Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1653/12.2TBVRL-E.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A justa causa necessária para a destituição do administrador de insolvência, é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções.
2 - Assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por violação de deveres e do princípio da confiança que está subjacente a estas relações.
3 - Em qualquer caso, a justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
Nos autos de Insolvência de A…, veio o credor C… requerer a destituição do Administrador de Insolvência.
Notificados o devedor, a Comissão de Credores e o Administrador de Insolvência, nenhum se pronunciou.
Foi proferida decisão que julgou improcedente o pedido.
Desta decisão, interpôs recurso o credor requerente, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1-O presente recurso vem interposto da douta decisão que julgou o pedido de destituição do Administrador de Insolvência.
2• A C…, nos supra referidos autos de insolvência de A…, reclamou créditos no valor global de 214.831,07 €.
3- Em garantia de empréstimos que concedeu à insolvente, esta constituiu, a favor da C…, hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra "8", no terceiro andar direito e andar recuado, do Tipo T3 + 1, duplex, destinada a habitação, dois lugares de garagem na cave identificados pelas letras "8" e "H" respetivamente, com a área bruta privativa de 178,00 m2 e área bruta dependente de 213,00 m2, do prédio urbano afeto ao regime de propriedade horizontal, sito na …, da freguesia de Vila Real (Nossa Senhora da Conceição), concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n…. e inscrito na matriz urbana sob o artigo…, o qual foi apreendido para a massa insolvente em 21/03/2013.
4- Em 16/10/2013, a C…, enquanto credora hipotecária, apresentou uma proposta de aquisição da dita fracção, pela qual ofereceu o valor de 140.000,00 €, a qual foi aceite pelos restantes membros da comissão de credores, conforme comunicação do Administrador de Insolvência, efectuada em 12 de Novembro de 2013.
5- No dia 6 de Dezembro de 2013,o AI lavrou o competente auto de adjudicação e título de transmissão, que enviou à C…, mas o AI. só entregou as chaves do dito imóvel em 23 de Janeiro de 2014.
6- Na data em que enviou o auto de adjudicação e o título de transmissão, o AI comunicou que "Mais se informa VExa. que a insolvente informou telefonicamente o AI que pretende passar o Natal e Ano Novo na sua actual habitação, pelo que foi notificada para proceder à entrega das chaves do imóvel até dia 15 de Janeiro de 2013".
7- O A.I, não obstante a fração já ter sido adquirida pela C…, permitiu que a insolvente continuasse na posse e livre fruição da dita fração, sem prévio conhecimento nem consentimento daquela.
8- No dia 23 de Janeiro de 2014, data na qual lhe foram disponibilizadas as chaves da fração, a C… constatou que a devedora tinha retirado os bens descritos em n.º 7 dos factos dados como provados na douta decisão recorrida, assim como, para retirar o recuperador de calor, partiu a parede de gesso cartonado onde o mesmo se encontrava encastrado, deixando aquela danificada.
9- O valor dos equipamentos retirados e a reparação dos danos causados ascendem a um montante global de 20.569,80 €, acrescido do valor do IVA respetivo, que, à data, totaliza uma quantia de 25.300,85 €.
10- Todo o sucedido foi imediatamente reportado ao AI.
11- Por comunicação de 31/01/2014, a C… requereu ao AI a reposição dos equipamentos e reparação dos danos, ou o ressarcimento dos prejuízos, a suportar pela massa insolvente, no prazo máximo de 10 dias, sob pena de requerer a sua destituição e intentar uma ação cível contra o AI.
12- Em 06/12/2014, o AI sugeriu que a adjudicação do imóvel fosse efetuada por menos 25.300,85 € (quantia correspondente aos orçamentos para colocação dos equipamentos e reparação dos danos), proposta que foi recusada pela C…, conforme informação já prestada nos autos pelo AI.
13- Até à data, a fração continua sem os equipamentos fixos que a compunham e sem que os danos tenham sido reparados.
14- O Tribunal notificou o devedor, a comissão de credores e o AI. para se pronunciarem quanto ao pedido de destituição do AI., e todos, designadamente o AI., se remeteram ao silêncio.
15- A douta decisão recorrida veio a jugar improcedente a pedido de destituição da AI. peticionado pela aqui recorrente, considerando que da factualidade provada não pode atribuir-se qualquer responsabilidade entre o comportamento do AI., ao permitir que a devedora permanecesse a habitar na fracção adjudicada ao credor C…, e os prejuízos que foram causados ao imóvel pela própria devedora ao retirar da fracção os equipamentos descritos e ao partir a parede de gesso cartonado, onde se encontrava encastrado o recuperador de calor, para o retirar também, deixando danificada a parede.
16- A douta decisão proferida considera ainda "razoável e até bastante admissível" que o AI. tivesse concedido uma prazo, até 15 de Janeiro de 2014, para que a devedora se retirasse e entregasse a casa.
17 - A douta decisão recorrida considera que o AI. "não infringiu os seus mais elementares deveres por ter permitido à devedora permanecer na sua residência, após a apreensão de bens e durante o período de liquidação dos mesmos".
18- Nos termos do disposto no n.? 1 do artigo 56° do C.I.R.E., "O Juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador de insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador de insolvência, fundadamente considerar existir justa causa".
19- Integra o conceito de justa causa "toda a conduta susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores da massa insolvente e que dificultem ou inviabilizem o fim último do processo de insolvência", fim esse que é o da satisfação dos créditos reclamados, logo, o interesse dos credores.
20- Para ocorrer "justa causa" necessário será verificar-se uma falta grave, quer em si mesma, quer nas consequências que dela advém, sendo que" a dita gravidade deve ser aferida perante o circunstancialismo concreto em que se insere a conduta a avaliar, tendo presente aquilo que, nesse contexto, seria objectivamente exigível a um gestor de bens alheios criterioso, isento e independente, capaz de garantir a maximização dos interesses cuja defesa lhe foi confiada" - Cfr. Ac. Tribunal da Relação do Porto, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador João Diogo Rodrigues, de 04.02.2014, publicado in www.dgsi.pt.
21- Existe nexo de causalidade entre o comportamento do A.L, ao conceder permissão à devedora de permanecer e habitar a fracção até 15 de Janeiro de 2013 e os danos causados pela devedora.
22- O A.I. não só permitiu à devedora permanecer na habitação após a apreensão de bens e durante o período de liquidação dos mesmos, mas permitiu-o também após a adjudicação ao credor hipotecário C…, sem o conhecimento prévio e sem obter consentimento da C… (n.º 5 dos factos dados como provados).
23- A conduta do A.I. não é a exigível a um gestor de bens alheios criterioso, isento e independente, e não garantiu, a maximização dos interesses cuja defesa lhe foi confiada.
24- A conduta do AI. foi manifestamente abusiva, descuidada e displicente e, permitiu que a devedora causasse os danos descritos na fracção, e, necessariamente, provocou a ruptura da confiança que o credor C… depositava no mesmo.
25- O direito à propriedade privada é um direito constitucionalmente protegido, e dele não cuidou o AI. quando permitiu, sem qualquer conhecimento prévio ou consentimento da C…, que a devedora permanecesse na habitação, após a fracção já ter sido adjudicada àquele credor.
26- O AI. nunca agiu, designadamente por interposição de acção contra a devedora, no sentido da reparação dos danos e da C… ser ressarcida dos prejuízos causados.
27- A redução do valor pago pela fracção em valor equivalente aos prejuízos causados proposta pelo AI. é uma solução meramente "cosmética", já que o valor dos créditos reclamados pela C… ascende a 214.831,07 €, dos quais só recebeu 140.000,00 €, valor da adjudicação, pelo que o ressarcimento dos prejuízos era apenas formal.
28- Apesar de notificado para o efeito, o próprio AI. nada disse quanto à sua eventual destituição pelos invocados motivos.
29- A conduta do AI. reveste tal gravidade permitir que a devedora permanecesse na habitação após o título de adjudicação, sem o conhecimento prévio e sem obter consentimento do adquirente, desde logo pelos graves prejuízos causados pela devedora na fracção, que não pode deixar de ser causadora da ruptura do elo de confiança da C… (Presidente da Comissão de Credores) no exercício da actividade e funções do AI.
30- Ao permitir que devedora permanecesse na habitação após a adjudicação ao credor hipotecário C…, sem prévio conhecimento e sem obter consentimento da C…, o AI. violou gravemente os deveres inerentes à sua função, pelo que a sua conduta integra justa causa de destituição.
31- A conduta do AI., pela sua gravidade, ditou a ruptura total de confiança do credor C….
32- Pelo que deveria ter sido julgado procedente a pedido de destituição do AI. 33- A douta decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 56° n." 1 e 59° n." 1 do C.I.R.E.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, concluindo-se pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra, onde se julgue procedente o pedido de destituição do AI.
Assim, farão VI Exas. JUSTiÇA!

Não foi oferecida qualquer resposta.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se existem motivos para a destituição do Administrador de Insolvência.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos:
PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
1. No apenso de reclamação de créditos, a C… reclamou e foram-lhe reconhecidos na lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Senhor Administrador créditos no valor global de 214 831,07 euros, garantidos por hipoteca constituída a favor da C…, sobre a fração autónoma designada pela letra "G", no terceiro andar direito e andar recuado, do Tipo T3 + 1, dúplex, destinada a habitação, dois lugares de garagem na cave identificados pelas letras "G" e "H", respetivamente, com a área bruta privativa de 178,00 m2 e área bruta dependente de 213,00 m2, do prédio urbano afeto ao regime de propriedade horizontal, sito na…, da freguesia de Vila Real (Nossa Senhora da Conceição), concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n. … e inscrito na matriz urbana sob o artigo…;
2. No âmbito da liquidação de bens, em 16/10/2013, a C… apresentou uma proposta de aquisição da identificada fração, pelo valor de 140 000,00 euros, que foi aceite pelos restantes membros da Comissão de Credores;
3. No dia 6.12.2013, o Administrador de Insolvência lavrou e remeteu ao credor C… o Auto de Adjudicação e o Título de Transmissão da fração identificada em 1;
4. Na mesma data, comunicou à C… que a insolvente o informou telefonicamente que pretende passar o Natal e Ano Novo na sua atual habitação, pelo que foi notificada para proceder à entrega das chaves do imóvel até ao dia 15 de Janeiro de 2013;
5. O Administrador de Insolvência não deu conhecimento prévio nem obteve o consentimento da C… para que a devedora continuasse a habitar a dita fração após a adjudicação da mesma;
6. Em 23 de Janeiro de 2014, o Administrador de Insolvência procedeu à entrega das chaves da fração em causa à C…;
7. Nesse dia, os colaboradores da C… constataram que a devedora tinha retirado da fração os seguintes equipamentos: duas unidades exteriores de ar condicionado, três unidades interiores de ar condicionado, 24 luminárias de encastrar 150x150; 22 luminárias de encastrar D=?O, recuperador de calor, 3 torneiras de base de chuveiro!banheira, 3 móveis de casa de banho com lavatório e torneira, 2 resguardos de base de chuveiro, 1 resguardo de banheira, caldeira de gás, radiador toalheiro 500x800 mm, radiador toalheiro SOOx1200 mm, 4 portas de duas empenas de correr em alumínio laca do branco;
8. Para retirar o recuperador de calor, partiu a parede de gesso cartonado onde o mesmo se encontrava encastrado, deixando aquela danificada;
9. O valor dos equipamentos retirados e a reparação dos danos causados ascendem ao montante global de 20 569,80 euros, acrescido do valor do IVA respetivo, o que totaliza uma quantia de 25 300,85 euros;
10. Todo o sucedido foi imediatamente reportado ao Administrador de Insolvência;
11. Por comunicação de 31/01/2014, a C… requereu ao Administrador de Insolvência a reposição dos equipamentos e reparação dos danos, ou o ressarcimento dos prejuízos, a suportar pela massa insolvente, no prazo máximo de 10 dias;
12. Em 06/02/2014, o Administrador de Insolvência sugeriu que a adjudicação do imóvel fosse efetuada por menos 25 300,85 euros (quantia correspondente aos orçamentos para colocação dos equipamentos e reparação dos danos), proposta que foi recusada pela C…;
13. Até 10.03.2010, a fração continuava sem os equipamentos fixos que a compunham e sem que os danos tenham sido reparados.
Quanto à restante matéria alegada pelo credor C…, por não resultar expressamente comprovada dos documentos juntos e acima referidos e nenhuma outra prova ter sido requerida e, consequentemente, produzida quanto a tal matéria, NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
a) Em finais de Dezembro de 2013, o gerente da C…, Balcão de Vila Real, acompanhado de dois potenciais compradores da fração em apreço, deslocou-se à mesma, tendo sido a devedora quem os recebeu e acompanhou na visita à fração;
b) Nessa data, o referido apartamento encontrava-se em bom estado de conservação e com os seguintes equipamentos que o integravam; duas unidades exteriores de ar condicionado, três unidades interiores de ar condicionado, 24 luminárias de encastrar lS0xlS0; 22 luminárias de encastrar D=70, recuperador de calor, 3 torneiras de base de chuveirolbanheira, 3 móveis de casa de banho com lavatório e torneira, 2 resguardos de base de chuveiro, 1 resguardo de banheira, caldeira de gás, radiador toalheiro SOOx800 mm, radiador toalheiro SOOx1200 mm, 4 portas de duas empenas de correr em alumínio laca do branco;
c) Nesse dia, a devedora comunicou ao referido gerente da C… que pretendia retirar todos os aparelhos de ar condicionado de que a habitação dispunha;
d) Foi-lhe dito que não deveria nem poderia retirar tais equipamentos da fração, pois faziam parte integrante desta e a mesma já não lhe pertencia;
e) De imediato, a C… deu conhecimento da intenção da Insolvente ao Sr.
Administrador de Insolvência, para que diligenciasse no sentido de obstar a tal intenção;
t) Não obstante ter sido advertido da intenção da insolvente de retirar os aparelhos de ar condicionado, nada fez para obviar a tal;
Quanto à restante alegação do credor C…, por se tratar de matéria de teor conclusivo e/ou de conceitos de direito não se responde à mesma.

Como já se referiu, a única questão em discussão nos autos é a de saber se existem motivos para a destituição do administrador de insolvência, conforme peticionado por um dos credores, aqui recorrente.
Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1 do CIRE: “O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa”.
À exceção dos casos em que está previsto objetivamente o motivo da destituição por justa causa – artigos 168.º (aquisição de bens compreendidos na massa insolvente) e 169.º (por ter excedido sem justificação prazo de encerramento do processo) do CIRE – nos demais casos, haverá que preencher o conceito de justa causa, para se poder concluir pela destituição.
A lei não fornece a definição ou um conceito de justa causa nem sequer enumera casuisticamente as situações susceptíveis de constituírem justa causa.
Como se defende no Acórdão da Relação de Guimarães de 16/04/2009, processo n.º 2796/08-2, in www.dgsi.pt, a ideia de justa causa para destituição tem associada a da violação ou de incumprimento de algum dever no exercício das suas funções. A justa causa, quando não resulte de incapacidade do Administrador para o exercício das respectivas funções, pressupõe a violação grave dos deveres no exercício das respectivas funções. Em qualquer das situações, a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções.
Referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Júris, 2009, p.262, que esta disposição cobre todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, “aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e, segundo o entendimento que temos por correcto, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções.”
É o conceito de justa causa vigente em outras disposições, como no Código de Trabalho (n.º 1 do artº 351º do CT) e que assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por violação de deveres e do princípio da confiança que está subjacente a estas relações – veja-se, também, o Ac. desta Relação de 23/10/2014, processo n.º 1499/14.3TBGMR-B.G1, in www.dgsi.pt.
Importando o conceito doutrinário de ‘justa causa’ para o processo de insolvência, mais especificamente para a interpretação do n.º 1 do artigo 56.º do CIRE, tal como foi densificado e concretizado no direito civil, conclui-se no Acórdão da Relação do Porto de 03/02/2014, processo 1111/11.2TJPRT-E.P1, in www.dgsi.pt que “o integrará toda a conduta do Administrador Judicial susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo, enunciado no artigo 1.º do CIRE: «liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».
E, prosseguindo, “o conceito de ‘justa causa’ legitimadora da destituição do Administrador Judicial num processo de insolvência se preenche e concretiza: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59/1 CIRE); iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado”

Em qualquer caso, a justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, considerando o grau de culpa do administrador e que normalmente, aquela justa causa resulta da prática de actos ou omissões graves e intencionais ou reveladores de inaptidão ou incompetência para o exercício das funções de administrador, não sendo de excluir as condutas que se mostrem gravemente violadoras dos deveres inerentes ao cargo e que conduzam a uma quebra justificada da sua confiança.

Essencial é, – como bem se salienta no voto de vencido proferido no já referido Acórdão de 23/10/2014 – “que estejamos perante uma falta grave, quer considerada em si mesma, quer nas suas consequências. Não faria, de facto, sentido, que o referido administrador pudesse ser destituído por qualquer atitude que simplesmente desagradasse ao insolvente, a algum dos credores ou a outro interveniente processual. A necessidade da justa causa ser preenchida por uma falta grave, no sentido indicado, constitui um elemento essencial para garantir a independência do administrador da insolvência, a qual, por sua vez, “é decisiva para a consecução dos objectivos do processo, no respeito pelo princípio da igualdade dos credores e na defesa genérica dos seus interesses”.

Regressando à situação concreta em debate nos autos, há que reequacionar a questão nestes termos: a conduta do recorrente preenche os requisitos expostos?
Pensamos que não e que, por isso, bem andou a Sra. Juíza ao indeferir a requerida destituição.
Com efeito, dos factos provados não resulta qualquer nexo causal entre a atuação do administrador e os danos que o credor veio a sofrer, danos esses que poderiam ter-se verificado em qualquer altura e mesmo que o administrador compelisse a devedora a sair imediatamente do imóvel após a data da adjudicação. É que, se a devedora tinha a intenção de levar consigo os objetos que levou, poderia tê-lo feito em qualquer outra data. Não foi porque o administrador lhe permitiu passar o Natal e a passagem de ano em casa, antes de a entregar, que os danos ocorreram.
Como bem se diz na sentença recorrida: “a fração adjudicada ao credor C… era a casa de habitação da devedora, declarada insolvente, e estávamos em plena época natalícia, sendo, por isso, razoável e até bastante admissível que o Senhor Administrador de Insolvência tivesse concedido um período de pouco mais de um mês, até 15 de janeiro de 2014, para que a devedora retirasse os seus bens pessoais da referida casa que era a sua habitação e a deixasse ali permanecer até depois de passadas as festas natalícias.
Até por não ser de todo espectável que a devedora fosse causar os danos que causou na fração ou que da mesma fosse retirar os equipamentos que a integravam, como sejam as unidades exteriores e interiores de ar condicionado, as luminárias de encastrar, o recuperador de calor, as torneiras de base de chuveirolbanheira, os móveis de casa de banho com lavatório e torneira, os resguardos de base de chuveiro e de banheira, a caldeira de gás, os radiadores toalheiros, e as portas de duas empenas de correr em alumínio laca do branco.
Aliás, ainda que o Senhor Administrador tivesse concedido um prazo inferior à devedora para abandonar a fração, tendo de o fazer até antes da data em que operou a adjudicação da mesma ao credor hipotecário, nada nos permite dizer que a devedora não tivesse causado os mesmos danos nem tivesse levado consigo os mesmos bens que levou da referida fração”.
Finalmente, tenha-se em conta que o administrador, logo que soube da situação descrita, tentou encontrar, em conjugação com a Comissão de Credores, solução para a mesma, revelando a sua boa fé.

Não vemos, assim, de onde se possa extrair uma situação de violação grave dos deveres do Administrador. A referida atuação não se reveste de um grau de gravidade elevado, quer do ponto de vista objectivo, e menos, ainda, ao nível do elemento subjectivo, que permita a integração do conceito de justa causa de destituição.
A decisão recorrida será, portanto, confirmada.

Sumário:
1 - A justa causa necessária para a destituição do administrador de insolvência, é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções.
2 - Assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por violação de deveres e do princípio da confiança que está subjacente a estas relações.
3 - Em qualquer caso, a justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 7 de maio de 2015
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho