Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4116/17.6T8BRG.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
PRESSUPOSTOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Em regra as relações mais comuns entre médico e doente assumem natureza contratual, aceitando o médico prestar ao doente a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, de seu lado, a retribuição que for devida .
II - Entende-se também hoje que a obrigação do médico é uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultados.
Genericamente a obrigação do médico consiste em prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e salvar ou prolongar a vida.
III- O critério distintivo entre obrigações de meios (ou de pura diligência) e obrigações de resultado, reside no carácter aleatório ou, ao invés, rigorosamente determinado do resultado pretendido ou exigível pelo credor.
Assim, o ónus da prova de culpa funciona de forma diferente num e noutro caso, não existindo neste caso a presunção de culpa prevista no artigo 799º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 4116/17.6T8BRG.G1

I - AA, solteiro, maior, engenheiro informático, contribuinte fiscal n.º ..., portador do CC n.º ..., residente na Rua ..., ..., em ..., veio propor a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra C..., LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Quinta ..., ..., em ..., e BB, médica dentista, maior, contribuinte fiscal n.º ..., portadora do CC n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia global de € 14.000,00 (catorze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais e dano biológico e de indemnização pelos danos patrimoniais, presentes e futuros, cuja liquidação relega para incidente, tudo acrescido de juros de mora desde a data da condenação até efetivo e integral pagamento, com encargos e custas a cargos dos réus.
Para tanto, alega, em suma, que (i) no dia 06/10/2016 e na sequência de fortes dores que vinha sentindo, se deslocou às instalações da 1ª ré, tendo sido medicamente consultado pela 2ª ré; (ii) com vista à extração do terceiro moral inferior direito, a 2ª ré começou por administrar anestesia regional e, por esta não ter funcionado, administrou anestesia local, por duas vezes, sendo que ao invés de aliviar as dores, as agravou; (iii) a verdade é que na sequência da intervenção da 2ª ré, sobrevieram para o autor complicações que determinaram tivesse o autor de deslocar-se, no dia seguinte às urgências do CH do P..., EPE, CC; (iv) na verdade e como consequência da extração do aludido dente o autor ficou com dores permanentes, edema facial, alterações na sensibilidade, face e boca permanentemente inflamadas, dificuldades de mastigação, incontinência salivar e hipersensibilidade ao toque; (v) em sede de consulta com médico especialista ocorrida no Hospital ... pouco tempo após a extração, o autor foi aconselhado a manter a medicação antibiótica e medicação para as dores, bem como medicação gastrorresistente; (vi) após, o autor deslocou-se à Clínica O..., que lhe recomendou a realização de radiografia, através da qual foi detetada a formação de quisto no maxilar inferior e, bem assim, confirmou a presença de fratura no maxilar inferior, a qual decorreu de intervenção efetuada pela 2ª ré, que antes da extração o informou que as dores decorriam do crescimento do dente que veio a extrair; (vii) consequência das dores e da fratura que da operação resultou, o autor não pôde, durante 7 semanas, ingerir alimentos sólidos, alimentando-se através de seringa,
com as restrições alimentares inerentes, que levaram à perda de 12 kg em pouco mais de um mês; (viii) a impossibilidade de se alimentar normalmente e a perda de peso, angustiaram o autor, que se viu praticamente impossibilitado de sair de casa e de cumprir as suas rotinas; (ix) porquanto os maxilares não encaixavam e a boca ficou deformada, o autor sentia-se embaraçado em estabelecimentos comerciais ou locais mais movimentados, tanto mais que mal conseguia falar, o que o constrangia diante de estranhos”; (x) a perda de peso substancial fez com que a roupa deixasse de servir ao autor, ficando-lhe mal, e deixou de conseguir fazer esforços físicos, passando a padecer de perturbação do sono; (xi) por outro lado, esteve temporariamente incapacitado para o trabalho entre 07/10/2016 e 08/11/2016, o que não era expectável numa intervenção simples, pelo que estes danos só podem ter o significado de que são resultado de uma atuação menos diligente ou zelosa, com a inerente responsabilidade das rés; (xii) o autor, que incorreu já em diversas despesas, que documenta, necessita e necessitará de fisioterapia e de tratamento que solucione os problemas causados pela intervenção da 2ª ré, tratamento com o custo de € 7.635,00, danos pelos quais pretende, igualmente, ser ressarcido.

Citada, a 2ª ré contestou a ação, excecionando a sua legitimidade passiva, requerendo a intervenção principal provocada da seguradora A... – Companhia de Seguros, S.A. e deduzindo pedido reconvencional contra o autor, cuja condenação como litigante de má fé, ademais, peticiona.
Com efeito, a 2ª ré alega que então, como agora, tem em vigor seguro de responsabilidade civil como médica dentista através das apólices n.º ...00 e ...9, ambas celebradas com a A... – Companhia de Seguros, S.A., o primeiro dos quais com cobertura até € 300.000,00, mais do que suficiente para cobrir o montante peticionado nestes autos, sendo que, por estar a responsabilidade transferida, deve a mesma intervir, até para se pronunciar quanto à factualidade em discussão nestes autos, acautelando eventual direito de regresso (para o caso de se entender não poder intervir a título principal).
No mais, alega que é médica dentista e que, efetivamente, na manhã de dia 06/10/2016, o autor dirigiu-se às instalações da 1ª ré, com a quem a 2ª ré mantinha e mantém contrato de prestação de serviços na área da medicina dentária.
O autor foi às instalações da 1ª ré especificamente para ser consultado pela 2ª ré, por indicação da rececionista da clínica, amiga do autor, que, face às queixas de fortes dores que apresentava, lhe recomendou os serviços da 2ª ré.
A verdade é que já antes da consulta agendada para dia 06/10/2016, a aludida rececionista havia feito chegar à 2ª ré uma tomografia axial dental scan ao maxilar inferior e relatório, a pedido de outro médico.
Na verdade, o autor deu indicação de que consultara previamente vários médicos dentistas que recusaram proceder à extração do dente em causa nestes autos, pela complexidade envolvida e quando foi à clínica, o autor ia com o intuito de o extrair para deixar de sentir as fortes dores que o acometiam, com maior incidência, quando viajava de avião, o que fazia frequentemente, por razões profissionais.
Depois de consultar o autor e analisar e avaliar a TAC, o autor foi submetido a ortopantomografia, posto o que a 2ª ré deu conta da complexidade da cirurgia, mais explicando os riscos associados, que o autor entendeu, prestando, depois, o consentimento para a realização do ato cirúrgico.
Logo após foi realizada a cirurgia com estrita observância das legis artis, sendo a técnica anestésica infiltrativa, que foi necessário reforçar na fase final da cirurgia.
Finda a cirurgia, o autor afirmou não sentir dor ou desconforto, salvo algum desconforto na articulação temporo-mandibular, o que era expectável pela complexidade e morosidade do procedimento, e medicou o autor, dando-lhe indicações quanto à alimentação que devia fazer após cirurgia.
No mesmo dia, já para o final da tarde, o autor regressou à clínica da 1ª ré dando conta de sensação estranha na articulação temporo-mandibular e a impressão de que os dentes não articulavam normalmente.
Por a 2ª ré já não se encontrar na clínica, foi visto por uma colega que contactou a 2ª ré, dando-lhe conta da inexistência de parestesia e também da sintomatologia apresentada pelo autor, tendo a 2ª ré solicitado nova sujeição do autor a ortopantomografia, que lhe suscitou a suspeita de micro fratura/fissura mandibular, que deu a conhecer ao autor, encaminhando-o para o Hospital ..., no P..., para onde aquele terá ido no próprio dia, sempre com acompanhamento, via telefone, da 2ª ré, que igualmente remeteu ao autor a segunda ortopantomografia, para que a pudesse exibir aos médicos do hospital.
Foi dado conhecimento à 2ª ré que o autor fora diagnosticado com fratura mandibular e da menção de agendar cirurgia para o dia seguinte, vindo o autor a requerer a transferência para o Hospital ..., onde iria ser intervencionado no dia seguinte.
No dia 07/10/2016 acabou por ser feito ao autor apenas um bloqueio intermaxilar, tendo a cirurgia sido evitada quer por força do risco de infeção, quer pelo tipo de defeito ósseo detetado no autor, vindo a ser-lhe dada (pelo que foi dado a saber à 2ª ré) alta clínica em Dezembro de 2016.
O autor, cujo estado a 2ª ré sempre foi acompanhando, informou esta que tinha decidido iniciar fisioterapia, alegando sentir dores musculares decorrentes do tempo que esteve com a boca fechada (por força do bloqueio intermaxilar).
Como, volvidos alguns meses, o autor voltou a confidenciar à amiga, rececionista da 1ª ré, que não se sentia bem, queixando-se da região articular, foi encaminhado para especialista na área da oclusão e disfunção temporo-mandibular, vindo a ser consultado em 21/02/2017, altura em que a aludida especialista não viu a sintomatologia que o autor refere em 26º a 30º da PI.
Tendo o autor dado conta de que fazia apertamento dos dentes em situação de stress, tal foi mencionado no relatório, que igualmente evidencia não terem sido detetados estalidos ou crepitações da ATM’s, desvios ou deflexões na abertura e fecho ou inflamação mandibular, concluindo pela possível co-contração protetora do masséter e pterigoideu aquando da extração, bem como a possível existência de aderências articulares do disco decorrente da imobilização, mais recomendando o uso de goteira de relaxamento, goteira que veio a ser colocada em 14/03/2017.
A verdade é que o autor não compareceu na subsequente consulta de controlo da goteira, nem justificou a ausência, não mais comparecendo nas instalações da 1ª ré.
De acordo com a 2ª ré, o ato médico por si praticado foi o correto em termos técnicos, pessoais e deontológicos e não gerou no autor qualquer incapacidade ou lesão, pelo que não pode ser responsabilizada nos moldes pretendidos pelo autor.
Com efeito e não tendo o autor apresentado queixas após a intervenção da 2ª ré, é possível que a fratura tenha ocorrido durante o almoço.
Questiona a 2ª ré a existência de uma qualquer relação entre o plano dentário que o autor afirma ter de fazer com os factos em análise nos presentes autos, estando, outrossim, em causa, correção ortodôntica e colocação de facetas, assinalando que o autor já em 2012 fez correção ortodôntica que poderá estar na origem do quadro clínico que presentemente apresenta.
Afirma, igualmente, que o quisto que autor afirma ter sido detetado pela O... não é visível nos exames radiológicos juntos aos autos e que a fratura a que alude o relatório a O... era, supostamente, a de 2016 e já consolidada.
De acordo com a 2ª ré, as imputações falsas e tecnicamente infundamentadas que o autor, deliberada e conscientemente, lhe faz na PI atingem o seu nome, probidade pessoal e prestígio profissional, tendo sido a primeira vez que este último foi colocado em causa por qualquer paciente, sendo que os presentes autos deixaram a 2ª ré abalada, revoltada e constrangida, por ver o seu nome envolvido em ação judicial, que, ademais, é comentada pelos colegas da 2ª ré, que trabalham na clínica da 1ª ré, pelo que requer lhe seja arbitrada indemnização justa, de valor não inferior a € 5.000,00, mais requerendo a sua condenação como litigante de má fé.
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Também a 1ª ré contestou a presente ação, o que fez em moldes em tudo idênticos aos apresentados pela 2ª ré, acrescentando que esta colabora consigo no âmbito de contrato de prestação de serviços, cabendo aos clientes da clínica escolher o profissional que pretendem lhes faça o atendimento, celebrando com estes contrato, no âmbito do qual o médico faz o diagnóstico, propõe plano de tratamento, apresenta orçamento e executa os tratamentos, se solicitado pelo paciente.
Não há, assim a responsabilidade decorrente do regime a que alude o artigo 800º do CC.
Formulou ainda, para a eventualidade de vir a ação a ser julgada procedente, pedido de condenação da 2ª ré, em sede de direito de regresso, a reembolsar a 1ª das quantias que venha a pagar ao autor.
Em sede de réplica, o autor pugnou pela improcedência da exceção de ilegitimidade passiva da 2ª ré, que lhe prestou serviços diretamente, mais negando alguma vez ter questionado o passado profissional da 2ª ré, antes reafirmando que, tendo cometido erros, terá de responder pelos danos causados, ou distorcido o que quer que seja, pelo que não tem cabimento a sua condenação como litigante de má fé.
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Assegurado o contraditório quanto ao pedido de intervenção principal provocada da A... – Companhia de Seguros, S.A., viria esta a ser notificada para proceder à junção das apólices e, bem assim, o autor convidado a indicar o valor do pedido de danos presentes e futuros, vindo o autor, através de requerimento com a Ref.ª ...34, a explicitar que os primeiros têm o valor de € 868,04 e os segundos o valor de € 9.035,00, aperfeiçoamento relativamente ao qual as rés exerceram o competente contraditório.
Por e-mail datado de 20/02/2018, a A... – Companhia de Seguros, S.A., remeteu a apólice de seguro e condições gerais, relativamente ao que foi assegurado o contraditório, posto o que foi proferido o despacho com a Ref.ª ...49 que, em suma, admitiu a chamada a intervir a título principal nos presentes autos.
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Citada, a chamada apresentou contestação, aderindo às contestações apresentadas pelas co-rés, aduzindo, ainda, a argumentação no sentido da limitação da sua responsabilidade ao valor de € 150.000,00 por sinistro, com franquia de 10% e com o valor mínimo de € 125,00.
 
Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu:

Em face do exposto:
a) Julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo as rés C..., Lda. e DD, e, bem assim, a chamada A... – Companhia de Seguros, S.A. dos pedidos contra si formulados pelo autor.
b) Julgo a reconvenção deduzida por DD contra o reconvindo AA totalmente improcedente e, consequentemente, absolvo o último do pedido reconvencional contra si formulado.

Inconformado o autor interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

I. Por Sentença proferida no dia 7 de setembro de 2022, e notificada ao Autor/Recorrente sob a referência CITIUS ...89 no dia 8 de setembro, o Tribunal recorrido decidiu: “a) Julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo as rés C..., Lda. e DD, e, bem assim, a chamada A... – Companhia de Seguros, S.A. dos pedidos contra si formulados pelo autor”. Julgando ainda improcedentes a reconvenção e o pedido de condenação do autor em Litigante de má-fé.

II. O autor não concorda com o decidido na alínea a) da decisão e, pelo presente recorre daquela parte da decisão.

III. O Tribunal recorrido deu como provados os factos constantes da sentença (A) FACTOS PROVADOS), do n.º 1) a 55), e como não provados (B) FACTOS NÃO PROVADOS), da letra a) a o).

IV. O Autor adere à factualidade dada como provada, como àquela não dada como não provada, com exceção do facto não dado como provado sob a alínea i) “Que no âmbito da
intervenção a que se alude em 13 a 18 aa 2.ª ré tenha atuado de forma menos diligente ou zelosa, ou mesmo que tenha tido uma momentânea distração.”

V. Ademais, somente, se insurge com a subsunção dos factos no direito, nomeadamente, tendo em conta os factos dados como provados sob os n.º 13 a 18 (evento danoso, ao serviço contratado pelo A. à 2.ª RR., da remoção do dente do siso) e as ilações que daí advieram na sentença recorrida. Tanto mais, resultando evidente o nexo causal entre a remoção do dente do siso e a fratura, conforme assinala a sentença recorrida no seu facto provado 18).

VI. O Autor considera que na intervenção descrita nos factos provados sob os n.ºs 13 a 18 da assentada, a forma de atuar da 2.ª Ré não obedeceu os cânones exigíveis para a terapia utilizada, não ponde o mesmo em causa, o processo de diagnóstico e respectiva abordagem terapêutica e clínica levado a cabo pela 2.ª Ré.

VII. Pois, considera inequívoco que a sua fratura mandibular resultou do tratamento executado pela 2.ª ré e, que a mesma se deveu a uma conduta descuidada desta, que levou a um resultado anormal, á aludida fratura. Resultando ainda provado que as lesões sofridas são consequência direta daquela conduta da 2.ª Ré.

VIII. A questão primordial a ter de ser analisada é se a obrigação de meios empregada pela 2.ª Ré era suficiente para a obrigação de resultados a que se propunha, isto é, se esta violou ou não o dever objetivo de cuidado e zelo para a técnica utlizada.

IX. A sentença recorrida entende que não se violou o dever objetivo de cuidado porquanto considerar que:“Em rigor, a fratura antes se inscreve no âmbito da esfera de risco do procedimento, risco esse que o autor aprioristicamente assumiu, até pelo condicionamento que o dente que veio a ser extraído implicava para a sua vida pessoal e profissional, e, como fica dito, inexiste responsabilidade objetiva.”

X. Ao invés, o Autor/Recorrente, entende que a fratura se deve a um dano não expectável nem suposto na execução do procedimento levado a cabo pela 2.ª R. e que demonstra o cumprimento defeituoso da obrigação assumida.

XI. Justifica-se recair sobre a 2.ª Ré o ónus de provar que usou de toda a diligência e cuidado, no respeito pelas leges artis, no exercício da sua atividade, como forma de afastar a culpa que se presume (artigo 799º do CC).

XII. Num caso como o vertente, a 2.ªRR responde no caso de responsabilidade contratual não só pelo cumprimento dos deveres (principal e secundários) de prestação, mas também pela observância dos deveres acessórios de conduta, nomeadamente pelo dever de proteção na salvaguarda da integridade física do paciente. Neste sentido, aponta o acórdão de 07/10/2010, proferido no processo n.º 1364/05. ....

XIII. No caso concreto, a 2.ª RR, trata-se de médica especialista (v.g. um médico dentista) sobre o qual recai um específico dever do emprego da técnica adequada, tornando-se compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo a mesma ser civilmente responsabilizada pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta.

XIV. Torna-se imprescindível a aludida inversão do ónus da prova por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo a especialista em causa, ser civilmente responsabilizada pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base a sobredita presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta.

XV. Mesmo do facto 52), que só aprecia o “processo de diagnóstico e respetiva abordagem terapêutica e clínica” não resulta que 2.ª ré foi diligente e zelosa na aplicação da abordagem clínica, que para o caso concreto era o mais correto.

XVI. Tendo sido dado como provado no facto n.º 18) que a fratura foi causa da atuação da 2.ª Ré e, não resultando provado naquele relatório mencionado no facto 52) o nexo causal, certo é que, este facto 52) acaba por ser incipiente, e incapaz de refutar a culpa que sobre a 2.ª RR recai. Sendo que, mais nenhum facto provado ou fundamentação da sentença recorrida nos justifica a fratura mandibular, capaz de ilidir a presunção de culpa que recai sobre a 2.ª Ré.

XVII. Pelo que, sempre deve ser responsabilizada a 2.ª RR, em função da fratura mandibular que causou ao Autor, que decorreu da extração do dente do siso mencionada nos factos provados 13) a 18) e que esta não conseguiu provar que não foi causada por culpa sua. Nesta esteira aponta ainda o Acórdão de 26/04/2016, proferido no processo n.º 6844/03.....

XVIII. No caso de uma obrigação de resultado, como a presente, a falta de obtenção do mesmo demonstra o respetivo incumprimento, justificativo do recurso à presunção de culpa.

XIX. Resulta dos factos provados que a autora recorreu aos serviços médicos da 2.ª R. para tratamento dentário, ou seja, para um específico ato de remoção do dente do siso, sendo para o efeito o recurso à técnica infiltrativa a comum e recomendada.

XX. A execução deste ato, comum conforme já referido, não encerra em si uma carga elevada de aleatoriedade, nem se pode dizer que seja de consecução incerta, pois é menor a influência de fatores não controlados.

XXI. A verificação do resultado pretendido (remoção do dente) era altamente provável e como tal tem-se como correto o enquadramento desta obrigação “fragmentária” numa obrigação de resultado.

XXII. No decurso da execução deste ato médico ocorreu a fratura da mandíbula do Autor, tendo o mesmo ficado com lesões e sequelas dadas como provadas. Fratura essa, incapaz de ser “curada” espontaneamente e que, apesar das diligências que levou a cabo a 2.ª RR, causou fortes impactos negativos na vida do Autor.

XXIII. É este um dano não expectável nem suposto na execução do procedimento levado a cabo pelo 2ª RR. e que afetou a integridade física do Autor, protegida pelo disposto no artigo 70º do CC.

XXIV. Verificado um resultado não pretendido nem expectável tem-se como demonstrado o cumprimento defeituoso da obrigação e assim verificada a ilicitude do ato, que faz recair sobre a mesma médica o ónus de provar que usou de toda a diligência e cuidado, no respeito pelas leges artis, no exercício da sua atividade, como forma de afastar a sua culpa.

XXV. O que, na sentença recorrida não resulta provado. Tendo de ser, a 2.ª RR, responsabilizada pela fratura causada ao Autor.

XXVI. Por outro lado, no exercício da sua atividade em cumprimento da obrigação por si assumida, a 2ª RR. causou dano na integridade física do Autor, incumprindo assim o seu dever de proteção na salvaguarda da integridade física deste, o que permite afirmar também por esta e diferentemente do concluído pelo tribunal a quo, a demonstração da ilicitude do ato médico executado pela 2ª RR. Incumbia à mesma afastar a presunção de culpa sobre si recaída nos termos do artigo 799º do CC.

XXVII. Demonstrada a ilicitude de tal atuação, presumida a culpa (não afastada) nos termos do artigo 799º do CC, e aferida a existência do dano e respetivo nexo causal sempre deve ser arbitrado um valor indemnizatório com base na matéria dada como provada.

XXVIII. Nestes termos, deve ser revogada a sentença recorrida e, em consequência julgar procedente o pedido do Autor, condenando os réus no pagamento da quantia dada como
provada na sentença recorrida, a título de indemnização por danos não patrimoniais e dano biológico e de indemnização pelos danos patrimoniais, presentes e futuros.

As recorridas apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Impugnação da matéria de facto.

O apelante impugna o facto dado como não provado na alínea i), com a seguinte redacção:  Que no âmbito da intervenção a que se alude em 13 a 18 a 2ª ré tenha atuado de forma menos diligente ou zelosa, ou mesmo que tenha tido uma momentânea distração.
Alega o apelante que a fractura se deve a um dano não expectável  nem suposto na execução do procedimento levado a cabo pela segunda ré.
Alega ainda que se verifica a inversão do ónus da prova.
Quanto a esta questão há um equivoco do  recorrente quando diz que deve considerar-se provado o contrário (que a ré actuou de forma menos diligente ou zelosa e tenha tido uma momentânea distracção) por mor de impender sobre a a segunda ré o ónus da prova do facto. É que as regras sobre a repartição do ónus da prova só servem na fase da aplicação do direito, para o tribunal resolver as situações de non liquet sobre quaisquer pontos da matéria de facto, i.é, o momento próprio em que devem ser avocadas essas regras é necessariamente após a decisão da matéria de facto, em que o juiz “tem de proferir um verdadeiro julgamento sobre o thema decidendum” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 197).
No caso, e em relação a este ponto o apelante não indica qualquer elemento de prova que apreciado se possa considerar como provada a matéria que aí consta.
Com efeito, do relatório pericial não resulta que tivesse havido qualquer actuação menos zelosa da 2ª ré, ou que a mesma tivesse estado distraída quando efectuou o procedimento cirúrgico.
Por outro lado, nenhuma das testemunhas ouvidas – médicos dentistas – confirmaram que tivesse havido por parte da 2ª ré a violação das ”legis artis”.
Antes confirmaram que perante um caso idêntico teriam adoptado o procedimento seguido pela ré.
Por outro lado, é sabido que quando é impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil exige ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, que especifique: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tendo em consideração o que se acabou de referir,  não poderemos concluir que o apelante impugnou a factualidade, pois, das respectivas conclusões do recurso, não constam os requisitos legais para o efeito, nem ainda qualquer remissão a este respeito para o corpo das alegações, o que aliás, não seria possível, dado das mesmas também nada lá constar.

Assim, não tendo sido dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, improcede a impugnação do referido ponto, mantendo-se a matéria de facto provada e não provada como consta da sentença que é a seguinte:

A) FACTOS PROVADOS

1) A Ré BB é médica-dentista, titular da cédula profissional n.º: ... da ..., colaboradora, como profissional liberal, da ré C..., Lda. – cfr. documentos de fls. 97 v.-98 f, 99 e 133 v..
2) No âmbito da sua atividade, a ré EE, celebrou com a chamada A... – Companhia de Seguros, S.A., o contrato de seguro do ramo responsabilidade civil como médica dentista com a apólice ...00, estando igualmente em vigor, em 06/10/2016 e presentemente, a apólice n.º ...9, contratada pela Ordem dos Médicos Dentistas cfr. documentos de fls. 97 v. a 99 v., 133 v., 176-216 e 223-243.
3) Por seu turno, o autor é engenheiro informático, sendo que, por força do seu trabalho, viajava amiúde de avião.
4) A verdade é que o autor, que sofria de bruxismo, sentia, antes de 06/10/2016 dores provocadas por um dente do siso incluso (dente 48), dores que eram particularmente fortes no momento da aterragem e descolagem, tornando penosas as viagens de avião, queixando-se, ainda, de estalidos na zona da articulação temporo mandibular.
5) Na sequência de consulta a outro médico dentista, que determinou a realização de TAC e ortopantomografia, aquele comunicou ao autor que a extração do dente 48, porque muito próximo de um nervo, era complexa, e que não se sentia confortável para proceder à extração.
6) Porque assim é e porque o autor tinha uma amiga, FF, então rececionista na 1ª ré, falou com ela, que deu indicação, além do mais, da ré EE para o procedimento, comprometendo-se a falar com aquela.
7) Segundo aquela rececionista transmitiu à ré GG, o A. já se vinha a queixar há algum tempo de fortes dores na zona retromolar, ou seja, na zona correspondente ao dente 48 – dente do siso do lado inferior direito, o qual permanecia incluso, e dentes adjacentes –dores que irradiavam para a zona da ATM (articulação temporo-mandibular) e cabeça, queixando-se, ainda, de estalidos.
8) Antes da consulta que o autor viria a marcar na 1ª ré, para ser consultado pela ré GG, que teve lugar no dia 06 de outubro de 2016, o autor, através da aludida rececionista da clínica, fez chegar à mesma uma Tomografia Axial Dental Scan ao maxilar inferior e um relatório (realizados em fevereiro de 2016, com relatório de 20 de fevereiro de 2016, a pedido de um outro médico), em cujo relatório pode ler-se: “Referência para a presença de esboço de formações quísticas em torno das coroas dos molares posteriores inclusos” – cfr. documento de fls. 100-104.
9) O mesmo será dizer que o autor recorreu aos serviços da C..., Ld.ª já com o intuito de remover aquele dente do siso (dente 48) incluso com o propósito de ficar sem dores, até porque referiu ter um quadro doloroso que, segundo asseverou, se agravava quando este viajava de avião, o que disse acontecer frequentemente por razões profissionais.
10) Naquela consulta, o A., depois da realização da anamnese e ter exposto à Ré, ora contestante, aquele seu supra descrito histórico e a sua pretensão de remoção do seu dente 48, bem assim como depois da Ré, ora contestante, ter analisado e avaliado a atrás mencionada TAC realizada em fevereiro de 2016 (documento de fls. 100-105) o A. foi submetido, da parte da manhã do dia 06 de outubro de 2016, à realização, com o seu prévio consentimento informado, de uma ortopantomografia – cfr. documento de fls. 105 f. 11) De seguida, a ré GG informou o autor que a cirurgia pretendida era bastante complexa em função da posição em que se encontrava o dente 48 do A., tendo informado este último dos riscos associados à, por aquele, pretendida extração dos seus dentes do siso, mormente do dente 48 (como é o caso do edema, hemorragia, parestesia ou fratura), tendo este compreendido, na íntegra, aquela explicação e dado, de seguida verbalmente e por escrito (o que fez apenas para o risco de parestesia, porquanto, só a esse fez a ré GG menção expressa), o seu esclarecido consentimento para a realização do ato cirúrgico em apreço, não obstante os riscos que lhe foram descritos pela Ré com a realização do mesmo.
12) Na verdade e apesar dos riscos, a extração era recomendada, quer pela sintomatologia que apresentava, quer mesmo por força das formações quísticas a que aludia o relatório referido em 8.
13) O ato cirúrgico “sub judice” foi efetuado após a realização do exame a que se alude em 10, em cadeira, pela ré GG, assistida por HH, sendo que estava presente a então namorada, hoje mulher, do autor, II.
14) A técnica anestésica utilizada foi a infiltrativa e não a troncular (bloqueio regional), ou seja, a Ré utilizou sobre o A. uma técnica anestésica infiltrativa (infiltração de anestesia pelo lado vestibular e lingual). A anestesia foi reforçada (novamente com técnica infiltrativa) já numa fase final da cirurgia, pois o paciente começou a manifestar alguma sensação dolorosa no local que estava a ser manipulado. Situação mais do que normal numa cirurgia deste género.
15) A aludida técnica anestésica mostra-se adequada por forma a evitar o risco de parestesia.
16) Com vista à mais fácil extração, a ré GG fragmentou o dente.
17) No final do ato cirúrgico, a Ré, ora contestante questionou o A. sobre se ele sentia desconforto ou dor em algum ponto da sua boca, ao que este respondeu que “não”, não evidenciando qualquer problema de oclusão, manifestando, apenas, algum desconforto na articulação temporo-mandibular (ATM), que a Ré, ora contestante, considerou clinicamente normal atento o facto da cirurgia ter sido demorada, complexa e, também, pelo facto do histórico antigo de desconforto na ATM descrito pelo autor.
18) A verdade, porém é que no âmbito da extração, ocorreu a fratura da mandibula do autor, sem afastamento de topos e sem desarmonia de oclusão, assinalando-se ser a fratura uma complicação rara mas possível da extração de dentes, complicação favorecida, até, pelas formações quísticas a que se alude em 8.
19) A Ré GG, no final do ato médico em análise, medicou o autor com Amoxicilina 875mg mais Ácido Clavulânico 125 mg, Ibuprofeno 600 mg, Rosilan 30 mg, Paracetamol 1000mg e Bexident Post Colutório, tendo-lhe explicado detalhadamente todos os cuidados pós-cirúrgicos que o A. teria de ter, prescrevendo-lhe uma dieta à base de alimentos moles, curando de se certificar que o autor compreendeu as instruções que lhe deu.
20) A verdade é que, a meio da tarde do mesmo dia 06/10/2016, o autor, que adormecera, acordou e constatou sentir dificuldade em abrir a boca, razão pela qual telefonou para a clínica da 1ª ré, tendo-lhe sido recomendado que ali regressasse.
21) Assim, no dia 06 de outubro de 2016, por volta das 17h:30m, o autor regressou à clínica, da 1.ª Ré, queixando-se de uma sensação que qualificou de “esquisita” na zona da articulação temporo-mandibular e pediu que verificassem se “estava tudo bem” com ele, pois dizia estar com uma sensação de dor e desconforto na zona da articulação temporomandibular e uma sensação que os dentes não articulavam/ocluíam normalmente.
22) Uma vez que a 2.ª Ré já não se encontrava na Clínica, aqui 1ª Ré, o paciente foi avaliado pela Exma. Sra. Dra. JJ.
23) Atendendo ao facto do autor ter sido objeto de tratamentos da parte da manhã executados pela aqui 2.ª R., a clínica, aqui 1.ª Ré, entrou em contacto telefónico com a 2.ª Ré e estabeleceu o contacto desta com a Exma. Sra. Dra. JJ.
24) A Exma. Sra. Dra. JJ referiu, telefonicamente, à aqui 2ª Ré que o efeito anestésico, no A, já tinha passado por completo, que não apresentava parestesia, que o A. referia os sintomas acima descritos (sensação de dor e desconforto na zona da articulação temporomandibular e que os dentes não articulavam/ocluíam normalmente) e que apresentava trismo (dificuldade em abrir a boca).
25) A Ré, ora contestante, depois de inteirada do que se estava a passar, resolveu mandar fazer, mediante a obtenção de prévio consentimento informado do autor, nova ortopantomografia, que foi remetida pela 1.ª Ré por correio eletrónico para a Ré, aqui contestante, tendo esta procedido à sua análise e verificado a suspeita de uma possível microfratura/fissura mandibular – cfr. documentos de fls. 106 e 107 f..
26) Perante a suspeita acima descrita, a 2.ª Ré, questionou, também, telefonicamente, o autor, se o efeito anestésico já tinha passado por completo ao qual ele lhe respondeu que “Sim” e que já sentia todos os pontos da face, afirmando-se sem dor, de todo o modo encaminhou, de imediato, o A. para o Hospital ..., no P..., por ser o único com urgência maxilo-facial, onde este acabou, segundo lhe disse, por dar entrada ao final da tarde/noite, já depois de jantar – cfr. documentos de fls. 25 e 107 v..
27) A ré GG foi acompanhando, via telemóvel, o estado do autor e a abordagem clínica que este ia dizendo estar a receber por parte do Hospital ..., no P... (cfr. documentos de fls. 107 v., 108-112 f. e 113-115 f.).
28) A ré GG disponibilizou-se para falar com os médicos do Hospital ..., no P..., mas o autor nunca chegou a viabilizar esse contacto por entender não ser necessário (cfr. documentos de fls. 107 v., 108-112 f. e 113-115 f.)..
29) A ré GG disponibilizou, via email, ao autor naquela circunstância a segunda ortopantomografia (cfr. documento de fls. 107 f.) de modo a que aquele a pudesse fazer chegar aos médicos que o estavam a observar no Hospital ..., no P....
30) A ré foi acompanhando sempre o estado do autor através de contactos via telemóvel e por SMS (mensagens escritas via telemóvel) para o telemóvel da Exmo. Senhora –KK que, à data, era namorada do autor e que esteve presencialmente com ele no Hospital (cfr. documentos de fls. 107 v., 108-112 f. e 113-115 f.).
31) A ré GG foi informada pelo A. de que este teria feito, naquela ocasião, uma tomografia no Hospital ..., no P..., através da qual lhe terá sido diagnosticado uma fratura mandibular, e quiseram agendar uma intervenção cirúrgica para o dia seguinte. No entanto, a pedido do A., reencaminharam-no para o Hospital ....
32) Segundo o que foi dito à Ré, telefonicamente, pela Exma. Sra. II, a preferência pelo Hospital ... teve a ver com a proximidade da área de residência, que se tornava mais fácil e cómoda a deslocação para estes. A Exma. Sra. II informou a Ré, também, que o A. iria ser submetido, na sexta-feira (dia 7 de outubro de 2016) no Hospital ..., a uma intervenção cirúrgica.
33) No entanto, no Hospital ..., apenas lhe efetuaram um bloqueio intermaxilar, não tendo sido necessário a realização de nenhuma intervenção cirúrgica, não só devido ao risco de infeção, mas também, e sobretudo, pelo tipo de defeito ósseo detetado no autor – cfr. documento de fls. 115 v.
34) Após o bloqueio, o autor foi medicado, tendo-lhe sido recomendado que mantivesse antibiótico e foi receitado, ainda, Pantoprazal, definido como comprimido gatrorresistente. (cfr. documentos de fls. 27 f. e 38)
35) Ademais, o autor comprou, em 09/10/2016, Spidifen, Paracetamol, Forcid Solutab, Flagyl, ..., Cetirizina e Vitis – cfr. documento de fls. 26 f.
36) Pelo cirurgião maxilo-facial foi, ainda, prescrita dieta líquida estrita, durante 4 semanas. (cfr. fls. 38)
37) Na verdade, desde 07/10/2016 até 29/11/2016 (data em que foi removida a fixação), o autor alimentou-se com recurso a seringa e essencialmente com leite, iogurtes, sumos, sopa ralada e papas de bebé, o que lhe causava sofrimento, tendo, ademais e enquanto teve a fixação colocada, dificuldade em falar.
38) Esta dificuldade, aliás, determinou que o autor ficasse em situação de incapacidade para o Trabalho entre 07/10/2016 e 08/11/2016. (Cfr. documentos de fls. 40-42)
39) A verdade, por outro lado, é que esta paragem, possibilitou ao autor passar com um primo que veio a falecer de doença terminal, as últimas semanas de vida daquele.
40) Em 29/11/2016, em consulta externa de cirurgia maxilo-facial, o autor apresentava oclusão estável.
41) A verdade é que o autor apresenta desarmonia oclusal, contudo, apresenta também patologia articular, provável anteposição discal direita com redução espontânea, que tudo indica pré-existente à extração a que se alude em 13 a 18.
42) Após alta clínica, o autor decidiu começar a fazer, por iniciativa própria, sessões de fisioterapia ATM, o que fez na clínica onde já realizava sessões para os problemas de dores lombares, com o fisioterapeuta LL.
43) No início de 2017, em data não concretamente apurada mas anterior a 21/02/2017, o autor, em conversa com a rececionista da 1.ª Ré - C..., Ld.ª, transmitiu-lhe que “não se sentia bem, mas não sabia especificar o que sentia”.
44) Perante esta abordagem, entretanto transmitida pela rececionista à 2.ª Ré, esta última acordou com o autor que este último fosse avaliado pela responsável da 1.ª Ré na área da oclusão e disfunção temporo-mandibular e dor orofacial, mais concretamente pela Exma. Sr.ª Dr.ª MM, uma vez que o autor se queixava maioritariamente da região articular.
45) Nesta sequência, o autor agendou consulta com a Exma. Sr.ª Dr.ª MM, a qual teve lugar no dia 21 de fevereiro de 2017, vindo esta a elaborar relatório, no qual se diz, entre outras coisas, que o A. “nega dor associada, tensão ou dor muscular no pescoço e cabeça; não apresenta limitações da abertura (40-42mm) no fecho da boca, nas funções de mastigação e na fonação; nega ter zumbidos ou alteração da audição, nega a existência de cefaleias.” (cfr. documento de fls. 116)
46) Naquele relatório sobressai com relevo para os presentes autos que o autor afirmou “fazer apertamento dos dentes em casos de stress e que sofre constantemente situações de stress profissional, além de viajar muito”, acrescentando a subscritora “Não palpei estalidos ou crepitação das ATMs em nenhum dos movimentos mandibulares” e também, “sem desvios ou deflexões na abertura e fecho” e, ainda, “não encontrei à palpação nenhum sinal de inflamação articular” (cfr. documento de fls. 116)
47) Em suma, o relatório médico em apreço conclui que: “No meu parecer, o paciente poderá ter feito uma co-contração protectora do masséter e pterigoideu interno aquando da cirurgia complexa a que foi submetido. Foi feito bloqueio inter-maxilar por fractura da mandibular, e, por ter estado imobilizado, não pus fora de hipótese a existência de aderências articulares do disco, que pudessem estar na origem dos referidos estalos, que eu não consegui ver, ouvir ou sentir.” (cfr. documento de fls. 116)
48) A Dr.ª MM aconselhou o A. a usar uma goteira de relaxamento por prevenção, uma vez que o A. lhe havia dito que, por razões profissionais, sofria de bastante stress e que dava frequentemente por si a apertar os dentes com força, podendo ser esta a causa da dor miofascial de que se queixava, unicamente, à palpação e pontos gatilho, realizando, naquela consulta, havida em 21 de fevereiro de 2017, os trabalhos iniciais dos moldes e registos necessários para a confeção da goteira, tendo a goteira, depois de pronta, sido colocada e ajustada no autor pela mesma Exma. Sr.ª Dr.ª MM, em nova consulta ocorrida no dia 14 de março de 2017.
49) Na sequência da antedita consulta de colocação da goteira no A., foi logo agendada uma nova consulta de controlo da goteira para o dia 21 de março de 2017 com a Exma. Sr.ª Dr.ª MM, na qual o A. não compareceu, nem justificou a sua ausência, não voltando o autor à Clínica ..., Ld.ª, não a contactou, nem se mostrou contactável, desde 14/03/2017.
50) A verdade é que o autor, por indicação do seu fisioterapeuta, dirigiu-se à clínica O..., onde, lhe foi prescrito tratamento ortodôntico, em parte, estético, com o valor global de € 7.635,00. (cfr. documento de fls. 35-36)
51) A 2.ª Ré, após a citação da P.I. destes autos, solicitou a elaboração de parecer pericial colegial de medicina dentária ao Exmo. Senhor Professor Doutor NN (licenciado em Medicina Dentária (..., Ex-...), doutorado em Morfologia Médica pela Faculdade de Odontoloxia, da Universidade ..., ..., Membro da ... (...), Especialista em Cirurgia Oral pela ..., portador da cédula profissional nº...42, professor universitário na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade ... e exercendo prática privada) e ao Exmo. Senhor Doutor OO (membro da Comissão de Peritos da Ordem dos Médicos Dentistas e vogal do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas, licenciado em Medicina Dentária (...) e Mestre em Saúde Pública (...), Doutorando em Medicina Dentária na ..., pós-graduações em Genética Clínica (...), Implantologia e Reabilitação Oral (...) e em Medicina Legal (IML-P...), portador da cédula profissional nº ...35 por inscrição na Ordem dos Médicos Dentistas, professor universitário na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade ... e exercendo atividade clínica em Medicina Dentária no ...).
52) Os dois supra identificados médicos dentistas, instruídos com os documentos clínicos sobre o caso aqui vertente, elaboraram, subscreveram e dataram de 02 de outubro de 2017, Parecer Técnico, que conclui no item 11 da sua página 16 que: “Analisados os elementos documentais que constituem o dossier clínico do paciente, que nos foram facultados para o presente parecer, somos da opinião de que o processo de diagnóstico e respetiva abordagem terapêutica e clínica, levada a cabo pela Dra. PP, foi correta e adequada, em conformidade com as legis artis da medicina dentária aplicáveis ao caso concreto, cumprindo ainda realçar que não resulta claro, nítido e inequívoco que a fissura/fratura mandibular do paciente tenha resultado do tratamento executado pela Drª PP sobre o paciente.” – cfr. documento de fls. 119 v.-127 f.
53) Por carta subscrita pelo seu Ilustre Mandatário, datada de 09/06/2017, dirigida para a 1ª ré, o autor convidou as duas rés a encontrar “solução extrajudicial”, sob pena de instauração de ação judicial. (cfr. documento de fls. 60-63)
54) A 2ª ré, médica dentista há vários anos, com um passado profissional incólume, é bastante considerada pelos seus pares, sendo conotada com seriedade, competência, rigor, eficiência e profissionalismo.
55) Os presentes autos, sobretudo porque iniciados numa altura em que a 2ª ré atravessava uma situação pessoal delicada (quer pelos tratamentos de fertilidade a que se sujeitava, quer pela doença oncológica com que se debatia a sua enteada), deixaram-ma abalada,
revoltada e constrangida, tendo a situação sido comentada entre os colegas de profissão na clínica da 1ª ré.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que por ocasião da extração a que se alude em 13 a 18 dos factos provados a 2ª ré tenha administrado ao autor anestesia regional e que, após, tenha administrado, por duas vezes, anestia local, ou que tenha exercido força inadequada.
b) Que na sequência da referida extração o autor tenha ficado com dores permanentes (agravando as que anteriormente sentia), com edema facial, com alterações na sensibilidade, com a boca permanentemente inflamada, com dificuldades de mastigação, com incontinência salivar e com hipersensibilidade ao toque (que se manifestava, por exemplo, ao fazer a barba).
c) Que ao autor tenha sido concretamente prescrito Zipo 500 e Jabasulid.
d) Que na sequência de radiografia realizada pelo autor na O... tenha sido detetada a formação de um quisto no maxilar inferior e confirmada a presença de uma fratura no maxilar inferior.
e) Que entre 07/10/2016 e 29/11/2016 o autor tenha perdido cerca de 12 kg, e que nessa altura tenha constatado que os seus maxilares não encaixavam e que a sua boca se encontrava deformada, o que o embaraçava sobretudo em estabelecimentos comerciais ou locais particularmente movimentados.
f) Que a substancial perda de peso tenha feito o autor sentir-se fisicamente desgastado, deixando de conseguir fazer esforços físicos, ao passo que a roupa deixou de lhe servir.
g) Que o ocorrido tenha perturbado o sono do autor e que este tenha passado a acordar diversas vezes de noite.
h) Que o autor tenha permanecido durante meses com dores e edemas faciais.
i) Que no âmbito da intervenção a que se alude em 13 a 18 a 2ª ré tenha atuado de forma menos diligente ou zelosa, ou mesmo que tenha tido uma momentânea distração.
j) Que o autor não possa ainda prescindir de medicação e que o tratamento necessário à resolução do seu problema tenha o custo de € 7.635,00.
k) Que o autor necessite, por força da intervenção a que se alude em 13 a 18, de manter sessões de fisioterapia e que estas tenham, concretamente, o custo de € 50,00/cada.
l) Que o autor tenha efetuado um salto de paraquedas em Maio de 2017.
m) Que a fratura mandibular tenha ocorrido após a extração a que se alude em 13 a 18.
n) Que o quadro clínico que o autor apesenta seja decorrência do primeiro tratamento ortodôntico feito pelo autor.
o) Que por força da intervenção a que se alude em 13 a 18 o autor tenha sofrido danos patrimoniais do valor global de € 864,04, máxime por não resultar provado o valor de deslocações, parqueamento, alimentação específica e fisioterapia.
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Improcedendo o recurso na parte referente à decisão da matéria de facto, no que de relevante para decisão distinta diz respeito, considerando o disposto no nº 2 do artigo 608º aplicável ex vi do nº2, do artigo 663º, ambos do Código de Processo Civil, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, mantém-se a sentença recorrida.
Apenas se dirá que quanto à alegada violação pela sentença  do disposto no artigo 799º do Código Civil, carece de razão o apelante.
Como resulta dos autos o apelante pretende ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos decorrentes da violação das legis artis, pela segunda ré, no âmbito de um tratamento médico-dentário.
Conforme também decorre dos autos, não se provou que tenha havido violação por parte da segunda ré das legis artis, que a façam incorrer em responsabilidade civil.
No recurso o apelante refere que celebrou com a segunda ré um contrato de prestação de serviços e que a mesma estava vinculada a uma obrigação de resultado.
No caso não estão provados factos de que decorre a sua responsabilidade.
A responsabilidade civil surge quando o médico com a prática de actos específicos do exercício da sua profissão cause dano a outrem (o seu doente ou um terceiro) de tal modo que se constitua face à lei civil, na obrigação de reparar esse dano.
A responsabilidade civil nasce geralmente da prática de um acto ilícito que pode consistir na falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei ou da violação de direitos absolutos.
E, em regra as relações mais comuns entre médico e doente assumem precisamente natureza contratual.
O médico aceita prestar ao doente a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, de seu lado, a retribuição que for devida .
E nessa medida,  verificam-se aqui todos os elementos de um contrato: de um lado a manifestação da vontade do doente no sentido de ser observado e tratado pelo médico, e de outro, a aceitação por este desse encargo, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente.
Entende-se também hoje que a obrigação do médico é uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultados.
“O critério distintivo entre obrigações de meios (ou de pura diligência) e obrigações de resultado, reside no carácter aleatório ou, ao invés, rigorosamente determinado do resultado pretendido ou exigível pelo credor.
Deste modo já se torna compreensível que o ónus da prova da culpa funcione em termos diversos num e noutro tipo de situações (...)” – Ac. do STJ, de 5/7/01, CJ, Acs. do STJ, t. 2, pág. 168.
  Assim, o ónus da prova de culpa funciona de forma diferente num e noutro caso, não existindo neste caso a presunção de culpa prevista no artigo 799º do Código Civil.     
Genericamente a obrigação do médico consiste em prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e salvar ou prolongar a vida.
Nesta fórmula ampla se compreende toda a actividade profissional, intelectual ou técnica, que tipicamente se pode designar por “acto médico”.
Desde logo, perante cada caso, uma actividade de observação e diagnóstico, que consiste no reconhecimento e distinção da enfermidade em cada caso clínico. Partindo do conhecimento que o médico deve possuir das doenças, e usando de todos os meios ao seu alcance, deve desenvolver toda a sua capacidade no sentido de determinar, em cada caso, qual o processo patológico que se lhe depare e as suas causas.
Deve pois, o médico prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance.
Deve elaborar o seu diagnóstico com a maior atenção, actuar com o maior cuidado, da forma mais diligente e empregando todos os conhecimentos conformes aos dados adquiridos pela ciência médica, com o exclusivo intuito de restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida do doente.
Para responsabilizar a  segunda ré, era necessário que se verificassem os seguintes pressupostos:
Em primeiro lugar é necessário que o facto do não cumprimento se revista de ilicitude (tanto pode ser uma acção como uma omissão) , que no domínio da responsabilidade contratual se traduz numa relação de desconformidade entre o comportamento devido e o que seria necessário, para a realização da prestação devida e o comportamento efectivamente tido.
É também necessário que o médico tenha agido com culpa.
Em termos gerais ter agido com culpa significa ter o médico actuado de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, isto é poder-se determinar que, perante as circunstâncias concretas de cada caso, o médico obrigado devia e podia ter actuado de modo diferente. Esta reprovação ou censura pode ter lugar a título de dolo ou negligência.
Importante no aspecto da responsabilidade médica é a mera culpa, a culpa sob a forma de negligência.
Aqui a censura do médico funda-se na circunstância de ele não ter agido com o cuidado, com a diligência, com o discernimento exigíveis, para evitar o resultado ilícito que é o não cumprimento, na sua modalidade de cumprimento defeituoso.                               
Pode dizer-se que actuará com negligência o médico que perante as circunstâncias de cada caso, não exercita todo o zelo, toda a vontade, todo o esforço, todas as qualidades, aptidões, capacidade e discernimento exigíveis para executar a conduta que representa que é necessária, ao cumprimento do seu dever contratual.
Para além do comportamento ilícito e culposo do médico, é necessário para que surja a sua responsabilidade, com o correspondente dever de indemnizar, a existência de dano e o nexo de causalidade entre o comportamento e o dano.
Ora, a matéria de facto provada, é manifestamente insuficiente para se poder inferir do comportamento culposo da ré não se podendo  determinar que perante as circunstâncias do caso concreto, a ré devia e podia ter actuado de modo diferente, e que o seu comportamento foi censurável.

Não se verificam deste modo, os pressupostos dos artigos 798º e 566º do Código Civil.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 27 de Abril de 2023.