Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
205/17.5T8VPC.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
PRESSUPOSTOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os limites objectivos do caso julgado são o pedido e a causa de pedir, (cfr. n.º 1 do art.º 581.º do C.P.C.), os quais se não podem cindir.
Assim, os fundamentos de facto da primeira decisão judicial não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados dela.

II – De acordo com o disposto no art.º 1549.º do C.C., são cinco os pressupostos cumulativos de que depende a constituição de uma servidão por destinação do pai de família: i) - a existência de dois prédios, ou duas fracções do mesmo prédio, que tenham pertencido ao mesmo proprietário; ii) - a existência de uma relação de serventia entre esses dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio; iii) - o estabelecimento dessa relação de serventia por actos do proprietário dos dois prédios ou fracções; iv) - a aparência ou visibilidade dos sinais que revelem a existência da servidão; e v) - a inexistência de declaração de exclusão da constituição da servidão no documento de alienação.

III - De acordo com o disposto no art.º 1550.º do C.C., os proprietários de prédios encravados, assim como os de prédios que só com excessivo incómodo ou dispêndio teriam comunicação com a via pública, e, finalmente, ainda aqueles que tenham uma comunicação insuficiente com a via pública, quer pelo seu terreno, quer por terreno alheio, podem exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos.

IV – Tendo ficado provado que o caminho por onde antigamente se acedia a um prédio rústico, por não ter sido usado há mais de vinte anos, “desapareceu” do terreno, que se apresenta totalmente coberto de matos, o referido prédio deve considerar-se encravado, já que a circunstância do “desaparecimento” daquele caminho antigo justifica a equiparação da situação à não existência actual de caminho.

V – O direito à indemnização, que o art.º 1554.º do C.C. consagra, é de natureza disponível, não podendo impor-se ao proprietário do prédio serviente o exercício desse direito, e muito menos, o recebimento de uma indemnização que não pediu.

VI – Sendo a dedução da reconvenção facultativa (art.º 266.º, n.º 1 do C.P.C.) a omissão do pedido de indemnização não preclude o direito a ela, podendo, pois, o dono do prédio serviente fazê-lo valer judicialmente, recorrendo aos meios processuais normais.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A. C. e mulher Maria, intentaram a presente acção comum de condenação contra A. T. e mulher B. T., pedindo que:

- estes sejam condenados reconhecê-los, a eles, Autores, como proprietários dos prédios que identificam no artigo 1º da petição inicial;
- se declare que os prédios deles, Autores, se encontram encravados;
- seja constituída, e os Réus condenados a reconhecê-la e a absterem-se de impedir o seu uso, uma servidão de passagem sobre a parcela de terreno que identificam nos artigos 8º, 9º e 10º da petição inicial, da qual os Réus são proprietários.

Fundamentam estes pedidos alegando, em síntese, serem donos dos prédios rústicos sitos no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Valpaços, inscritos na matriz predial sob os artigos (...) e (...), e que os mesmos não têm acesso directo à via pública.

Durante o período que decorreu entre o início das obras de alargamento da E.N. 213 (Junho de 2008) e a cedência de uma parcela aos Réus (Novembro de 2014), eles, Autores, passaram a cultivar os seus prédios, ali acedendo através da parcela dos Réus, uma vez que a distância entre a via pública e os prédios dos Autores é de apenas cerca de sete metros.

Sucede que assim que lhes foi adjudicada a parcela em questão os Réus passaram a impedi-los de aceder aos seus prédios através dela, encontrando-se actualmente vedada com enormes pedregulhos que colocaram junto à estrema poente, que confina com os seus prédios.

Contestaram os Réus, arguindo a excepção de caso julgado e impugnando os factos invocados. Afirmam que os prédios dos Autores tiveram acesso a partir do caminho que segue obliquamente à estrada nacional, a cerca de 100 (cem) metros de distância, e nunca existiu qualquer servidão entre a estrada nacional e o prédio dos autores que onere o seu prédio.

Terminam pedindo que a acção seja julgada totalmente improcedente.

Mais pedem a condenação dos Autores como litigantes de má-fé, em indemnização no valor de € 2.000.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu julgar a acção procedente por provada e, em consequência:

- Declarar que os Autores são proprietários dos seguintes prédios:

a) Prédio rústico, composto de terra centeeira e vinha, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Valpaços, o qual confronta matricialmente, pelo norte, com Manuel (actualmente, com os RR), nascente, com M. M., pelo sul, com F. V., e poente, com I. C., inscrito na respectiva matriz, sob o artigo (...), e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pela inscrição Ap. (...).
b) Prédio rústico, composto de vinha e fruteiras, sito no lugar (...), o qual confronta, pelo norte e nascente, com I. A., sul, J. C. e poente com L. P. (actualmente, com os AA), inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) pela inscrição Ap. (...).
- Declarar constituída a favor do prédio dos Autores uma servidão de passagem sobre o terreno dos Réus referido em 6 dos factos provados com as seguintes características: “A passagem pelo terreno dos Réus inicia-se junto à estrema nascente/norte da dita parcela de terreno, com a largura de quatro metros seguindo, depois, no sentido nascente/poente, desde a E.N. 213, e ao longo duma extensão de 8,6 metros, até atingir o prédio dos autores, junto à estrema a poente da parcela de terreno”.
- Condenar os Réus a reconhecer tal passagem e a abster-se de actos que a possam perturbar.
- Condenar os Autores a pagar aos Réus a quantia de € 1.000 (mil euros) como compensação pela constituição da passagem referida. - Julgar totalmente improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
- Condenar os Réus no pagamento das custas da presente acção.

Inconformados, trazem os Réus o presente recurso, pedindo que seja alterada a decisão de facto quanto aos pontos n.os 9, 10, 11, 12 e 22, e seja revogada a supra transcrita decisão.
Contra-alegaram os Autores propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre elaborar a decisão.
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II.- Os Apelantes/Réus formularam as seguintes conclusões:

A) Os Recorrentes discordam, em absoluto, da aplicação do direito, pela preterição da autoridade de caso julgado, porque não têm os Recorridos direito à constituição de uma servidão a pé e de carro, em virtude de existir uma outra, e ainda da matéria de facto, como abaixo referiremos;
B) Existe, no prédio dos Recorridos, uma situação clara de encrave do mesmo. No entanto, quanto à existência de servidão de passagem, a mesma existe desde há mais de cinquenta anos pelo mesmo lugar, não se encontrando extinta por qualquer modo ou meio, situação provada e demonstrada em processo julgado entre as mesmas partes há dois anos;
C) A servidão em crise foi constituída na sequência de partilhas por morte do tal Nestor, resultando, no seguimento de tais partilhas, a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, constituída ao abrigo do disposto no artigo 1547.°, n.º 1 do Código Civil, em conjugação com o disposto no artigo 1549.° do Código Civil;
D) É entendimento unânime da jurisprudência que a servidão constituída por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade, na medida em que essa possibilidade não está prevista no artigo 1569.°, n.º 2 do Código Civil. São servidões que têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam mesmo quando não sejam estritamente necessárias, pelo que não faria sentido poderem extinguir-se por se tomarem desnecessárias, pois, de acordo com essa lógica, nem se poderiam constituir;
E) Ora, se a servidão não se extingue por desnecessidade, por maioria de razão, também não se poderá extinguir-se pelo não uso, tendo em conta que ao não uso está subjacente uma presunção de desnecessidade (ninguém utiliza aquilo que já não precisa);
F) A servidão em discussão nos presentes autos mantém-se desde há mais de cinquenta anos, devendo ser tido em devida conta o que ficou provado nos autos de processo comum que correu entre os aqui Recorrentes e Recorridos, com o n.º 169/15.0T8VPC, na Secção de Competência Genérica da Instância Local de Valpaços, que em parte versa sobre a mesma matéria, onde ficou provado, nos Pontos 17 a 23 da douta sentença, proferida no dia 14 de março de 2016 (já transitada em julgado),o seguinte:

Ponto 17: O prédio do requerente faz parte de um conjunto de prédios que foram propriedade de um tal Nestor, falecido há cerca de 45 anos;
Ponto 18: Depois da partilha desses prédios vendidos a vários proprietários, o acesso para qualquer deles a partir do caminho, a sul, é feito através de uns e outros de acordo com a localização de cada um deles;
Ponto 19: Sempre o prédio do requerente teve acesso a partir do caminho que segue oblíquo à estrada nacional a cerca de cem metros de distância;
Ponto 20: Essa passagem a pé e de carro inicia-se no caminho público a sul, encaminhando-se através de uma propriedade que supõem os Requeridos ser de José, sendo a sua trajectória oblíqua ao caminho que se alude;
Ponto 21: Tendo a passagem no total cerca de 70 metros de comprimento;
Ponto 22: O prédio do requerente é um prédio encravado, tendo passagem a pé e de carro pelo mesmo lugar há mais de 60 e 70 anos;
Ponto 23: Os ante-possuidores do prédio ora pertencente ao requente não passavam pelo prédio dos requeridos para aceder ao seu prédio. ";
G) Na fundamentação de facto da douta sentença referida no ponto anterior, que já transitou em julgado, o Tribunal deu como provado os factos acima descritos estando-se, assim, perante uma situação de autoridade de caso julgado, quanto aos factos supra citados;
H) Tal como estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-09-2011, Processo n.º 816/09.2TBAGD.Cl, Relatora: Judite Pires, "a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (. . .). ";
I) Face ao exposto, verificamos que há autoridade de caso julgado no que diz respeito aos pontos 17.° a 23.° da matéria de facto dada como provada na sentença da anterior ação, devendo esta matéria ser dada como provada nos presentes autos;
J) Pelo que vem dito que o Tribunal a quo, nos presentes autos, violou e não teve em devida conta, o disposto nos artigos 1547.°, n.º 1, 1549.° e 1569.° do Código Civil, não tendo sequer considerado que a servidão existente foi constituída por destinação do pai de família na sequência das referidas partilhas;
K) Não podem os Recorrentes concordar, por não assentarem em prova testemunhal e/ou documental por parte dos Recorridos, com os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada: Pontos 9, 10, 11, 12 e 22;
L) Quanto ao Ponto 9, este facto é absolutamente irrelevante sendo, mesmo assim, falso que o prédio dos Recorridos se encontrava de pousio, pois tinha uma vinha a ela acedendo através da servidão que sempre existiu para o seu prédio a partir do caminho.
M) Deverá, portanto, este ponto ter a seguinte redação: Durante o período que decorreu entre o início das obras de alargamento da E.N 213 (Junho de 2008) e a cedência da dita parcela aos réus (Novembro de 2014), os autores acediam ao seu prédio através da parcela referida em 6, uma vez que a distância entre a via pública e os prédios dos autores em linha recta é de 8,6 metros de comprimento;
N) Quanto ao Ponto 10, sublinha-se que ninguém pode impedir qualquer proprietário de vedar o seu prédio. Os Réus, aqui Recorrentes não impediram, nem deixaram de impedir, a passagem dos Autores, aqui Recorridos, porque ela nunca existiu, conforme demonstrado e assente no processo anterior que o Tribunal ignorou em absoluto. Claro que os Recorrentes não aceitam que os Recorridos por ali passem, porque para além de não terem esse direito, têm ainda uma servidão, a pé e de carro, de acesso ao seu prédio que já existe há mais de cinquenta anos.
O) Deve, por isso, este ponto ser pura e simplesmente eliminado, porque nada tem a ver com a matéria dos autos e está em manifesta contradição com a matéria assente nos pontos 17.º a 23.º da douta sentença proferida no processo anterior. Se assim não se entender, deverá ser dado como não provado;
P) Relativamente ao Ponto 11, é absolutamente falso, pois os Recorridos têm passagem (Cfr. Pontos 17.º a 23.º da matéria de facto dada como provada na douta sentença do processo anterior a que aludimos na primeira parte deste recurso judicial, que constituem autoridade de caso julgado). Isto só vem aumentar a nossa convicção de que o Tribunal a quo não quis saber da anterior decisão, onde ficou provado e muito claro que os Recorridos têm passagem para o seu prédio. Tinham-na em 2016, não podendo a mesma extinguir-se em dois anos, sobretudo porque os Recorridos cultivam as oliveiras plantadas no seu prédio. Não há qualquer impedimento, porque não existe, no caso concreto, o direito dos Recorridos passar pelo prédio dos Recorrentes;
Q) Este ponto deve passar a integrar a lista da matéria de facto dada como não provada e/ou ser mesmo eliminado, pela contradição com a matéria dos pontos 17.º a 23.º do anterior processo;
R) Ficou ainda provado, através da prova testemunhal que os Recorridos têm efetivamente forma de aceder aos seus prédios (Cfr. depoimentos das testemunhas acima transcritos);
S) Quanto ao Ponto 12, torna-se importante sublinhar que nunca os Recorridos tiveram acesso aos seus prédios através desta parcela de terreno. O Tribunal a quo parte do princípio da existência de uma servidão quando ela não existe, nem pode ser constituída, por existir uma outra, conforme demonstrado no processo anterior. A matéria referida neste ponto está mal redigida, mal configurada, confusa e contraditória com a matéria de facto já assente.
T) Deverá, por isso, este ponto ser eliminado ou passar para os factos não provados, pela contradição com matéria de facto já assente no processo anterior.
U) Quanto ao Ponto 22, realçamos que o caminho referido no Ponto 17 serve dezenas de prédios ali passando diariamente tratores, veículos automóveis, carroças, pessoas e quem o entender. Veja-se a foto junta aos presentes autos pelos Recorrentes, na página 69 da sua contestação, tirada do Google Earth, onde se vê, a sul, o caminho tolamente desimpedido, a norte, a estrada, e do caminho para o prédio dos Recorridos, a servidão de passagem com sinais mais do que evidentes;
V) Este ponto vai contra todas as evidências, ficando-se na dúvida se, onde se diz caminho, se queria dizer servidão. É confuso e contraditório, não se sabendo se quando o Tribunal a quo ao falar em caminho quis dizer servidão. É que dar como provada contra todas as evidências que o caminho está intransitável, quando ali passam até veículos automóveis, é ir contra o mais elementar bom senso;
W) Deve, portanto, este ponto passar para os factos não provados;
X) O Tribunal a quo deu como provado (e bem) os seguintes Pontos:
Ponto 15: O prédio dos autores fez parte de um conjunto de prédios que foram propriedade de um tal Nestor (leia-se da aldeia ...) falecido há cerca de 47 anos;
Ponto 16: Depois da partilha desses prédios, vendidos a vários proprietários, o acesso para qualquer deles a partir do caminho a sul era feito através uns dos outros de acordo com a localização de cada um deles;
Y) Da conjugação destes dois Pontos não podem ficar dúvidas de que estamos em presença de uma servidão por destinação do pai de família que, como já referimos, não se extingue. Esta matéria encaixa por inteiro nos Pontos 17.º a 23.º da matéria de facto dada como provada no processo anterior;
Z) O Tribunal a quo deu ainda provado o Ponto 19 que estabelece o seguinte: Essa vinha sempre foi vedada com um muro com pedras soltas de granito acedendo a ela Ilda, sua dona através de uma pequena abertura que não excedia os 70 cms de largura;
AA) Lamentamos ter de o dizer, mas a confusão da douta sentença é de tal ordem que o que está aqui a definir é a vinha que existiu no prédio dos Réus, aqui Recorrentes, que foi propriedade de Ilda. Nunca a vinha dos Recorridos foi vedada. Vejam-se as fotos juntas aos presentes autos e facilmente isso se conclui. Esse foi o argumento dos Recorrentes no anterior processo para a improcedência da ação. Não podia haver servidão a pé e de carro porque a pequena vinha não tinha uma entrada de mais de 70 cms. Esta confusão revela uma falta de rigor preocupante, que acabou por dar num resultado absolutamente errado, constituindo-se uma servidão quando já existe outra. A matéria de facto dada como provada nos Pontos 20.º e 21.º só vêm confirmar o que acabamos de dizer.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Extrai-se das conclusões acima transcritas que os Apelantes pretendem:
- seja reapreciada a decisão de facto quanto aos pontos que impugnam;
- seja reapreciada a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1. Encontram-se registados a favor dos Autores os seguintes imóveis:
a) Prédio rústico, composto de terra centeeira e vinha, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Valpaços, o qual confronta, matricialmente, pelo norte, com Manuel (actualmente, com os RR), nascente, com M. M., pelo sul, com F. V., e poente, com I. C., inscrito na respectiva matriz, sob o artigo (...), e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pela inscrição Ap. (...).
b) Prédio rústico, composto de vinha e fruteiras, sito no lugar (...), o qual confronta, pelo norte e nascente, com I. A., sul, J. C. e poente com L. P. (actualmente, com os AA), inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)pela inscrição Ap. (...).
2. Os Autores adquiriram o prédio referido em 1 a) por compra verbal que fizeram a L. P., pelo ano de 1979 e o prédio referido em 1 b) por doação dos progenitores do autor, realizada em data não concretamente apurada.
3. Desde então e já antes os anteriores proprietários a quem os Autores adquiriram os referidos prédios rústicos, os vêm possuindo, como donos e senhores, à vista e na presença de todos, sem oposição ou contestação, ininterruptamente, até à presente data, com a convicção de que esses imóveis lhes pertencem, em propriedade plena, exclusiva, e absoluta, usando-os e fruindo-os sem dar ou prestar contas a ninguém, com a consciência de não ofenderem direitos de outrem.
4. Os prédios referidos em 1 estão encravados, não tendo acesso directo à via pública.
5. O prédio referido em 1 a) confronta, pelo norte, com os réus, o qual tem, por sua vez, ligação directa à E.N. 213.
6. Os Réus possuem no local referido em 5 uma parcela de terreno com cerca de 50m2, a qual fazia parte integrante do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2802º.
7. Fruto das obras de alargamento da E.N. 213, realizadas em Junho de 2008, parte do terreno passou a ser ocupado pela via, restando a parcela referida em 6, a qual passou a integrar o domínio do Município X.
8. A parcela referida em 6 foi cedida pelo Município X aos réus no âmbito da acção que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela sob o nº 307/09.1BEMDL, interposta pelos segundos contra aquele.
9. Durante o período que decorreu entre o início das obras de alargamento da E.N. 213 (Junho de 2008) e a cedência da dita parcela aos réus (Novembro de 2014), os autores passaram a cultivar os seus prédios, os quais, até então, se encontravam, desde há muitos anos, em pousio, ali acedendo através da parcela referida em 6, uma vez que a distância entre a via pública e os prédios dos autores em linha recta é de 8,6 metros de comprimento.
10. Assim que lhes foi adjudicada a parcela referida em 6 os réus passaram a impedir os autores de aceder aos seus prédios através da mesma, encontrando-se esta actualmente vedada com pedras colocadas junto à estrema poente, que confina com o prédio dos autores, e com um muro de cerca de três fiadas de blocos em cimento, na estrema a nascente, a qual confina com a E.N. 213.
11. Pelo que os autores estão impedidos de aceder aos seus prédios.
12. A passagem pelo terreno dos Réus inicia-se junto à estrema nascente/norte da dita parcela de terreno, com a largura de quatro metros seguindo, depois, no sentido nascente/poente, desde a E.N. 213, e ao longo duma extensão de 8,6 metros, até atingir o prédio dos autores, junto à estrema a poente da parcela de terreno.
13. A área de terreno referente à passagem referida em 12 encontra-se actualmente ocupada por duas oliveiras jovens, que ainda não frutificaram.
14. A dimensão da parcela referida em 6 não permite qualquer construção.
15. O prédio dos Autores fez parte de um conjunto de prédios que foram propriedade de um tal Nestor, falecido há cerca de 47 anos.
16. Depois da partilha desses prédios, vendidos a vários proprietários, o acesso para qualquer deles a partir do caminho, a sul, era feito através uns dos outros de acordo com a localização de cada um deles.
17. Os prédios dos autores enquanto ainda eram propriedade do pai do Autor tinham acesso a partir do caminho que segue obliquamente a partir da estrada nacional, com cerca de 500 metros de distância até à entrada do terreno daqueles.
18. Essa servidão de pé e carro iniciava-se no caminho público a sul, encaminhando-se através de terrenos pertencentes a dois proprietários não concretamente apurados, sendo a sua trajectória oblíqua.
19. Essa vinha sempre foi vedada com um muro com pedras soltas de granito acedendo a ela Ilda, sua dona, através de uma pequena abertura que não excedia os 70 centímetros de largura.
20. Como se tratava de uma vinha muito pequena o produto da vindima era retirado em cestos ou canastras para a estrada através dessa entrada ou portelo.
21. Que apenas dava para entrar, para além dos donos, um animal para a lavrar e cultivar.
22. O caminho referido em 17 encontra-se actualmente totalmente coberto de mato e não é utilizado há mais de 20 anos, não existindo nele sinais de passagem recente.

ii) Julgou não provado que:

A. O caminho referido em 17 tenha setenta metros de comprimento.
B. Este facto é do conhecimento de todos os donos dos prédios naquele lugar, sendo que nunca os Autores e antepossuidores do seu prédio passaram pelo dos Réus.
C. Nunca existiu qualquer passagem entre a estrada nacional e o prédio dos autores.
D. O caminho referido em 12 situa-se a meio da primitiva vinha que existia no prédio que foi de Ilda.
E. A repetição da causa deu graves prejuízos aos Réus que tiveram de se deslocar de França para poderem defender-se, porque são obrigados a pagar custas judiciais, indicar testemunhas e gastar dinheiro em honorários de forma injustificável.
F. Os Réus despenderam até ao momento mais de € 1 500.00 na viagem que fizeram de França a Portugal (ida e volta), na taxa de justiça e pagamento de provisão de honorários ao signatário.
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VI.- Os Apelantes impugnam a decisão de facto quanto aos n.os 9; 10; 11; 12; e 22; referindo ainda que no n.º 19 o Tribunal a quo confundiu “a vinha dos Recorridos” com a vinha que foi de Ilda, e agora lhes pertence a si.

1.- Fundamentam o seu dissenso, sobretudo, interpretando os factos em causa, e alegando estarem em contradição com outros factos julgados provados.
Apenas relativamente ao facto 9 fazem alusão à prova testemunhal, e somente para contestar que os prédios dos Recorridos/AA. “se encontravam desde há muitos anos em pousio”, sendo que no corpo das alegações transcrevem (pequenos) trechos extraídos dos depoimentos, situando essas passagens no tempo da gravação.
Tendo-se por verificados os pressupostos referidos no art.º 640.º do C.P.C., não há obstáculo legal à pretendida reapreciação de facto.
2.- Alegam os Apelantes que, tendo, em processo que os aqui Apelados/AA. lhes moveram, sido julgados provados factos (que transcrevem na conclusão F)) demonstrativos da existência de uma servidão de passagem a favor do prédio destes, tais factos estão abrangidos pela força de caso julgado e, por isso, não podiam ser contrariados por esta decisão.

De acordo com o disposto no art.º 619.º, n.º 1 do C.P.C., transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos art.os 580.º e 581.º sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º (que regulam o recurso de revisão).

O caso julgado tem dois efeitos: o negativo, que se traduz pela inadmissibilidade da segunda acção, constituindo, assim, um obstáculo a que seja proferida nova decisão de mérito; e o efeito positivo que é o de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.

É o segundo o efeito da autoridade do caso julgado, que assenta no pressuposto da aceitação de uma decisão que foi proferida numa acção anterior, a qual se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda acção, deste modo se evitando que uma relação jurídica material definida pela primeira sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.
Fica, assim, salvaguardada a certeza e a segurança das decisões judiciais.
Como vem sendo, pelo menos maioritariamente, entendido, a autoridade de caso julgado prescinde da verificação simultânea da tríplice identidade, dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
MANUEL DE ANDRADE, apontou três fundamentos da autoridade do caso julgado: i) evitar a contradição de julgados, com prejuízo para a certeza ou segurança jurídica; ii) razões de economia processual, atenta a inutilidade de nova decisão sobre uma relação jurídica que já estava definida por sentença; iii) e, finalmente, ainda que colocando-o em plano secundário, a preocupação de salvaguardar o prestígio dos tribunais (in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 139/140).

Os limites objectivos do caso julgado são o pedido e a causa de pedir, nos termos do n.º 1 do art.º 581.º do C.P.C., os quais se não podem cindir. Não pode ser considerado um sem o outro.
A causa de pedir sem relação com o pedido não adquire a força de caso julgado.
Se assim não fosse, uma vez que um conjunto de factos pode servir de fundamento a diversos pedidos, estava salvaguardada a prova para todos os efeitos jurídicos que fosse possível fundar naqueles factos, o que, de todo, não consentem os limites da condenação, referidos no n.º 1 do art.º 609.º do C.P.C..
O S.T.J., no Acórdão de 5/05/2005, referindo-se ao valor extraprocessual das provas, que é reconhecido pelo art.º 421.º do C.P.C., com os limites aí estabelecidos, acrescenta “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui” (ut Proc. nº 05B691, in www.dgsi.pt).

Ora, nos autos de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória de Posse, n.º 169/15.0T8VPC, requeridos pelos aqui Apelados/AA. contra os ora Apelantes, perante as provas aí produzidas foi decidido estarem “indiciariamente” demonstrados os factos por estes transcritos na conclusão F), e que pretendem fazer valer na presente acção.
Contudo, pelos fundamentos que vêm de ser referidos, os mencionados factos não estão abrangidos pela autoridade de caso julgado.
Sem embargo, como ficou consignado na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo não deixou de considerar, dentre os factos invocados pelos Apelantes, aqueles que são essenciais para a apreciação desta causa – o n.º 15 transcreve o n.º 17 do Procedimento Cautelar acima referido; o n.º 16 transcreve o n.º 18; o n.º 17 transcreve o n.º 19; e o n.º 18 transcreve o n.º 20.
Os factos que julgou não provados são instrumentais (o comprimento do caminho referido em 21 do Procedimento Cautelar e em A. da sentença aprecianda) ou não ficaram demonstrados nestes autos, designadamente, pela prova do facto contrário (“nunca os Autores e os antepossuidores do seu prédio passaram pelo dos Réus”).
Relativamente à facticidade que consta no n.º 9, os Apelantes rotulam-na de “irrelevante” acrescentando ser “falso” que o prédio dos Recorridos/AA. “se encontrava em pousio, pois tinha uma vinha a ela acedendo através da servidão que sempre existiu para o seu prédio a partir do caminho”.

Quanto à irrelevância, discorda-se do parecer dos Apelantes, e no que se refere ao pousio todas as testemunhas referiram factos ocorridos ainda em vida do pai do Apelado/A. – participação na vindima – e referiram ainda que “já mais para o fim da vida”, quando ficou mais velho, deixou de cultivar os prédios. Ora tudo isto ocorreu, ainda segundo as mesmas testemunhas, em finais da década de oitenta e princípios da de noventa do século passado, ou seja, como se refere na facticidade transcrita sob o n.º 22, “há mais de 20 anos”.

Deve, pois, manter-se na decisão, mantendo-se inalterada a sua redacção, o referido n.º 9 dos factos provados.

Relativamente ao n.º 10, mal se entende a sua impugnação posto que, conforme os próprios Apelantes confessam, ele está conforme com a realidade. A interpretação jurídica que lhe dão é que, com o devido respeito, não será a mais correcta. O seu enquadramento permite excluir, de todo, que a referida facticidade tenha o sentido de oposição ao exercício de vedação de um prédio pelo seu proprietário nem tampouco o de que a passagem por ali pelos Apelados/AA. era praticada no exercício de um direito – o que se pede na presente acção é, precisamente, a constituição de uma servidão, e não o reconhecimento da sua existência.

Relativamente ao n.º 11, não se vê nele contradição com a demais facticidade provada, considerando o que consta dos n.os 9, 10 e 22 (os Apelantes têm impedido os Apelados/AA. de passarem por onde vinham passando, e actualmente o caminho antigo “está totalmente coberto de mato”).

No que se refere ao n.º 12, a impugnação assenta na afirmação (cfr. a conclusão S)) de que o Tribunal a quo “parte do princípio da existência de uma servidão de passagem”.

Ressalvado o devido respeito, esta afirmação somente se poderá atribuir a lapso de leitura da sentença porquanto o que aqui se descreve, como se alcança do encadeamento dos factos, é o local por onde passavam os Apelados/AA. no período de tempo referido em 9 (tempo que decorreu entre o início das obras de alargamento da estrada e a cedência da parcela aos Apelantes).

Relativamente ao n.º 22, reconhece-se conter um lapso de escrita: onde se escreveu “17” quereria escrever-se “18” que é a parte do trajecto que, iniciando-se “no caminho público a sul” se encaminha “através de terrenos pertencentes a dois proprietários…”, sendo a este último trecho que se refere a fundamentação da decisão de facto: “Para prova dos factos assentes em 17 e 22 foi tida em conta a inspecção ao local realizada. Com efeito, da observação feita aquando da mesma foi possível concluir que o chamado “caminho velho”, pelo qual os Réus alegam que os Autores têm passagem, se encontra totalmente “a mato”, não sendo possível descortinar actualmente o seu trilho devido à vegetação que já cresceu no local onde o mesmo se encontraria.”.

E, finalmente, quanto ao n.º 19, a observação que lhe fazem os Apelantes apenas tem justificação pelo segmento introdutório: “Essa vinha…”, já que a segunda oração da frase que começa por “acedendo a ela Ilda, sua dona…”, deixa inequívoco que a vinha aí referida é a que agora pertence (a faixa de terreno sobrante) aos Apelantes – cfr. a alínea D. dos factos não provados, cuja redacção é: “O caminho referido em 12 situa-se a meio da primitiva vinha que existia no prédio que foi de Ilda”.

Destarte, a “enfermidade” da confusão que os Apelantes lhe apontam não se manifesta.
Nos termos expostos, julga-se improcedente a impugnação da decisão de facto, desmerecendo provimento esta parte do recurso.
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VII.- As servidões são direitos reais de gozo, definindo-as o artº 1543.º do Código Civil (C.C.) como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o prédio que dela beneficia.

1.- A par das servidões constituídas por contrato e testamento referidas no n.º 1 do art.º 1547.º do C.C., que se caracterizam por resultarem do acordo das partes, as servidões constituídas por destinação de pai de família, também aí referidas, são igualmente, de sua natureza, servidões voluntárias, vendo-se na colocação de sinal ou sinais visíveis e permanentes uma declaração de vontade tácita de constituir a servidão.

Por contraposição, as servidões legais ou, como prefere OLIVEIRA ASCENSÃO, “servidões coactivas”, são aquelas que podem ser coactivamente impostas. Ou, nas palavras de SANTOS JUSTO são aquelas “cuja vida percorre dois momentos sucessivos: no primeiro o seu titular tem um direito potestativo que lhe confere a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do seu dono; no segundo, exercido esse direito, a servidão legal converte-se numa verdadeira servidão” (in “Direitos Reais”, Coimbra Editora, 2007, pág. 413/414).
As servidões legais constituem-se por sentença judicial ou por decisão administrativa (sendo esta a servidão que é imposta por um acto da autoridade administrativa competente).
Uma vez que as servidões são reguladas, quanto à sua extensão ou modo de exercício, pelo respectivo título, sendo constituída por sentença, esta deve estabelecer a modalidade da servidão e fixar a indemnização devida (se, como infra se dirá, ela for pedida, uma vez que o direito à indemnização é, neste caso, de natureza disponível).
A constituição de uma servidão por destinação do pai de família tem de manifestar-se por sinais visíveis e permanentes, não apresentando relevância o facto de estes terem sido produzidos no prédio pelo proprietário antecedente ou por outro ainda anterior a este. Releva, assim, no momento da transmissão, a existência desses sinais, se nada tiver sido dito em contrário no documento de transmissão.

Deste modo, e tendo presente o disposto no art.º 1549.º do C.C., são cinco os pressupostos cumulativos de que depende a constituição de uma servidão por destinação do pai de família:

- a existência de dois prédios, ou duas fracções do mesmo prédio, que tenham pertencido ao mesmo proprietário;
- a existência de uma relação de serventia entre esses dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio;
- o estabelecimento dessa relação de serventia por actos do proprietário dos dois prédios ou fracções;
- a aparência ou visibilidade dos sinais que revelem a existência da servidão; e
- a inexistência de declaração de exclusão da constituição da servidão no documento de alienação.

Na situação sub judicio a facticidade que ficou provada, constante dos n.os 15 a 18 não permite concluir, pelo menos com segurança, que a servidão descrita nestes últimos números foi constituída por destinação de pai de família, muito embora os prédios tenham pertencido ao mesmo dono – “um tal Nestor”.
É que, para além de não estarem descritos os sinais visíveis e permanentes que a manifestam, também, como se refere no n.º 16, só “depois da partilha desses prédios” e da venda “a vários proprietários” é que foi estabelecido o acesso “através uns dos outros de acordo com a localização de cada um deles”.
Ora, a constituição da servidão por destinação de pai de família pressupõe a verificação simultânea dos cinco requisitos acima referidos.
2.- De acordo com o disposto no art.º 1550.º do C.C., os proprietários de prédios encravados, assim como os de prédios que só com excessivo incómodo ou dispêndio teriam comunicação com a via pública, e, finalmente, ainda aqueles que tenham uma comunicação insuficiente com a via pública, quer pelo seu terreno, quer por terreno alheio, podem exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos.
Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, o excessivo incómodo ou dispêndio “obriga a confrontar o custo das obras com o rendimento do prédio”, considerando-se como excessivo o custo que “esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona” dando como exemplo da insuficiência a existência de uma passagem a pé, por terreno próprio ou por servidão, e “a exploração do prédio exigir a passagem de carro” (in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2.ª ed., págs. 636-637).

Pretendendo-se com este direito potestativo permitir o aproveitamento do valor económico do prédio, atendendo à natureza e ao destino que o caracteriza, pelo que a passagem deixa de poder ser usada se o prédio rústico for convertido em urbano.

Na situação sub judicio ficou provado que o caminho por onde antigamente se acedia a um dos prédios dos Apelados/AA. há mais de 20 anos que não é utilizado, estando o terreno totalmente coberto de mato (refira-se que o dito caminho não é visível na fotografia aérea retirada do Google, junta aos autos pelos Apelantes, apesar de ter sido tirada em 30/10/2006, e uma consulta ao histórico permite mesmo verificar que o prédio dos Apelantes/AA., tanto quanto é possível percepcionar, se apresenta, nos anos posteriores, designadamente em 2009, 2011 e 2013) todo vedado por uma linha contínua de vegetação).

A lei, apesar de ter sido redigida num determinado contexto histórico, tem uma aplicação dinâmica, adaptando-se às situações concretas dos tempos actuais.

É do conhecimento geral que as regiões rurais do Interior foram abandonadas pelos jovens das últimas décadas do século passado, e o envelhecimento das pessoas que aí permaneceram, a partir de certa altura da vida, deixou de lhes permitir continuar a agricultar os terrenos, que ficaram de pousio.
Os caminhos deixaram de ser trilhados e a erosão das chuvas e o crescimento da vegetação provocaram o desaparecimento dos respectivos leitos.

Com o regresso daqueles que emigraram, ou imigraram, às suas terras de origem, gera-se o interesse no reaproveitamento das terras, e a questão que estes autos colocam é a de saber se as antigas servidões se cristalizaram de forma a impor a quem regressa o esforço económico de repor os velhos caminhos, repondo-lhes a transitabilidade, ou se, provado que tais caminhos “desapareceram” no terreno devem os prédios ser havidos como encravados, conferindo aos seus proprietários o direito de constituição de (“nova”) servidão.

Por outro lado, não será despiciendo considerar o que é do conhecimento geral: os caminhos agrícolas antigos tinham, em termos de largura, as dimensões do tradicional “carro de bois”, permitindo a passagem apenas a tractores pequenos, instrumentos que actualmente já não se usam nos trabalhos agrícolas, o que pode fazer concluir pela sua insuficiência já que as máquinas agrícolas e os tractores actuais têm outras exigências de espaço.

Na situação sub judicio o Tribunal a quo considerou o prédio dos Apelados/AA. como encravado, e a facticidade provada permite acompanhar esta decisão já que a circunstância do “desaparecimento” do caminho antigo justifica a equiparação da situação à não existência actual de caminho, com o que se consideram verificados os pressupostos referidos no art.º 1550.º, n.º 1 do C.C..

E considerou ainda o Tribunal a quo que a passagem pela faixa de terreno dos Apelantes é a que causa menores prejuízos por comparação com os demais prédios confinantes com os dos Apelados/AA. – e, de facto, o prédio destes dista da estrada uns meros 8,6 metros, distância que, até onde as fotografias aéreas permitem aferir, é exígua comparativamente com a que teria de ser percorrida se a passagem se fizesse por qualquer dos demais prédios confinantes, designadamente pelos que teriam de ser atravessados considerado o “caminho antigo”. E uma vez que a passagem se fará por uma zona limítrofe do terreno, também os seus inconvenientes se devem ter por minorados, tanto mais que, sendo ditada pelas necessidades do aproveitamento agrícola dos prédios, a passagem não será diária nem tampouco muito assídua atenta a sazonalidade das culturas e colheitas, sendo que a largura de quatro metros é a adequada para as dimensões dos tractores e máquinas agrícolas actuais, com o que se mostram preenchidas as exigências impostas pelo art.º 1553.º do C.C..
Termos em que se julga desmerecedor de provimento também este segmento do recurso.

3.- A constituição de uma servidão, sendo um encargo que é imposto ao prédio serviente, desvalorizando-o economicamente, impõe ao dono do prédio dominante a obrigação de indemnizar o dono do prédio serviente do prejuízo sofrido, nos termos do disposto no art.º 1554.º do C.C..

Isto considerado, o Tribunal a quo fixou a indemnização no valor de € 1.000,00 (o dobro do proposto pelos Apelados/AA.).

Referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA que “Para a determinação do dano (ou prejuízo) a indemnizar e a fixação do montante da indemnização valem as regras gerais aplicáveis à obrigação de indemnizar (arts. 562.º e sgs.)”, o que significa, acrescentam ainda, que devem ser considerados não só os danos emergentes como os lucros cessantes do proprietário do prédio onerado, abrangendo tanto “os prejuízos resultantes da constituição” como “os danos provenientes do exercício da servidão”, mas não já “as vantagens ou lucros obtidos pelo proprietário do prédio dominante com a constituição da servidão” (ob. cit., pág. 643).
O Tribunal a quo fundou aquele valor “atendendo aos incómodos causados no prédio dos Réus pela passagem agora concedida aos Autores” o que, além de ser manifestamente insuficiente transmite a ideia de a indemnização visar ressarcir danos de natureza não patrimonial já que só os Réus é que poderão sofrer “incómodos”, o que não obedece aos critérios legais de cálculo da indemnização que vêm de ser referidos.
A dificuldade com que se deparou o Tribunal a quo foi provocada pelo que entendeu ser imperativo da sentença – a atribuição da indemnização aos Apelantes – e a não alegação, por estes, de qualquer facto concretizador de prejuízos.

Sem embargo, o que se verifica é que nem tampouco a título subsidiário aqueles formularam o pedido de indemnização.

Ora, o direito à indemnização é de natureza disponível pelo que não pode impor-se ao proprietário do prédio serviente o exercício desse direito, ou seja, e, muito menos, o recebimento de uma indemnização que não pediu.

Por outro lado, o referido art.º 1554.º não faz depender a declaração de constituição da servidão do pagamento prévio ou, tampouco, contemporâneo com essa declaração.

Porém, uma vez que a dedução da reconvenção é facultativa – cfr. art.º 266.º, n.º 1 do C.P.C. – a omissão do pedido de indemnização não preclude o direito a ela, podendo, pois, os ora Apelantes virem ainda a fazê-lo valer judicialmente – cfr., neste sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 24/02/2015 (ut Proc.º 357/13.3TBTND.C1, in www.dgsi.pt).

Estando os tribunais impedidos de tutelar interesses das partes sem que a tutela lhes seja pedida, de acordo com o princípio do dispositivo, consagrado no art.º 3.º do C.P.C., o segmento decisório que fixou o valor da indemnização é nulo, impondo-se, consequentemente, a sua revogação.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Mais acordam em revogar o segmento decisório que “condenou os Autores a pagar aos Réus a quantia de € 1.000 (mil euros) como compensação pela constituição da (servidão de) passagem referida”.
Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 25/10/2018

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho