filhos, actualmente com 10 e 12 anos de idade. Estes menores no entanto foram desde pequenos entregues à mãe do arguido, já que Augusto P. e a sua companheira emigraram na altura para a Suíça, país onde permaneceram um ano.
28 - Mais tarde iniciou uma nova relação amorosa com E. Pinto, que terá conhecido na Suíça, contudo esta relação viria também a terminar antes da sua restituição à liberdade em 06.03.2012.
29 - Nesta altura Augusta P. voltou à terra de origem e reintegrou mais uma vez o agregado familiar da sua mãe, onde também se encontravam três dos seus quatro filhos.
30 - Posteriormente em 2013 iniciou uma nova relação de facto com a co-arguida Maria P. com quem passou a residir numa casa contígua à da sua mãe.
31 - No meio social de residência Augusto P. não era estigmatizado contudo continuava a ser referenciado como um indivíduo que acompanhava pares com comportamentos menos normativos.
32 - À data dos factos que deram origem ao presente processo judicial penal, Augusto P. vivia com Maria P. em Vila Nova de Foz Côa, em casa de Marco D., conhecido do arguido.
33 - A arguida Maria P. é a mais nova das duas filhas de um casal de modesta situação socioeconómica e cultural. O pai trabalhava nas minas de ferro em Torre de Moncorvo e a mãe para além de cuidar das lides domésticas e das filhas, trabalhava regularmente numa quinta agrícola perto da área de residência.
34 - O ambiente no seio da sua família de origem era normativo, apesar de por vezes o pai ingerir bebidas alcoólicas em excesso.
35 - Maria P. iniciou as actividades escolares com 6 anos de idade no Pocinho, onde concluiu o 4.º ano de escolaridade. Em Vila Nova de Foz Coa concluiu o 6º ano de escolaridade.
36 - Desistiu dos estudos com cerca de 15 anos de idade tendo iniciado actividade laboral na Quinta agrícola de Vale Meão, onde trabalhou até aos 20 anos de idade. Foi nessa quinta que iniciou uma relação de namoro, vindo a contrair matrimónio. O casal manteve residência no Pocinho e também ao nível laboral, permaneceram na mesma quinta. Deste casamento nasceram 4 filhos, contudo o filho viria a falecer com 20 meses por problemas de saúde de natureza cardíaca.
37 - Maria P. com o falecimento do filho necessitou de apoio médico, pelo que esteve em acompanhamento durante cerca de 7 anos com um Psiquiatra da cidade da Guarda.
O casamento durou 15 anos, tendo terminado por relacionamento extraconjugal mantida pelo seu marido, encontrando-se divorciada há 8 anos.
38 - Ficou então a arguida e filhas na casa de família, nunca tendo o pai das filhas contribuído com qualquer valor monetário para o sustento das mesmas. Maria P. fica entretanto desempregada, pelo que a sua situação económica viu-se agravada, podendo somente contar com o auxílio da sua mãe.
39 - Esta situação levou a intervenção da Comissão de Protecção e Jovens em Risco (CPCJ) de Vila Nova de Foz Côa, tendo-lhe sido retiradas as duas filhas mais novas e institucionalizadas na Fundação A… em T…, tendo a filha mais velha àquela data com 17 anos de idade ficado aos cuidados maternos.
40 - Esta situação desencadeou novamente na arguida problemas de saúde, tendo permanecido praticamente dois meses em casa, sem interesse por desenvolver qualquer actividade ou vontade de conviver.
41 - Posteriormente Maria P. retomou novamente os trabalhos agrícolas, residindo com a mãe e filha do meio que saiu da instituição com 16 anos, integrando de novo o agregado familiar da mãe.
42 - A arguida conhecia o co-arguido Augusta P. desde há longa data, contudo reencontraram-se, passando a viver em união de facto.
43 - Em termos profissionais sempre que solicitada efectuava jeiras agrícolas, contudo com a escassez de oferta de trabalho, a sua situação económica era precária, sendo apoiada pela sua mãe e pela mãe de A.., que reside em C….
44 - Presentemente decidiu deslocar-se para Bragança, por forma a poder visitar com regularidade Augusto P., tendo ficado a filha do meio com a avó materna, continuando a filha mais nova institucionalizada em Torre de Moncorvo.
45 - Mora em casa de uma amiga e filho desta e encontra-se a frequentar curso no Centro de Formação de Bragança.
46 - A arguida tem encetado esforços para conseguir uma actividade profissional regular, como forma de conseguir receber mensalmente um salário que lhe permita melhorar a sua situação de vida.
47 - Aos fins-de-semana visita o companheiro no Estabelecimento Prisional, deslocando-se noutros à aldeia de C… para visitar a mãe e filha que aí residem, aproveitando também para se deslocar a Torre de Moncorvo para visitar a filha mais nova.
48 – A arguida conta com o apoio da família de origem, mãe e filhas.
Antecedentes criminais:
49 - O arguido Augusto P. já sofreu as seguintes condenações:
- Por decisão de 4-12-1997, transitada em julgada, proferida pelo extinto Tribunal de Círculo de Castelo Branco, no Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 48/97, foi condenado na pena de unitária de 6 (seis) anos de prisão pela prática, em Janeiro de 1997, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a), e um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, ambos do C.Penal;
- Por decisão de 06-11-2003, transitada em julgado, proferida pelo extinto Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Coa, no Processo Sumaríssimo n.º 86/02.3GAVLF, foi condenado na pena de unitária de 100 dias de multa à taxa diária de 2,5 €, pela prática, em 24-11-2002, de um crime de furto de uso p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do C.P.Penal;
- Por decisão de 04-05-2003, proferida pelo extinto Tribunal de Vila Nova de Foz Coa, no Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 111/03.0GTCTB, foi condenado na pena de unitária de 105 dias de multa à taxa diária de 4,00 € pela prática em 04.05.2003 de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º e um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03/01;
- Por decisão de 07-11-2007, proferida pelo extinto Tribunal de Vila Nova de Foz Coa, no Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 13/04.3GAVFL, foi condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática, em Janeiro de 19-01-2004, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º da Lei 22/97, de 27 de Junho;
- Por decisão de 21-12-2007, proferida pelo extinto Tribunal de Trancoso, no Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 54/07.9GBTCS, foi condenado na pena de unitária de 3 anos e 5 meses de prisão pela prática, em 24-06-2007, de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do C.Penal, e um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Dl n.º 2/98, de 03/01;
- Por decisão de cúmulo jurídico das penas aplicadas nos sobreditos Processos n.º 13/04.3GAVFL e 54/07.9GBTCS, proferida pelo extinto Tribunal de Vila Nova de Foz Coa neste último processo, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão;
- Por decisão de 11/03/2009, proferida pelo extinto Tribunal de Sátão, no Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 164/06.0GCSAT, foi condenado na pena de 4 anos e 4 meses de prisão pela prática, em 21-11-2006, de um crime de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do C.Penal;
- Por decisão de 16/06/2009, proferida pelo extinto Tribunal de Vila Nova de Foz Côa no Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 108/06.9GAVFL, foi condenado na pena de 10 meses de prisão pela prática, em 06-03-2006, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro;
- Por decisão de cúmulo jurídico das penas aplicadas nos sobreditos Processos n.º 54/07.9GBTCS, 13/04.3GAVFL, 164/06.0GCSAT e 108/06.9GAVFL, proferida pelo extinto Tribunal de Vila Nova de Foz Coa neste último processo, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão;
- Por decisão de 13/12/2010, proferida pelo extinto Tribunal de Moimenta da Beira no Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 43/07.3GCMBR, foi condenado na pena de 1 ano e 1 mês de prisão pela prática, em 25-02-2007, de um crime de furto simples p. e p. pelo artigo 203.º do C.Penal;
- No âmbito deste último processo foi novamente efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nesses autos e nos processos 13/04.3GAVLF; 54/07.9GTCS; 164/06.0GCSAT e 108/06.9GAVFLF, tendo, por acórdão transitado em julgado, sido condenado na pena única de sete anos de prisão.
- Por decisão de 23/03/2015, proferida pela Instância Central – Secção Cível e Criminal, do Tribunal da Comarca da Guarda, no Processo n.º Comum (Tribunal Colectivo) n.º 27/13.2GBVFL, foi o arguido condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática, em 13-06-2013, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º do C.Penal;
- O arguido esteve preso desde o dia 24 de Junho de 2007 até ao dia 18 de Janeiro de 2012 ligado aos processos 54/07.9GBTCS e 108/06.9GAVLF.
Entre o dia 18 de Janeiro de 2012 e o dia 05 de Março de 2012 o arguido esteve preso em cumprimento da pena que lhe foi aplicada no processo n.º 43/07.3GCMBR, tendo saído do estabelecimento prisional em liberdade condicional no dia 06-03-2012.
50 - A arguida Maria P. já sofreu a seguinte condenação:
- Por decisão de18/06/2015, proferida pela Instância Local de Mirandela, do Tribunal da Comarca da Bragança, no Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 130/14.1GBMDL, foi condenada na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, pela prática em 08-07-2014, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
51 - Não obstante as condenações supra mencionadas, com cumprimento de penas de prisão efectivas, uma vez em liberdade, o arguido não se coibiu de prosseguir na prática de crimes contra o património e a continuar a deter armas proibidas, adoptando comportamentos em tudo idênticos àqueles porque anteriormente havia sido condenado.
52 - As condenações anteriormente sofridas pelo arguido, assim como as penas de prisão cumpridas até agora, não constituíram dissuasão suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos criminais.
Factos não provados:
a) Nas circunstâncias descritas em 8. dos factos provados o arguido Augusta P. guardava uma espingarda de caça, calibre 36, sem marca e sem número, com 67 cm de comprimento e 50 cm de cano, com a coronha e o respectivo cano serrado.
b) O arguido Augusto P. conhecia as características da arma de fogo supra identificada, apesar de saber que lhe estava vedada a detenção deste objecto quis adquiri-lo e mantê-lo na sua posse com o objectivo de o utilizar.
c) O arguido tinha na sua posse o aerossol com o objectivo de o utilizar, sempre que necessário, nos assaltos que planeava executar.
d) Não fosse a sua detenção no dia 6 de Maio de 2015, ambos os arguidos tencionavam concretizar a prática de mais assaltos, tendo em vista a angariação de dinheiro para assim fugirem para o estrangeiro e eximirem-se à acção da justiça.
Da contestação:
e) Desde o ano de 2007 que o arguido não possui viatura própria. Foz Côa, local da sua residência, dista mais de cem quilómetros de B…;
f) No dia três de maio de 2015 o arguido não saiu da zona de Foz Côa;
g) A testemunha Marco, no dia 03/05/2015, telefonou para os serviços competentes a pedir os códigos de acesso dos cartões multibanco.
Nada mais se provou para além ou em contradição com o supra referido.
Consigna-se que o Tribunal não respondeu à matéria que considerou meras asserções jurídicas ou simples conclusões, como seja por exemplo a afirmação constante da acusação no termos da qual o arguido Augusto P. dedica-se de forma habitual e reiterada, desde pelo menos o ano de 2004, à prática de assaltos, com vista à apropriação de bens alheios, usando, por regra, armas de fogo para melhor assegurar o êxito das suas condutas.».
- Fundamentação da matéria de facto:
«Em sede de motivação da decisão de facto, o tribunal formou a sua convicção em todo o acervo probatório produzido e/ou examinado.
Os arguidos, que manifestaram o propósito de prestarem declarações, negaram autoria dos factos. Ambos, numa versão que se nos afigurou concertada e alinhada, imputaram a sua autoria à testemunha Marco D., o qual, por se encontrar à data desavindo com os arguidos, usou de subterfúgio com vista a prejudicá-los.
Em suma, a arguida Maria P., companheira do co-arguido, declarou que este encontrou emprego em Foz Côa, sendo que a testemunha Marco D., conhecida do arguido pelos meandros do consumo de estupefaciente, ofereceu-lhe um quarto na sua habitação para ali residirem, o que terá sucedido em Maio de 2015.
Em momento não concretizado, o referido Marco D. terá convidado insistentemente o arguido Augusto P. para assaltarem um estabelecimento comercial, tendo este respondido negativamente.
Repararam então que num determinado dia, coincidente com um sábado, que o referido Marco D. chegou a casa por volta das sete horas, munido dos objectos aprendidos nos autos, os quais espalhou em cima da mesa. Virando-se para o arguido Augusto P.referiu “se tivesses ido comigo tinha corrido melhor”.
Mais referiram que terá sido o Marco quem colocou a arma junto aos seus pertencentes, e o casaco que o arguido Augusto P.trajava, com o aerossol no interior de um dos bolsos, pertencia na realidade àquela testemunha, o qual o havia emprestado ao arguido.
O mesmo sucedeu ao relógio apreendido ao arguido e o porta-moedas: terá sido Marco D. quem os ofereceu.
Os cartões multibanco terão sido colocados dissimuladamente por Marco D. na bolsa da arguida, que por coincidência havia deixado na habitação daquele quando dali se ausentou.
O arguido Augusto P., com maior ou menor grau de sincronia, declarou no mesmo sentido. Invocou que Marco D. ofereceu-lhe o relógio subtraído para o arguido não estragar o dele. Desconhecia que o aerossol se encontrava no casaco, por aquele emprestado.
A versão dos arguidos repleta de acasos desfavoráveis, associados a uma alegada acção conspirativa da testemunha Marco D. (nos termos da qual, note-se, o relógio encontrado na posse o arguido terá sido oferecido por Marco D.; o casaco onde se encontrava o aerossol trajado pelo arguido Augusto P. foi emprestado por Marco D., sem que o primeiro se apercebesse; os cartões multibanco encontrados na bolsa pertencente à arguida terão lá sido colocados por Marco D., aproveitando o facto de a arguida ter deixado a bolsa na habitação daquele, como seria seu hábito. Em tudo agiu Marco D. com mera intenção de denunciar falsamente os arguidos) é desde logo frontal às regras da experiência comum. Destas (regras) é possível extrair a ilação de que não é normal que Marco D., porque aborrecido com os arguidos, tenha preferido abdicar dos objectos por si subtraídos ao legítimo proprietário para os transferir sub-repticiamente para posse dos arguidos, em tudo contando com a colaboração involuntária destes, que inocentemente desconheciam as suas intenções e até parte dos factos por aquele praticados e que fariam parte de um plano daquele para os denunciar caluniosamente.
E também contraria as regras da experiência comum que Marco D. preferisse libertar-se dos objectos por si subtraídos ao legítimo proprietário por forma a denunciar os arguidos apenas por mero desforço, assumindo ele próprio o risco de ver-lhe imputada a prática de tais factos, cuja autoria era até então desconhecida pelas entidades intervenientes na investigação.
Mas se as regras da experiência comum não fossem por si só suficientes para infirmarem os depoimentos dos arguidos, e quanto a nós são, a restante prova, muito mais credível, e entre as quais se conta o depoimento da testemunha Marco D., apontam no sentido inverso ao declarado pelos arguidos, infirmando as suas declarações.
Vejamos:
Álvaro R. e João C., ambos militares da GNR que se deslocaram ao local, após uma chamada da testemunha Marco D., o qual alegava que se encontrava a ser agredido pelos arguidos, referiram que ali chegados aqueles (arguidos) encontravam-se no hall de entrada da habitação daquela testemunha, a aguardarem pela chegada de um táxi. Perante a presença policial e a revista a que foram sujeitos, não manifestaram qualquer comportamento de surpresa, não tendo mencionado que os objectos apreendidos pertenciam ao Marco D.. Simplesmente não justificaram a posse daqueles bens subtraídos no estabelecimento. Mas, pelo contrário, o arguido logo apressou-a a justificar a posse de uma faca e de uma carteira que continha os seus documentos, alegando ser proprietário destes dois objectos.
Mas referiram que os pedaços de cerâmica apreendidos servem para serem arremessados a vidros.
Ora esta atitude dos arguidos indica, também, terem sido os próprios a subtraírem os objectos, pois que, uma vez surpreendidos e confrontados com a sua posse indevida, seria razoável outra reacção que apontasse para uma justificação imediata para a sua posse e uma surpresa pela sua apreensão, sentimentos não evidenciados em relação aos objectos subtraídos no estabelecimento, mas apenas no que concerne aos seus próprios pertences.
Prosseguindo, do depoimento de David T., por sinal credível, por espontâneo e objectivo, demonstrando conhecimento de causa, uma vez que residia por cima do local, depreende-se que terão sido pelo menos duas pessoas a praticarem os factos. Assim se justifica que, como declarou, nas concretas circunstâncias de tempo e lugar ouviu o que lhe pareceu ser uma conversa em tom baixo do interior do estabelecimento comercial, designado por “Café C…”, de onde foram subtraídos os objectos em causa nos autos.
Adriano A., proprietário do estabelecimento, uma vez alertado pelo seu filho, a testemunha vinda de referir, ali se deslocou com prontidão, mas já não encontrou ninguém apenas sinais claros do evento, dos objectos subtraídos, além de constatar que os arguidos terão entrado por uma janela, tendo para o efeito retirado o vidro.
No mesmo sentido depôs Albertina J., outrossim de modo credível, por espontâneo e objectivos.
Já Adília L. e Ana L. referiram ter ouvido uma conversa em que a testemunha Marco D. declarou ter “tramado” o arguido, assim compondo tal versão. Mas para além de estes depoimentos não se nos afigurarem verdadeiramente espontâneos, a merecerem cautelas na sua análise, ainda que correspondesse à verdade o declarado desconhece-se o contexto em que tal frase foi proferida por Marco D., designadamente se com tal afirmação Marco D. pretendeu mencionar que pretendeu criar uma cilada aos arguidos com recurso a factos falsos. Certo, isso sim, é que o alegado declarante negou ter mantido aquela conversa com outra pessoa, e o tribunal não se convenceu de que tal tenha ocorrido.
Marco P. depôs de modo coerente e de forma espontânea, e o seu depoimento mostra-se corroborado pela restante prova vinda de elencar. Declarou que conhecia o arguido do universo da toxicodependência e por esse motivo terá acolhido o casal, composto por ambos os arguidos, em sua casa.
Negou peremptoriamente a versão dos arguidos quando lhe imputam a autoria dos factos. Terá sabido pelos arguidos dos contornos do evento (furto e sua autoria), e disso terá dado conhecimento às autoridades policiais, denunciando-os.
Pois bem, apesar de o furto ter ocorrido numa localidade próxima do local de trabalho de Marco D., e que dista vários quilómetros da sua habitação, onde também se encontravam a residir os arguidos à data, os elementos apontam com bastante suficiência que o assalto ao estabelecimento “Café C…” terá sido perpetrado por mais de uma pessoa e os bens furtados foram encontrados na posse dos dois arguidos, pessoas estas através das quais a testemunha Marco D. tomou conhecimento do evento. Não subsiste ao tribunal qualquer dúvida que, em matéria da decisão da matéria de facto convoque o princípio do in dubio pro reo: foram os arguidos quem praticaram os factos.
Poderia argumentar-se que presença dos objectos furtados na posse dos arguidos apesar de indicarem, como muito provável, que foram os autores do furto, não deixa de ser razoável a dúvida de que tenha sido outro o autor do crime e que os objectos possam ter vindo, posteriormente, a entrar na posse do arguido.
Porém a autoria do furto é desde logo uma hipótese possível a qual, em concreto, mostra-se suportada nos restantes elementos de prova, entre os quais os depoimentos supra analisados, qua apontam claramente no sentido de terem sido os arguidos os autores do furto, pela circunstância de existirem elementos de prova no sentido de que os factos terão sido praticados por, pelo menos, duas pessoas (conforme depoimento de David M.), apontadas por Marco D. como sendo os arguidos, que tal lhe confidenciaram, e a própria reacção dos arguidos quando abordados na posse dos objectos furtados, sem que esboçassem qualquer surpresa.
A tudo isto, acresce a circunstância de as declarações dos arguidos, pela sua inverosimilhança, não merecerem qualquer credibilidade.
No que à reincidência delituosa por banda do arguido Augusto P. respeita, o qual negou genericamente os factos, sem qualquer credibilidade, diga-se que para além do certificado de registo criminal, e das certidões juntas aos autos, o tribunal sustentou-se nas regras da experiência comum as quais, aliadas à restante prova, permitem a ilação nos termos da qual as anteriores condenações não lhe serviram de suficiente advertência, tanto mais que nenhum elemento existe nos autos que permita concluir que o arguido não tem ou não tinha à data consciência crítica ou sequer que padecesse de uma reduzida capacidade avaliativa das suas acções. Na realidade o arguido insiste em trilhar um percurso de vida errante, apesar dos confrontos que já manteve com a ordem jurídica.
Relativamente à prova documental, relevou o teor dos seguintes documentos:
1- Autos de notícia de fls.3-4 e 7-11;
2- Auto de revista de fls. 13-14;
3- Autos de apreensão de fls. 15-18;
4- Auto de reconhecimento de objectos de fls. 20;
5 – Relatório fotográfico de fls. 49-52;
6 - Autos de exame directo e avaliação de fls. 53-56, os quais, por não infirmados por qualquer outra prova, permitiram aferir do valor dos objectos subtraídos, sendo que em relação aos cartões multibanco optou pela substituição do termo “valor” pela palavra “custo”, por se entender que aqueles, tendo um custo associado designadamente à sua emissão, não têm um valor autónomo propriamente dito.
8- Cópia do acórdão proferido pela Instância Central da Guarda – Secção
Criminal no processo n.º 27/13-2GBVLF de fls. 85-110;
9- Relatório de Inspecção judiciária de fls. 143-146;
10 – Exame de fls. 179;
11- Certidão do acórdão proferido no processo n.º 108/06.9GAVLF de fls. 205 e ss.;
12- Informação da PSP de fls. 217;
13 – Certidão da sentença proferida no processo n.º 43/07.3GCMBR;
14 – Print obtido do sítio da internet w a ww.lojadaspeles.com.
Certificados de registo criminal de fls. 468 a 480.
Os elementos subjectivos das respectivas condutas dos arguidos extraem-se dos factos objectivamente provados.
Quanto aos factos não provados, desde logo não é possível asseverar que era o arguido quem naquelas concretas circunstâncias de facto detinha a arma de fogo, pois esta foi encontrada entre os pertences dos arguidos, sem se saber se ambos ou apenas um deles a detinha e, tão-pouco, nesta última eventualidade, qual.
Também nenhuma prova foi produzida no sentido de que o arguido pretendia utilizar o aerossol em novos assaltos, embora não seja despicienda esta conclusão antes a personalidade deste, também patente no seu registo criminal, bem como, não se demonstrou que os arguidos pretendiam ausentar-se para o estrangeiro para se eximirem à acção da justiça e que apenas a detenção de Augusto P. evitou a concretização do plano.
Quanto aos factos constantes da acusação, e que resultaram não provados, tal decisão ficou a dever-se à existência de prova de sinal contrário e/ou ausência de elementos probatórios suficientes tendentes à sua demonstração.».
*
1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
O recorrente questiona o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova, apontando como incorrectamente julgados os concretos pontos 1 a 10 in fine e 11 in fine, sustentando, por um lado, que dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência (David T. e Adriano A.), resulta o total desconhecimento do envolvimento do arguido nos factos e por outro lado, a existência de evidentes contradições entre o depoimento da principal testemunha Marco D. e dos militares inquiridos.
Vejamos.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo ( O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP ( Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».).
É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., no sumário do seu Ac. de 15-10-2008 (08P2894 - Henriques Gaspar):
«I - Na concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, as Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º, n.º 1, do CPP) – reapreciação por um tribunal superior das questões relativas à culpabilidade.
II - O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação total pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na indicação daquele, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas em suporte técnico ou transcritas quando tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, aplicável no caso –, ou da sua renovação nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova.
III - Porém, a reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global e muito menos um novo julgamento da causa, também se não poderá bastar com declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do julgamento da decisão recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada (ou, melhor, uma nova ponderação), em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória das provas que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados, para, por esse modo, confirmar ou divergir da decisão recorrida (cf. Ac n.º 116/07 do TC, de 16-02-2007, DR, II série, de 23-04-2007, que julgou inconstitucional a norma do art. 428.º, n.º, 1 do CPP «quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos da prova produzida, transcrita nos autos»).
(…) V - Numa situação em que, perante o thema submetido à cognição do tribunal de recurso, nos termos definidos pela recorrente (com indicação de dois pontos de factos que considera incorrectamente julgados e enunciação das provas que impunham decisão diversa), o acórdão recorrido, referindo «que o tribunal [da 1.ª instância] foi exaustivo na apreciação da prova e na sua fundamentação», que «é de facto a partir de todas as provas produzidas em audiência de julgamento que o julgador forma a sua convicção, quer daquelas que permitem ter uma percepção directa e formar um juízo imediato sobre os factos imputados aos arguidos, como seja o depoimento das testemunhas com conhecimento presencial dos factos, quer daquelas que, ainda que indirectamente, possam levar a concluir pela verificação desses factos», e que «a prova é apreciada na sua globalidade para efeitos de convencimento e de busca da verdade material», conclui ser «nesta medida» «cristalino e objectivo que a sentença recorrida, fez uma criteriosa análise da prova, apreendendo a essencialidade e o objecto da matéria em litígio», sem que se pronunciasse especificamente sobre qualquer dos meios de prova indicados – não permitindo, por isso, seguir o percurso lógico e racional na formação e formulação da convicção segundo as exigências do princípio da livre apreciação da prova –, mostra-se verificada a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), ex vi art. 425.º, n.º 2, ambos do CPP.».
Nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada. Por isso, a impugnação restringe-se à decisão realmente proferida e não a qualquer realidade virtual.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Contudo, no âmbito penal, o princípio in dubio pro reo, invocado pelo recorrente, estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, o princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, ou seja cinge-se a um problema de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo. Só assim não seria se da própria decisão recorrida resultasse, de forma evidente, que a 1ª instância decidiu contra o arguido em tal estado de dúvida, o que – convenhamos – é uma hipótese muito extravagante e que, de todo o modo, se reconduziria a um erro notório.
É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida ( Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» ( Rev. Min. Pub. 19º, 40.).
É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo ( Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».
Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» ( Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.).
E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida.
Com efeito, não podemos olvidar que de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta nem das declarações dos ofendidos, desde que credíveis e coerentes. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos ( A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.).
Porém, como se sabe, os meios de prova nem sempre reproduzem por si directamente a imagem da verdade. Conforme refere G. Marques da Silva ( Curso de Processo Penal, p. 82.), é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
Conforme refere André Marieta ( La Prueba em Processo Penal, p. 59.), a prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações: «Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova capacidade de convicção.».
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas até leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente a testemunhal, pois que nesta também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade, sendo, por isso, muito mais difícil de determinar a respectiva credibilidade ( Cfr. Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.).
Na ausência de referência na nossa lei a quaisquer requisitos especiais da prova indiciária, dependem da convicção do julgador os respectivos funcionamento e creditação, a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme refere G. Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova suscita, num primeiro nível, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, depende substancialmente da imediação e nele intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência ( Ainda sobre o recurso a tal espécie de prova, o STJ em Ac. de 8/11/95 (BMJ 451/86) refere que «Um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes» e acrescenta que as regras da experiência a que alude o art. 127º, têm um importante papel na convicção do Tribunal. E o Ac. da RC de 6/3/96, in CJ 2º/44, que: «A prova pode ser directa ou indiciária; A prova indiciária assenta em dois elementos: a) - o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado; b) - a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto; Nada impede que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjugação dos indícios permita fundamentar uma condenação» – doutrina reafirmada no Ac. do mesmo Tribunal de 9/2/2000, também in CJ, 1º/51. Também sobre prova directa, prova indiciária e regras da experiência, os Acs. Do STJ de 25/2/99 (BMJ 484/288) e de 3/3/99 (BMJ 485/248).).
Nada impedirá, pois, que devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjunção dos indícios, permita fundamentar a condenação.
Num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, antes é livremente apreciada, quando o tribunal não dispuser de outra prova, as declarações de uma única testemunha, seja ou não vítima, de maior ou menor idade, ainda que opostas, em maior ou menor medida, ao depoimento do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias dos interessados se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.
É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram ( O provérbio “testis unus testis nullus” não tem, pois, definitiva relevância, apesar de muito ancestral.): a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições ( Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187.).
Assim, atentas as circunstâncias em que os factos levados ao julgamento ora em apreço foram praticados (de madrugada e sem a presença de qualquer testemunha), e as dificuldades daí advindas na obtenção de prova não podem deixar de constituir um estímulo acrescido a um redobrado esforço e especial cuidado na tarefa de descoberta da verdade, ainda que com recurso, na medida admissível, à prova indiciária.

Examinemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.
Resulta, inequivocamente, da motivação da decisão impugnada de facto que não foi, seguramente, o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas David T. e Adriano A. o determinante para que o tribunal desse como provados os factos e concluísse, como concluiu, ter sido o arguido recorrente um dos seus co-autores. E, realmente, dos depoimentos de tais testemunhas, a primeira enquanto residente no andar de cima do local onde ocorreu a subtracção e a segunda como proprietário do mesmo estabelecimento, apenas se retirou, para além da identificação dos objectos subtraídos da descrição sobre o modo de introdução no espaço objecto do furto, terem sido pelo menos duas as pessoas, não identificadas, a praticar os factos.
Ressalta da motivação da decisão sobre a matéria de facto provada que a formação da inerente convicção do tribunal assentou, essencialmente, no depoimento da testemunha Marco D., coadjuvado e complementado por outros elementos de prova, o qual, conhecendo o arguido do ambiente da toxicodependência, o acolheu em sua casa juntamente com a co-arguida Maria P., tendo relatado espontânea e coerentemente que soube pela boca dos arguidos dos factos quando os mesmos se gabaram dessa façanha, dando disso conhecimento às autoridades. Sendo os depoimentos das testemunhas Álvaro R. e João C., militares da GNR, valorados como complemento ou em conjugação com aquele depoimento, não por terem presenciado os factos, mas por terem efectuado uma revista aos arguidos e terem constatado que na sua posse se encontravam objectos que posteriormente se veio a apurar corresponderem aos compreendidos no rol da subtracção em questão, sem que, naquele momento, os arguidos tenham esboçado qualquer reacção de surpresa ou, sequer, apresentado qualquer explicação para a sua detenção.
É certo que os arguidos prestaram declarações em audiência de julgamento e ambos procuraram demonstrar que tudo não passava de uma cabala/vingança montada pela testemunha Marco D., alegando que foi este quem praticou o furto e que ofereceu os objectos ao recorrente, mas tal tese foi completamente arredada pelo tribunal de 1ª instância que a reputou de inverosímil e de nenhuma credibilidade.
Lida essa motivação, consignada na decisão recorrida, resulta evidente que, contrariamente ao que parece ser o entendimento do recorrente, o tribunal de 1ª instância considerou que os depoimentos daquelas duas testemunhas, individualmente ou conjugados entre si, desligados de outros elementos, fossem determinantes para que se sedimentasse a convicção acerca da (co)autoria dos factos por parte do arguido, mas, daí também será ousado, segundo nos parece, pretender retirar a conclusão inversa, ou seja, que não foi o arguido/recorrente um dos autores dos factos praticados que aquele tribunal veio a dar como provados sob os pontos impugnados e as consequências deles resultantes.
Realmente, pelos motivos explanados na motivação da decisão sobre a matéria de facto, não se suscitou qualquer dúvida ao tribunal de 1ª instância em relação à credibilidade do depoimento da testemunha Marco D., nos termos em que foi valorado e prestado no âmbito dos princípios da imediação e da oralidade, e cuja consistência probatória corroboramos inteiramente, perante o resultado da audição integral do registo do mesmo depoimento, pois não enxergamos qualquer elemento objectivo passível de poder abalar a credibilidade do depoimento por ele prestado relativamente aos factos que relatou como tendo sido praticados pelo recorrente, e que estão em causa nos autos.
No caso vertente, flui da motivação da decisão de facto que o depoimento da testemunha Marco D., coadjuvado com a circunstância de terem sido encontrados na posse dos arguidos, escassos dias após o cometimento dos factos, parte dos objectos subtraídos, sem que os mesmos tivessem justificado a sua detenção, sendo que parte deles tinham o nome de uma terceira pessoa, foi decisivo para que o tribunal de 1ª instância sedimentasse a convicção que o levou a dar como provados os factos tidos como tal, no que concerne aos actos praticados pelo arguido/recorrente, enunciando aquele tribunal as razões por que o depoimento da testemunha demandante mereceu credibilidade.
Na verdade, quer as declarações do recorrente – com que negou a prática de todos os factos, procurando demonstrar que tudo não passava de uma vingança do Marco D., corroboradas com as da co-arguida, que procurou sustentar esta versão, mas sem qualquer êxito – quer os depoimentos das testemunhas de defesa, Adília L. e Ana L., em nada abalam o depoimento daquela testemunha, nem das testemunhas de acusação Álvaro R. e João C..
Acresce que, também contrariamente ao defendido pelo recorrente, que se limita a invocar que a testemunha Marco D. entrou em contradição com a testemunha Álvaro C... sob o modo como os objectos furtados foram encontrados e a forma como foi desencadeada a operação policial, do exame facultado pela audição integral do registo audiofónico resulta à saciedade que o seu contributo para alicerçar a convicção formada pelo tribunal, em nada foi beliscado, sendo certo que a alegada contradição foi mais aparente do que real e no apurado contexto nenhuma relevância assume para a questão essencial dos autos.
Com efeito, a testemunha Marco D. esclareceu cabal e coerentemente a razão pela qual pediu ajuda às forças de segurança e descreveu, até com alguma ingenuidade, os passos seguintes que desembocaram na detenção dos arguidos, factos e circunstâncias essas que foram confirmadas por aqueles militares, residindo a única disparidade dos respectivos depoimentos na circunstância de a testemunha Marco D. ter dito que os agentes policiais já tinham estado em sua casa num momento anterior à detenção dos arguidos, enquanto os militares disseram que apenas se tinham deslocado à residência da testemunha Marco D. quando detiveram os arguidos.
Sabe-se que quem procedeu à detenção dos arguidos foi uma equipa chefiada pelo militar Álvaro C... que pertencia ao Destacamento Territorial da GNR de Pinhel, cuja intervenção foi solicitada pela GNR de Vila Nova de Foz-Côa, mas a testemunha Marco D. asseverou que pediu ajuda aos militares desta última localidade e sendo assim, é perfeitamente plausível que tivessem sido estes a passar primeiro pela sua habitação. Como quer que seja, esta questão não foi explorada em julgamento e não assume a relevância que o recorrente lhe quer atribuir para tentar justificar a mencionada vingança.
Invoca, ainda, o recorrente que não possui veículo automóvel e o local da subtracção se localiza a uma distância que demoraria a percorrer entre 35 a 40 minutos, circunstância, por si só, seria suficiente para se poder concluir que não poder ter sido ele o autor do furto. Contudo, tal argumentação, também nos parece que não tem qualquer acolhimento, pois o recorrente poderia sempre socorrer-se de qualquer outro meio de deslocação.
Assim, a audição integral do (mero registo audiofónico) de todos os depoimentos prestados na audiência de julgamento, não obstante a ausência do contacto directo e imediato, muitas vezes indispensável para apreensão de toda a realidade, no caso em apreciação, não legitima que se anote qualquer circunstância digna de dúvida ou de reparo à apreciação feita na decisão recorrida.
Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as expostas ilações quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugnou o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso. Assim, perante a prova produzida, pensamos que não se detecta qualquer pontual e concreto erro de julgamento ou patente irrazoabilidade na convicção probatória formada pelos julgadores (com imediação ( Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre imporia a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.)).

Concluindo, nenhuma censura merece a decisão recorrida, improcedendo na sua totalidade a impugnação da matéria de facto.

2. A reincidência.
O recorrente, nesta vertente, invoca que a acusação não contém factos suficientes e precisos para se apurar que o mesmo não sentiu a advertência da condenação anterior, pois não revela em que medida a condenação anterior não foi suficientemente dissuasora para afastar o arguido do crime.
São os seguintes os pressupostos e os efeitos da reincidência, como resulta dos arts. 75° e 76º do C. Penal:
Pressupostos formais: Será punido como reincidente aquele que, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer crime doloso a que corresponda pena de prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva também superior a 6 meses, por outro crime doloso. O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não conta para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos. Porém, o decurso desse lapso temporal suspende-se durante o período em que o agente tenha cumprido pena ou medida de segurança privativas de liberdade ( Exige-se a pena de prisão efectiva, total ou parcialmente cumprida e é necessário o trânsito em julgado, isto é que a condenação pelo crime anterior tenha já transitado em julgado quando o novo crime é cometido. De outro modo estaríamos reconduzidos ao concurso de crimes. E, em rigor, só depois do trânsito em julgado é que a condenação anterior ganha a sua função de solene advertência do agente.).
Pressuposto material: Que, de acordo com as circunstâncias do caso, seja de censurar o agente por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime, sendo no seu desrespeito ou desatenção a esta advertência que o legislador vê fundamento para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. Há assim um funcionamento não automático.
Por fim, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado.
Como escreve o professor F. Dias ( Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 377.) «é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de “substancial”, mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” - da reincidência. Com o que se recusa tanto uma concepção puramente “fáctica” da reincidência, que a fizesse resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais e que seria incompatível com o princípio da culpa; como uma concepção que considerasse impossível a recondução da reincidência a uma culpa agravada e, em consequência, a tratasse, só ou predominantemente, no domínio da especial perigosidade».
«O critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógenea da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. [...] Decisiva será, em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão de saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores».
A reincidência assume relevo na medida em que no facto cometido posteriormente a uma condenação se documente uma maior culpa, consubstanciada numa atitude pessoal de desconsideração pela solene advertência contida na condenação anterior e se revele, assim, uma mais grave traição da tarefa existencial de conformação da personalidade do agente com o tipo de personalidade suposta pela ordem jurídica. Por outro lado, na reiteração da actividade criminosa podem fazer-se avultar os indícios de uma maior perigosidade e, logo a partir daí, fazer-se sentir exigências acrescidas de prevenção.
No Código Penal vigente o conceito de reincidência abrange, agora, tanto a reincidência homótropa como a polítropa, sujeitando a lei ambas a igual tratamento. No entanto, o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, embora não implicando um regresso à ideia de que só a homótropa é verdadeira reincidência, exige, de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela maior censura.
Desta maneira, é a distinção entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que importa fazer, com base em matéria de facto concreta: operando a reincidência ope judicis há que distinguir o verdadeiro reincidente do pluriocasional, pois uma nova condenação, por ser devida a causas fortuitas ou exógenas que excluam a conexão entre os crimes reiterados, pode não ter força indiciadora de desrespeito, o que impede a actuação da advertência resultante da condenação ou condenações anteriores ( A concepção do instituto da reincidência do C. Penal de 1886 foi alterada, deixando de o fazer depender apenas da verificação automática da condenação ou condenações anteriores, antes se exigindo a demonstração de factualidade concreta que cria uma relação entre a falta de efeito da condenação anterior e a prática de novo crime (Cf., entre outros, Ac. do STJ de 12/5/93 na CJ 2º/231 e Ac do STJ de 4/10/89 na CJ 4º/11. Também F. Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, pp. 268 e 269 entende que para a verificação da reincidência «é essencial a existência de averiguação em matéria de facto com respeito pelo principio do contraditório, de factos que demonstrem que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para não voltar a delinquir»).). A reiteração criminosa pode ter diversa etiologia e, para efeitos da reincidência, apenas releva a que esteja ligada a um defeito da personalidade que leve o agente a ser indiferente à solene advertência contida na sua condenação em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por crime doloso ( Por exemplo, não voltar a procurar trabalho, ou continuar a conviver com delinquentes, ou fazer do crime o seu modo de vida.).
Averiguemos se da acusação constavam os elementos suficientes para, uma vez considerados provados, possibilitarem a condenação do recorrente como reincidente.
Adianta-se, desde já, sem sombra de dúvida, que a peça acusatória contém, nomeadamente, nos pontos 16 a 30 (o ponto 15, continha matéria conclusiva), factos que, uma vez demonstrados, eram susceptíveis de possibilitar a condenação do recorrente como reincidente, pese embora com a dita matéria factual também se visar demonstrar que o arguido fazia da prática dos crimes de furto o seu modo de vida e por via disso lhe foi imputada a qualificativa a que alude a alínea h) do art. 204º do C. Penal.
O acórdão recorrido considerou não se encontrar preenchida a circunstância qualificativa em questão expendendo: «O pressuposto fundamental para que se verifique a circunstância-elemento reside na prática – obviamente anterior – de vários furtos, mas, mesmo que tal pressuposto tenha lugar, estamos longe de haver o preenchimento do texto-norma em apreço. Exige-se de forma insofismável que essa prática corresponde a um modo de vida.” – José faria Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, pág. 70». Mas, a propósito da reincidência, escreveu-se nessa decisão: «No que respeita ao arguido Augusto P., há que atender a que o mesmo já tinha sido condenado por outros factos, maioritariamente por crimes dolosos contra o património, em pena de prisão efectiva, que cumpriu, superior a 6 meses, e que deve agora ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, pela prática de crime doloso. As condenações anteriores transitaram em julgado.
Os factos em apreço foram cometidos a uma distância temporal inferior a cinco anos face aos apreciados nas anteriores condenações, mesmo não tendo presente o desconto do período em que estive privado de liberdade em cumprimento das penas nelas aplicadas.
Tal proximidade temporal, aliada à idêntica natureza do crime pelo qual foi condenado, de entre o mais, no Processo n.º Comum (Tribunal Colectivo) n.º 27/13.2GBVFL, por decisão de 23/03/2015 proferida pela Instância Central – Secção Cível e Criminal, do Tribunal da Comarca da Guarda, onde foi condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática, em 13-06-2013, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º do C. Penal, justifica a conclusão de que as anteriores condenações (e o próprio cumprimento de pena) não serviram de advertência suficiente ao arguido contra o crime, não tendo resultado do julgamento da causa qualquer outro elemento que infirme tal ilação.
Verificam-se, pois, nos termos do art.º 75.º do C. Penal, todos os requisitos da reincidência, pelo que o arguido Augusta P. deve ser punido como tal, em relação ao crime de furto qualificado.»
E por sua vez, na motivação da matéria de facto, já constava: «No que à reincidência delituosa por banda do arguido Augusto P. respeita, o qual negou genericamente os factos, sem qualquer credibilidade, diga-se que para além do certificado de registo criminal, e das certidões juntas aos autos, o tribunal sustentou-se nas regras da experiência comum as quais, aliadas à restante prova, permitem a ilação nos termos da qual as anteriores condenações não lhe serviram de suficiente advertência, tanto mais que nenhum elemento existe nos autos que permita concluir que o arguido não tem ou não tinha à data consciência crítica ou sequer que padecesse de uma reduzida capacidade avaliativa das suas acções. Na realidade o arguido insiste em trilhar um percurso de vida errante, apesar dos confrontos que já manteve com a ordem jurídica.».
Este pensamento expendido pelos Srs. Juízes, conforme os próprios o referem, foi alicerçado noutros meios de prova que lhes permitiram retirar a aludida conclusão.
Fazendo o cotejo dos factos, resulta desde logo o seguinte: o arguido negou a sua prática, esforçando-se afincadamente para os imputar a outra pessoa, o que significa à saciedade que não interiorizou o desvalor da sua conduta nem revelou disponibilidade para pautar o seu comportamento como cidadão socialmente comprometido, pela interiorização do respeito dos bens jurídico-penais.
Ademais, dos factos provados quanto às suas condições pessoais, resultou que sempre manteve o apoio da sua mãe que o acolheu quando saiu do estabelecimento prisional e no meio social da sua residência o arguido não era estigmatizado contudo continuava a ser referenciado como um indivíduo que acompanhava pares com comportamentos menos normativos.
Assim, para além das condenações anteriores, da restante matéria assente permite-se estabelecer uma relação entre a falta de eficácia dissuasora dessas condenações e a prática dos novos crimes. Senão vejamos.
Retira-se do que se provou, em suma:
- Por decisão proferida em 20/12/2011, transitada em julgado em 23/12/2011, o arguido foi condenado na pena única de 7 anos de prisão, pela prática, na noite de 23 para 24/2007, de um crime de furto simples; pela prática, no primeiro trimestre de 2004, de um crime de detenção ilegal de arma; pela prática em 24/6/2007, de um crime de roubo; pela prática, em 22/11/2006, de um crime de furto qualificado; pela prática em 6/3/2007, de um crime de detenção de arma proibida. (cfr. certidão junta a fls. 491 a 499);
- O arguido esteve em cumprimento de pena desde o dia 24 de Junho de 2007 até ao dia 6/03/2012, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional, tendo sido fixada a data prevista para o fim da pena o dia 24/6/2014;
- Por decisão de 23/03/2015, transitada em julgado em 5/11/2015, o arguido foi condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática, em 13-06-2013, de um crime de furto qualificado;
- No dia 3 de Maio de 2015, o arguido desencadeou a actuação ora em apreço e num contexto circunstancial em que não exercia actividade laboral regular.
Acresce que o cometimento do crime de furto em que foi condenado em 23/03/2015 na pena 4 anos, verificou-se em pleno decurso da liberdade condicional, quando ainda não haviam cessado as obrigações decorrentes desse regime em que se encontrava e num contexto circunstancial em que continuava a ser referenciado como um indivíduo que acompanhava pares com comportamentos menos normativos, retirando-se que, na conjuntura em que adoptou tais condutas, agiu sem produzir uma efectiva reflexão relativamente aos danos causados às vítimas, sem que o seu antecedente envolvimento com o sistema de justiça penal tivesse obviado a continuidade dessa sua trajectória criminal.
Ora, o exposto permite concluir que se encontram preenchidos, desde logo, como é evidente, os supra referidos pressupostos formais, mas também o requisito material analisado, pelo que o arguido/recorrente tem de ser considerado reincidente. Na verdade, o arguido recaiu novamente na prática dos crimes justificativos da presente condenação volvidos cerca de três anos e seis meses após cumprimento de parte da pena de prisão de considerável duração (7 anos), que lhe havia sido imposta pelo cometimento de factos graves, integrantes de vários crimes de furto qualificado, roubo e detenção de armas proibidas, portanto, da mesma natureza dos que veio agora a cometer.
Ou seja, necessária é a conclusão de que aquela pena de prisão de sete anos em que o arguido/recorrente fora condenado se mostrou insuficiente para a sua readaptação social, não tendo constituído suficiente prevenção contra a prática de actos ilícitos criminais, por causas endógenas, ligadas à sua personalidade, desajustada ao direito e às normas de vida em sociedade, que o levaram a volver à prática do ilícito criminal em 3 de Maio de 2015 – tal como o já fizera em 13-06-2013 –, por factos idênticos àqueles pelos quais já havia sido condenado em 20/12/2011.
Consequentemente, também, neste conspecto, nenhuma censura merece a decisão recorrida.

3. A pena (medida e suspensão).
3.1. O recorrente defende que é exagerada a pena que lhe foi aplicada pelo tribunal recorrido, alegando que foi violado o disposto no art. 71º do C. Penal.
Nos termos dos arts. 70º e 71º do C. Penal, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
E a lei dá preferência às penas não privativas da liberdade, mas apenas de forma fundamentada e criteriosa, ou seja, se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( Cf. art. 70º.). Por outro lado, resulta do art. 40º nº 1 do mesmo diploma, tal como salienta F. Dias ( Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 331.), que «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa...».
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» ( Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» ( Ibidem, p. 575.). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» ( Ibidem, p. 558.).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, nº 2, do C. Penal).
Ora, é acentuada a gravidade objectiva da conduta do arguido, pois que com a mesma atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como são a propriedade, a segurança e a tranquilidade social.
Há, ainda, a considerar, por um lado, o facto de o dolo ser directo, uma vez que foi objectivo do arguido, de forma directa e como único fim da sua actuação, a apropriação de bens alheios existentes no interior de um estabelecimento.
Por outro lado, o arguido prestou declarações em audiência apenas para tentar entravar a descoberta da verdade e negar a assumpção da sua própria responsabilidade, tentando imputar os factos a um terceiro, que lhe deu guarida na sua própria habitação, ao mesmo tempo que denotou ausência de autocrítica relativamente aos factos que originaram o processo, a que tudo acresce os significativos antecedentes criminais e o já exposto em sede de reincidência e aí ponderado, sendo-lhe assacável uma culpabilidade saliente.
Por tudo isso são elevadas as exigências de prevenção geral e no que respeita às necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, também as mesmas se revestem de elevado grau, mostrando-se exacerbada a necessidade da pena a aplicar.
Na verdade, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial, as atinentes à necessidade da pena e, sobretudo, à intensidade da culpa, mostra-se que só as penas parcelares de prisão de três anos e oito meses e de seis meses e a pena única de quatro anos de prisão, aplicada pelo tribunal de 1ª instância, conseguirá satisfazer as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como, a de procurar que o arguido não volte a delinquir.

3.2. Conforme impõe o art. 50º do CP, a questão da suspensão (ou não) dessa pena, dado que aplicada em medida não superior a cinco anos, tem que ser obrigatoriamente abordada, importando averiguar se a prognose de ressocialização é favorável: a execução da pena de prisão aplicada deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando essa norma a possibilidade de suspensão de execução da pena impõe-se averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. A prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a última ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a protecção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coacção próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico (favorável) ( Como realça F. Dias (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, p. 344), o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.). Trata-se, pois, de “averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. Só o prognóstico favorável permite a suspensão da execução da pena de prisão. Não estando quanto a ele convicto o julgador falhará uma exigência legal devendo negar-se a possibilidade de suspensão. Esse é o caso das situações de non liquet” ( Tal como entendeu o Ac da RP de 25/10/2006, proferido nos autos PCC nº 623/05.1PBMTS, a fls 382 e ss.).
É o que sucede na situação em apreço com o arguido:
Como se vê do acima exposto, se, por um lado, o arguido não colaborou para a descoberta da verdade e não revelou sentido autocrítico, por outro lado, desde logo, não se pode abstrair da gravidade e da maior censurabilidade da conduta que o arguido adoptou, inerente à sua reincidência. Além disso, se o arguido possui agora algum apoio por parte da sua mãe, o que pode vir a constituir um importante factor para a sua ressocialização, a verdade é que também não tem uma qualquer perspectiva de regular inserção laboral, sendo frágil, por ora, a sua capacidade de inclusão social, e tem já antecedentes criminais de relevo. Deve salientar-se, nesta última vertente, que o arguido não só fora já condenado, além do mais, em pesadas penas de prisão como cometeu os factos pelos quais vai agora condenado depois de já ter beneficiado da liberdade condicional, concedida em relação ao cumprimento de um cujo termo apenas ocorreria em 24/06//2014 e, ainda mais grave, praticara um novo crime quando ainda se encontrava sujeito às obrigações de correntes da liberdade condicional.
Tudo circunstâncias com muito significado a que se tem agora de atender por relevarem, sobremaneira, nesta sede, com vista a averiguar dos pressupostos e finalidades da suspensão da pena de prisão. Ora, não pode, para já, asseverar-se, com segurança, que a personalidade do arguido não fornece qualquer contra-indicação à suspensão e que os factos apontam para que a sua conduta, objecto destes autos tenha sido um incidente ocasional, sem repercussões negativas nas suas interacções sociais. Portanto, não fornecem os autos elementos que fundem a esperança no êxito do processo de reinserção social do arguido em liberdade, porque nada existe que justifique o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
*
Decisão:
Pelo exposto, julgando-se o recurso improcedente, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC´s.
Guimarães, 7/11/2016
Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado