Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
374/14.6GAEPS.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REQUERIMENTO
REQUISITOS LEGAIS
OMISSÃO DE ELEMENTO SUBJECTIVO
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) O requerimento de abertura de instrução do assistente no caso de arquivamento deve conter o mesmo "formato" ou conteúdo que o legislador impõe para a acusação do Mº Pº, o que significa que deve descrever com o detalhe possível os factos ou eventos materiais que na sua perspectiva tenham acontecido, indicando "quem fez o quê, onde, sob que espécie de resolução ou vontade e com que consequências", quanto a todos e a cada um dos ofendidos.
II) No caso dos autos, o requerimento de abertura de instrução em apreço é, pelo menos em relação aos elementos subjectivos totalmente omisso, o que torna a instrução inadmissível, por falta de objecto (artº 287º, nº 3 do CPP), impondo-se, pois, a sua rejeição.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. O assistente, José R., inconformado com o despacho judicial que rejeitou por inadmissível o requerimento de abertura de instrução, interpôs recurso para revogação dessa decisão, invocando que aquele requerimento obedece a todos requisitos exigidos pelos artigos 287.º n.º 2 e 283.º n.º 3 do Código do Processo Penal, contendo a narração dos factos imputados, as normas jurídicas aplicáveis e os meios de prova que justificam a pronúncia do arguido.

Em resposta, o procurador da República conclui que a decisão deve ser mantida nos seus precisos termos.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães o procurador-geral-adjunto exarou fundamentado parecer, concluindo deve ser negado provimento ao recurso.

Recolhidos os vistos, cumpre decidir em conferência.

2. Tendo em conta o texto da decisão e teor das conclusões das motivações, que delimitam o âmbito do recurso, naturalmente que sem prejuízo do conhecimento oficioso, a questão a resolver consiste fundamentalmente em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente obedece aos requisitos previstos na lei e se deve ser admitido liminarmente.

3. O circunstancialismo fáctico e processual com interesse para a decisão é o seguinte:

3.1 No despacho de encerramento do inquérito, o magistrado do Ministério Público decidiu o arquivamento quanto a diversos factos denunciados, por considerar que nessa parte, não foram recolhidos indícios suficientes do cometimento de ilícitos criminais.

3.2 O assistente requereu a abertura de instrução, indicando os seguintes fundamentos (transcrição):

“JOSE R., na qualidade de Assistente nos autos à margem referenciados,
vem REQUERER A ABERTURA DE INSTRUÇÃO, ao abrigo do disposto no art. 2872, ne 1, alínea b) do Código de Processo Penal, com os seguintes fundamentos:
1.º O Requerente participou criminalmente de José P.,
2.º porquanto no dia 16/06/2014, cerca das 10h30m, na praia de Belinho, o mesmo agrediu o aqui Assistente na face com vários murros, provocando-lhe diversas lesões.
3.º Com base nesta queixas, foi aberto o inquérito,
4.º Findo o qual foram os autos arquivados, no que a este crime dizem respeito.
5.º Entende, porém, o Requerente que o douto Despacho de Arquivamento carece, nesta parte, de fundamento. Com efeito,
6.º Existem indícios suficientes de se ter verificado o crime de ofensas à integridade física simples p. e p. no art. 1432 do C.Penal e de quem foi o seu agente- o aqui denunciado.
7.º O Assistente, no dia 16 de Junho de 2014, apos as agressões do denunciado, foi assistido no Serviço de urgência do …em Viana do Castelo,
8.º apresentando contusão ao nível do maxilar inferior à esquerda. Cfr. doc. que se junta sob o n.º 1 e cujo teor se da por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
9.º O Assistente foi submetido à realização de um exame RX, uma vez que se queixava com dores e era perceptível um aumento de volume aparentemente nas partes moles. Cfr. novamente doe. 1.
10.º Ao Assistente foi dada alta médica com medicação analgésica e indicação para colocar gelo. Cfr. novamente doe. 1.
11.º Conforme consta dos presentes autos, o Assistente foi submetido a realização de exame médico-legal,
12.º no qual podemos ler na epigrafe "CONCLUSÕES" que "As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o qual é compatível com a informação".
13.º Ora, salvo o devido e merecido respeito, andou mal o Exmo. Sr. Procurador da Republica quando no seu despacho de arquivamento refere "...foi realizado exame médico-legal ao ofendido em 20/06/2014, do qual consta que o ofendido não apresentava lesões ou sequelas relacionadas com o evento".
14.º Consta ainda dos presentes autos, mais concretamente do depoimento da testemunha Ângela T. e Maria R., que o Assistente/ofendido fora já agredido algumas vezes no passado pelo aqui denunciado.
15.º Não obstante não existirem testemunhos presenciais das agressões, o facto é que as testemunhas Â.. e J…, que estavam com o ofendido/ assistente no dia em que ocorreram os factos, porque temiam o comportamento do denunciado, quando deixaram de o ver junto deles, logo se dirigiram ao encontro do ofendido/ assistente com receio que o denunciado se dirigisse àquele com o intuito de o agredir.
16.º Ora, perante estes depoimentos, perante as declarações prestadas pelo ofendido/ assistente, duvidas não existem de que há fortes indícios de o denunciado ter praticado na pessoa do ofendido o crime de ofensas à integridade física simples.
17.º Pelo exposto, há pois indícios suficientes da prática de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. no art. 1439 do C.Penal, por parte do denunciado José P..
Termos em que, e demonstrada que fica a existência de indícios suficientes da prática de um crime de ofensas à integridade física simples por parte do Arguido, se requer a Vª Exª que, realizado o Debate Instrutório, se digne proferir Despacho de Pronúncia.
PROVA:
Requer a Vªª Exª:
a) Seja ouvido o arguido em declarações;
b) A inquirição das seguintes testemunha:
- Alex S., com domicílio profissional no .., Unidade Local de saúde do Alto Minho, S.A., sito na Estrada de Santa Luzia 4901-858 Viana do Castelo;
- Maria J., residente na Rua do P…;
- Ângela C., residente na Rua do P…;
- Jorge M., residente na Av. C…;”

3.3 O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):

“José R., assistente, veio a fis 90 e ss requerer a abertura de instrução.

No entanto, não concretiza os factos que permitiriam aferir da verificação do elemento e subjetivo do ilícito típico pelos quais ao arguido devia ser imputado qualquer crime.

Ora, o artigo 287°, n°2 CPP dispõe que o requerimento de abertura de instrução tem de conter as razões de facto e de direito de discordância relativamente à decisão de acusar ou não acusar, os atos de instrução, os meios de prova e os factos que se espera provar.

A jurisprudência é unânime em considerar que deve ser rejeitado, sem despacho que permita o aperfeiçoamento, o requerimento do assistente para abertura da instrução que não descreve os elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico pelo qual o assistente pretende a pronúncia do arguido denunciado.

Assim sendo, decido rejeitar o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente José R. por legalmente inadmissível- artigo 287°, n°3 CPP.

Custas pelo assistente, que se fixam em 1 UC- artigo 8°, n°2 RCP e 52 1°, n°1 Código do Processo Penal sem embargo do apoio judiciário de que beneficia.

Notifique.”

4. Apreciando e decidindo:

Nos termos do artigo 287º nº 1 e alínea b) do Código de Processo Penal, o assistente dispõe do prazo de vinte dias a contar da notificação do arquivamento para requerer a instrução e, nos termos do nº 2, o requerimento respectivo “não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283°, n°3, alíneas b) e c)” e o artigo 283°, n°3, alínea b), do Código do Processo Penal estabelece que, sob pena de nulidade, a acusação contém “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada .

Ou seja, no que respeita à descrição dos factos e à indicação das disposições legais aplicáveis, o legislador exige para o requerimento de abertura de instrução do assistente em caso de arquivamento exactamente o mesmo “formato” ou conteúdo que impõe para a acusação do Ministério Público, “o que significa que, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2006, in www.dgsi.pt processo 06P3526 e, no mesmo sentido, Maia Costa , Código do Processo Penal Comentado, p. 1002, Germano Marques da Silva (Do Processo Penal Preliminar, 1990, p. 252 e Curso de Processo Penal, 1994, III, p. 141).

Como tem sido persistentemente sublinhado, a estrutura acusatória do processo penal português consubstancia uma concretização de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana e impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução. Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa. Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe, como se deixou mencionado, uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 358/04, publicado no DR 2ª série, de 28-06-2004 e disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040358.html).

No caso como o dos autos em que o Ministério Público determinou um arquivamento parcial do inquérito, as disposições citadas faziam recair sobre o assistente o ónus de invocar e alegar expressamente no requerimento em apreço os factos materiais, susceptíveis de integrarem todos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime que imputava ao arguido (Neste sentido a jurisprudência sedimentada ao longo de vários anos, onde se incluem os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2006, processo 06P3526, de 07-03-2007, processo 06P4688, de 12-09-2012, processo 28/11.5TRLSB.S1, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 558/04, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-05-1993, na CJ, III, pag. 243, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-02-2000, in CJ, I, pag. 153, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-10-2002, processo 0039545 in www.dgsi.pt, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-11-2003 na CJ, V, pag. 61, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-03-2006, processo 2537/05-1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-01-2008 processo 2557/06.3TALRA.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-1-2008 processo 10280/07-9, in www.dgsi.pt, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-05-2008, sum. in www.pgdlisboa.pt , o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2010 processo 361/08.3PAPVZ.P1, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2010 processo 579/08.9GDVFR-A.P1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-05-2010 processo 1948/07PBAMD-AL1.9, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-06-2011 processo 2384/10.3TAFAR.E1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-09-2011 processo 93/09.5PEPDL.L1-9, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-09-2011 processo 908/10.5TABCL.G1, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-04-2011 processo 700/06.1TASTB.E1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-11-2011 processo 37/09.4TAPNC.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-03-2012, processo 903/09.7PBVIS.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2012, processo 630/09.5TACNT, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2012, processo 615/11.1TAVCT.G1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-01-2013, processo 1195/11.3TALRA.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-05-2013, processo 22/10.3TACBR.C1, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2014, processo 794/07.2TASTS-E.P1, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-01-2015, processo 138/10.6TATMC, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-01-2015, processo 511/13.8TACVL.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-02-2015, processo 2091/13.5TALRA.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2015 processo n.º 42/13.6TAPMS.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-04-2015, processo 306/12.6TATND-A.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-05-2015 no processo 315/13.8PELSB.C1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2015 no proc 506/13.1PLLRS.L1 todos acessíveis in www.dgsi.pt , os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães deste relator no processo 752/13.8PBGMR.G1, de 5-10-2015 e no processo 414/09.0TAFAF, não publicados ).

Com efeito, a concretização precisa dos factos objectivos e subjectivos conformadores dos ilícitos típicos em causa, tal como a que teria sido feita pelo Ministério Público se tivesse optado pela acusação também nessa parte, torna-se imprescindível para delimitar o objecto do processo e definir o campo ou âmbito sobre o qual o juiz, a final, se terá de pronunciar. Assim como se torna também indispensável para que o arguido saiba bem de que é acusado e assim se possa defender.

Ou seja, o assistente tem de descrever no próprio requerimento de abertura de instrução e com o detalhe possível, os factos ou eventos materiais que na sua perspectiva tinham acontecido, indicando “quem fez o quê, onde, sob que espécie de resolução ou vontade e com que consequências”, quanto a todos e a cada um dos ofendidos.

5. Na situação vertente, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente começa por analisar criticamente o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público e a prova produzida durante a fase do inquérito.

Descreve, depois, de forma genérica a actuação que em concreto imputa ao arguido.

Porém, estando em apreço o eventual cometimento de um crime de ofensa à integridade física, o assistente nenhuma referência factual faz quanto aos elementos subjectivos do tipo de crime.

Desde logo nenhuma menção é feita em concreto quanto aos elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual).”

Em síntese, cremos poder ser afirmado que o requerimento de abertura da instrução em apreço é, pelo menos em relação aos elementos subjectivos totalmente omisso. Constatamos, assim, que o assistente não fez no requerimento de abertura da instrução a necessária inventariação factual equivalente a uma acusação pública, porquanto não enumerou de forma cabal, precisa, concreta e determinada os factos que pretende estarem indiciados, susceptíveis de integrarem a prática de um ilícito típico que permita a aplicação de uma pena.

De sublinhar ainda que não é ao juiz de instrução criminal que incumbe seleccionar na alegação que constitui a denúncia aqueles factos que concretamente, a terem-se por suficientemente indiciados, poderiam permitir a imputação ao arguido na fase da instrução de um qualquer ilícito penal, nomeadamente os crimes supra referidos (nem tão pouco a relação entre os mesmos). Não constando, do RAI a indicação da tipificação subjectiva, não é possível ao juiz de instrução suprir essa omissão com a indicação, ainda que pela formula tabelar, da motivação subjectiva do agente, pois tal matéria, mais do que uma alteração substancial dos factos, que lhe está vedado operar, constitui a transformação de uma conduta objectiva sem cariz criminal, numa conduta perseguida criminalmente.

Relembra-se o que já foi dito sobre a exigência que, in casu, devia conter o requerimento do assistente não só para que o arguido possa, eventualmente, ser pronunciado pelos factos nele descritos, mas também para que fiquem definitivamente assegurados os seus direitos de defesa e lhe seja possível carrear para o processo os elementos de prova que entender úteis (cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal, Anotado, 9.ª edição, pág. 541).

Assim se respeitarão, então, os princípios basilares que subjazem ao processo penal: estrutura acusatória e delimitação ou vinculação temática do tribunal, em ordem a assegurar as garantias de defesa do(s) arguido(s) contra qualquer arbitrário alargamento do objecto do processo e a possibilitar-lhe(s) a preparação da defesa, no respeito pelo princípio do contraditório.

O não acatamento pelo assistente desta exigência torna-se depois insuprível: «face à indiscutível ausência no requerimento de abertura de instrução do necessário conteúdo fáctico», o despacho de pronúncia que, porventura, viesse a ser proferido na sua sequência «seria nulo» ou, até, «juridicamente inexistente» (cfr. neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Fevereiro de 2000, in CJ, XXV, 1.º, pág. 153).

Com efeito, não contendo o requerimento de abertura da instrução o indispensável conteúdo fáctico e não respeitando o constante das várias alíneas do n.º 3 do artigo 283.º, do Código de Processo Penal, «não só se torna inexequível a instrução, ficando o juiz sem saber quais os factos que o assistente gostaria de ver julgados indiciados – e também o arguido, ficando inviabilizada a sua defesa –, como também, caso mesmo assim se prosseguisse a instrução, qualquer despacho de pronúncia que se proferisse na sua sequência sempre seria nulo nos termos do artigo 309.º do Código de Processo Penal», e, por isso, «inútil e proibido, tal como os actos eventualmente subsequentes» (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Outubro de 2001, in CJ, XXVI, 4. º, pág. 141).

Também que se o assistente requerer a abertura de instrução sem a indicação e enunciação do constante naquelas alíneas «a instrução será a todos os títulos inexequível» (cfr. Maia Gonçalves, op. cit., pág. 541, e Souto de Moura, “Inquérito e Instrução” in “Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal”, Ed. do C.E.J., Almedina, Coimbra, 1991, pág. 120).

Ou seja, a instrução é inadmissível, por falta de objecto (artigo 287.º, n. º 3), impondo-se, pois, a rejeição do requerimento de abertura de instrução.

Sendo ainda de notar que o disposto no artigo 309º do Código de Processo Penal (“A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos (…) no requerimento para abertura de instrução”) impede que o juiz de instrução adite qualquer espécie de factos aos indicados pelo ora recorrente no requerimento em apreço. Se assim procedesse não só violaria os princípios da igualdade, imparcialidade e independência, mas também extravasaria os seus poderes de cognição, limitados pelo conteúdo do requerimento de abertura de instrução.

Não há aqui lugar ao convite para correcção ou aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, uma vez que inexistindo norma legal que o permitisse, uma tal solução sempre seria susceptível de constituir um injustificado alargamento ou prorrogação do prazo para o assistente requerer a abertura de instrução, o que afectaria de modo relevante as garantias de defesa do eventual arguido ou acusado, como veio a ser também decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de Jurisprudência nº 7/2005, de 12 de Maio (no D.R. I-A de 4 de Novembro de 2005).

Termos em que improcede totalmente o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

6. Em caso de decaimento ou de improcedência do recurso, há lugar ainda a condenação do assistente nas custas crime pela actividade processual a que deu causa (artigo 515º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal). De acordo com o disposto no artigo 8.º n.º 9 e na tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.

Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC

7. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, em manter o despacho recorrido.

Condena-se o assistente recorrente por ter decaído no recurso em quatro UC de taxa de justiça.

Guimarães, 18 de Abril de 2016.

Documento elaborado pelo relator e integralmente revisto por quem o subscreve