Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
136/14.0TTBGC.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR EVENTUAL
TRABALHO RURAL
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: - Ocorrendo um acordo de troca de serviços pela prestação de ajuda em uma tarefa determinada, carrega de um reboque de lenha, não se pode configurar uma relação laboral nem tornajeira.
- A tornajeira caracteriza-se pela cooperação e entre ajuda entre os diversos agregados, quer no empréstimo de alfaias e animais, quer em “braços para trabalhar”, sendo esta na base de um dia por um dia.
Decisão Texto Integral: Relação de Guimarães – processo nº 136/14.0TTBGC.G1
Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Alda Martins
Eduardo Azevedo

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

António…, intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra … Companhia de Seguros, S.A. e António …, formulando o seguinte pedido:

“(…) Seja a primeira ré e subsidiariamente o segundo condenados a pagar ao autor as importâncias vencidas:

A-

• O valor correspondente aos períodos que o autor comprovadamente esteve incapacitado temporariamente, que se quantifica em: 350 dias x 50€ dia = 17.500€.

• O valor correspondente às despesas subsequentes e derivadas da ocorrência do acidente de trabalho, deslocações em automóvel próprio do autor no total de 1867,2 Km à razão de 0,36€/Km, valor pelo qual deve ser ressarcido, quantificam-se em = 672,20€.

• O valor correspondente às despesas subsequentes e ocasionadas com a ocorrência do acidente de trabalho que se traduzem nos gastos com correspondência registada, telefone, que modestamente peticiona no valor de 150€.

B-

Os juros de mora sobre as importâncias supra descritas em A, à taxa legal, quantificados desde o respectivo vencimento até integral pagamento.”

Alegou, para tanto e em síntese, que:

O R. é agricultor e por vezes contrata mão-de-obra para os trabalhos agrícolas, como cortar e carregar lenha, sendo o pagamento por vezes em dinheiro e, outras vezes, à “torna-jeira”, isto por troca de serviços.

No dia 14/11/2013 o A. foi trabalhar para o R., sob as ordens, orientação e fiscalização deste, tendo sido acordado entre ambos que o pagamento seria feito através de serviços que o R. prestaria depois ao A., designadamente na plantação de castanheiros com uma máquina retroescavadora que aquele possui.

Durante a tarde daquele dia, na execução do assim acordado, quando transportava lenha para o reboque do trator do R., o A. tropeçou num pau de madeira que lhe provocou desequilíbrio, tendo caído ao solo e batido com o antebraço direito e a parte lateral direita da cabeça, zona do sobrolho direito, numa fraga.

Em consequência de tal queda sofreu lesões que determinaram incapacidade temporária para o trabalho e ficou afetado de sequelas que lhe determinam incapacidade permanente para o trabalho.

Não recebeu qualquer subsídio de doença por incapacidade temporária para o trabalho, nem auferiu quaisquer rendimentos.

Efetuou despesas com deslocações para tratamentos e consultas e para contactar os seus advogados nomeados oficiosamente no âmbito deste processo, bem como realizou despesas com correspondência e telefonemas, nos valores reclamados.

Por discordar do resultado do exame médico singular realizado na fase conciliatória do processo, requereu a realização de exame por junta médica.

Regularmente citados, contestaram ambos os RR.

A R. seguradora impugnou, no essencial, os factos alegados pelo A., não aceitando nem a existência do acidente, nem a sua qualificação como acidente de trabalho, isto porque o A. não era, nem nunca foi, trabalhador por conta do 2º R., antes lhe prestava um mero favor e por cortesia.

Por sua vez o R. empregador impugnou parcialmente os factos alegados pelo A., reconhecendo, apenas, ter havido um acordo entre ambos para troca de serviços, sem que existisse, porém, equivalência entre as prestações acordadas, de modo que o A. se comprometeu a ajudar o R. a carregar um reboque com lenha se este lhe fizesse cinco covas para plantar castanheiros, com a sua máquina retroescavadora, o que o R. aceitou. Mais alegou que, caso venha a concluir-se pela qualificação do evento como acidente de trabalho, então tem a sua responsabilidade integralmente transferida para a R. seguradora.

Autuado por apenso o incidente para fixação da incapacidade e realizada a junta médica, foi proferida a decisão considerando o autor curado sem incapacidade e fixando as ITA desde 15/11/2013 a 16/12/2013.

Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente.

Inconformado o autor interpôs recurso com as seguintes conclusões:

1- Perante a matéria de facto que foi considerada provada, o enquadramento jurídico, realizado na douta sentença recorrida e o que vem de se alegar, deve a presente ação interposta pelo recorrente ser considerada provada e procedente.

2- De acordo com os factos provados (nos pontos 1 a 12 da douta sentença), com relevância para a qualificação deste acidente, verifica-se existir um acidente de trabalho.

3- Na previsão jurídica do artigo 12º do Código do Trabalho, “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes caraterísticas:

a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;

c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de atividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”

4- Comprova-se que se verificam as caraterísticas previstas na alínea a), e b) da previsão do artigo 12º do Código do Trabalho:

5- O acidente ocorreu quando o autor ajudava a carregar um reboque de lenha de um trator, pertencente ao segundo réu, na propriedade deste, como este determinou;

6- Assim como os equipamentos, instrumentos e objecto do trabalho (trator, reboque, lenha, meios de trabalho) eram pertença do mesmo réu;

7- Verificam-se também as caraterísticas previstas na alínea d) deste artigo, uma vez que o trabalho e a quantia eram determinadas, €50 por dia, correspondentes ao valor da jeira,

8- Ajustando a jeira a um dia de trabalho, que antigamente era de sol a sol, actualmente de 8 horas, está também determinado o dia de trabalho, horas de início e termo da prestação, nos termos da alínea c) deste artigo 12º do Código do Trabalho.

9- Até pelas próprias caraterísticas e modo de execução da atividade, se constata estarmos perante uma atividade caraterística do contrato de trabalho, o modo como o trabalho era prestado, era conformado pelo réu;

10- O autor ajudava o autor a carregar o reboque, levando a lenha ao réu, enquanto este organizava a lenha em cima do reboque, para depois de carregada este a vender ou a transportar para consumo próprio, não existindo qualquer obtenção de resultado, mas antes a prestação de uma atividade por parte do autor ao réu, tal como foi determinada e organizada pelo réu, sendo uma prática habitual e fazendo parte da sua atividade.

11- E tal como aconteceu nesta situação, o réu habitualmente contrata mão de obra, em regime de contrato de trabalho para a realização destes trabalhos.

12- O que permite concluir, de acordo com a presunção iuris tantum, do 12º do Código do Trabalho, por uma subordinação jurídica, e dependência económica do autor em relação ao réu.

13- De acordo com a definição de Manuel de Andrade, Anselmo de Castro e Lebre de Freitas, quanto ao conceito de “factos”, devem considerar-se factos, tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos,

14- Sendo permitido ao julgador, que através de factos conhecidos, se possam tirar ilações, para firmar um facto desconhecido, (349º e 351º do código Civil).

15- Estão em causa factos e juízos de facto que perante o circunstancialismo fáctico, e as circunstâncias específicas, levam a concluir que entre autor e réu se estabeleceu um contrato de trabalho.

16- Mostram-se ainda relevantes os factos provados de, o réu contratar regularmente trabalhadores para os trabalhos agrícolas, como cortar e carregar a lenha, por tempo determinado que varia entre um dia ou vários dias,

17- Que tendo referido o réu ao autor, que não tinha vagar, pois precisava de carregar alguma lenha e por não ter ninguém para contratar, e precisar de mão de obra, concordou e aceitou o trabalho do autor,

18- Assim como não deixa de ser relevante, ter o autor celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio fixo para trabalhadores que se encontrem a trabalhar por sua conta, do ramo seguro agrícola genérico e por área, titulado pela apólice nº AT61332079, (ponto 2 dos factos provados),

19- E ainda o facto, de na sequência do acidente o réu ter comunicado o acidente à Companhia de Seguros e esta em consequência ter custeado parte das despesas do autor.

20- Todas estas circunstâncias, conjugadas, os demais factos provados, o conhecimento comum e as regras da experiência, permitem dar como provado, que entre o autor …e o réu … foi celebrado um contrato de trabalho, tendo o acidente ocorrido na execução desse contrato de trabalho.

21- Ainda que não existisse contrato de trabalho, entre o autor e o réu, de acordo com o critério legal de trabalhador por conta de outrem, assente na dependência económica, sempre se verifica que o autor trabalhava por conta do segundo réu de forma autónoma.

22- Beneficia o autor das presunções que a lei estabelece a seu favor, designadamente nos artigos 3.º, n.º 2, artigo 8.º, artigo 9.º, especificamente a alínea c), artigo 10º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro,

23- E dos princípios do artigo 4.º, n.º 1 c) da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, art.º 10º e da presunção do artigo 12º do Código do trabalho.

24- Presumindo-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços (artigo 3.º, n.º 2 da actual L.A.T)

25- Ficando o autor escusado de provar os factos a que a presunção conduz, nos termos do artigo 349º e 350º. Cabia aos réus ilidir os factos que as presunções estabelecem, nos termos do artigo 344º, n.º1, todos do Código Civil.

26- Resultando, aliás, evidente a sua dependência económica,

27- O autor não aufere quaisquer rendimentos, nem exerce qualquer profissão remunerada,

28- Não resulta demonstrado que este tenha quaisquer profissão remunerada ou rendimentos.

29- Resultou provado no ponto 16- “Neste período não recebeu o sinistrado qualquer subsidio de doença por incapacidade (resposta ao quesito 13º)”.

30- Pelo que, mesmo não se entendendo que existe um contrato de trabalho entre o autor … e o réu …, sempre se verifica a situação de trabalhador por conta de outrem, sob a presunção que o autor está na dependência económica do réu …, em proveito da qual prestava serviços, encontrando-se o autor abrangido na situação da previsão do artigo 3.º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro.

31- Perante as circunstâncias, o autor foi vítima de um acidente de trabalho;

32- Sendo as lesões, que se encontram provadas, traumatismo supra-orbitário direito, e dores no ombro direito que irradiam para o braço e de limitação de movimentos, consequência deste acidente de trabalho (artigos 3.º, artigo 8.º, artigo 9.º, especificamente a alínea c), artigo 10º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro).

33- Apurada a existência de um acidente de trabalho, deve a reparação ser realizada nos termos do artigo 23º da LAT, e indeminização atribuída de acordo com os artigos 562.º 564º e 566º do código Civil, sendo responsável por tais prestações a primeira ré, “Fidelidade-Companhia de Seguros S.A.”.

34- A responsabilidade infortunístico da entidade patronal foi transferida para a “…-Companhia de Seguros S.A.”, através da apólice: AT61332…, pelo salário diário de 50€x365dias (Doc. a fls. 64 dos autos)

35- Deve ser reconhecido ao trabalhador sinistrado o direito à reparação de todos os danos e prejuízos sofridos e restituição de despesas ocasionadas com o acidente, que se encontram provados, pelos quais a entidade patronal é responsável, art. 283.º do CT2009 e os arts. 1.º, 2.º, 7.º 23º e 79.º, n.º 1º da LAT2009 (Lei n.º 98/2009, de 04/09) e artigos 562.º a 566.º do Código Civil e nos termos da contrato de seguro existente, de cordo com as condições gerais e especiais (doc. A fls. 66 dos autos).

39- É devida esta indemnização pela “-Companhia de Seguros S.A.”, sem qualquer limitação de valor, sendo nula qualquer cláusula em contrário, que exima ao cumprimento do contrato, por aplicação dos artigos 12º e 15º, nulidade que obedece ás regras gerais, artigo 24º, todos do RCCG, Dec. Lei 446/85, de 25 de outubro, nulidade que pode ser conhecida oficiosamente a todo o tempo, (artigo 286º do Código Civil).

40- Sujeita ao registo das cláusulas contratuais gerais declaradas nulas, pelos Tribunais, da responsabilidade do Gabinete de Relações Internacionais da DGPJ.

41- Normas jurídicas violadas: artigos 3.º, artigo 8.º, artigo 9.º, especificamente a alínea c), artigo 10º e art.º 23º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro. Artigo 4.º , n.º 1 c) da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro. Artigo 293º, art.º 10º e a presunção do artigo 12º do Código do Trabalho. Artigos 349º, 350º, 344º, n.º1, 562.º, 564º, 566º do Código Civil.

Em contra-alegações sustenta-se o julgado

O Exmº PGA deu parecer no sentido da improcedência.

*

Factualidade:

a) da matéria de facto assente

1- O R. António… contrata mão-de-obra por tempo determinado que varia entre um dia ou vários dias (al. A).

2- O R. António … Celebrou com a R. … Companhia de Seguros, S.A. um contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio fixo - do ramo seguro agrícola genérico e por área, titulado pela apólice nº AT61332…, pela qual aquele transferiu para esta a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho ocorridos com pessoal eventual, com um capital seguro de €1.300,00 e pelos seguintes salários diários:

-salário máximo mulher eventual €45,00;

-salário máximo homem eventual €50,00 (al. B).

3- O A. nasceu em 11/3/1964 (certidão de nascimento de fls. 82) [al. C].

4- A R. seguradora já pagou ao autor, a titulo de indemnização por incapacidades temporárias, a quantia de €1.135,56 (al. D).

b) Das respostas aos quesitos da matéria de facto controvertida

5- O R. é agricultor (resposta ao quesito 1º).

6- Por vezes necessita de contratar mão de obra para os trabalhos agrícolas, como cortar e carregar a lenha (resposta ao quesito 2º).

7- É costume neste meio e neste tipo de trabalhos o pagamento ser realizado em dinheiro ou como acontece muitas vezes o pagamento ser realizado por troca de serviços, que também se designa na gíria por “torna jeira”, em que o valor da jeira é de 50€ por dia (resposta ao quesito 3º).

8- No dia 14 de novembro de 2013 o A. solicitou ao R. que lhe fosse abrir uma covas para plantar uns castanheiros com uma máquina retroescavadora que este possui e, em contrapartida, ofereceu-se ao R. para o ajudar a carregar um trator de lenha, ao que este anuiu (resposta aos quesitos 4º e 18º).

9- No dia 14 de novembro de 2013, encontrava-se o autor a carregar um reboque de lenha de um trator agrícola, por conta do Sr. … (resposta ao quesito 5º).

10- Durante a tarde desse dia 14 pelas 15h30, enquanto transportava a lenha para o reboque do trator do Sr. António, sofreu uma queda para o solo (resposta ao quesito 6º).

11- Quando caiu, bateu com a parte lateral direita da cabeça, zona do sobrolho direito, numa fraga que se encontrava no solo (resposta ao quesito 7º).

12- Como consequência directa dessa queda sofreu traumatismo supra-orbitário direito (resposta ao quesito 8º).

13- O A., a partir de 25/12/2013, passou a queixar-se e queixa-se, ainda hoje, de dores no ombro direito que irradiam para o braço e de limitação de movimentos (resposta ao quesito 10º).

14- Em consequência da queda, esteve o sinistrado com incapacidade temporária absoluta por um período de 32 dias, de 15/11/2013 a 16/12/2013 (resposta ao quesito 11º).

15- O A. esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho de 21/02/2014 a 3/01/2015 (resposta ao quesito 12º).

16- Neste período não recebeu o sinistrado qualquer subsidio de doença por incapacidade (resposta ao quesito 13º).

17- O A. se deslocou em viatura própria às consultas e tratamentos das lesões provocadas pelo acidente, designadamente nos dias:

- 19/11/2013 de … a Bragança e Bragança/…, percorreu 40Kmx2 – 80Km;

- 3/12/2013 de ... a Bragança e Bragança/..., percorreu 40Kmx2 –

80Km;

- 22/11/2013 de … a Bragança e Bragança/…, percorreu 40Kmx2 – 80Km;

- 26/11/2013 de ... a Bragança e Bragança/..., percorreu 40Kmx2 –80Km;

- 25/11/2013 de ... a … e …/..., percorreu 7Kmx2 – 14Km;

- 16/12/2013 de ... a Mirandela e Mirandela/..., percorreu 52Kmx2 –104Km;

- 2/12/2013 de ... a Mirandela e Mirandela/..., percorreu 52Kmx2 –104Km (resposta ao quesito 14º).

18- O Réu [na ocasião referida na resposta ao quesito 4º] respondeu que não tinha vagar pois precisava de carregar alguma lenha (resposta ao quesito 19º).

19- Então o Autor sugeriu ao Réu que lhe ajudava a carregar a lenha se ele lhe fizesse as covas dos castanheiros, e este concordou com a troca de serviços (resposta ao quesito 20º).

20- Nesse dia o Autor começou a carregar o reboque conforme o convénio que ele próprio fez e que o Réu aceitou (resposta ao quesito 21º).

21- Em contrapartida, o réu comprometeu-se a abrir as covas com a sua máquina para plantar os castanheiros do autor (resposta ao quesito 22º).

22- O Réu entre deslocação da máquina da aldeia à terra, abrir as covas, plantar e aterrar os castanheiros dessas covas, gastou mais de meia hora (resposta ao quesito 23º).

23- O Réu leva 45,00€/hora pelo trabalho de retroescavadora que executa para terceiros com a sua máquina (resposta ao quesito 24º).

24- O Autor andou a ajudar o Réu a carregar a lenha para o reboque após a hora do almoço e até cerca das 15h30, momento em que ocorreu a queda (resposta ao quesito 25º).

c) Do apenso para fixação da incapacidade

25- O período de incapacidade temporária do A. foi fixado entre 15/11/2013 e 16/12/2013, sendo considerado curado sem incapacidade a partir de tal data.

***

Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

A questão volve-se essencialmente em saber qual a natureza da relação contratual estabelecida entre o recorrente e o tomador do seguro, se pode qualificar-se como relação laboral ou se pode considerar-se que o autor estava na dependência económica da pessoa a quem prestava o serviço, para efeitos do artigo 3º da L. 98/2009.

O recorrente defende a natureza laboral da relação havida, apoiando-se no disposto no artigo 12º do CT sustentando que se verificam as previsões das al.s a), b) e d).

O normativo estabelece uma presunção da laboralidade verificando-se algumas, o que tem sido entendido como pelo menos duas, das caraterísticas elencadas.

Referem as alíneas aludidas:

a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;

Verifica-se a caraterística da alínea a), na verdade a carrega é efetuada em local indicado pelo beneficiário.

Quanto à questão dos equipamentos importa ter em atenção o que a norma pretende significar. É que o trabalho executado pelo autor é exclusivamente braçal, colocar a lenha no reboque. O autor não utilizou qualquer instrumento fornecido pelo beneficiário, ou tal não está demonstrado, como por exemplo machado, carreta ou outros. O autor não efetuou o transporte da lenha com recurso a qualquer equipamento, limitou-se a executar um trabalho braçal de transporte da lenha para o reboque. A norma pressupõe a utilização na execução do trabalho em si de equipamentos e instrumentos fornecidos pela entidade beneficiária, o que não ocorre.

Também quanto ao pagamento, al. d), não se encontra demonstrado. Dos factos resulta antes que o trabalho era prestado tendo como contrapartida acordada a prestação de um serviço pelo beneficiário, que consistia na abertura de umas covas para plantar uns castanheiros com uma máquina retroescavadora. Veja-se o que consta do facto 8. Não resulta dos factos que os intervenientes tenham contabilizado um e outro valor. Pode dos factos e de forma relativamente aproximada calcular-se o valor do trabalho de abertura de covas, cerca de 22,5€ (factos conjugados 22 e 23), mas já quanto ao trabalho de carrega tal é impossível por apenas se saber que o valor de uma jeira é de 50 € dia, ignorando-se o tempo que levaria normalmente aquele trabalho, claramente esporádico e de curta duração.

Não se verifica pois a aludida presunção. Competia ao autor demonstrar a existência de um contrato de trambalho, ou ser “trabalhador por conta de outrem” no sentido prescrito no artigo 3º da LAT.

O contrato de trabalho encontra-se definido no artigo 11º do CT, e ainda no 1152º do CC. Consideravam-se como caraterísticas principais deste contrato:

- A prestação por parte de um dos contraentes (o trabalhador) de uma atividade manual ou intelectual ao outro contraente (o empregador), não envolvendo qualquer obrigação de resultado, bastando para cumprimento da obrigação assumida a colocação á disposição do empregador da sua força de trabalho;

- A onerosidade (o contrato de trabalho é sempre oneroso);

- A subordinação jurídica, traduzida no facto de a prestação do trabalho ocorrer sempre sob as ordens, direção e fiscalização do empregador, sendo este que (dentro dos parâmetros legais), define o modo, o como, o quando e onde a prestação deve ocorrer. No Atual CT refere-se “no âmbito de uma organização e sob a autoridade destas”, em substituição da expressão “sob a autoridade e direção destas”.

Esta alteração vem salientar aquilo que era já entendido, no sentido de que no CT, o trabalhador se integra na organização da entidade patronal, passando a constituir um elementos desta e ao serviço dos seus fins, funcionando nesta como parte de um todo, de um corpo, com uma cabeça e órgãos executores, seja, com um comando e uma estrutura hierárquica; agindo/reagindo no âmbito da mesma, com interação a montante e a jusante. Esta caraterística decorre da natureza intuito personae do contrato de trabalho, onde assume particular relevo a confiança reciproca.

Ora a relação havida não se enquadra no conceito. O autor acordou com o beneficiário prestar-lhe aquele serviço e só aquele, não se integrando, ainda que apenas para efeito daquele trabalho, na estrutura organizativa daquele, carecendo de sentido por exemplo falar ao poder disciplinar de um sobre o outro, ou numa conformação do trabalho por aquele. O trabalho era aquele e não poderia ser outro de interesse da estrutura produtiva do beneficiário e dentro do permitido por lei, por determinação deste, dispondo do tempo disponibilizado pelo autor, e não podia porque não ocorre uma subordinação jurídica, não há contrato de trabalho. O que ocorre como se refere na sentença recorrida é um contrato de troca de serviços, de um lado o autor ajuda na carrega e só, não outro qualquer serviço, e António abre as valas para plantação dos castanheiros, e não outro.

Alude o recorrente a tratar-se de tornajeiras.

A tornajeira é um modelo de produção ainda presente e característico de determinadas regiões rurais onde prevalece a agricultura de tipo familiar, essencialmente de subsistência e com recurso principal ou determinante ao trabalho dos membros do agregado familiar, por contraponto a uma agricultura patronal relacionada com o trabalho assalariado. Naquele modelo é usual a cooperação a entre ajuda entre os diversos agregados, quer no empréstimo de alfaias e animais, quer em “braços para trabalhar”, sobretudo em determinadas ocasiões do ano, colheitas, segadas, debulhas, vindimas etc…, surgindo aí o modelo de tornajeira (um dia por um dia). Modelo este que escapa aos cânones próprios do sistema patronal, conforme ao modelo capitalista. A entreajuda era definida como equivalente a uma troca recíproca de trabalho entre dois indivíduos, também designado por “tornajeira”, exprimindo “um dia de trabalho trocado”. Como refere Brian Juan O´Neill, Proprietários, Lavradores e Jornaleiras: Desigualdade Social numa Aldeia Transmontana, 159ss, Lisboa, Publicações Dom Quixote, citado em “Estratégias Familiares de Construção de Relações de Trabalho” de Maria Madureira, disponível em http://sper.pt/oldsite/VCHER/Pdfs/Graca_Madureira.pdf, “este tipo de trabalho não era propriamente exercido por favor ou caridade, mas sim por necessidade de mão-de-obra, dado serem poucos os agregados domésticos autónomos, ou seja, de produção independente.” Alude o mesmo a que “cada grupo doméstico não se preocupa apenas com as próprias colheitas e metas de produção, mas também com as dos outros, porque cada um deles depende igualmente dos ciclos produtivos das famílias que com ele colaboram”.

Este modelo, designadamente no que tange à verificação da dependência económica, e para efeitos de integração no conceito mais lato de “ trabalhador por conta de outrem”, não pode ser analisado pelo prisma do modelo capitalista, porque lhe escapa.

No quadro do mundo rural mais interior, zonas de minifúndio, com estruturas de produção familiares importa ver a exigência a outra luz, sob pena de criar injustificadas injustiças, já que os modelos legais e seu entendimento estão por regra conformes e adequados às estruturas moldadas nos termos de modelo capitalista e não no modelo rural.

A perceção destas diferenças e no sentido de proteger os pequenos exploradores rurais, em exploração de autoconsumo/subsistência, levou à consagração da exclusão que resulta do artigo 16º da LAT de uma desresponsabilização no caso de acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais de curta duração, a pessoas singulares e em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa, entendendo-se como não lucrativa a atividade de produção que se destine exclusivamente ao consumo ou utilização do agregado familiar do empregador conforme artigo 4. Claro sem prejuízo da responsabilidade civil se a houver e da possibilidade de acordo com o principio da liberdade contratual de serem celebrados contratos de seguro, nos termos gerais do direito, fora do quadro da LAT.

No caso não se questiona que o tomador de seguro persiga atividade lucrativa.

Voltando à questão;

Analisado pelo prisma do modelo capitalista dir-se-ia que o “tornador de jeira” não estaria numa situação de dependência económica tal como normalmente é configurada, e é, referindo-se que a remuneração tem que constituir para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, Vd. Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 11; aludindo-se mais recentemente à integração do prestador da atividade no processo empresarial de beneficiário e o facto de a atividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Vd. Pedro Romano Martinez, in Acidentes de Trabalho pág. 48, AC. RG de 762/11.0TTVCT.G1, STJ de 22/1/2015, processo nº 481/11.7TTGMR.P1.S1, disponíveis na net.

A dependência tem aqui que ser vista à luz do modelo em que está inserido, pré-capitalista. Não tendo os agregados capacidade de produção independente dependem dos outros agregados. Pode então dizer-se à luz deste modelo, que os prestadores de tornajeira, os seus agregados familiares, dependendo economicamente da produção familiar (propriedades e animais), e dependendo esta da entreajuda de outros grupos familiares, se encontram numa situação e dependência económica. Dependência essa que é reciproca, (o tornador já foi ou virá a ser beneficiário), e que carateriza o próprio modelo de produção.

Contudo dos factos não pode concluir-se tratar-se de tornajeira. Desde logo o acordo surge fora de um quadro de produção nos moldes acima referidos. Tratou-se de um ato esporádico, resultante de um acordo esporádico, sem antecedentes e sem continuidade futura. O António é um agricultor ao que resulta dos factos inserido num modelo de produção capitalista, contratando assalariados quando precisa. O acordado não foi a troca de um dia por um dia, mas sim como se saliente na decisão recorrida uma troca de serviços, pode dizer-se, sem repetição.

Não demonstrada a vinculação por contrato de trabalho, não demonstrado tratar-se de uma tornajeira, não pode também considerar-se, por outra qualquer via (como trabalhador autónomo ou independente, por exemplo), que o autor recorrente se encontre numa situação de dependência económica, para efeitos de poder ainda ser integrado no conceito lato de trabalhador por conta de outrem nos termos do artigo 3º da LAT, tanto que não vem sequer demonstrado que fosse um “jornaleiro” e vivesse de proventos daí decorrentes. Aliás o autor não alega sequer que vivesse do trabalho de jeira, e compreende-se já que na declaração prestada à companhia refere não ser habitual trabalhar para ninguém e muito menos por dinheiro.

Assim sendo e concluindo com a decisão recorrida, “é de afastar, também, a integração da atividade do A. no conceito alargado de trabalhador por conta de outrem. Na verdade, embora o A. tivesse executado um serviço ao R., que consistiu em ajudá-lo a carregar um trator de lenha, fê-lo, não como trabalhador autónomo, na dependência económica do R., mas antes, em cumprimento da prestação derivada de um negócio jurídico de permuta de serviços, que tinha como contraprestação, pela parte do R., a abertura de covas para plantação de castanheiros.” Circunstâncias que, diremos, afastam a presunção constante do nº 2 do artigo 3 da LAT.

Consequentemente improcede a apelação confirmando-se a decisão.

DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pelo recorrente.
G. 02.03.2017
Antero Veiga
Eduardo Azevedo
Vera Maria Sottomayor