Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
307/15.2T8PRG.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: PER
CREDORES
DIREITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1. O Per não pode afectar a existência e o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou terceiros garantes da obrigação.
2. As cláusulas que condicionam o exercício do direito dos credores bancários à execução das garantias e a carência de capital e juros, neste caso pessoais (aval) de terceiros violam a norma imperativa do artigo 217 n.º 4 do CIRE, sendo nulas nestes pontos e inoponíveis às apelantes.
Decisão Texto Integral: Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Eva Almeida e Beça Pereira
*
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães
É, Lda requereu ao abrigo do disposto nos artigos 17-A a 17-I do CIRE, Processo Especial de Revitalização alegando, em síntese, que está em situação económica difícil devido a falta de tesouraria, mas susceptível de superar-se com uma reestruturação capaz de gerar mais negócios, aproveitando o seu conhecimento do negócio que vigora há sete décadas, juntando documentos.

A 12/11/2015 foi proferido despacho liminar a admitir o requerimento inicial de revitalização (fls. 131).

O administrador judicial provisório, a fls. 142 a 148 juntou lista provisória de credores.

Esta lista foi impugnada pela credora Banco B, SA. no sentido de ser-lhe reconhecido o seu crédito no montante de 458.378,93€ como garantido e não comum de 520.000€ emergente de um mútuo, como consta da referida lista (fls. 156 a 177). A credora Ba, SA. veio reclamar da lista no sentido de ser corrigida a menção de que o seu crédito de 261.255€ é de natureza comum e não garantido, juntando documentos (fls. 179 a 212). A credora Banco Popular veio a fls. 215 a 217 reclamar da lista no sentido de serem especificados as fontes da garantia do seu crédito de 328.469,72€ (identificação do prédio sobre que incide uma hipoteca) e mencionar como comum o seu crédito de 1.698,84€ (junta documentos fls. 218 a 230). O administrador judicial veio a fls. 240 corrigir a lista de credores nos termos reclamados, aprestando uma nova lista rectificada a fls. 241 a 247.

Oportunamente foi apresentado o Plano de Revitalização de É, Lda para homologação, com sinais de aprovado por 50,47% do capital participante (837.896,95€) num total de créditos reclamados de 1.601.823,96€, com a junção dos anexos em que consta o relatório do administrador e os votos (fls. 255 a 342). A credora Ba, SA. e a credora Banco B, SA. votaram contra o plano e detêm, respectivamente, 263.388€ e 458.378,93€ do valor dos créditos reclamados.

A 31/03/2016 foi proferida decisão a homologar o Plano de Revitalização de É, Lda nos termos do artigo 215 e 216 e com os efeitos do artigo 217 do CIRE.

Inconformadas com o decidido as credoras Banco B, SA. e Ba, SA. interpuseram recursos de apelação formulando, respectivamente, as seguintes conclusões:
A “a) Vem o presente recurso, da sentença proferida nos autos à margem referenciados, que homologou o plano de insolvência aprovado nos presentes, por entender: "Consequentemente, tendo em conta todo o exposto, não existindo fundamento legal para ser recusado o plano apresentado e tendo esta reunido os votos favoráveis para o efeito, deverá o plano de recuperação apresentado pela requerente É, Lda. ser homologado pelo Tribunal.
Com a homologação do plano de recuperação serão produzidos os efeitos previstos no artigo 217 n.º4 do ClRE.
Em conformidade, e pelo exposto, decide-se homologar o plano de recuperação que foi proposto nos presentes autos pela requerente É, Lda."
b) Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a douta sentença não fez correta aplicação do Direito.
c) Entendeu a sentença recorrida que o plano não violava qualquer norma imperativa relativa ao conteúdo, nem ao procedimento.
d) O ora Recorrente entende que o Tribunal "a quo" não deveria ter homologado o plano de insolvência em causa, por entender que o mesmo viola disposições imperativas, quer quanto ao conteúdo do próprio plano, quer quanto às regras processuais.
e) Nos termos do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE são aplicáveis ao PER, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX do CIRE.
f) Na prática é aplicável ao conteúdo do Plano de Revitalização discutido no âmbito do PER o disposto no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE onde o legislador especificamente consignou que "As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos."
g) A este propósito, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (ln Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2009, Lisboa, p. 724) assumem a posição de que "( .. ) seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de solidariedade originário".
h) Ora, o Credor Reclamante apresentou tempestivamente a reclamação para verificação dos seus créditos que foram devidamente reconhecidos e classificados na lista provisória de credores rectificada junta aos autos pelo Administrador Judicial Provisório e convertida em definitiva a 2 de Fevereiro último.
i) Assim, o Recorrente é credor de um valor global de 458.378,93€ (quatrocentos e cinquenta e oito mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa e três cêntimos) relativos a financiamentos bancários que após incumprimento originaram o preenchimento de quatro Livranças e ainda de uma letra de câmbio.
j) Tal crédito tem natureza garantida pelo ónus de hipoteca genérica registado sob o imóvel correspondente à descrição n.º 356 do Peso da Régua da propriedade da Devedora.
k) Os créditos em apreço, tal como já referido, encontram-se titulados por Livranças com aval prestado pelos respectivos sócios da Devedora e ainda hipoteca genérica constituída sobre imóvel propriedade da Devedora, para garantia do bom pagamento e liquidação de todas as obrigações e/ou responsabilidades assumidas ou a assumir pela Devedora.
I) De acordo com o disposto nos § I e § II do artigo 32.Q da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças aplicável ex vi § III do artigo 77.º do mesmo normativo legal, o legislador especificou que "o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada" e que "a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja vício de forma".
m) Essa será, por excelência, a forma adequada de reagir ao incumprimento dos obrigados cambiários, uma vez vencida a obrigação e o devedor principal não se apresente ao credor e cumpra com o pagamento das obrigações e responsabilidades assumidas.
n) Pese embora este claro e já antigo quadro legal, quis a Devedora consignar, no seu Plano de Recuperação, mais concretamente na última alínea do ponto 4.3 aplicável aos "Créditos Bancários", o seguinte: "A contabilização pelos diferentes bancos das condições supra referidas não constituirá, em circunstância alguma, uma novação, mantendo-se todas as garantias constituídas para os respectivos créditos, com o compromisso dos credores de não execução das garantias enquanto se mantiver o cumprimento do Plano."
o) Nesta medida, a aprovação deste plano vem coarctar o direito dos Credores de propor acções executivas contra os terceiros garantes, enquanto o plano estiver a ser cumprido pela Devedora, violando expressamente a previsão do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE.
p) Este "compromisso" não é mais que uma "falsa" obrigação que não passa de uma clara e inequívoca proibição imposta aos Credores, retirando-lhes a possibilidade de accionar a única garantia adicional de que dispunham, na presente data, para ressarcimento do seu crédito: o património dos garantes avalistas.
q) Ora, sendo o aval uma obrigação cambiária autónoma, pela qual os avalistas respondem com o seu património pessoal pelo cumprimento das obrigações cambiárias da Devedora, não pode o Plano reduzir ou até eliminar, como é o caso, a garantia oportunamente prestada.
r) Não é admissível no âmbito do presente PER, qualquer comando que impeça o Credor Reclamante de agir contra os avalistas cambiários, cujos patrimónios são, a par do da Devedora, a garantia global do cumprimento da obrigação cambiária (tal como se consigna no artigo 601.º do Código Civil), garantia esta que só se efectiva por meio da execução destes patrimónios (tal como se retira do artigo 817.º do Código Civil).
s) Acresce que, a aceitar-se esta proibição, o plano de revitalização em apreço, homologado nos exactos termos em que o foi, de forma ilegítima e ilegal, implica repercussões sobre o património de terceiros que não são intervenientes no presente processo (os avalistas das livranças), protegendo-os do cumprimento de uma obrigação que estão chamados a cumprir como obrigados principais e não como obrigados subsidiários.
t) O que vale por dizer que o compromisso de não intentar qualquer acção executiva, objectivo último visado pela Devedora, de acordo com as disposições contidas no plano, colide frontalmente com o regime de solidariedade das obrigações.
u) À luz do disposto no n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil, "A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, ... ".
v) Sendo que, resulta do n.º 1 do artigo 518.º do Código Civil que "Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se liberta da obrigação de efetuar a prestação por inteiro".
w) Tal entendimento encontra-se previsto, como já referido, no artigo 217.º, n.º 4 do CIRE, naturalmente aplicável em sede de PER, onde o legislador expressamente estabelece que: "As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor, não afectam a existência, nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos".
x) Circunstância essa que determina uma clara violação das regras aplicáveis ao conteúdo do Plano de Recuperação apresentado e homologado, e como tal, a sua homologação nos termos do artigo 215.º do CIRE, aplicável ex vi artigo 17.º-F n.º 5 do mesmo diploma legal não deveria ter sido proferida em sede de sentença.
y) Neste exacto sentido, atente-se às conclusões e conteúdos dos seguintes Acórdãos:
• Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 01/10/2013 no Processo nº 1786/12.5TBTNV.C2 - " Efectivamente, representando o aval - enquanto obrigação cambiária autónoma - uma garantia patrimonial adicional, na medida em que os avalistas afectam os seus patrimónios pessoais ao cumprimento da obrigação cambiária do subscritor da livrança (. . .), não pode o "plano" reduzir/destruir tais garantias/avais prestados ...
Enfim, o "plano" de recuperação não pode retirar ao recorrente o direito de exigir dos avalistas o pagamento da totalidade dívida a que estes se obrigaram nos termos originários; isto é, as obrigações dos condevedores da insolvente/pré- insolvente ou de terceiros garantes não podem ser afectadas pelo "plano" (como decorre claramente do art. 217º/4/CIRE e sempre decorreria dos princípios gerais."
• Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 24/09/2015 no Processo nº 378/14.9T8VNF.G2 - "IV - Assim, a homologação de medida que estabelece uma moratória no pagamento da dívida de avalistas, ao impedir o exercício desses direitos "durante a vigência do plano" está a afectar os "direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação", constitui uma violação do nº4 do artigo 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas."
• Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 01/07/2014 no Processo nº 1355/13.2TBLRA.C1 - "I - A obrigação derivada da prestação de aval é autónoma da do avalizado pois o avalista, ao prestar o seu aval, obriga-se ao pagamento da quantia inscrita no título de crédito e não ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, sendo assim a sua obrigação perante a
obrigação cartular e não perante a relação subjacente, (. . .). III - Aplicando-se o plano de insolvência somente à sociedade insolvente que está impossibilitada de cumprir as suas obrigações nada impede que o credor accione os avalistas com vista ao cumprimento da obrigação que assumiram em consequência do aval prestado."
z) Finalmente, de notar que o plano apresentado pela Devedora prevê um longo período de carência de capital, bem como de juros, o que implicará um incremento dos prejuízos do Credor.
aa) Durante o período de carência, o Credor para além estar limitado ao compromisso de não accionamento dos terceiros garantes e de não ter qualquer garantia de que o plano aprovado venha a ser cumprido, vê diariamente o avolumar do valor em dívida e não tem quaisquer meios de assegurar que os avalistas não dissipam o seu património, pois estão "seguros" de que, pelo menos, durante dois anos não verão seu património responder pelas responsabilidades assumidas.
bb) Termos em que, verificada a violação das regras aplicáveis ao Plano de Recuperação, mormente o artigo 215.º do CIRE, aplicável ex vi artigo 17.º-F n.º 5 do mesmo diploma legal, deverá a decisão recorrida ser revogada e, em substituição, ser decretada a não homologação do plano de recuperação com os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos Mais de Direito que V. Exas. muito Doutamente suprirão, Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida não homologar o plano de recuperação apresentado, Tudo, com as demais consequências legais, com o que se fará
INTEIRA Justiça!”
B “A. O presente recurso vem interposto do douto despacho de homologação do Plano de Revitalização da sociedade Devedora É, Lda., despacho com o qual, salvo o devido respeito, não pode concordar o ora Recorrente, perfilhando
um entendimento a decisão ora em crise, violou o disposto no artigo 215º, 216º n.º l a), 3º, n.º 1 e artigo 217º nº4, em conjugação com o artigo 17.ºF n.º 5 todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, ClRE).
B. Do Plano de Recuperação aprovado e homologado resulta a previsão de cláusula que proíbe os Credores de accionarem as garantias - reais e pessoais - no decurso da aplicação mesmo, contando que se verifique o respectivo cumprimento.
C. Tal constitui, por si só, uma cláusula ilegal e manifestamente abusiva que teria, no entendimento do Recorrente, de conduzir a uma decisão de não homologação do plano de revitalização porquanto consubstancia uma clara violação de normas legais directamente aplicáveis ao seu conteúdo.
D. Conforme supra melhor supra melhor explicitado, o n.º 4 do artigo 217.º do C.I.R.E., expressamente prevê que "as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos".
No mais, é já maioritária a jurisprudência que determina a distinção a fazer quanto às responsabilidades da empresa em P.E.R. e as responsabilidades dos seus avalistas, fixando que não poderá ser aceite - ou, sequer, tolerável - que o próprio Plano de Revitalização contenha condições susceptíveis de limitar a liberdade dos Credores em obter a recuperação dos seus créditos junto dos terceiros garantes das obrigações, como é o caso no Plano em apreço.
E. Ora, perspectiva o Plano de Revitalização ora em crise, que não possam ser accionadas quaisquer garantias pessoais ou reais - no caso do Recorrente ambas - enquanto o Plano estiver a ser cumprido, reduzindo injustificavelmente ao aqui Recorrente a margem de que dispõe, para recuperação dos créditos em dívida, impedindo os respectivos Credores de instaurar as competentes acções destinadas à cobrança dos seus créditos relativamente aos co-obrigados
F. ln casu, o concreto Plano de Revitalização, ao prever condições destinadas a impedir os Credores, designadamente o Credor ora Recorrente, de accionarem os seus direitos de créditos relativamente a terceiros garantes das obrigações, revela uma violação injustificada - e, ademais, intolerável e excessiva! - do aludido preceito legal, aplicável ao seu conteúdo, e nessa medida impondo-se a prolação de uma decisão de não homologação do Plano.
G. Ora, ao douto Tribunal a quo impõe-se o dever de recusar a homologação do Plano de Recuperação, mesmo que aprovado pela maioria dos Credores votantes, caso se verifique a violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, de acordo com o artigo 215.º do CIRE.
H. Ademais, uma tal limitação ao exercício de legítimos direitos adquiridos dos Credores é claramente violadora da lei e dos princípios basilares que regem a Constituição da República Portuguesa, como seja o disposto no seu art. 18.º, n.º 2.
I. Além deste facto, do conteúdo do Plano de Recuperação em apreço, resulta ainda, para o Credor, a verificação de uma situação previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer Plano.
J. Com efeito, das condições contidas no aludido plano, conforme supra melhor identificado, resultam, entre outras, a estipulação de um período de carência no reembolso de capital de 2 (dois) anos e carência de juros de l (um) ano, ao qual acresce a previsão de uma taxa de juro vincendo desfasada da realidade do mercado (recordando a taxa contratual anteriormente estabelecida entre as partes, de 11,00%).
K. Com a aprovação do Plano, o Credor como facilmente se alcança, será colocado numa situação menos favorável do que aquela em que estaria se o Plano não fosse aprovado, ficando no imediato impedido de obter o ressarcimento dos seus créditos e, posteriormente, compelido vinculado a um plano de pagamento a por via do aludido plano a ver o seu crédito ressarcido em 12 anos, para além do facto, já apontado, quanto à impossibilidade de acionar qualquer garantia para ver o seu crédito ressarcido de forma mais célere.
L. o que corporiza, nos termos do disposto no artigo 216.º n.º1 alínea a) fundamento conducente à não homologação do Plano, que veio a determinar, de igual modo o voto desfavorável do Recorrente, demonstrativo da respectiva oposição ao mesmo-
M. Ressalvando que, no caso dos autos, não foi remetido aos Credores o resultado da votação do Plano - foi apenas junto aos autos pelo Exmo. Administrador Judicial Provisório a 29.03.2016 - nem foi o mesmo notificado aos credores, razão pela qual se viram estes impedidos se requerer a não homologação do Plano previamente à prolação do despacho que ora se recorre.
N. Atento o exposto, deverá a douta decisão proferida e ora sindicada ser revogada, devendo este douto Tribunal ad quem proferir decisão que determine a não homologação do Plano de Revitalização apresentado pela Devedora e aprovado pela maioria dos Credores votantes, pelo facto de o mesmo conter disposições que violam preceitos legais directamente aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente o disposto no artigo 217.º, n.º 4 do Código de Insolvência e de Recuperação das Empresas.
Termos em que, com o douto suprimento de V /Exas, deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, com as devidas consequências, assim se fazendo a acostumada justiça!”

Das conclusões dos recursos ressaltam as seguintes questões:
A Recurso Banco B, SA.
1 Se o compromisso dos credores financeiros de não executarem as garantias pessoais e reais do débito da revitalizante devedora e a carência de capital e de juros durante enquanto houver cumprimento do plano viola o disposto no artigo 217 n.º 4 o que implica a recusa da homologação do plano nos termos do artigo 215 conjugado com o artigo 17-F n.º 5 do mesmo diploma.
2 Se deste plano resulta uma situação mais gravosa para a apelante credora do que se não houvesse plano (artigo 216 n.º 1 al. a) do CIRE).
B Recurso Ba, SA.
1 Se o compromisso de os credores financeiros não executarem as garantias pessoais e reais do débito da revitalizante devedora e a carência de capital e de juros enquanto houver cumprimento do plano viola o disposto no artigo 217 n.º 4 o que implica a recusa da homologação do plano nos termos do artigo 215 conjugado com o artigo 17-F n.º 5 do mesmo diploma.
2 Se deste plano resulta uma situação mais gravosa para a apelante credora do que se não houvesse plano (artigo 216 n.º 1 al. a) do CIRE).

As questões dos dois recursos são comuns, pelo que vamos conhecê-los em conjunto.

A1 e B1 – O que se discute é a interpretação do artigo 217 n.º 4 do CIRE no contexto das alterações introduzidas ao diploma pela Lei 16/2012 com a criação do Plano Especial de Revitalização que, de alguma forma, alterou o paradigma do CIRE, que se focava, quase exclusivamente, na protecção dos credores. Havia uma preocupação excessiva com a liquidação do património dos devedores insolventes no sentido de saldar os seus créditos. Com a introdução do PER, concretizada na alteração ao artigo 1º e no aditamento dos artigos 17-A a 17-I do CIRE, houve a preocupação de ponderar todos os interesses em conflito, dos credores, dos devedores associados à economia como valor fundamental, elegendo-o como de interesse público. Assim a interpretação e aplicação das normas que envolvam a projecção, aprovação e execução do plano de revitalização, mais concretamente os artigos 192 a 222 do CIRE, devem ter presente os princípios informadores do PER (a recuperação do tecido económico, evitar a liquidação de agentes económicos dentro dum contexto de proporcionalidade com os interesses dos credores e devedores em conflito), uma vez que foram gizados para uma situação de insolvência, de liquidação do património e não de recuperação. O plano de insolvência, como forma de liquidação do património do insolvente, tem uma filosofia diferente do PER. Daí que deva prevalecer a deste sobre a daquele.

O normativo em discussão (artigo 217 n.º 4 do CIRE “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos”) destaca os efeitos que o plano pode ou não ter sobre o passivo do devedor. As providências que se venham tomar não podem afectar a existência e o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou os terceiros garantes da obrigação. O que quer dizer que as garantias da obrigação do devedor prestadas pelos terceiros ou co-devedores a favor dos credores não podem ser alteradas de monde a atingir a existência e o montante dos direitos dos credores. Divide a doutrina e a jurisprudência a determinação do sentido da “existência e montante” dos direitos dos credores. Defendem uns que as garantias dadas pelos co-devedores e os terceiros aos credores são inalteráveis, devem permanecer iguais ao momento da sua constituição, podendo ser executadas nos termos previstos no título constitutivo ou originário. Pois o que se negoceia no plano tem a ver com a dívida do devedor insolvente e não com os co-devedores e terceiros garantes que não intervêm no plano e mantêm-se como um reforço dos créditos para além da garantia geral dada pelo devedor (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, pag. 838 e 839, Ac. RG. 5/11/2015 www.dgsi.pt ). Outros têm uma interpretação mais restrita no sentido de que o plano não pode afectar a existência dos direitos dos credores em si, nem o seu montante, mas não terão de ficar incólumes, estáticos, ao título originário, podendo sofrer alterações de acordo com a finalidade do PER ( Ac. RG. 8/01/2015 e Ac. RE. 13/03/2014, www.dgsi.pt ).

No que tange ao crédito do Banco B no montante de 458.378,99€ este é garantido por uma hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1091 da freguesia e concelho do Peso da Régua e descrito na CRP do Peso da Régua sob a descrição n.º 356 (que segundo o relatório do administrador judicial é propriedade da devedora revitalizante) e por livranças e letra de câmbio (relação provisória de credores, credor n.º 11, junta a fls. 240 a 247) e documentos juntos a fls. 163 a 172 no que diz respeito às escrituras públicas constitutivas da hipoteca e documentos juntos a fls.172 a 175 respeitantes a três livranças assinadas pela devedora revitalizante e por dois avalistas Élio Silva e Maria Rodrigues e ainda uma letra de câmbio junta a fls. 176 em que é sacador a devedora revitalizante.

No que concerne à credora apelante Ba, SA temos um crédito de 249.750€ referente a uma conta corrente caucionada, um crédito de 11.505€ titulado por uma livrança e um crédito de 5.250€ em conta à ordem sob condição (relação provisória d credores, 16,17 e 18, junta fls. 241 a 247) havendo uma hipoteca sobre um prédio propriedade de Élio R, Maria R, José R e Joana R, constituída a 15/7/2013 para garantir a gestão financeira da revitalizante com o Baaté ao montante de 275.000€, com juros compensatórios à taxa Euribor a 3 meses com spread de 7,5% e no caso de mora à taxa de juros máxima praticada no Ba, sendo de 11%, no momento da outorga da garantia real e ainda duas livranças assinadas em branco pela revitalizante e Élio R e Maria R como avalistas e os contratos de abertura de crédito em conta e o contrato de gestão de cobrança de cheques e abertura de crédito juntos a fls. 184 a 212.

No que concerne à apelação do Banco B temos uma garantia real (hipoteca outorgada pela revitalizante) e outra pessoal (aval) dada por terceiros com vista a garantir o débito da revitalizante a favor do Banco B. Este pretende a revogação da decisão de homologação na medida em que a vincula a não executar os terceiros garantes enquanto o plano for cumprido e a uma carência de capital e juros durante um determinado prazo diminuindo os seus direitos creditícios, sendo violado o disposto no artigo 217 n.º 4 do CIRE, aplicável ao PER.

Os avalistas são terceiros garantes do crédito da apelante nos termos em que se encontra definido nas livranças juntas aos autos. E este crédito, face à natureza do aval (literal e abstracta), é autónomo do débito da revitalizante a favor da apelante, pelo que não pode ser alterado quanto à sua existência e ao seu montante pelo Per nos termos do artigo 217 n.º 4 do CIRE. No caso em apreço, o direito de crédito da apelante sobre os agravantes avalistas é afectado na sua existência originária na medida em que é constrangido o seu exercício, que fica condicionado ao incumprimento do plano e ao período de carência de capital e juros. Na verdade, podia exercê-lo aquando o seu vencimento como resulta das livranças. E esta liberdade de acção é determinante para a concessão de crédito em que os credores se sentem mais seguros, porque acreditam que o podem reaver a qualquer momento sem constrangimentos.

Assim estamos perante uma violação do artigo 217 n.º 4, norma imperativa, que tem como finalidade garantir os credores de que as garantias de terceiros não são afectadas por qualquer plano sem seu acordo, funcionando como uma caução adicional do seu crédito.

Assim estas cláusulas são nulas, enquanto violadoras de norma imperativa, que afectam apenas os créditos emergentes das livranças avalizadas, e, nesta medida, pelo que são inoponíveis à apelante, mas não afectam a globalidade do plano, o que não justifica a sua não aprovação, bastando julgá-las nulas e não vinculativas da apelante. Quanto à garantia real hipoteca, como estamos no domínio de uma garantia da revitalizante, e não de terceiros não se verificam os pressupostos do artigo 217 n.º 4 do CIRE.

No que concerne ao crédito do Ba, SA, como a situação é idêntica, estando em causa o constrangimento do exercício do seu direito de crédito garantido por terceiros avalistas com cláusula do incumprimento do plano e o período de carência de capital e juros é de aplicar-se os mesmos fundamentos e considerar nulas e inoponíveis à apelante.

No que diz respeito à garantia real de hipoteca de terceiros dada ao crédito da apelante, há que ter em conta que este crédito é sobre a revitalizante e não sobre os terceiros garantes. Estes, por força da garantia, apenas garantem o crédito que existir aquando do incumprimento. E só pode ser executado quando houver incumprimento da revitalizante. É uma situação diferente das garantias pessoais emergente de relações cartulares como os avais prestados. Daí que o plano nos termos em que foi redigido, ao incidir sobre a obrigação da revitalizante e os terceiros garantes a garantirem com o seu património hipotecado nos termos da sua existência e montante à data do incumprimento, não afecta o direito dos credores, uma vez que este é definido a cada momento como decorre do teor da hipoteca e contratos de financiamento conexos.

A2 e B2 – Neste ponto suscita-se a não homologação do plano por violação do dispostos no artigo 216 n.º 1 al. a) do CIRE, no sentido de que “..a situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano..”.

Para aquilatar-se desta situação ter-se-á de apurar as condições em que se encontra a devedora no momento da apresentação do plano, qual a sua rentabilidade, o seu património activo e os seus débitos e as garantias que pode oferecer aos credores de cumprir com as suas obrigações. Pela lista provisória de credores sabe-se que o passivo da revitalizante é de 1.660.174,28€ sendo o crédito das apelantes no montante global de, para cada uma, respectivamente Banco B e Ba 458.379,93€ e 266.500€, garantido o primeiro com uma hipoteca sobre um prédio da revitalizante e o aval de dois garantes e o segundo garantido pelo aval de dois terceiros garantes e ainda uma hipoteca sobre um prédio de terceiros. Quanto à situação a desenvolver-se com o plano, julgamos que a situação não piora, na medida em que as garantias permanecem e há perspectivas de a empresa melhorar a sua capacidade de desenvolver a sua actividade face a uma plano bem concebido, em que tenta dar um impulso às vendas com prazos mais dilatados no pagamento dos encargos da dívida da empresa. Não está provado que a situação piore para os credores apelantes com o plano. Daí que não se verifique a violação do disposto no artigo 216 n.º 1 al a) do CIRE.

Concluindo: 1. O Per não pode afectar a existência e o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou terceiros garantes da obrigação.
2. As cláusulas que condicionam o exercício do direito dos credores bancários à execução das garantias e a carência de capital e juros, neste caso pessoais (aval) de terceiros violam a norma imperativa do artigo 217 n.º 4 do CIRE, sendo nulas nestes pontos e inoponíveis às apelantes.

Decisão.

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedentes as apelações e consequentemente revogam em parte a decisão recorrida julgando nulas as cláusulas que condicionam os credores bancários a exercerem as suas garantias pessoais (avales) de terceiros ao cumprimento do Plano e aos prazos de carência de capital e juros.

Custas a cargo das apelantes e requerente na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.

Guimarães,


Voto de vencido
Voto vencido por considerar que havendo "cláusulas que (…) violam a norma imperativa do artigo 217 n.º 4 do CIRE", a respectiva consequência não é a revogação "em parte a decisão recorrida julgando nulas as cláusulas que condicionam os credores bancários a exercerem as suas garantias pessoais (avales) de terceiros ao cumprimento do Plano e aos prazos de carência de capital e juros".
O n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE diz que "o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação", acrescentando o artigo 215.º do mesmo diploma que o juiz não homologa o plano "no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo". O juiz deve, portanto, recusar "oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, designadamente no caso de violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo."
Em nenhum dos casos a lei fala numa homologação parcial. O plano é um só, pelo que ou é homologado na sua globalidade, ou não homologado em bloco. E isso justifica-se também por que cada credor vota o conteúdo total do plano e não apenas uma parte dele, sendo que o plano, à partida, é o resultado de concessões e equilíbrios entre os direitos dos vários interessados.
Assim, no caso dos autos, impunha-se, salvo melhor juízo, a não homologação do plano.
(António Beça Pereira)
*
1 Ac. STJ de 9-7-2014 no Proc. 3525/12.1TBPTM-A.E1.S1, www.gde.mj.pt. No mesmo sentido veja-se João Labareda e Carvalho Fernandes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, pág. 826.