Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1101/15.6T8PVZ-C.G2
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: ARRESTO
CRÉDITO ILÍQUIDO
JUSTO RECEIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator:

O facto de a Requerida ter em 2015 vendido uma parcela de um dos três imóveis de que é proprietária não justifica o alegado receio de perda da garantia patrimonial, quando desde logo o prédio remanescente tem um valor de € 1.200.000,00, muito superior ao valor do crédito da Requerente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

1.1. X – Madeiras, Unipessoal, Lda., requereu procedimento cautelar de arresto contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras ..., Lda., alegando que é titular de um crédito líquido, no valor de € 216.576,75, sobre a Requerida e que esta tem vindo a dissipar e a ocultar bens.
Indeferido liminarmente o requerimento inicial, a Requerente interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado procedente por acórdão de 31.10.2018, que anulou o despacho recorrido e determinou que se proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento, de modo a permitir à Requerente alegar factos que demonstrassem um saldo positivo a seu favor em sede de liquidação de sentença.
Após aperfeiçoamento e subsequente produção de prova, foi decretado o arresto.
A Requerida veio deduzir oposição, alegando, em síntese, que a Requerente não é titular do crédito de que se arroga, nem se verifica qualquer justificado receio de perda de garantia patrimonial, dispondo a Requerida de património largamente superior ao valor do crédito invocado pela Requerente.
Terminou pedindo que o procedimento cautelar seja julgado totalmente improcedente e, caso assim não se entenda, seja o arresto reduzido a um único imóvel.
*
Realizada a audiência final, foi proferida decisão a julgar procedente a oposição e a ordenar o levantamento do arresto e o cancelamento do respectivo registo.
*
1.2. Inconformada, a Requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«A. Os valores inscritos na decisão da matéria de facto que deu como provados os factos vertidos sob os n.º 1, 2 e 3, encontra-se em preterição dos documentos juntos pela APDL, pelo que não podiam ter sido dados como provados como o foram; ou
B. Pelo menos não podiam ter sido dados como provados seja em todo o conteúdo e termos em que o foram, ou porque contraditados por prova documental existente nos autos ou porque não suportados por qualquer prova testemunhal ou depoimentos que não lhes dê crédito.
Assim,
C. O valor inscrito facto constante do ponto n.1 não pode ser dado como provado porque existe nos autos prova documental, junta pela APDL a fls. 1352, que demonstra que o preço praticado era de € 0,4008, por cada 10 m2, ao dia;
D. Da mesma forma o valor inscrito no ponto n. 2 não pode ser dado como provado porque existe nos autos prova documental junta pela APDL a fls. 1421, que demonstra que o preço praticado era de € 0,2235, por cada 10 m2, ao dia;
E. E, o mesmo se demonstra que o valor inserido no ponto 3 não pode ser dado como provado, porque resulta da prova documental junta pela APDL a fls. 1456 verso, que o preço praticado era de € 0,447, por cada 10 m2, ao dia.
F. De facto, daquela prova documental, resulta que não existe qualquer valor de referência para o armazenamento entre os dias 19.º e 20.º, mas sim entre os dias 11.º e 30.º.
G. Do ponto 4. da matéria de facto dada como provada deve ser acrescentado que o valor de 36*ZM, correspondente ao depósito em parque fechado, corresponde a € 2,682, por 10 m2, ao dia, tal como se afere do documento junto a fls. 1456 verso.
H. Na verdade, da análise do documento junto a fls. 1456 verso, facilmente se afere que o valor do depósito praticado pela APDL em 2015 era muito inferior àquele que era praticado pelo mercado, tanto em valor como em área a cobrar.
I. Daí que, por inerência, a análise efectuada pela testemunha R. T. se mostra totalmente desfasada dos preços praticados pela APDL, tanto em depósito a descoberto como em parque fechado,
J. Pois, que da prova documental se retira que o preço a praticar pela APDL era por cada 10 m2 e não por m2, como referiu aquela testemunha.
K. Assim, a apreciação daquele testemunho e a sua valoração pelo tribunal a quo se revela completamente contrária à prova documental junta aos autos, bem como, subtraída à livre apreciação do julgador.
L. Não podendo, o tribunal a quo retirar que os preços e tarifas praticados pela APDL eram desincentivadores da realização de depósitos de mercadoria de longa duração.
M. Relativamente ao ponto 5 não aceita a Recorrente que seja dado como provado que “a requerida não alienou qualquer património imobiliário, nem fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações”, bem como manteve “o número de funcionários”.
N. Porque junto aos autos se encontram fotografias (prova documental) de publicidade da Y e, que esta se entrava a alienar património, o que ocorreu após a prolação da Decisão e, porque apenas o legal representante daquela veio alegar ser seu o património pessoal à venda e não daquela. O que é prova sujeita a inversão do ónus de prova e, comprovativo do alegado, que deveria (e não foi) ter sido junta pela Recorrida.
O. Porque junto aos autos se encontram certidões dos processos de trabalho interposto por ex-funcionários da Y, processos nrs. 654/13.8TTVCT.1; 655/13.6TTVCT.1 e 761/13.7TTVCT.1 e, nos autos principais a funcionária e testemunha arrolada, O. M., (responsável da contabilidade) informou os Autos ter sido dispensada por falta de trabalho.
P. E, também, porque do confronto das declarações do legal representante da Requerida e da testemunha D. S., resultam realidades totalmente distintas.
Q. A testemunha D. S., por percepção directa e conhecimento directo, tanto do espaço, como das condições em que aquele se encontrava aquando da sua visita, referiu que as instalações se encontram divididas, quando antes eram amplas, viu obras na parte de trás da Requerida e que o construtor que lá estava a fazer os lotes lhe referiu que aquilo estava à venda na internet e era para venda.
R. Não viu, por percepção directa quaisquer trabalhadores nem actividade nas instalações da Requerida e chamou-lhe a atenção o facto dos empilhadores, o veículo pesado e o ligeiro se encontrarem estacionados alinhados, pois que pelas regras da experiência comum, se a empresa estivesse em laboração os mesmos estariam a ser utilizados e/ou estacionados de forma aleatória e não alinhada, como se estivessem arrumados.
S. Pelo legal representante da Requerida foi indicado que os lotes de terreno à venda não pertenciam à Y, mas sim ao próprio, porque por este haviam sido adquiridos ou permutados com a Câmara Municipal, mas não foi junto pela Requerida nem pelo seu legal representante qualquer documento que atestasse que, de facto, aqueles lotes pertenciam àquele e não à Requerida.
T. Existe contradição entre o que referem os documentos juntos pela Requerida quanto ao número de trabalhadores e o que foi directamente percepcionado pela testemunha D. S. e corroborado pelo legal representante da Requerida quando refere que já não precisa de mais motoristas e que lhe basta um pois que não precisa de mais.
U. Ademais, das declarações do legal representante da Requerida resulta que as máquinas, os veículos automóveis e os empilhadores, pela idade que detêm, que ultrapassa os 10 e 15 anos, o que traduz que estes bens não detêm qualquer valor venal, na presente data, para que se mostrem aptos para o pagamento do valor da dívida da Requerida à Requerente.
V. Pelo que, o tribunal a quo não poderia ter dado como provado, como o faz, que a Requerida não fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações, pois o tribunal a quo não dispunha de elementos que lhe permitissem decidir nesse sentido nem da audiência resultou tal prova,
W. E, nesse sentido, por não ter sido produzida a prova por quem competia fazê-lo, nos termos do princípio geral do ónus da prova, previsto no artigo 342º do CC, segundo o qual “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”, teriam aqueles factos alegados pela Requerida de ser dados como NÃO PROVADOS.
X. A Recorrente não se conforma com o facto dado como provado no ponto 6, pois a prova documental em que a sentença de que se recorre se alicerça não tem o condão de demonstrar que vendas se ali declaradas correspondem a vendas resultantes da vida normal empresarial da Requerida, mediante a compra e venda de mercadorias e a sua transformação, ou se são somente vendas de stock já acumulado nas instalações daquela.
Y. Pois, a actividade, laboração e solvência da Requerida só seria apreciada mediante as vendas e os custos face ainda aos prejuízos, mediante a análise da IES – Informação Empresarial Simplificada, o que a Requerida não juntou.
Z. Nesse sentido, por não ter sido produzida a prova por quem competia fazê-lo, teriam aqueles factos alegados pela Requerida de ser dados como NÃO PROVADOS.

Ademais,
AA. A Requerida não prova qualquer actividade respeitante ao ano em curso de 2019, para os primeiros meses do ano até à dedução da sua oposição.
BB. Pelo que, não é afastada a prova produzida pela testemunha D. S., que pela sua percepção directa referiu, expressamente, que havia estado nas instalações da Requerida, no início do corrente ano e esta não se encontrava em laboração, nem havia lá qualquer actividade ou funcionário e as únicas mercadorias existentes era, cerca de uma ou duas paletes de madeira podre.
CC. Por isso, tal facto ser aditado, ao rol dos factos dados como provados, deles passando a constar que nos primeiros meses do ano de 2019 a Requerida não laborou.

Assim,
DD. Os factos dados como provados no ponto 6. devem ser dados como NÃO PROVADOS, ou apenas poderão ser substituídos pelos factos: “A Requerida teve em 2016 vendas no valor de € 111.462,99, teve vendas no valor de € 218.524,29 e em 2018 teve vendas no valor de € 134.158,66, não tendo registo de qualquer venda em 2019.”
EE. Não pode a Recorrente concordar, ainda, com os factos dados como provados no ponto 7., porquanto dos documentos juntos aos autos não resulta prova cabal que não exista qualquer dívida nem com a segurança social ou com os seus trabalhadores ou ainda com a banca,
FF. A declaração emitida pela segurança social ou até pelas finanças é emitida mesmo que exista dívida, a coberto de um qualquer acordo de pagamento, sendo, tal facto conhecido e perceptível do homem e da experiência comum.
GG. Assim aqueles factos teriam de ser dados como NÃO PROVADOS, OU,
HH. Apenas poderão ser substituídos por outro do qual se extraia: “Das declarações de não dívida da segurança social e das Finanças resulta que a Requerida se encontra em cumprimento com as suas obrigações fiscais, seja um cumprimento pontual ou em acordo de pagamento de dívida”.
II. Mas, não mais que isso.
JJ. A Recorrente não pode, ainda, conformar-se com os factos dados como provados nos pontos 8 e 9, da sentença recorrida, porquanto dos autos não existe prova documental que prove que o capital social da Requerida se encontra totalmente realizado,
KK. E, o valor inscrito como sendo o valor do imóvel da sede da Requerida, é-o no pressuposto daquele imóvel se manter totalmente indiviso, e não repartido em lotes, tal como resulta da prova fotográfica, documental e testemunhal, com uma amplitude que deveria fazer toda a diferença para a sentença recorrida,
b) Assim, os factos dados como provados no item n.9, deverão ser substituídos por outros que revelem a verdade material da prova produzida, mormente, a prova fotográfica e documental retirada da internet e da prova testemunhal produzida e supra transcrita nas alegações, que indique que: “O prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ..., freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... tem um valor aproximado de € 1.200.000,00, para a sua totalidade sem qualquer divisão.”

Ademais,
LL. Da sentença de que se recorre consta que para aferição do justificado receio da garantia patrimonial, nos termos do art.º 391.º, n.1, do CPC, deve implicar uma comparação do património do devedor na altura da constituição da obrigação e no momento posterior em que se deduz o procedimento cautelar.
MM. Nos presentes autos a constituição da obrigação não se dá com a prolação da sentença proferida nos autos principais, mas sim no momento da celebração do contrato e, cujo vencimento da obrigação ocorreu com o vencimento das facturas reclamadas nos autos de processo principal:
a) factura 112 em 20.04.2009;
b) factura 113 em 19.06.2009;
c) factura 116 em 08.02.2011;
d) factura 117 em 08.02.2011;
e) factura 120 em 14.11.2012.
NN. Pelo que, a subsunção dos factos ao direito efectuada pelo tribunal a quo, mormente ao art.º 391.º, n.1, do CPC, padece de erro na aplicação do direito.

Ainda,
OO. Dos autos consta que o contrato de compra e venda celebrado entre a Requerida e a Metalo ..., através do qual, a primeira vendeu cerca de € 4.800m2 do terreno adjacente às suas instalações, pelo valor de € 325.000,00, foi realizado em Dezembro de 2015,
PP. Sendo tal facto posterior à constituição da obrigação da Requerida para com a Recorrente.
QQ. Sendo que, foi este, ainda, realizado no mesmo ano da interposição da acção principal pela Recorrente, na qual era solicitado o pagamento do valor correspondente às facturas supra identificadas e, já depois da Requerida ter emitido, ao arrepio da lei fiscal uma factura para um alegado depósito, pelo valor correspondente a cerca de € 227.761,56.
RR. Do comportamento da Requerida desde a constituição da obrigação até à presente data foram praticados actos que denotam uma tentativa, por parte daquela, de se furtar ao cumprimento da obrigação que assumiu, passando até pela falsa indicação, no incidente de prestação de caução, de que não dispunha de quaisquer outros bens que pudesse dar de garantia a não ser umas madeiras velhas, julgadas totalmente inidóneas para aquele efeito, tendo vindo a revelar-se, posteriormente, que a Requerida detinha, já naquela data, muito mais património do que aquele que referiu ser detentora.
SS. A venda parcial do prédio onde se encontram as instalações da Requerida em 2015, cujo conhecimento da Recorrente adveio da prova produzida em audiência pela testemunha D. S. e pelo contrato de compra e venda junto pela própria Requerida, consubstancia um comportamento que cria na Recorrente um justificado receio da perda da garantia patrimonial do seu crédito, atendendo a que os restantes bens imóveis, pelo seu valor, não se afiguram suficientes para pagamento do crédito da Recorrente acrescido dos respectivos juros de mora,
TT. Para além de se encontrarem em venda as instalações, na data em que é decretada a providência e, ainda antes da citação, o que deu origem à tramitação anormal ocorrida.
UU. E, nem os veículos automóveis, os empilhadores e a restante maquinaria asseguram o cumprimento da obrigação daquela, pois que estes, tal como confessado pelo legal representante da Requerida já têm mais de 10, 15 anos, encontrando-se totalmente depreciados e, sem qualquer valor comercial.
VV. Assim, realizando a comparação do património da Requerida à data da constituição da obrigação, há cerca de 10 anos atrás, até ao presente, existe uma enorme e elevada diminuição da sua garantia patrimonial, dado que os seus bens móveis se encontram depreciados, não tendo, na presente data, qualquer valor venal de relevo no mercado,
WW. E, o seu bem imóvel de maior valor já sofreu uma redução de área pela venda de 4.800,00 m2, que implicou uma diminuição do valor do mesmo, face à data da constituição da obrigação, cuja expressão seria suficiente para pagamento do crédito da Recorrente.
XX. O qual se alia o facto de se encontrar com instalações divididas, tal como afirmou a testemunha D. S. e ter lotes constituídos para venda, pois que não foi feita prova de que efectivamente aqueles lotes não pertenciam à Requerida.
YY. Ainda, face à alienação de parte do imóvel que constitui a sua sede, a Requerida à data da interposição do incidente de prestação de caução, detinha outros bens para prestarem caução, mormente bens imóveis, ocultou ao Tribunal, naquele incidente e cujas testemunhas da Requerida, corroboraram essa informação da não existência de mais bens da titularidade da Requerida, e sobre os quais omitiu dolosamente tanto a Recorrente como o douto tribunal.
ZZ. A conduta da Requerida demonstra uma alienação de bens da sua titularidade bem como uma tentativa de ocultação de outros bens, cuja titularidade só foi revelada pela propositura da acção de execução.
AAA. E, havendo constituição de lotes de terreno, tal como se afere das fotografias que se encontram juntas autos, por divisão da área descoberta do imóvel onde a Requerida está sediada, o valor daquele bem não se pode aferir pelo valor que consta da sua caderneta predial, pois que a área do mesmo já não corresponde à sua verdadeira área, mesmo não tendo existido destacamento do mesmo, até à presente data.
BBB. Desta forma e face aos comportamentos da Requerida, tanto de alienação como de ocultação de bens, considera a Recorrente que a demora na decisão do incidente de liquidação, da qual a presente acção cautelar depende, irá resultar no sério prejuízo da Recorrente, que há dez anos se encontra sem receber o valor respeitante às facturas acima mencionadas.».
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
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Foram colhidos os vistos legais.
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1.3. QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso. Por outro lado, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, não podendo o tribunal ad quem analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes ao tribunal a quo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes – artigo 5º, nº 3, do CPC.

Neste enquadramento, são questões a decidir:

i) – Verificar se existiu erro no julgamento da matéria de facto, no que respeita aos pontos nºs 1 a 9 dos factos provados;
ii) – Quanto à matéria de direito, em consonância com a modificação da matéria de facto proposta pela Recorrente e as correspondentes conclusões, saber se ocorreu um «erro na aplicação do direito» (conclusão NN) e se a decisão recorrida deve ser revogada, mantendo-se o arresto.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

2.1.1. A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos relativos à oposição:

1. Relativamente ao armazenamento em parque descoberto, em 2007, o custo de armazenagem no mercado, e também praticado pela APDL, era de 2,60€/m2.
2. Em 2013, no mercado, o valor diário por m2 entre o 19º e o 20º dia de armazenamento era de 0,1602€/m2/dia, sendo tal valor também o praticado pela APDL.
3. Para prazos de armazenamento superiores a 20 dias, a APDL cobra um valor de 0,6404€/m2/dia.
4. No que concerne ao armazenamento em armazém fechado, o preço normal de mercado é de € 10,40/dia/m2, sendo que a APDL, em 2105, cobrava 36*ZM.
5. Após a prolação da sentença proferida nos autos principais, a requerida não alienou qualquer património imobiliário, nem fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações, manteve as mesmas máquinas, instrumentos de trabalho e veículos automóveis, bem como o número de funcionários.
6. A requerida continua a laborar, sendo que em 2016 teve vendas no valor de € 111.462,29, em 2017 teve vendas no valor de € 218.524,29 e em 2018 teve vendas no valor de € 134.158,66.
7. A requerida não tem dívidas a trabalhadores, nem à segurança social, nem à banca, nem a outros fornecedores.
8. A requerida tem um capital social integralmente realizado de € 498.799,00.
9. O prédio urbano inscrito na matriz predial nº ..., freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... tem um valor aproximado de € 1.200,000,00.
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2.1.2. A decisão recorrida considerou ainda que «Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente:

- que o volume de 1000 m3 de madeira corresponda a uma ocupação de uma área de 1000 m2;
- que o valor pela mão de obra e custos com a movimentação de cargas ascende entre um valor mínimo de € 7.800+IVA e um valor máximo de € 9.800,00+IVA;
- que os stocks da requerida não sofreram alterações relevantes;
- que a requerida mantém exactamente a mesma actividade;
- qualquer um dos bens imóveis arrestados tem um valor superior ao que a requerente alega ser credora».
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2.1.3. A decisão que anteriormente tinha decretado o arresto havia considerado indiciariamente provados os seguintes factos:

«a) Na acção declarativa a que estes autos estão apensos foi proferida decisão, transitada em julgado, cujo dispositivo determina:

Em face do exposto, julgo a acção proposta por X – Madeiras, Unipessoal, Lda. contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras ..., Lda., procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.
Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora, parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582,77, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento, e ainda, metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.
Operando-se a compensação, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil, julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582,77 (€ 279.159,52 - € 62.582,77) e no valor que resultar da liquidação supra determinada, condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento) ou, no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento).

b) Na referida decisão foi, entre outras, dada por provada a seguinte factualidade:

k) Desde Julho de 2007 até Maio de 2015, a Autora utilizou as instalações da Ré para depositar madeira, sendo que a maior parte da madeira era depositada num espaço ao ar livre (parque exterior) e a restante, a madeira que necessitava de estar abrigada do ar livre, em espaço coberto e fechado (armazém);
l) Durante este período de tempo, a quantidade média de madeira armazenada ascendeu a 1000 m3 em parque fechado ao ar livre e a uma área de 28 m3 em armazém fechado com cobertura;
m) O parque fechado descoberto tem de área cerca de 4.000 m2, as madeiras da Autora estavam empilhadas e não ultrapassavam uma altura de 4 metros;
n) A madeira depositada ia sendo substituída por outra transportada pela Autora para as instalações da Ré, à medida que aquela que aí estava guardada era vendida;
o) A utilização destes espaços pela Autora implicou a disponibilização pela Ré de funcionários que carregavam e descarregavam a madeira com empilhadores e combustível desta;
p) Durante este período de tempo a Ré, em cargas e descargas da madeira depositada, despendeu 160 horas de trabalho;
q) A Ré enviou à Autora, em 28.07.2015, a factura, no valor de € 227.761,56, cuja cópia consta de fl. 105v, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
r) A madeira guardada pela Ré pertencente à Autora, para além de ser vendida a terceiros, também era utilizada pela Ré, depois de lhe ser vendida pela Autora, no exercício da sua actividade;
c) Entre 2007 e 2015, as empresas privadas de armazenagem de madeira cobravam, por acto (independentemente do tempo armazenado) e ao m3, na zona litoral norte do país, a quantia de € 35,00 em área descoberta e € 60,00 em área coberta;
d) Entre 2007 e finais de 2014, a Administração do Porto de …, não cobrava qualquer quantia às empresas que armazenassem mercadoria nos seus espaços, designadamente, madeira, se a mercadoria se encontrasse em trânsito, ou seja, se aguardava para ser embarcada, ou se aguardava para ser levantada após desembarque;
e) A partir de 2015, com a fusão dos portos de Leixões e Viana, para a mercadoria em trânsito, o Porto de Viana passou a cobrar a quantia de € 3,33 em área descoberta e € 8,66 em área descoberta por m2 e ao ano;
f) A requerente, de 2007 a 2015, tinha outros espaços para armazenar a madeira;
g) A madeira armazenada nas instalações da requerida encontrava-se em trânsito, pois era desembarcada nos Portos de Viana e de Leixões;
h) No incidente de prestação de caução, a requerida dispôs-se a oferecer, em caução, um estoque de madeiras cujo valor foi julgado inidóneo para garantir o valor de € 217.198,88, conforme decisões de primeira e segunda instância, constantes dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) Parte do espaço do imóvel que a requerida ocupava foi dividido com cercas de arame e encontram-se a laborar nesse espaço, assim dividido, outras empresas;
j) Após a prolação da sentença referida em a), requerida modificou as suas instalações, diminuindo o espaço coberto e não tem madeiras armazenadas, nem funcionários a trabalhar em horário diurno;
k) O valor das 160 horas de trabalho referidas na alínea p), do ponto II.1., da sentença referida em a), ascende a € 4.920,00».
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2.1.4. A decisão que decretou o arresto considerou como não provados os seguintes factos do «requerimento inicial consolidado: artigos 77º a 93º, 101º a 112º e 117º a 122º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas i) a j)».
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto

2.2.1.1. Em sede de recurso, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Estão efectivamente atribuídos à Relação poderes de reapreciação da matéria de facto no âmbito de recurso interposto, que a transformam num tribunal de instância que também julga a matéria de facto, garantindo um duplo grau de jurisdição.

Para que a Relação possa conhecer da apelação da decisão de facto é necessário que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 640º do CPC, que dispõe assim:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º».

No fundo, recai sobre o recorrente o ónus de demonstrar o concreto erro de julgamento ocorrido, apontando claramente os pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e indicando a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre a factualidade impugnada.
Em todo o caso importa enfatizar que não se trata de uma repetição de julgamento, foi afastada a admissibilidade de recursos genéricos sobre a decisão da matéria de facto e o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente»(1).

Delimitado pela negativa, segundo Abrantes Geraldes (2), o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado no caso de se verificar «alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b);
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
*
Aplicando os aludidos critérios ao caso que agora nos ocupa, verifica-se que a Recorrente, pese embora prolixamente, indica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifica os meios probatórios que imporiam decisão diversa e mencionam a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto controvertidas. No que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, procede à indicação dos elementos que permitem minimamente a sua identificação e localização.
Por isso, podemos concluir que a Recorrente cumpriu minimamente o ónus estabelecido no citado artigo 640º do CPC e, por outro lado, tendo sido gravada a prova produzida na audiência de julgamento e dispondo dos elementos que serviram de base à decisão sobre os factos em causa, esta Relação pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.
Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662º do CPC, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu nº 1 que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Por isso, passa-se a reapreciar a matéria de facto impugnada.
*
2.2.1.2. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a Requerente/Recorrente considera incorrectamente julgados todos os pontos de facto considerados provados na decisão recorrida, a saber:

1. Relativamente ao armazenamento em parque descoberto, em 2007, o custo de armazenagem no mercado, e também praticado pela APDL, era de 2,60€/m2.
2. Em 2013, no mercado, o valor diário por m2 entre o 19º e o 20º dia de armazenamento era de 0,1602€/m2/dia, sendo tal valor também o praticado pela APDL.
3. Para prazos de armazenamento superiores a 20 dias, a APDL cobra um valor de 0,6404€/m2/dia.
4. No que concerne ao armazenamento em armazém fechado, o preço normal de mercado é de € 10,40/dia/m2, sendo que a APDL, em 2105, cobrava 36*ZM.
5. Após a prolação da sentença proferida nos autos principais, a requerida não alienou qualquer património imobiliário, nem fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações, manteve as mesmas máquinas, instrumentos de trabalho e veículos automóveis, bem como o número de funcionários.
6. A requerida continua a laborar, sendo que em 2016 teve vendas no valor de € 111.462,29, em 2017 teve vendas no valor de € 218.524,29 e em 2018 teve vendas no valor de € 134.158,66.
7. A requerida não tem dívidas a trabalhadores, nem à segurança social, nem à banca, nem a outros fornecedores.
8. A requerida tem um capital social integralmente realizado de € 498.799,00.
9. O prédio urbano inscrito na matriz predial nº ..., freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... tem um valor aproximado de € 1.200.000,00.

Pretende que tais factos sejam considerados como não provados ou corrigidos nos termos que expõe (v. transcrição supra).
*
2.2.1.3. O Tribunal a quo exprimiu a motivação da decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem.
Assim, e para além dos factos que estão assentes por documento e acordo das partes, nos termos do art.º 574º, nº 2, do NCPC, teve ainda o tribunal em consideração a demais prova produzida, nomeadamente, as declarações de parte do legal representante da requerida e os depoimentos das testemunhas, tudo devidamente concatenado com a prova documental oferecida nos presentes autos.
Posto isto, no que respeita à factualidade inserta nos pontos 1 a 4 do elenco dos factos dados como sumariamente provados tivemos em atenção o teor dos documentos constantes de fls. 1251 a 1290, 1332 a 1462 dos presentes autos, cujo conteúdo foi devidamente enquadrado pelos depoimentos das testemunhas R. T., economista e consultor financeiro – tendo exercido funções na Associação de Industrias de Madeiras e Mobiliário, e J. C., despachante alfandegário.
Estas testemunhas, por via do exercício das respectivas actividades profissionais, mostraram ter conhecimento da matéria em discussão, tendo prestado as respectivas deposições de forma conhecedora, circunstanciada, desinteressada e, por conseguinte, de forma credível e plausível, tendo atestado em consonância com aquilo que nos foi dado a perceber da análise dos mencionados documentos, que os preços praticados nos portos da região são manifestamente desincentivadores da realização de depósitos de mercadoria em trânsito, sobretudo, de longa duração, prevendo-se nos respectivos tarifários preços verdadeiramente astronómicos para estes.
Veja-se que a testemunha J. C. asseverou não ter conhecimento de alguma vez ter existido um depósito de tal natureza em qualquer dos portos do país, o que também pode explicar a inexistência de registo de qualquer cobrança de valores a esse título (armazenamento) nos relatórios de contas apresentados nos autos pela requerente.
Por outro lado, esta testemunha não deixou de esclarecer que muito embora os 1000m3 de volume de madeira apurado na sentença não ocupem necessariamente a área de 1000m2, dado a madeira estar empilhada, podendo tal ocupação corresponder a uma área muito inferior (cerca de 250m2), a verdade é que não deixou de acrescentar que tal ocupação numa área em m2 podia ser maior, em função de diversos factores atinentes ao acondicionamento da mercadoria em condições de estabilidade e segurança.
E, assim sendo, apesar da análise aos custos apresentada pela testemunha R. T. se nos ter afigurado minuciosa e suportada, a verdade é não pudemos ter por certo o valor total devido pelo armazenamento em causa, uma vez que a referida testemunha baseou os seus cálculos no pressuposto de que a madeira ocuparia uma área de 1000m2, conforme a mesma expressamente admitiu.
Do que deixamos dito, só podemos concluir que o custo do depósito em apreço tem necessariamente um custo bastante inferior, podendo, no limite, corresponder apenas a cerca de ¼ do valor a que a aludida testemunha concluiu como o correcto (cerca de € 355.000,00 + IVA). E, assim sendo, o custo do depósito em causa certamente não deverá ser muito superior a € 100.000,00.
Relativamente aos factos dos pontos 5. a 9. do elenco dos factos sumariamente apurados tivemos em consideração o conjunto da prova produzida, a qual se nos afigurou unívoca quanto à mesma. Com efeito, a prova produzida relativamente a tal matéria foi absolutamente inequívoca, sendo de realçar o teor das certidões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (de fls. 1307v) e pela Segurança Social (de fls. 1308); os relatórios constantes de fls. 1308 a 1312 dos quais consta o número de pessoas ao serviço da requerido entre 2016 e 2018 – dos quais consta ainda informação sobre o capital social da requerida; os Mapas de Impostos das Vendas efectuadas pela requerida entre 2016 e 2018 (fls. 1313 a 1315) e os contratos promessa e contrato de compra e venda de fls. 1479 a 1482; devidamente concatenado com as declarações de parte do legal representante da requerida, M. P. e o depoimento da testemunha J. P., colaborador da requerida e filho daquele, os quais foram na essência coincidentes e mostraram-se devidamente suportados na aludida prova documental.
Importa referir que no que diz respeito ao valor do bem imóvel aludido no ponto 9. do elenco dos factos sumariamente apurados tivemos não só em atenção o depoimento da testemunha D. M. que procedeu à avaliação do prédio e elaborou o relatório constante de fls. 1319 a 1320, a solicitação da requerida, mas ainda no teor do documento emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira de fls. 158 e seguintes a certidão predial constante de fls. 164v e 165, da qual resulta que o prédio em questão foi sujeito a avaliação fiscal no ano de 2016, tendo apresentado o valor tributário de € 1.123.216,25.
Analisados todos os depoimentos prestados e a documentação junta aos autos, temos por certo que entre 2017 e a presente data a requerida manteve o seu activo e o número de trabalhadores, não tendo actualmente quaisquer dívidas à segurança social e às finanças.
Veja-se, por outro lado, que o próprio legal representante da requerida referiu que a actividade da mesma se ressentiu com a retração do mercado e da indústria da construção civil, explicando assim que a mesma já vinha diminuindo o volume de vendas em data anterior a 2017, o que também motivou o decréscimo paulatino de funcionários ao seu serviço em período igualmente anterior a 2017.
Por conseguinte, as respostas negativas relativas aos restantes factos, e para além do que já ficou dito, deveram-se à ausência e/ou insuficiência de prova sobre os mesmos, nomeadamente, testemunhal ou documental.
Finalmente, importa ainda dizer que, por consubstanciar matéria de direito, conclusiva ou repetitiva, ou ainda que factual, cuja prova seria inócua para a decisão da causa, não relevaram para a apreciação da presente providência os restantes factos da oposição que não foram seleccionados acima, em sede de factos provados e não provados».
*
2.2.1.4. Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição integral da gravação das declarações de parte dos legais representantes da Requerente (A. X.) e da Requerida (M. P.), e dos depoimentos das testemunhas D. S., contabilista, sócio da empresa de contabilidade que presta serviço para a Requerente, C. S., actualmente reformado e empresário do ramo da saúde, que trabalhou na Administração do Porto de Leixões até ao ano 2000, R. T., economista e professor universitário, sócio de uma empresa de consultoria que elaborou um estudo para Requerida, J. C., despachante oficial das alfândegas desde 1981 e que trabalha nesse ramo desde 1974, J. P., trabalhador da área comercial da Requerida (é também filho do legal representante dessa sociedade) e D. M., engenheiro civil que no âmbito da sua actividade profissional elaborou um projecto para a Requerida.

Revistos todos os meios de prova produzidos, esta Relação chegou às conclusões que a seguir se expõem, ponto por ponto.
*
2.2.1.5. Pontos de facto nºs 1, 2 e 3

O Tribunal a quo deu como provado que:

«1. Relativamente ao armazenamento em parque descoberto, em 2007, o custo de armazenagem no mercado, e também praticado pela APDL, era de 2,60€/m2.
2. Em 2013, no mercado, o valor diário por m2 entre o 19º e o 20º dia de armazenamento era de 0,1602€/m2/dia, sendo tal valor também o praticado pela APDL.
3. Para prazos de armazenamento superiores a 20 dias, a APDL cobra um valor de 0,6404€/m2/dia».

A Recorrente impugna tais factos sustentando que:

«A. Os valores inscritos na decisão da matéria de facto que deu como provados os factos vertidos sob os n.º 1, 2 e 3, encontra-se em preterição dos documentos juntos pela APDL, pelo que não podiam ter sido dados como provados como o foram; ou
B. Pelo menos não podiam ter sido dados como provados seja em todo o conteúdo e termos em que o foram, ou porque contraditados por prova documental existente nos autos ou porque não suportados por qualquer prova testemunhal ou depoimentos que não lhes dê crédito.

Assim,
C. O valor inscrito no facto constante do ponto n.1 não pode ser dado como provado porque existe nos autos prova documental, junta pela APDL a fls. 1352, que demonstra que o preço praticado era de € 0,4008, por cada 10 m2, ao dia;
D. Da mesma forma o valor inscrito no ponto n. 2 não pode ser dado como provado porque existe nos autos prova documental junta pela APDL a fls. 1421, que demonstra que o preço praticado era de € 0,2235, por cada 10 m2, ao dia;
E. E, o mesmo se demonstra que o valor inserido no ponto 3 não pode ser dado como provado, porque resulta da prova documental junta pela APDL a fls. 1456 verso, que o preço praticado era de € 0,447, por cada 10 m2, ao dia.
F. De facto, daquela prova documental, resulta que não existe qualquer valor de referência para o armazenamento entre os dias 19.º e 20.º, mas sim entre os dias 11.º e 30.º».

Conclui que «Devem os valores inscritos nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como provada, ser alterados para os valores que infra se relacionam, como valores de mercado para aqueles anos:

a) Ponto 1: € 0,4008, por cada 10m2, ao dia;
b) Ponto 2: € 0,2235, por cada 10m2, ao dia;
c) Ponto 3: € 0,447, por cada 10m2, ao dia».

Verifica-se que o Tribunal a quo fez constar dos pontos de facto nºs 1 a 3, em consonância com o alegado nos artigos 23º a 25º da oposição, os valores cobrados pela APDL, então denominada Administração dos Portos do Douro e Leixões, SA, em 2007 e 2013, pelo armazenamento de cargas, em especial para o Porto de Leixões. É preciso notar que nesses anos o Porto de Viana do Castelo não integrava a APDL. Actualmente (desde 2015, altura em que se deu a “fusão” entre os respectivos Portos), a APDL integra o Porto de Viana do Castelo e designa-se por «APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, SA».

A Recorrente, por sua vez, aponta os valores cobrados no Porto de Viana do Castelo, em conformidade com os esclarecimentos e documentos juntos aos autos pela APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (v. fls. 1348 e segs.).

Está em causa, em conformidade com a sentença condenatória, a liquidação de «metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento». Releva especialmente a determinação do que sejam os “usos da praça”, matéria de ampla subjectividade e de difícil concretização.

Tendo a Requerida invocado as tarifas da APDL quando esta não integrava o Porto de Viana do Castelo, atenta a natureza da matéria objecto de indagação, entendemos que era admissível ao Tribunal a quo pronunciar-se em consonância com o alegado. Porém, estando em causa um armazenamento (depósito) no concelho de Viana do Castelo (é aí que se situam as instalações da Requerida, onde ocorreu o depósito), parece-nos inteiramente pertinente que a matéria de facto também verse sobre as taxas de armazenamento cobradas na área do Porto de Viana do Castelo. A questão de saber qual desses tarifários deve ser considerado, na falta de outros elementos, é matéria inerente à apreciação da questão de direito.

Portanto, consideramos que assiste parcialmente razão à Recorrente, pelo que em cada um dos factos deve ser introduzido um complemento que esclareça qual a taxa aplicada no Porto de Viana do Castelo. Importa também salientar, quanto ao Porto de Viana do Castelo, que em 2007 estava em vigor a tarifa aprovada através da Portaria nº 691/2006, de 7 de Julho, que aplicava um valor diferente do mencionado na decisão recorrida. O valor referido no ponto 1 da matéria de facto era o aplicável à APDL em 2007, numa altura em que o Porto de Viana do Castelo não integrava essa entidade, ao contrário do que sucede actualmente.

Nesses factos nºs 1 a 3 o Tribunal a quo fala em valores “de mercado” (sem aludir a que mercado se refere) a par de custos cobrados pela APDL. Esta Relação ouviu atentamente os depoimentos das duas testemunhas que abordaram essa matéria – R. T. e C. S. – e nenhuma convicção consegue adquirir sobre tal matéria, para além do que objectivamente eram as taxas cobradas pelas administrações portuárias. Além de os depoimentos em causa terem sido demasiados genéricos, não convenceram sobre essa matéria. Como se trata de matéria de decisiva importância (tanto no âmbito deste procedimento cautelar como na liquidação) e que não pode ser decidida com base em simples “palpites” (3), nenhum valor “de mercado”, enquanto tal, pode ser dado como provado nesses concretos pontos de facto.

Portanto, impõem-se respostas simultaneamente restritivas (na parte referente ao valor de mercado) e esclarecedoras sobre as taxas aplicáveis no Porto de Viana do Castelo, em contraposição com o Porto de Leixões e referentes aos mesmos anos.

Assim, os pontos 1 a 3 dos factos provados devem passar a ter a seguinte redacção:

«1. Relativamente ao armazenamento de cargas em parque descoberto, em 2007, o custo de armazenagem, na área do Porto de Viana do Castelo, era de € 0,4008, por cada 10 m2, ao dia, enquanto a Administração dos Portos do Douro e Leixões, SA, cobrava € 2,60, por cada m2, ao mês.
2. Em 2013, na área do Porto de Viana do Castelo, a taxa de armazenagem de cargas em parque descoberto, entre o 11º e o 30º dia de armazenamento, era de € 0,2235, por cada 10 m2, ao dia, enquanto a Administração dos Portos do Douro e Leixões, SA, cobrava € 0,1602, por cada m2, ao dia, entre o 19º e o 20º dia de armazenamento.
3. Para prazos de armazenamento a descoberto superiores a 30 dias, na área do Porto de Viana do Castelo, em 2013 era cobrada uma taxa de armazenagem de € 0,447, por cada 10 m2, ao dia, enquanto a Administração dos Portos do Douro e Leixões, SA, para prazos de armazenamento superiores a 20 dias, cobrava € 0,6404, por cada m2, ao dia».
*
2.2.1.6. Ponto de facto nº 4

Na decisão recorrida deu-se como provado: «No que concerne ao armazenamento em armazém fechado, o preço normal de mercado é de € 10,40/dia/m2, sendo que a APDL, em 2105, cobrava 36*ZM».

Sustenta a Recorrente que «G. Do ponto 4. da matéria de facto dada como provada deve ser acrescentado que o valor de 36*ZM, correspondente ao depósito em parque fechado, corresponde a € 2,682, por 10 m2, ao dia, tal como se afere do documento junto a fls. 1456 verso».

Nesta parte, merece integral deferimento a impugnação.

Dizer-se «36*ZM», sem indicar o que é uma “ZM”, nada esclarece sobre qual o valor a que se refere. Deveria ter-se feito constar, ao invés, que era de «€ 2,682, por 10 m2, ao dia», pois é isso que resulta do documento junto a fls. 1456 verso.
Tal como já enfatizamos atrás, consideramos que os meios de prova produzidos não permitem concluir com segurança sobre quais sejam os efectivos valores de mercado nos anos em causa (2007 a 2015). Porém, resulta da posição assumida pela Recorrente no recurso (v. conclusão G, na parte em que diz «deve ser acrescentado…»; também na conclusão H refere que «facilmente se afere que o valor do depósito praticado pela APDL em 2015 era muito inferior àquele que era praticado pelo mercado, tanto em valor como em área a cobrar») que aceita a parte do ponto de facto nº 4 em que se diz que «o preço normal de mercado é de € 10,40/dia/m2», presumindo-se, atento o tempo verbal utilizado («é de»), que a decisão recorrida se está a referir ao ano de 2019 (quando o armazenamento em parque fechado ocorreu anos atrás).

Termos em que se altera a redacção do ponto de facto nº 4 nos seguintes termos:

«4. No que concerne ao armazenamento em armazém fechado, o preço normal de mercado é de € 10,40/dia/m2, sendo que a APDL, em 2105, cobrava 36*ZM, ou seja, no que respeita ao Porto de Viana do Castelo, € 2,682, por 10 m2, ao dia.».
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2.2.1.7. Ponto de facto nº 5

O Tribunal a quo deu como provado que «Após a prolação da sentença proferida nos autos principais, a requerida não alienou qualquer património imobiliário, nem fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações, manteve as mesmas máquinas, instrumentos de trabalho e veículos automóveis, bem como o número de funcionários».

A Recorrente impugna tal facto com os fundamentos que invoca nas conclusões M a W das suas alegações.
Apreciados os argumentos da Recorrente e revistos os meios de prova produzidos sobre essa questão factual, esta Relação entende que o Tribunal recorrido valorou devidamente a prova produzida e não violou qualquer regra relativa ao ónus de prova.
Em primeiro lugar, importa ter bem presente que a decisão recorrida enquadra temporalmente o facto «após a prolação da sentença proferida nos autos principais» (a sentença foi proferida a 20.01.2017 – v. fls. 834 vº). E fê-lo em conformidade com o alegado no artigo 43º da oposição. Não se reporta a um momento anterior, mas sim posterior à sentença proferida na acção declarativa.
Por isso, para efeitos de impugnação de tal facto, só interessa saber se o que aí consta, como tendo ocorrido após a data da sentença, corresponde ou não à verdade. Tudo o mais, é um exercício estéril. Por exemplo, se consta da decisão recorrida que a Requerida mantém o mesmo número de trabalhadores desde a data da sentença (20.01.2017), é irrelevante argumentar que antes de tal momento já teve mais trabalhadores, pois não é sobre isso que versa o ponto de facto nº 5.

Em segundo lugar, a única comprovada alienação de património da Requerida consistiu na venda de uma fracção com a área de 4.800 m2 que havia sido destacada do prédio onde tem as suas instalações industriais, cujo contrato-promessa foi celebrado em 06.11.2014 (ainda antes de ter sido proposta a acção declarativa e, portanto, muito antes da prolação da respectiva sentença) e a escritura pública em 28.12.2015 (antes da data da sentença). E tal facto, através da apresentação da pertinente prova documental, até foi demonstrado pela Requerida e não pela Requerente (v. fls. 1478-1482). Nenhuma prova minimamente segura e convincente, susceptível de conduzir ao resultado probatório pretendido, foi produzida sobre a alienação do demais património imobiliário, tanto na pendência da acção, como depois de proferida a sentença, questão a que voltaremos mais à frente. Sobre uma eventual dissipação dos bens móveis que compõem o património da Requerida não se vislumbra sequer um indício mínimo.

Em terceiro lugar, a Recorrente afirma, desde logo, não aceitar «que seja dado como provado que a requerida não alienou qualquer património imobiliário, nem fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações”, bem como manteve “o número de funcionários”», uma vez que junto aos autos se encontram fotografias (prova documental) de publicidade da Y e, que esta se encontrava a alienar património, o que ocorreu após a prolação da decisão».

Invocando a Recorrente que a prova documental – fotografias – junta só por si demonstra que a Recorrida se encontrava a alienar património, analisamos as fotografias juntas com o requerimento inicial aperfeiçoado (fls. 811 e segs.). Salvo o devido respeito, das mesmas não resulta que a Requerida se encontrava a alienar património que lhe pertencesse, designadamente quatro lotes de terreno e o armazém ou a totalidade do prédio onde se situam as suas instalações. As fotografias insertas no artigo 83º (também se analisaram as demais) respeitam a quatro lotes de terreno que se encontravam à venda. São contíguos ao prédio da Requerida cuja avaliação foi feita pela testemunha D. M..

Naturalmente que as fotografias não atestam que os quatro lotes pertenciam à Requerida. Sustenta a Recorrente que «apenas o legal representante daquela veio alegar ser seu o património pessoal à venda e não daquela. O que é prova sujeita a inversão do ónus de prova e, comprovativo do alegado, que deveria (e não foi) ter sido junta pela Recorrida».
Há aqui uma inexactidão e um equívoco.
A inexactidão resulta de não ter sido apenas o legal representante a afirmar que os lotes de terreno integravam o seu património pessoal, pois a testemunha J. P. afirmou peremptoriamente que aqueles lotes nunca pertenceram à Requerida, mas sim ao legal representante desta. Embora muito menos assertivo, também a testemunha D. M. afirmou que os lotes não foram destacados ou desanexados do prédio da Requerida cuja avaliação foi feita por si e que anteriormente “legalizou” junto da Câmara Municipal de … (afirmou que do “artigo principal” foi destacada, isso sim, uma parcela para ser vendida ao prédio situado a sul, ficando assim com a área de 9.466 m2; deduz-se do afirmado que a parcela destacada será aquela que foi vendida à Metalo ...).
O equívoco emerge de uma deficiente compreensão da repartição do ónus da prova num procedimento cautelar de arresto. É ao requerente do arresto que compete demonstrar que é justificado o receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito (v. artigos 392º, nº 1, do CPC e 342º, nº 1, do Código Civil). Se o receio emerge de actos preparativos da alienação de património ou já de actos de efectiva alienação, naturalmente que o requerente tem de demonstrar que tais actos versam sobre bens que integram o património do requerido. Não é o requerido que tem de demonstrar que os bens objecto de venda não são seus.

Ora, a Requerente não juntou aos autos qualquer documento comprovativo de que os lotes eram propriedade da Requerida e não se vislumbra qualquer fundamento para a inversão do ónus da prova (artigo 344º do Código Civil). A sua tese apenas se alicerça no depoimento da testemunha D. S., que afirmou ter-se deslocado às instalações da Y num dia – que não concretizou – de Janeiro de 2019 e ter falado com um tal M. P., alegado construtor civil, e que este lhe disse que havia comprado os lotes à Y e que tinha visto (o M. P. é que viu) pela internet «que aquilo estava tudo à venda». Trata-se de um depoimento indirecto e ignora-se se o referido M. P. estava ou não a falar verdade – o certo é que não foi ouvido perante um tribunal e não prestou juramento – e se o contexto e a reprodução feita pela testemunha correspondem exactamente ao que aquele terá dito. Em contraposição, tanto o legal representante da Requerida como a testemunha J. P. afirmaram, sob juramento, que aqueles lotes nunca pertenceram à Requerida, mas sim ao aludido legal representante. Por isso, entendemos inexistir fundamento para alterar o decidido pelo Tribunal a quo no que respeita à alegada alienação de património imobiliário.

Em quarto lugar, em consonância com o já referido, é também de manter que a Requerida não «fez qualquer divisão do prédio onde se encontram as suas instalações». A única “divisão” ocorreu muito antes da prolação da sentença, quando foi desanexada a parcela que foi vendida à Metalo ..., tal como já se expôs. Desde então, tal como explicou a testemunha D. M. (e também a testemunha J. P.), o prédio mantém a mesma área de 9.466 m2 e as instalações que sempre teve.

Em quinto lugar, o depoimento da testemunha J. P. é perfeitamente claro sobre o facto de se manterem as mesmas máquinas, instrumentos de trabalho e veículos automóveis, em consonância com o que já havia sido afirmado pelo legal representante da Requerida durante as suas declarações. Apenas foi adquirida uma máquina de descascar madeira para substituir uma idêntica, com um valor de cerca de € 15.000,00.

Em sexto lugar, a Requerida, após a prolação da sentença, manteve o mesmo número de trabalhadores (4). Isso foi confirmado pela testemunha J. P. e pelo legal representante da Requerida. O que foi dito por essas duas pessoas é corroborado pelo teor dos documentos de fls. 1308 vº-1311 vº.

Em sétimo lugar, é efectivamente verdade que o sócio-gerente da Requerida omitiu o facto de essa sociedade ser também dona de outros dois prédios, para além daquele onde se situam as suas instalações (inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ..., da aludida freguesia). Porém, o prédio da zona industrial de ..., tendo um valor de € 1.200.000,00, só por si é apto a garantir o valor do crédito da Requerente sobre a Requerida, atenta a delimitação do objecto da liquidação. Tal prédio não era desconhecido da Requerente, uma vez que era aí que depositava as suas madeiras, o que sucedeu entre 2007 a 2015, sendo que o gerente da Requerida tinha confirmado que o mesmo pertencia a esta sociedade.
*
2.2.1.8. Ponto de facto nº 6

Consta deste ponto de facto que «a requerida continua a laborar, sendo que em 2016 teve vendas no valor de € 111.462,29, em 2017 teve vendas no valor de € 218.524,29 e em 2018 teve vendas no valor de € 134.158,66».
Argumenta a Recorrente que «a prova documental em que a sentença de que se recorre se alicerça não tem o condão de demonstrar que vendas se ali declaradas correspondem a vendas resultantes da vida normal empresarial da Requerida, mediante a compra e venda de mercadorias e a sua transformação, ou se são somente vendas de stock já acumulado nas instalações daquela».
Conclui que «os factos dados como provados no ponto 6. devem ser dados como não provados, ou apenas poderão ser substituídos pelos factos: “A Requerida teve em 2016 vendas no valor de € 111.462,99, teve vendas no valor de € 218.524,29 e em 2018 teve vendas no valor de € 134.158,66, não tendo registo de qualquer venda em 2019.”».

O ponto de facto impugnado emerge do alegado pela Requerida nos artigos 60º a 62º da oposição.
O que foi dado como provado está em consonância com os documentos juntos à oposição com os nºs 20 a 22 (fls. 1313 a 1315). Também se alicerça das declarações de parte do legal representante da Requerida, M. P., e no depoimento da testemunha J. P., trabalhador da Requerida. Além disso, a testemunha D. M., pessoa que acompanhou desde o início o projecto que conduziu ao destacamento da parcela que veio a ser vendida à Metalo ... (disse que “andou anos” a tentar legalizar o terreno) e que elaborou a avaliação junta a fls. 1319, afirmou que foi às instalações da Requerida em Abril de 2019 (gravação aos 7 minutos e 45 segundos) e afirmou que a empresa continuava a laborar tal como anteriormente, indicando até o número de trabalhadores.

Em face dos aludidos meios de prova, não descortinamos razões substanciais para divergir do Tribunal a quo, mantendo a mesma convicção por este formulada. É absolutamente temerário dizer-se que a sociedade já não labora apenas com base na circunstância de a testemunha D. S. se ter deslocado às instalações da Requerida num dia que apenas se sabe situar-se temporalmente em inícios de Janeiro de 2019 e, no curto período de tempo que aí passou (o suficiente para observar as instalações e falar com uma pessoa), ter visto, segundo declarou, “tudo parado”.
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2.2.1.9. Ponto de facto nº 7

Deu-se como provado que «a requerida não tem dívidas a trabalhadores, nem à segurança social, nem à banca, nem a outros fornecedores».

Insurge-se a Recorrente, dizendo que «dos documentos juntos aos autos não resulta prova cabal que não exista qualquer dívida nem com a segurança social ou com os seus trabalhadores ou ainda com a banca», pelo que «aqueles factos teriam de ser dados como não provados» ou «apenas poderão ser substituídos por outro do qual se extraia: “Das declarações de não dívida da segurança social e das Finanças resulta que a Requerida se encontra em cumprimento com as suas obrigações fiscais, seja um cumprimento pontual ou em acordo de pagamento de dívida”».
É incontornável que tanto a Segurança Social (fls. 1307 vº) como a Autoridade Tributária (fls. 1308) emitiram declarações a afirmar que a Requerida tem a sua situação contributiva e tributária regularizada. Para além do declarado por aquelas entidades, e se quisermos ainda ser “mais papistas do que o Papa”, não existe o mínimo indício do contrário ou de que as aludidas declarações não correspondam à verdade.
Também o legal representante da Requerida, M. P., e a testemunha J. P. afirmaram que a sociedade não tem dívidas a trabalhadores, à Segurança Social, à banca ou a fornecedores. Descontando a situação dos autos, verifica-se pelos documentos do registo predial juntos aos autos que inexistem penhoras sobre os imóveis da Requerida, o que constitui também um indício da inexistência de dívidas às apontadas entidades.
Por isso, consideramos que bem andou o Tribunal recorrido ao dar como provado o ponto de facto nº 7.
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2.2.1.10. Ponto de facto nº 8

Na decisão recorrida deu-se como provado que «a requerida tem um capital social integralmente realizado de € 498.799,00».
Impugna a Recorrente tal facto, invocando que nos «autos não existe prova documental que prove que o capital social da Requerida se encontra totalmente realizado».

Entendemos assistir razão à Recorrente.

Desde logo é insuficiente, para dar como demonstrado tal facto, a referência, constante da motivação da decisão sobre a matéria de facto, aos «relatórios constantes de fls. 1308 a 1312 dos quais consta o número de pessoas ao serviço da requerida entre 2016 e 2018 – dos quais consta ainda informação sobre o capital social da requerida».
Primeiro, o facto de nesses relatórios se indicar um valor para o capital social daí não resulta que o mesmo se encontre realizado.
Depois, na ausência de outra prova, para fazer uma tal afirmação (trata-se de um facto positivo – realização do capital social) era necessária a produção da pertinente prova documental, que não foi feita.
Finalmente, mas não menos importante, uma vez que a sociedade tem décadas de existência, trata-se de um facto absolutamente irrelevante para a decisão da questão de direito. Se o capital social tiver sido realizado há 25 ou 30 anos em que é que isso contribui para o levantamento de um arresto ou a procedência de uma oposição ao procedimento cautelar? Rigorosamente nada: não é pelo facto de o capital social ter sido realizado, em tempos, que deixa de ser decretado um arresto ou ordenado o levamento do mesmo (5).

Termos em que se considera não provado que a Requerida tem um capital social integralmente realizado de € 498.799,00.
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2.2.1.11. Ponto de facto nº 9

O Tribunal recorrido deu como provado que «o prédio urbano inscrito na matriz predial nº ..., freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... tem um valor aproximado de € 1.200.000,00».

A Recorrente sustenta que «o valor inscrito como sendo o valor do imóvel da sede da Requerida, é-o no pressuposto daquele imóvel se manter totalmente indiviso, e não repartido em lotes, tal como resulta da prova fotográfica, documental e testemunhal, com uma amplitude que deveria fazer toda a diferença para a sentença recorrida».

Pretende que o referido ponto nº 9 passe a ter a seguinte redacção:

«O prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ..., freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... tem um valor aproximado de € 1.200.000,00, para a sua totalidade sem qualquer divisão».

Apreciada a argumentação da Recorrente e revistos os meios de prova produzidos sobre este item, concluímos que a decisão do Tribunal recorrido sobre este ponto não merece crítica.
Mostram-se inteiramente pertinentes, por conformes com a convicção que se adquire do confronto dos documentos juntos aos autos com a audição da gravação da prova oral prestada na audiência final, as justificações que o Tribunal a quo dá na motivação da decisão da matéria de facto, quando argumenta que «no que diz respeito ao valor do bem imóvel aludido no ponto 9. do elenco dos factos sumariamente apurados tivemos não só em atenção o depoimento da testemunha D. M. que procedeu à avaliação do prédio e elaborou o relatório constante de fls. 1319 a 1320, a solicitação da requerida, mas ainda no teor do documento emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira de fls. 158 e seguintes a certidão predial constante de fls. 164v e 165, da qual resulta que o prédio em questão foi sujeito a avaliação fiscal no ano de 2016, tendo apresentado o valor tributário de € 1.123.216,25».
Em complemento, importa acrescentar que a testemunha D. M. explicou que procedeu à avaliação do aludido imóvel em Abril de 2019 e que a sua área era então de 9.466 m2. Foi esse prédio, com aquela concreta área, que avaliou, da qual já tinha sido desanexada, em 2015, a parcela com a área de 4.800 m2 que foi vendida à Metalo .... Mais resulta do apontado depoimento (v., por exemplo, a gravação aos 5m30s e 8m25s), em consonância com o também afirmado por M. P. e J. P., que os lotes não foram desanexados do prédio referido no ponto 9 – prédio urbano inscrito na matriz predial nº ..., da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ..., da mesma freguesia.
Em suma, a área de 9.466 m2 representa a totalidade do prédio, foi o prédio com essa área que foi avaliado em 02.04.2019 em pelo menos um milhão e duzentos mil euros e o mesmo não sofreu qualquer redução da sua área, seja por que via for, desde a data da prolação da sentença.
Termos em que, nesta parte, se julga improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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2.2.2. Reapreciação de Direito

O quadro factual relevante com vista à sua subsunção jurídica é o que resulta do decidido em 2.2.1.
Está em causa um procedimento cautelar de arresto e tanto a decisão que o decretou como a que apreciou a oposição enunciaram devidamente os respectivos requisitos, os quais também não são objecto de qualquer dissídio doutrinal ou jurisprudencial.
Por isso, importa apenas traçar sumariamente o respectivo regime jurídico, tendo em vista apreciar se a decisão recorrida fez ou não uma aplicação incorrecta do direito aplicável.
Estabelece o artigo 391º, nº 1, do CPC que «O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor».
Tal como resulta da referida norma e ainda do disposto no artigo 619º do Código Civil, o arresto visa acautelar um direito de crédito, sendo um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores. E, nos termos do artigo 601º do Código Civil, pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora.

A procedência do pedido de arresto depende da prova dos dois requisitos enunciados no artigo 392º, nº 1, do CPC:

a) A probabilidade séria da existência do crédito invocado pelo requerente.
b) Que seja justificado o receio de perda da garantia patrimonial desse crédito.

Preenchidos esses dois requisitos legais, o arresto é decretado – art. 393º, nº 1, do CPC.
Decretado o arresto, o requerido pode deduzir oposição, alegando factos (ou excepções) ou produzindo meios de prova não tidos em conta pelo tribunal, com vista a obter a revogação ou redução do arresto.
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2.2.2.1. Do direito de crédito

Na acção declarativa a que estes autos estão apensos foi em 20.01.2017 proferida decisão, já transitada em julgado, nos seguintes termos:

«Em face do exposto, julgo a acção proposta por X – Madeiras, Unipessoal, Lda. contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras ..., Lda., procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.
Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora, parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582,77, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento, e ainda, metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.
Operando-se a compensação, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil, julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582,77 (€ 279.159,52 - € 62.582,77) e no valor que resultar da liquidação supra determinada, condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento) ou, no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento)».
Tal sentença é insusceptível de execução imediata, uma vez que a condenação é genérica (artigos 609º, nº 2, e 704º, nº 6, do CPC).
Com efeito, para além do crédito reconhecido à ora Requerente/Recorrente, foi reconhecido um contra-crédito à Requerida/Recorrida que abrange uma parte já liquidada e outra a liquidar posteriormente.
Na sequência de a Requerida ter invocado a compensação do seu crédito com o crédito da Requerente, a sentença reconheceu que se operou a compensação entre os créditos, tanto relativamente à parte liquidada como à parte a liquidar no competente incidente, isto porque a iliquidez do crédito não a impede (art. 847º, nº 3, do Código Civil).
Tendo sido julgada procedente a compensação, só após a liquidação do crédito da Requerida se saberá qual é o montante do crédito da Requerente, sendo certo que a própria sentença aventa a possibilidade de, após a liquidação, aquela passar a ser credora desta ou vice-versa.
Estamos, pois, perante uma situação pouco habitual num procedimento cautelar de arresto: para determinar se a Requerente é credora da Requerida é necessário previamente determinar qual o montante do crédito da Requerida sobre a Requerente. E era à Requerente que competia alegar factos que permitissem a liquidação da obrigação ilíquida.
Como seria de esperar, correspondendo à ordem natural das coisas, a Requerente defende que o aludido crédito da Requerida é nulo (6) ou muito reduzido (7), enquanto esta última sustenta que o mesmo tem um valor elevado.
Com base num dever de exposição com honestidade intelectual, cabe salientar que a liquidação do crédito da Requerida não se afigura tarefa fácil, dada a complexidade sempre inerente à determinação do que seja um “uso”, no caso os “usos da praça” aludidos na sentença. É sobretudo uma questão probatória e a mesma reclama uma ampla indagação, pouco apropriada a ser desenvolvida num procedimento cautelar.
Dito isto, verifica-se que tanto na decisão que decretou o arresto como na que apreciou a oposição se concluiu pela existência de um crédito remanescente, após considerada a compensação operada em consequência da sentença, da Requerente sobre a Requerida.
Na primeira decisão concluiu-se que o mesmo ascende a € 210.581,00 (v. fls. 1236, 3º parágrafo), com base no «valor que a administração do Porto de Viana fixou para o armazenamento industrial nos seus espaços cobertos e descobertos a partir de 2015», objecto de cálculo nos artigos 13º e 18º a 22º do requerimento consolidado. Diga-se desde já que foi considerado pelo Tribunal de primeira instância o documento de fls. 1104 a 1106 como sendo o tarifário aplicável a partir de 2015 para o armazenamento, quando o mesmo respeita ao ano de 2018 e tem por objecto “bens dominiais”. O regulamento de tarifas de 2015 aplicável ao Porto de Viana do Castelo é o que consta de fls. 1440-1462, podendo-se ver a fls. 1436 vº quais os valores aplicáveis às taxas de armazenagem a descoberto e a coberto, tal como agora se deu como provado, pelo que daí emerge um crédito final diferente – superior – do considerado (8).
Na segunda decisão considerou-se que após realizada a compensação resulta um saldo a favor da Requerente «a rondar, por equidade, o montante de € 100.000,00». Embora essa decisão não o diga, sobre tal valor sempre acrescerão juros de mora, vencidos e vincendos. No fundo, entendeu-se que o crédito ilíquido da Requerida sobre a Requerente ascenderá a € 116.576,75 (€ 116.576,75 + 100.000,00 = 216.576,75, tendo presente que 279.159,52 - 62.582,77 = 216.576,75), acrescidos de juros de mora.
Mesmo com os poucos elementos que os autos fornecem para determinar o valor do crédito ilíquido, também a nós nos parece ser bastante provável que no final se venha a concluir que a Requerente é detentora de um crédito sobre a Requerida, cujo valor se situará entre os limites fixados nas duas decisões. Admite-se, face à fluidez sempre inerente ao apuramento do que sejam os “usos da praça”, o recurso, em última instância, à equidade (9), tal como se fez na decisão que apreciou a oposição.
Como se vê no ponto C da motivação das suas alegações, embora discordando, a Recorrente conforma-se, apenas para efeitos do presente procedimento cautelar, com o valor fixado pelo Tribunal recorrido, pelo que a questão mostra-se subtraída à apreciação desta Relação no âmbito deste recurso.
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2.2.2.2. Do justo receio de perda da garantia patrimonial

O decretamento do arresto pressupõe a alegação e prova do justo receio da perda da garantia patrimonial.
Não existe qualquer enunciação legal dos fundamentos que justificam o receio invocado.
Significa isto que qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora (10). Em geral, são susceptíveis de motivar tal receio a pré-insolvência do devedor (aferida pela diferença entre os seus bens e as suas dívidas), a superação grave do passivo em relação ao activo, a alienação ou tentativa de alienação de património com o objectivo de evitar a sua execução, a ocultação dolosa dos seus bens, a prática de actos de simulação, a dissipação de bens, o encerramento de estabelecimento comercial, entre vários outros. No fundo, qualquer actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.
No caso dos autos, o valor do património da Requerida é muito superior ao valor do crédito da Requerente. Cingindo a nossa apreciação ao património imobiliário, verifica-se que a Requerida é proprietária de três imóveis não onerados. Um deles, por si só, tem um valor aproximado de um milhão e duzentos mil euros.
É verdade que em 2015, quando já se encontrava vencida a obrigação, a Requerida procedeu ao destaque e posterior venda de uma parcela de um dos imóveis de que já então era proprietária, porém, o prédio remanescente tem o apontado valor de € 1.200.000,00.
Não tendo dívidas e continuando a laborar na sua indústria, não se vislumbram causas objectivas motivadoras de receio de perda da garantia patrimonial.
Resta apreciar o facto de o sócio-gerente da Requerida ter ocultado o facto de essa sociedade ser também dona de outros dois prédios, para além daquele onde se situam as suas instalações (inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ..., da aludida freguesia).
Porém, verifica-se que esses dois prédios estavam inscritos na competente conservatória do registo predial a favor da Requerida, informação que igualmente constava da matriz. A ocultação de imóveis nesse circunstancialismo não tem o relevo da que incide sobre outros bens de fácil sonegação. Facilmente a Requerente conseguia, como efectivamente conseguiu, saber que aqueles prédios pertenciam à Requerida.
Mas o fundamental não é isso. Independentemente da qualificação que possa merecer tal acto do legal representante da Requerida, o certo é que desde logo o prédio da zona industrial de ..., tendo um valor de € 1.200.000,00, é apto a garantir o valor do crédito da Requerente sobre a Requerida, atenta a delimitação do objecto da liquidação. Tal prédio não era desconhecido da Requerente, uma vez que era aí que depositava as suas madeiras, o que sucedeu entre 2007 a 2015, sendo que o gerente da Requerida tinha confirmado que o mesmo pertencia a esta sociedade.
Em termos objectivos, não há risco de perda da garantia patrimonial. E se não há risco não pode haver receio.
Portanto, o arresto, ao fim e ao cabo, seria mantido não por existir receio de perda da garantia patrimonial, mas sim para sancionar a Requerida pelo acto do seu legal representante.
Ora, o arresto é inapropriado para essa função.
Acresce que a referida ocultação ocorreu no âmbito de um incidente (prestação de caução) insusceptível de produzir qualquer efeito prático.
A sentença era inexequível, pelo que a prestação de caução para obstar à imediata exequibilidade da sentença redundava num acto inútil e desprovido de sentido.
Por isso, a decisão recorrida deve ser confirmada, soçobrando as conclusões da Recorrente.
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2.3. Sumário

O facto de a Requerida ter em 2015 vendido uma parcela de um dos três imóveis de que é proprietária não justifica o alegado receio de perda da garantia patrimonial, quando desde logo o prédio remanescente tem um valor de € 1.200.000,00, muito superior ao valor do crédito da Requerente.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pela Recorrente.
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Guimarães, 19.09.2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Alberto Taveira (2º adjunto)


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 163. No mesmo sentido Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, pág. 463.
2. Ob. cit., págs. 168 e 169.
3. Os depoimentos das duas testemunhas são também contraditórios entre si e verdadeiramente inconclusivos. Dificilmente alguém, em sã consciência, consegue com base neles afirmar convictamente qual é o “valor de mercado” de uma armazenagem como aquela que está em causa nos autos (restringida a apreciação a uma mera questão factual).
4. Os processos 654/13.8TTVCT.1, 655/13.6TTVCT.1 e 761/13.7TTVCT.1, como se verifica desde logo pelos respectivos números, foram instaurados em 2013, pelo que as questões neles discutidas são necessariamente anteriores à “prolação da sentença” nos autos principais. Também é anterior a questão da dispensa da testemunha ouvida nos autos principais e que a Recorrente menciona nas suas alegações.
5. Já o facto contrário poderia ter alguma relevância (associado a outros factos), ou seja, a falta de realização do capital social.
6. Com base numa tese jurídica que não parece ter apoio na sentença, relativa ao depósito gratuito, se bem a interpretamos.
7. Por exemplo, no requerimento inicial sustentou-se que durante vários anos o Porto de Viana do Castelo não cobrava qualquer retribuição pelo armazenamento de cargas.
8. Na decisão considerou-se o valor de 3,33€/ano/m2 em terreno descoberto e de 8,66€/ano/m2 a coberto.
9. A doutrina é tendencialmente uniforme sobre a forma como se resolve a questão. Basta atentar no que dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC Anotado, vol. 2º): «Sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do art. 411, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do art. 477. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do art. 566-3 CC». No mesmo sentido apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (CPC Anotado, vol. I): «Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida for insuficiente para fixar a quantia devida, compete ao juiz proceder à respectiva fixação, recorrendo como última ratio, à equidade (art. 566º, nº 3, do CC, STJ 29-6-17, 4081/14. STJ 19-5-15, 130/09, RP 28-3-12, 55/2000 e RL 1-10-14, 2656/04)».
10. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Almedina, 3ª edição, pág. 144.