Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
480/17.5T8BCL.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: PROPOSITURA DE NOVA ACÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
– A lei (art. 327º, nº 3, por via do art. 332º, nº 1, ambos do C. Civil) só permite ao autor aproveitar os efeitos civis da propositura da primeira ação, se a nova ação for proposta no prazo de dois meses e caso essa primeira ação tenha terminado com a absolvição do réu da instância por motivo não imputável ao autor, não sendo aplicável este regime quando a primeira ação tenha terminado com a declaração de deserção da instância.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

J. P., J. C., M. G., P. C., Maria e L. G. e J. M., menores, representados pela mãe C. M., intentaram contra N. F., M. A., X – Sociedade Agro-Predial, Lda, C. B., S. M. e A. M., Lda, pedindo:

A) Se julgue “procedente a impugnação pauliana dos contratos de compra e venda” referidos na petição inicial;
B) Se julgue “procedente a impugnação pauliana das cessões das quotas” referida na petição inicial;
C) Se mandem cancelar, nas competentes Conservatórias dos Registos Predial e Comercial, os respetivos registos de aquisição e também “os registos eventuais e posteriormente efetuados sobre tais prédios e quotas”;
D) Se ordene a restituição dos imóveis e das quotas objeto daqueles negócios ao 1.º e 2.º RR, respetivamente, de modo a que os Autores possam pagar-se à custas destes, podendo os AA executar os imóveis identificados no património da R adquirente até ao limite do seu crédito:
nomeadamente,
E) Deve a presente ação ser julgada provada e, em consequência, ser declarada a ineficácia da transmissão dos imóveis identificados em 31.º a 42.º desta P.I., levada a cabo pela 3.ª Ré a favor da 6.ª R, através dos 1.º e 4.º e 5.º RR como representantes legais das mesmas, devendo em consequência ser canceladas as inscrições em nome da 6.ª Ré, nos seguintes prédios descritos na competente conservatória sob os seguintes termos: Prédio urbano composto de uma morada de casas de Rés do chão com três divisões e primeiro andar com duas, destinada a indústria, sito na Rua …, freguesia de ..., concelho de Amares, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...; Prédio urbano composto por uma morada de casas de rés-do-chão com três divisões e primeiro andar com quatro, destinada a industria, sito na Rua …, freguesia de ..., concelho de Amares, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...; Prédio Rústico, presentemente parcela para construção, sito na Rua …, freguesia de ..., concelho de Amares, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...; Prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ....º, prédio que se encontra fisicamente separado dos restantes artigos pela escola da rua Preparatória, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.º ...,
F) Deve a presente ação ser julgada provada e, em consequência, ser declarada a ineficácia da transmissão da quota societária unificada pertencente ao 1.º Réu, a favor da 4.º Ré, sua filha, que o mesmo detinha no capital social da 3.ª Ré, em conformidade com o aludido em 43.º a 59.º desta P.I., e consequentemente seja ordenada o cancelamento da inscrição a favor da 4.ª Ré da transmissão operada pelo Registo por depósito n.º DEP.25/2010-04-19 na Conservatória do Registo Comercial, na matrícula ... daquela conservatória – vide doc. n.º 18.
G) Deve a presente ação ser julgada provada e, em consequência, ser declarada ser declarada a ineficácia da transmissão dos imóveis identificados em 60.º a 81.º desta P.I., devendo em consequência ser declara a ineficácia das escrituras de compra e venda e consequentemente ser declaradas ineficazes e canceladas as respeitantes a: AP nº 2115 de 2010/05/20, operada no imóvel descrito sob o nº …/... – Amares a favor da 3º Ré; deve ser cancelada a AP nº 2115 de 2010/05/20, sobre o imóvel ali descrito sob o n.º …- B/... Amares a favor da 3.ª Ré; deve ser cancelada a AP nº 2115 de 2010/05/20, operada sobre o imóvel ali descrito sob o n.º …/... amares a favor da 3.º Ré , e ainda, deve ser cancelada a AP n.º 2115 de 2010/05/20, operada sobre o sobre o imóvel ali descrito sob o n.º … /... ; deve ser cancelada a AP n.º 2115 de 2010/05/20, operada sobre o imóvel ali descrito sob o n.º …; deve ser cancelada a AP n.º 249 de operada sobre o imóvel ali descrito sob o n.º ….
H) SUBSIDIARIAMENTE, Deve a presente ação ser julgada provada e, em consequência, ser declarada nula, porque simulada, a transmissão da quota societária levada a cabo pelos 1.º e 2.º RR a favor da 4.ª R, devendo ainda se cancelada a inscrição em nome da 4.ª Ré do DP-25/2010-04-19, respeitante à transmissão da quota no valor de 3.137,46 € (três mil centro e trinta e sete euros e quarenta e seis cêntimos).
I) AINDA SUBSIDIARIAMENTE, Deve a presente ação ser julgada provada e, em consequência, ser decretada a a ineficácia em relação ao Autor e em relação aos anteriores titulares do crédito agora pertença ao A., de todos os atos de transmissão do património levada a cabo pelos 1.º e 2.º RR a favor dos restantes RR, explanados na P.I.
J) AINDA SUBSIDIARIAMENTE, Seja declarada, por negócio em fraude à lei, a nulidade dos contratos de compra e venda dos imóveis e cessão de quota societária, e, consequentemente, declarados nulos todos os negócios ou atos jurídicos posteriores relativos aos prédios e quota societária identificados na petição inicial, ou outros e os RR condenados a reconhecê-lo.
Os Réus na contestação invocaram a caducidade do direito invocado pelos Autores, alegando, em síntese, que a presente ação deu entrada em juízo cinquenta e seis dias após o trânsito em julgado da decisão de extinção da instância proferida na primeira ação interposta, e que é manifesta a culpa dos autores nessa extinção por deserção.
Os autores responderam concluindo pela improcedência da exceção.
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No despacho saneador foi proferida decisão que julgou procedente a exceção de caducidade e, em consequência absolveu os Réus dos pedidos formulados.
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Inconformados vieram os Autores recorrer formulando as seguintes Conclusões:

A. Por Sentença proferida pelo Tribunal recorrido do dia 29-01-2018, após ser iniciada a audiência prévia, foi apreciada a exceção de caducidade do direito invocado pelos autores, e, à final, foi decidido, sumariamente, o seguinte:
«( ... ) os autores apenas poderiam beneficiar do efeito impeditivo produzido pela interposição da primeira ação, caso a conduta processual na ação anterior não lhes fosse censurável (. . .), porquanto a instância foi julgada extinta por deserção.
Em conformidade, mostrando-se decorrido o prazo previsto no mencionado et: ° 618. ° do Código Civil, e encontrando-se assim extinto por caducidade o direito que se pretende fazer valer, a presente ação terá necessariamente de improceder.
Por todo o exposto, decide-se julgar procedente a exceção de caducidade e, em consequência, improcedente a presente ação, absolvendo-se os réus dos pedidos formulados.»
B. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da douta Sentença proferida nos presentes autos, especificamente prende-se com o facto de saber se os autores poderiam, ou não, beneficiar do efeito impeditivo produzido pela interposição da primeira ação, na medida em que a instância foi julgada extinta por deserção, por o processo se encontrar parado por mais de seis meses por inércia do autor J. P. em promover a habilitação dos sucessores da sua mulher, falecida na pendencia da lide, nos termos dos artigos 332.°, nº 1, e 327.°, n.º 3, ambos do CC, e se a decisão que a julgou deserta foi adequada e oportuna.
C. Os aqui Recorrentes não se conformam com a douta sentença recorrida pois, no humilde entendimento dos Apelantes, não podia o Tribunal a quo, aferir da culpa por negligência do autor J. P. em promover a habilitação dos sucessores pela simples e singela leitura do despacho que declarou a instância extinta por deserção.
D. Ora, nos do artº 618.° do Código Civil, o direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do ato impugnável.
E. Porquanto, o ato impeditivo da caducidade é a propositura de ação e a caducidade do direito é impedida pela prática do ato dentro do prazo legal.
F. Da conjugação dos artigos 332.°, nº 1, e 327, nº 3, ambos do CC, resulta que, no que à caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da ação - impedimento à verificação da caducidade - mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição por motivo processual não seja imputável ao titular do direito, não se devendo a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a ação.
G. Temos, assim, que os efeitos civis da propositura da primeira ação mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição, por motivo processual, não seja imputável a culpa do titular do direito quanto ao modo como propôs e fundamentou a ação em juízo- cfr. artigos 279.°, n.º 2, do CPC, 332.°, n.º 1 e 327.°, n.º 3, do C.C. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-10-2013, processo n.? 994/13.1T2SNT.L 1-4, Relatora Alda Martins, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
H. Resulta, assim, que não é linear, indiscutível e objetável o entendimento e fundamentação da douta Sentença na nossa jurisprudência.
I. O aqui recorrente J. P. e a sua mulher I. C. - falecida na pendência da adiante referida lide - propuseram, em 23-08-2013, ação pauliana contra os também ora aqui Recorridos pedindo - a título principal e cumulativo - que fosse declarada a ineficácia, quanto a si, dos contratos de compra e venda de imóveis e de cessão de quotas sociais.
J. Tal demanda correu os seus termos, inicialmente, no Tribunal Judicial de Amares, sob o Proc. 530/13.4 TBAMR, tendo depois, em face de reorganização da estrutura judiciária, os autos prosseguido os seus termos na Instância Central de Braga, 1º Secção Cível, J1.
K. Por despacho daquele douto Tribunal proferido no dia 29-10-2015, e atento o óbito da A. I. C. no dia 23-09-2015, foi ordenada a suspensão da instância até que se mostrassem habilitados os seus sucessores para com eles prosseguir a lide (nos termos dos artigos 269.°, n.º 1, alínea a), 270.° e 276.°, nº 1, alínea a), todos do novo CPC).
L. No dia 31-05-2016 foi proferido novo despacho, do qual se extrai a seguinte conclusão: "Uma vez que o processo se encontra parado há mais de seis meses por inércia do A. J. P. em promover a habilitação dos sucessores da sua mulher, falecida na pendência da lida, notifique as partes para, em 10 (dez) dias, se pronunciarem, querendo, sobre a eventual extinção da instância por deserção, de harmonia com o disposto, conjugadamente, nos artigos 3.°, n.º 3, 277.°, alínea c), e 281.°, n.º 1, todos do NCPC".
M. Atento o teor do despacho, o A. deduziu, em 08-06-2016, o incidente de habilitação de herdeiros, nos termos e ao abrigo das disposições dos artigos 351.° e ss do CPC, que foi apenso ao processo principal sob o n.? 530/13.4TBAMR-A.
N. A final, no dia 20-06-2016, o Tribunal proferiu sentença onde julgou a instância extinta, por deserção.
O. Na mesma data, atento o teor da sentença proferida, foi proferido despacho que julgou extinta, por se mostrar supervenientemente inútil, a instância no apenso de habilitação de herdeiros.
P. Inconformado com a douta sentença, o ali A, aqui recorrente, J. P., interpor recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, o qual veio, no entanto, em 30-11-2016, confirmar o despacho recorrido e, bem assim, julgar improcedente o recurso.
Q. Ora, resulta do exposto, clarividente, que o motivo que conduziu à extinção da douta primeira ação por deserção foi um fenómeno da morte da mulher do ali autor, aqui recorrente, J. P., como pressuposto da sucessão.
R. Na verdade, o motivo daquela extinção da instância (1ª ação pauliana) não teve que ver com o modo como o autor propôs e fundamentou a ação em juízo, mas sim com um fenómeno que ocorreu no curso da demanda.
S. Aliás, o autor J. P. deduziu, em 08-06-2016, o incidente de habilitação de herdeiros e, em 20-06-2016, o Tribunal proferiu sentença onde julgou a instância extinta, por deserção; contudo, malogradamente, pese embora a interposição de recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 30-11-2016, foi confirmado o teor do douto despacho recorrido e, bem assim, julgado improcedente o recurso do ali autor J. P. quanto aos fundamentos e oportunidade daquela deserção da instância.
T. Assim, quando uma ação judicial tem de ser proposta dentro de certo prazo para impedir a caducidade do direito, é relevante o momento da sua propositura, sendo que, o autor, só poderá tirar proveito do efeito impeditivo da caducidade provocado pela propositura da primeira ação, quando esta tenha terminado pela absolvição da instância por motivo que não lhe seja imputável quando ao modo como o autor propôs e fundamentou a ação em juízo, o que não ocorreu na primeira ação.
U. Desta feita, entendem os recorrentes, muito humildemente, que podiam beneficiar do efeito impeditivo da caducidade decorrente da interposição da primeira ação, de acordo com o estatuído nos artigos 327.°, nº 3, ex vi art. 332.°, ambos do CC, na medida em que a exceção lá positiva apenas se aplica aos casos em que a ação tenha terminado pela absolvição da instância sim, mas somente por motivo imputável ao autor no que diz respeito ao modo como o autor propôs e fundamentou a ação em juízo.
V. O incidente da habilitação de herdeiros configurou uma alteração à instância tal como foi inicialmente proposta e, naturalmente, tal circunstância não tem que ver com o modo como o autor propôs e fundamentou a ação em juízo, pelo que não lhe pode ser imputada qualquer culpa.
W. Depois, numa segunda linha de condução, e no humilde entender dos Apelantes, o Tribunal a quo não podia, simplesmente, decidir pelo não benefício do efeito impeditivo produzido pela interposição da primeira ação quanto a todos os autores na segunda ação com fundamento que a causa de extinção da primeira instancia se deveu a facto imputável, a título de culpa por negligência, ao autor J. P..
X. Isto porque é titular dos direitos aqui em pleito quer o autor J. P., quer os demais autores, aqui recorrentes.
Y. No limite, então, o Tribunal recorrido deveria ter decidido como decidiu apenas e tão-somente quanto ao autor J. P..
Z. Ora, a verdade é que, vêm-se os demais autores lesados nos seus interesses face ao teor da Sentença aqui recorrida que julgou que os autores apenas poderiam beneficiar do efeito impeditivo produzido pela interposição da primeira ação, caso a conduta processual do J. P. na ação anterior não lhe fosse censurável.
M. Parece pelo menos razoável, ressalvado um entendimento diverso, que não resulta correto, ou pelo menos é discutível, que o que Tribunal a quo, imputando a extinção da instancia ao autor J. P., julgue e decida, quanto a todos os autores, pelo não beneficio do efeito impeditivo produzido pela interposição da primeira ação.
BB. Salvo melhor opinião, aos aludidos artigos 327.°, n.º 3, ex vi art.° 332.°, ambos do CC, subjaz a ideia de "culpa das partes", sendo que essa culpa deve aferir-se quanto ao modo como o autor(es) propôs e fundamentou a ação em juízo.
CC. Retirando o autor J. P., note-se que os demais autores, aqui apelantes, não eram, sequer, autores na primeira demanda (só o foram - aliás, iriam ser - pelo fenómeno sucessório) pelo que nada tem que ver quanto ao modo como o autor propôs e fundamentou a ação em juízo.
DD. Atenta as vicissitudes do processo, já supra referenciadas, entende-se, ressalvado um melhor entendimento, que o tribunal a quo deveria ter feito uma apreciação e valoração das vicissitudes da primeira ação,
EE. Para além do mais, e de acordo com posições jurisprudenciais que vêm sendo proferidas, o autor só poderá tirar proveito do efeito impeditivo da caducidade provocado pela propositura da primeira ação, quando esta tenha terminado pela absolvição da instância por motivo que não lhe seja imputável quando ao modo como o autor propôs e fundamentou a ação em juízo.
FF. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o supra citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-10-2013, processo nº 994/13.1T2SNT.L 1-4, Relatora Alda Martins, disponível para consulta in \vww.dgsi.pt
GG. O entendimento acolhido pelo Tribunal a quo não tem suporte nem na letra, nem no espírito da lei, que aponta para a necessidade de um comportamento (omissão), pelo menos negligente, das partes quanto ao modo de propositura e fundamento da ação em juízo, o que não se verifica nos presentes autos.
HH. Pelo que, a douta Sentença recorrida, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, além de não ser adequado, não foi oportuno, pelos motivos e fundamentos invocados.
II. Atento o exposto deverá pois a douta Sentença datada de 29-01-2018, ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de caducidade aduzida pelos réus, aqui recorrentes, e, em consequência, ordene o prosseguimento dos autos, seguindo-se os legais e ulteriores termos.
JJ. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 279.°, n.º 2, do CPC, 332.°, n.º 1 e 327.°, n.º 3, do C.C.
Nestes termos e nos melhores de direito:
Deve o presente recurso ser procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de caducidade do direito invocado pelos autores e, em consequência, determine o seguimento do processo, com as legais consequências.

ASSIM FARÃO V/EXAS. INTEIRA JUSTiÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:

- Verificar se caducou o direito de ação dos autores.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Factos fixados na decisão recorrida, com interesse para a decisão da questão em apreço:

1. O aqui autor e a sua mulher I. C., falecida na pendência da adiante referida lide, propuseram em 23-08-2013, ação pauliana contra os também ora aqui réus, destinada a impugnar os contratos de compra e venda e de cessão de quotas ora também impugnados nos presentes autos, pedindo – a título principal e cumulativo – que fosse declarada a ineficácia, quanto a si, dos contratos de compra e venda de imóveis, e de cessão de quotas sociais, bem antes pertença dos 1.º e 2.º réus, seus devedores, e transmitidos aos demais réus, para que, assim, pudessem obter através deles o pagamento do seu crédito.
2. Tal ação correu os seus termos, inicialmente, no Tribunal Judicial de Amares, sob o Proc. 530/13.4TBAMR, tendo depois, em face de reorganização da estrutura judiciária, os autos prosseguido os seus termos na Instância Central de Braga, 1.ª Secção Cível, J1.
3. No dia 31-05-2016 foi proferido nesses autos despacho com o seguinte teor: “Uma vez que o processo se encontra parado há mais de seis meses por inércia do A. J. P. em promover a habilitação dos sucessores da sua mulher, falecida na pendência da lida, notifique as partes para, em 10 (dez) dias, se pronunciarem, querendo, sobre a eventual extinção da instância por deserção, de harmonia com o disposto, conjugadamente, nos artigos 3.º, n.º 3, 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, todos do NCPC”.
4. Posteriormente, o autor deduziu por apenso o incidente de habilitação de herdeiros.
5. A final, no dia 20-06-2016, o Tribunal proferiu despacho, no qual julgou a instância extinta, por deserção.
6. Inconformado com tal despacho, o autor interpôs recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que por acórdão proferido em 30-11-2016 e transitado em julgado em 19/01/2017, confirmou o despacho recorrido, julgando improcedente o recurso.
7. A presente ação foi proposta em 28 de Fevereiro de 2017.
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O Direito:

O art. 618º do C. Civil estabelece um prazo de caducidade do direito de impugnação pauliana. Esse prazo é de cinco anos e conta-se a partir da data do ato impugnável.

O decurso do prazo de caducidade extingue o direito ipso iure.

O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (art. 328º do C. Civil) e, por outro lado, só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito interruptivo (v. art. 331, nº 1 do C. Civil), sem prejuízo do disposto no nº 2 deste preceito, mas que não tem aplicação no caso em apreço.

Os atos que os AA. pretendem impugnar ocorreram em Dezembro de 2008 e em Abril e Maio de 2010 (v. petição inicial).

É manifesto pois, que na data de propositura da presente ação - 28/2/17 - o mencionado prazo de 5 anos já tinha decorrido.

No entanto, os Autores pretendem atribuir efeito impeditivo da caducidade ao facto de o 1º A. e sua mulher (entretanto falecida) terem proposto a ação referida nos pontos 1 e 2 da matéria de facto, beneficiando assim do disposto no art. 327º, nº 3, por via do art. 332º, nº 1, ambos do C. Civil.

Conforme dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 327) o regime do aproveitamento dos efeitos da propositura da ação e da citação do réu para efeitos de caducidade e de prescrição, respetivamente, devem ser encontrados exclusivamente a partir das referidas normas do C. Civil (arts. 327, nº 3º e 332º, nº 1) sendo necessário que o motivo da absolvição da instância não seja imputável ao autor.

Com efeito, resulta dos mencionados arts. 327º, nº 3 e 332º, nº 1, ambos do C. Civil, que os efeitos civis derivados da propositura da 1ª ação não ficarão inutilizados, caso o Réu seja absolvido da instância, desde que o motivo dessa absolvição não seja imputável ao Autor (titular do direito) e a nova ação seja proposta nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão que declarou tal absolvição.

Ora, a situação em apreço não se enquadra em tal regime.

Na verdade, na primeira ação a causa de extinção da instância não foi a absolvição do réu mas a deserção da instância, que ocorre quando por negligência das partes o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses (v. art. 281º, nº 1 do C. P. Civil).

“A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in ob. cit, vol. I, pág. 328-329).

Não estamos, portanto e desde logo, perante um caso de absolvição da instância que decorre da verificação de existência de uma exceção dilatória (art. 576º, nº 2 do C. P. Civil), pelo que, repete-se a situação em análise não é enquadrável no regime previsto nos mencionados arts. 327º, nº 3 e 332º, nº 1, do C. Civil.

Em face do que foi dito falece a argumentação dos Autores no sentido de que apenas o 1º Autor não poderia beneficiar do efeito impeditivo da caducidade, pois a não promoção dos termos do processo anterior não é imputável aos restantes Autores, uma vez que a lei só permite ao(s) autor(es) aproveitar os efeitos civis da propositura da primeira ação, caso essa ação tenha terminado com a absolvição do(s) réu(s) da instância, o que não ocorreu no caso em apreço.

Entendemos pois, tal como a decisão recorrida, que o prazo de caducidade se encontra totalmente decorrido, improcedendo assim a apelação.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
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Guimarães, 17 de dezembro de 2018

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira