Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
26/16.2T9MDL.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: CRIME DE DESCAMINHO
AÇÃO TÍPICA DO ILÍCITO
CONCEITO DE SUBTRACÇÃO AO PODER PÚBLICO
ART.º 355.º DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) No conceito de “subtração ao poder público” incluído no tipo objetivo do crime de descaminho, previsto no art. 355º do Código Penal, cabem as condutas que sonegam o objeto ao poder público a que está sujeito, sem que, no entanto, seja exigida uma intenção de apropriação. A subtração traduz-se na apropriação da coisa, com o reverso do poder público dela ficar desapossado, nomeadamente através de atos em que o agente a extravia, a esconde ou a entrega a terceiro.

II) Porém, da mera não entrega, da falta de apresentação da coisa ou não resultando provado o destino que lhe foi dado pelo arguido, não pode deduzir-se que houve descaminho.

III) Para que o não cumprimento da apresentação do bem no prazo concedido possa integrar o conceito de subtração e tornar-se passível de preencher a ação típica do crime de descaminho, é necessário que a situação revele uma intenção clara por parte do arguido de, com carácter definitivo, impedir ou inviabilizar o acesso ao bem pelo poder público, visando, desse modo, frustrar definitivamente a finalidade da custódia do mesmo.

IV) No caso dos autos, a cópia de uma denúncia criminal apresentada pelo alegado furto do bem em causa e a informação de que o adjudicatário do mesmo procedeu ao seu levantamento, ainda que depois do termo do prazo concedido à arguida para o entregar e desconhecendo-se em que concretas circunstâncias tal sucedeu, constituem elementos probatórios aptos a deixar dúvidas sérias e inultrapassáveis quanto ao facto de a arguida ter extraviado ou ocultado o bem, frustrando o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora, e quanto à sua intencionalidade em o subtrair ao poder público a que estava sujeito, impondo-se, no âmbito do reexame da prova e da sindicância da utilização do princípio in dúbio pro reo por parte da primeira instância, dar tais factos como não provados.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 26/16.2T9MDL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Mirandela - J1, foi proferida sentença, lida e depositada a 12-06-2017, a condenar a arguida, L. A., pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, previsto e punido pelo art. 355º do Código Penal, na pena de três meses de prisão, substituída pela pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
2. Inconformada, a arguida interpôs recurso da sentença, extraindo da respetiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem [1]:

«CONCLUSÕES

I. A recorrente, foi condenada pela prática em autoria material, e na forma consumada de um crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal, na pena de três meses de prisão.
II. O Tribunal “a quo”, considerou provada em relação ao aqui Recorrente, a seguinte matéria de facto: pontos 3.º a 6.º constantes da fundamentação de Facto da Douta Sentença.
“3.º- Notificada para apresentar o referido bem – cfr. fls. 32 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a arguida não o apresentou durante o período que lhe foi concedido nem até à presente data, impedindo o prosseguimento daqueles autos de execução.
4.º- Sabia a Arguida que tal bem se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido.
5.º- Não obstante, como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.
6.º- A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal.”
III. Esta decisão, partiu da convicção do Tribunal alicerçada nos seguintes meios de prova:

1. Declarações da Testemunha em sede de audiência de Julgamento;
2. Prova documental junto aos autos por este.
IV. Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo”, na decisão que proferiu, e no seu direito de livre apreciação, formou a sua convicção erradamente, julgando incorretamente factos, porquanto a prova produzida não foi clara e objetiva, de modo a que tais factos poderem a vir a ser dados como provados, pois que a única prova produzida em sede de audiência de julgamento foi a da Testemunha e o seu documento junto aos autos, não valorando outros factos.
V. Sentindo-se lesada e defraudada, a aqui recorrente, por livre e espontânea vontade, aquando do conhecimento de que o proprietário do local onde estavam depositadas/aparcadas várias viaturas das quais a empresa da qual é gerente seria fiel depositaria (por falta de espaço próprio suficiente), incluindo a viatura em discussão nos presentes Autos teriam sido eventualmente alienadas a terceiro para realização de capital, apresentou queixa junto do Órgão de Polícia Criminal – conforme participação junta aos Autos.
VI. Fazendo-o com a profunda convicção de que com tal comportamento cumpria o seu dever como fiel depositária.
VII. E não obstante, como consta dos Autos o fiel depositário que de facto assumiu essas funções foi B. S. e não a arguida/recorrente.
VIII. Mas mesmo assim a arguida /recorrente tudo fez para cumprimento das suas obrigações dentro dos critérios do bom pai de família.
IX. Por outro lado, a fls. … veio A. V., apresentar um Requerimento ao Serviço de Finanças de M. (Livro de Reclamações) onde vem alegar que teria adquirido em Setembro 2016 a viatura em causa nos presentes Autos e que a mesma apresentava vários problemas incluindo falta de várias peças e a chave da ignição e a quem se deveria dirigir para ser ressarcido dessas anomalias.
X. Sendo por isso de concluir que a viatura não se encontra por isso em parte incerta mas na posse do referido A. V..
XI. Não se compreende então porque é que com tão relevante meio de prova testemunhal e documental, só foi arrolada e inquirida como testemunha, o chefe do Serviço de Finanças de M., e não o também o alegado possuidor.
XII. Não pode por isso a arguida ser de forma alguma condenada pelo crime de que vem acusada uma vez que a viatura dos autos, terá sido vendida (cumprindo-se assim o objetivo da venda e nomeação como fiel depositário) e esta estará alegadamente na posse do Sr. A. V..
XIII. Motivo pelo qual a arguida, sentindo-se enganada e defraudada, não concordou sequer com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, pelo período de 5 meses mediante a injunção de pagamento da quantia de €1.000,00 a favor do Estado e julgamento em processo sumaríssimo.
XIV. Por outro lado, a materialidade fáctica apurada e em cima descrita e dada como provada pelo tribunal “a quo”, não integra os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de descaminho previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal.
XV. Em primeiro lugar, e salvo melhor opinião, entendemos que a matéria constante nos pontos 4, 5 e 6 da fundamentação de facto da douta sentença condenatória, - “sabia a Arguida que tal bem se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido”, não configura um facto material e concreto, mas parece consubstanciar um conceito estritamente jurídico.
XVI. O crime de descaminho previsto e punido pelo art.º 355º, do Código Penal é cometido por quem “destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer outra forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objeto móvel, bem como coisa tiver sido arrestada apreendida ou objeto de providência cautelar”.
XVII. Ademais, não ficou demonstrado nos autos, que a aqui recorrente tenha destruído, danificado ou inutilizado total ou parcialmente, extraviando, ou mesmo ocultando, os objetos que lhe foram confiados, com o objetivo de frustrar o prosseguimento da execução e mesmo o objetivo da penhora.
XVIII. Integrando na matéria dos pontos 4, 5 e 6 da matéria de facto, no artigo 355º, conclui-se que a expressão “…sabia que não podia subtrair ao poder público a que estava sujeito…; …como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o…; …agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que incorria em responsabilidade criminal”.
XIX. Parece assim, e salvo melhor opinião que a aqui recorrente ora arguida, que tal expressão, corresponde ipsis verbis àquela expressão normativa, ao que, de forma alguma poderá subsumir-se naquela previsão.
XX. Tanto mais que, em nenhum dos outros pontos constantes da fundamentação de facto, é feita qualquer referência concreta, ao ato material que possa ter a recorrente ora arguida ter praticado e que seja suscetível de integrar o crime de subtração, extravio, ou mesmo ocultação, não existe por isso factos que permitam subsumir que, a recorrente praticou tais crimes e que possam subsumir no tipo legal de que é acusada.
XXI. Objetivamente, os autos não demonstram tal ilação constante na segunda parte do ponto 4 da fundamentação de facto, não se conhecendo por isso em que consistiu o ato de subtração praticado pela ora arguida, não se podendo por isso concluir que a aqui recorrente e ora arguida sabia que o praticou tal conduta ou que quis esse resultado.
XXII. A relevância jurídica penal da expressão “subtração dos objetos ao poder público”, só representa relevância, num dos elementos subjetivos do tipo, ao que deve de ser considerada como não escrita.
XXIII. Neste sentido a “não entrega dos bens”, por parte da fiel depositária, por facto não imputável ao Arguido, não constitui em si uma conduta objetiva do crime de subtração.
XXIV. O “saber que subtraía”, o “saber que sonegava-os”; a “saber que ocultava-os”, o “saber que não entregando os bens”, de alguma maneira estaria a sonegá-los ou mesmo a ocultá-los ao poder público, corresponde sim ao tipo subjetivo, não podendo a conduta da aqui recorrente integrar deste modo, o tipo de ilícito a que foi acusada e condenada pelo tribunal “a quo”.
XXV. Toda decisão de facto, deve de conter enumeração exaustiva dos factos materiais e concretos, e não conceitos de direito, conclusões, conclusões ou generalidades suscetíveis de várias interpretações.
XXVI. A ser provado o facto da “não entrega dos bens”, não significa necessariamente que existiu “subtração ao poder público”, podendo ambos os conceitos terem conteúdos diferentes, sendo por isso fundamental e em bom rigor descrever em concreto o facto de uma das modalidades de subtração dos bens ao poder público.
XXVII. O conceito de subtração, como o de destruição, inutilização, ocultação, extravio, todos incluídos no tipo legal do crime em análise, são todos consubstanciadores de matéria de direito, porque estamos perante conclusões jurídicas, nesse sentido devem ser considerados também como não escritas pelo tribunal “ad quem”.
XXVIII. A simples não entrega dos bens por parte do fiel depositário, não pode integrar, salvo melhor opinião, a Ação típica de subtração dos bens ao poder público no artigo 355.º do Código Penal, mais que, a viatura já foi entregue.
XXIX. Entende a aqui recorrente, ora arguida, que da materialidade objetiva exarada na sentença, bem com da acusação, não constam factos, suscetíveis de preencher o conceito de “subtração ao poder público”, ou seja, dos factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, não constam quaisquer condutas integradores do tipo legal referente ao crime de descaminho previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal, pelo qual o recorrente tinha sido acusado.
XXX. Neste sentido, face à ausência de materialidade objetiva indispensável ao preenchimento do crime de descaminho, torna-se evidente que na caracterização do tipo subjetivo do ilícito tenha sido considerada provada uma “intenção que não existiu”, a arguida não quis esse resultado, da subtração.
XXXI. É pois de concluir que os factos apurados e dados como provados pelo tribunal “a quo”, não são suscetíveis de integrar os elementos típicos (objetivo), e subjetivos do crime imputado de descaminho, ou mesmo de qualquer outro tipo legal de crime, impondo-se assim a absolvição da recorrente, do crime de que foi acusada e condenada, a ora arguida.
XXXII. Tanto mais que, sendo um tipo de crime doloso (artigo 13.º do C.P.), requer que seja praticada pela agente conduta dolosa, cobrindo todos os elementos objetivos do tipo, sob qualquer das formas previstas no art.º 14.º do Código Penal.
XXXIII. A matéria de facto provada é de igual forma insuficiente que permita a conclusão de que a aqui recorrente/arguida praticou crime de descaminho, previsto e punido pelo artigo 355.º do C.P.,
XXXIV. Na medida em que dela não consta, salvo melhor entendimento, que foi provada a consciência da ilicitude por parte da aqui recorrente/arguida, e portanto não se verificam de igual forma todos os elementos do tipo subjetivo, determinando a verificação do vício previsto na alínea a), do n.º 1 do art.º 410.º do C.P.P.
XXXV. A prova produzida em sede de audiência, conjugada com a análise rigorosa dos autos, impõe à luz do referido art.º 127.º do C.P.P e dos princípios processuais que lhe inerem, (tais como o Princípio da Investigação ou da verdade Material, Princípio da livre apreciação da prova, Princípio In Dubio Pro Reu, Princípio da Imediação, Princípio da Recobilidade), uma decisão diversa da que foi tomada.
XXXVI. O presente recurso tem por objeto a violação do disposto no artigo 355.º do Código Penal, dos arts. 127.º, do CPP, do art.º 205.º n.º 1 da CRP, do disposto no art.º 410.º n. º2, al. a), do C.P.P, e do disposto no art.º 311.º, nº3, alínea d) do C.P.P.

Termos em que e nos melhores de Direito que Vossas Excelências melhor suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás deduzidas, absolvendo a aqui Recorrente/Arguida do crime a que foi condenada.
Decidindo deste modo, Vossas Excelências farão como sempre inteira e sã JUSTIÇA

3. A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, formulando no termo da sua contra motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«Conclusões:

I) Não merece qualquer censura o julgamento da matéria de facto feita na decisão recorrida;
II) A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento foi valorada racional e criticamente, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas de experiência, pelo que não houve qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova;
III) O erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, consiste num vício de raciocínio na apreciação das provas e que se traduz, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido, tendo em conta as regras da experiência, o que terá que resultar de forma evidente para os olhos do homem médio;
IV) A decisão em recurso não padece de qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas;
V) A prova necessária para que se possa formular um juízo de convicção não depende nem da quantidade dos meios de prova, nem da sua natureza.
VI) Dúvidas não há que os factos pertinentes para a decisão da causa obtiveram resposta do Tribunal, pelo que a matéria de facto foi, e é, bastante para a decisão condenatória.

MAS VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO, COMO SEMPRE, O QUE MELHOR FOR DE JUSTIÇA!»

4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, por perfilhar a posição do Ministério Público na primeira instância.
5. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a arguida não respondeu a esse parecer.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Dispondo o art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que "a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido", são as conclusões que constituem o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [2].

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a apreciar são:

a) - O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal (conclusões XXXIII e XXXIV).
b) - O erro de julgamento quanto aos factos dados como provados nos pontos 3º a 6º, por violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo (conclusões I a XIII e XXXV).
c) - A existência de erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, por não estarem preenchidos, em face dos factos provados, os elementos objetivos e subjetivos do crime do crime de descaminho de objetos colocados sob o poder público pelo qual a recorrente foi condenada (conclusões XIV a XXXII).

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

É do seguinte teor a fundamentação de facto da sentença recorrida (transcrição):

«FACTOS PROVADOS:

Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos, com relevo para boa decisão da causa:
(a) Sobre os Factos descritos na acusação pública:

1.º No Processo de Execução Fiscal n.º 1090-201001004611 que correu seus termos no Serviço de Finanças de M., foi penhorado a 17-02-2011, além do mais, um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca OPEL, Clindrada 973 cc, com a matrícula (…), conforme auto de penhora de fls. 62 e ss, ora reproduzido.
2.º De tal penhora foi a Sociedade V. E. – Serviços, Lda, na pessoa da sua legal representante, a aqui arguida L. A., a 23-08-2012 (cfr. fls. 78 e ss.) constituída sua fiel depositária com a obrigação de o guardar, conservar e de o apresentar sempre que a tal fosse solicitado, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, do que ficou bem ciente.
3.º Notificada para apresentar o referido bem – cfr. fls. 32 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a arguida não o apresentou durante o período que lhe foi concedido nem até à presente data, impedindo o prosseguimento daqueles autos de execução.
4.º Sabia a arguida que tal bem se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não o podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido.
5.º Não obstante, como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.
6.º A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
(b) Das condições socioeconómicas.
7.º É Solteira.
8.º Reside com a filha.
9.º É estudante.
10.º Nasceu em 22.06.1980.
(c) Dos antecedentes criminais.
11.º Inexistem.

3.2. FACTOS NÃO PROVADOS.

Não existem factos por provar, com relevância para a decisão da causa.

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária “ a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” - cfr. Ac. TC nº680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, por forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico - mental que permitiu alcançar a decisão proferida.
É regra que os atos decisórios, em matéria penal, são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, nos termos do artigo 97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal. Especialmente quanto à sentença, o artigo 374.º, n.º 2 determina que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, o que, aliás, tem consagração constitucional no artigo 205.º da Lei Fundamental.
Neste sentido, refere Marques Ferreira (in Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1992, p. 229) que “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.
Na determinação do circunstancialismo e forma de ocorrência da factualidade dada como provada, o Tribunal fundou-se na ponderação e análise crítica da prova produzida em audiência, tendo por base:

a prova documental constante dos autos, designadamente: participação e docs. de fls. 3-38; certidão de matrícula da sociedade V. E. -Serviços, Lda de fls. 42 e ss; certidão de fls. 61-62; informação e documentos de fls. 65-84; notificação de fls. 118-121; e informação de fls. 129, valorados nos termos do artigo 169.º, ambos do Código de Processo Penal.
Na fixação da matéria de facto, a convicção do Tribunal formou-se também por apelo à análise crítica e conjugada das declarações da testemunha A. F., chefe do Serviço de Finanças de M. que confirma de forma imparcial e convicta toda a prova documental junta nomeadamente auto de participação;

Assim, considerando tais elementos probatórios e ainda regras de experiência comum quanto à intenção da arguida em praticar os factos, face ao que objetivamente se apurou, o Tribunal considerou por provados os factos, tal como constam da acusação.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta da arguida foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
(b) Das condições socioeconómicas.
Relativamente às condições pessoais e económicas da arguida, o Tribunal deu como provado atendo as informações constantes no TIR e informações de fls. 110.
(c) Dos antecedentes criminais.
Para prova da inexistência de antecedentes criminais registados a arguida atendeu-se ao teor do CRC junto aos autos.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

Em sede de recurso sobre a matéria de facto, a recorrente começa por invocar o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusões XXXIII e XXXIV), previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os demais preceitos citados sem qualquer referência de origem, preceito que, a par da impugnação (ampla) a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3 e 4, consagra uma segunda e distinta forma de impugnar a matéria de facto (através da chamada revista alargada).
3.1.1 - Nos termos daquele primeiro normativo, "mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (…)”.
Conforme resulta desse texto legal, qualquer dos vícios aí mencionados, que são de conhecimento oficioso [3], tem que emergir da própria decisão recorrida, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento [4]. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença, quanto a eles, esta terá que ser autossuficiente, não se podendo recorrer à prova documentada.
No âmbito da revista alargada, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426º, n.º 1).
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando esta seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito ou quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. Reporta-se, pois, à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não sindicável em sede de reexame restrito.
O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem: absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. E isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa (art. 368º, n.º 2), ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão.
Assacando este vício à sentença recorrida, a recorrente alega que a matéria de facto dada como provada na mesma é insuficiente para permitir a conclusão de que praticou o crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355º do Código Penal, na medida em que dela não consta provada a consciência da ilicitude e que, portanto, não se verificam todos os elementos do tipo subjetivo do ilícito.
3.1.2 - É manifesta a falta de razão da recorrente, porquanto do texto da sentença, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de, em sede de enquadramento jurídico, concluir pelo preenchimento dos elementos subjetivos do crime de descaminho pelo qual a mesma foi condenada, mormente a consciência da ilicitude.
É sabido que nos elementos do tipo subjetivo de ilícito se incluem os que se prendem com o dolo ou a negligência. O dolo, única modalidade de culpa de que pode revestir o crime que nos ocupa (descaminho), é composto por vários elementos, habitualmente designados de forma sintética como "o conhecimento e a vontade de realização do tipo objetivo de ilícito" (cf. art. 14º do Código Penal).
Os factos dados como provados na sentença condenatória têm de permitir o preenchimento desses elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objetivo do ilícito (elemento intelectual); a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo direto, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual) (elemento volitivo).
A esses elementos acresce o chamado elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma.
Este elemento emocional é dado através da consciência da ilicitude e integra a forma de aparecimento mais perfeita do delito doloso. Daí que só possa afirmar-se que o agente atuou dolosamente quando, nomeadamente, esteja assente que o mesmo atuou com conhecimento ou consciência do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta.
Todos esses elementos, que constituem os elementos subjetivos do crime, são habitualmente expressos na acusação e na sentença através da utilização de uma fórmula pela qual se imputa ao agente ter agido de forma livre (isto é, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
3.1.3 - Ora, da matéria factual dada como provada na sentença recorrida, mais precisamente nos pontos 4º, 5º e 6º, constam factos tendentes a preencher todos esses elementos do dolo, concretamente que “sabia a arguida que tal bem [do qual a sociedade de que é legal representante era fiel depositária] se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não o podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido", que "não obstante, como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora” e que “a arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem, sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal”.

Nestes termos, contrariamente ao sustentado pela recorrente, da matéria de facto provada constam factos reveladores de que a mesma atuou com consciência da ilicitude.
Improcede, assim, a questão do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

3.2 - Do erro de julgamento

Ainda em sede de recurso sobre a matéria de facto, sustenta a recorrente, nas conclusões I a XIII e XXXV, que o tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida em audiência, impondo-se, em face da análise da mesma, à luz dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, uma decisão diversa quanto aos factos descritos nos pontos 3º a 6º da matéria provada, que deverão ser dados como não provados, com a sua consequente absolvição do crime de descaminho pelo qual foi condenada.
3.2.1 - Nos termos do art. 428º os tribunais da relação conhecem não só de direito mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes aqui admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.
Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida, ocorrendo quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b).
Todavia, conforme jurisprudência constante [5], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, nos termos do qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional.
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso.
Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
Se a decisão factual da primeira instância se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível, optando por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção, obtida com os benefícios da imediação e da oralidade, apenas deverá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização, pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova produzida.
Como é salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010 [6], "(…) o regime do recurso em matéria de facto, se não exige do tribunal de recurso uma avaliação global, impõe-lhe, todavia, como se referiu, que confronte o juízo sobre os factos do tribunal recorrido com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifica nas conclusões da motivação.
A decisão do recurso sobre a matéria de facto exige que aprecie se, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionadas da matéria de facto, tem efetivo suporte, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa». (…)
Mas a convicção autónoma sobre o sentido da decisão em matéria de facto relativamente aos pontos questionados só poderá resultar da ponderação, em concreto, das provas identificadas pelo recorrente que o tribunal de recurso deve analisar em juízo e ponderação autónomos; as razões da convicção têm de ser as razões da convicção do próprio tribunal formadas perante os elementos de prova que ponderou nos limites do recurso, e não a assunção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos da convicção do tribunal recorrido. (…)
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto tem como pressuposto que o princípio da livre apreciação da prova (e a livre convicção, no sentido materialmente adequado do conceito) não esteja deferido, ou seja passível de aplicação, apenas ao tribunal de 1ª instância, mas também à instância de recurso no limite dos poderes de cognição definidos pela delimitação do recorrente.
A livre convicção do tribunal de recurso substitui-se, nos limites da cognição, à convicção do tribunal recorrido, aceitando-a na identidade de apreciação, ou sobrepondo-lhe, se for o caso, a sua própria convicção."
Assim se compreende a exigência feita nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 412º, no sentido de o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto ter de especificar os concretos pontos da mesma que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, as que devem ser renovadas.
3.2.2 - In casu, cumprindo os ónus de especificação previstos nas duas primeiras referidas alíneas (sendo que é manifestamente inaplicável a exigência feita na terceira), a recorrente indica, nas conclusões, como exige o art. 417º, n.º 3, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os meios de prova que, em seu entender, impõem uma decisão diversa, com explicitação das razões dessa imperatividade.

Tais pontos são o 3º a 6º da matéria de facto provada, cujo teor é o seguinte:

«3.º Notificada para apresentar o referido bem – cfr. fls. 32 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a arguida não o apresentou durante o período que lhe foi concedido nem até à presente data, impedindo o prosseguimento daqueles autos de execução.
4.º Sabia a arguida que tal bem se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não o podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido.
5.º Não obstante, como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.
6.º A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
Para fundamentar a decisão sobre tais factos, o Mmº. Juiz a quo consignou na respetiva motivação que «o Tribunal fundou-se na ponderação e análise crítica da prova produzida em audiência, tendo por base: • a prova documental constante dos autos, designadamente: participação e docs. de fls. 3-38; certidão de matrícula da sociedade V. E. -Serviços, Lda. de fls. 42 e ss; certidão de fls. 61-62; informação e documentos de fls. 65-84; notificação de fls. 118-121; e informação de fls. 129, valorados nos termos do artigo 169.º, ambos do Código de Processo Penal.
Na fixação da matéria de facto, a convicção do Tribunal formou-se também por apelo à análise crítica e conjugada das declarações da testemunha A. F., chefe do Serviço de Finanças de M. que confirma de forma imparcial e convicta toda a prova documental junta nomeadamente auto de participação; .

Assim, considerando tais elementos probatórios e ainda regras de experiência comum quanto à intenção da arguida em praticar os factos, face ao que objetivamente se apurou, o Tribunal considerou por provados os factos, tal como constam da acusação.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta da arguida foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.»
Conquanto o julgador se tenha limitado a elencar os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, sem explicitar o processo lógico que conduziu à decisão de dar como provados os referidos factos, lendo a motivação dessa decisão constante da sentença recorrida, verifica-se que na prova documental aí elencada é feita referência, no que para o caso releva, à notificação da arguida, em 12-08-2015, através de carta registada com aviso de receção, expedida pelos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, para, no prazo de 15 dias, agendar com o adjudicatário do bem penhorado (A. V.), uma data e hora para entrega do mesmo (fls. 32 e 32-vº), bem como à certidão de notificação da arguida, em 04-08-2016, para entregar o bem no prazo de 30 dias (fls. 118 a 121) e ainda à informação prestada pelos referidos Serviços de que até à data de 25-10-2016 a mesma ainda não tinha entregue o veículo (fls. 129).
Embora desacompanhada de qualquer explicitação, a mera indicação desses meios de prova dá claramente a entender que foi com base neles, corroborados pelo teor do depoimento prestado em audiência pela testemunha A. F., funcionário do Serviço de Finanças que “confirmou de forma imparcial e convicta toda a prova documental junta”, que o tribunal a quo formou a sua convicção quanto aos factos dados como provados no ponto 3º, ou seja, que, notificada para apresentar o bem penhorado (de que era fiel depositária a sociedade que legalmente representava), a arguida não o apresentou durante o período que lhe foi concedido nem até à presente data (reportada ao momento da encerramento da discussão da causa), impedido o prosseguimento dos autos de execução.
Por seu lado, mais resulta da motivação da decisão de facto que foi conjugando esses elementos probatórios com as regras da experiência comum que o Mmº. Juiz, no ponto 5º, deu como provada a intenção da arguida ao praticar os factos, isto é, que quis, ora extraviar, ou ocultar o bem, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.

Por fim, como também se pode ler na referida motivação, os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo dolo foram considerados provados (no ponto 6º), a partir do conjunto de circunstâncias factuais objetivas dadas como assentes, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Na impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, a especificação das concretas provas exigida pela al. b) do n.º 3 do art. 412º só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico dos meios probatórios ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.

In casu, como meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa relativamente aos factos impugnados, a recorrente indica o auto de denúncia e o documento juntos aos autos, mais concretamente a fls. 126 a 128 e 135, respetivamente, alegando que, indevidamente, não foram valorados.
Com efeito, em 24-05-2016, aquando do seu interrogatório no âmbito dos presentes autos (cf. auto de fls. 106), a arguida declarou que, por força do elevado número de veículos que lhe eram entregues, ficou sem capacidade para guardar os mesmos e, neste sentido, pediu emprestado um terreno, devidamente vedado e fechado com um portão, a uma pessoa amiga do seu marido, de nome V. R., vindo, mais tarde a saber que este indivíduo foi preso e que a sua esposa e filha decidiram começar a vender viaturas que se encontravam nessa propriedade emprestada, factos pelos quais apresentou queixa criminal, dando origem ao processo com o NUIPC 365/15.0GAVFR, bem como que, após a apresentação dessa queixa e depois de algumas diligências levadas a cabo pela GNR, os veículos foram apreendidos e recuperados no Stand N., sito em …, Santa Maria da Feria, encontrando-se apreendidos nas instalações da GNR desta última localidade.
Na sequência dessas declarações, a Exma. Procuradora Adjunta titular do inquérito solicitou cópia do auto de denúncia e informação sobre o estado dos aludidos autos, cópia essa que foi junta a fls. 126 a 128, acompanhada da informação de que esse processo se encontrava em fase de investigação.
Mais foi ordenada a notificação da arguida, por contacto, pessoal, para, em 30 dias, entregar o veículo penhorado e juntar aos autos o respetivo comprovativo, tendo a mesma sido notificada no dia 04-08-2016 (cf. expediente e certidão de fls. 118 a 121, referidos na motivação da decisão de facto).
Apesar de os Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, em resposta a um pedido do Ministério Público, terem informado, em 27-10-2016, que até esta data a arguida “ainda não entregou” o veículo (cf. ofício de fls. 129, igualmente mencionado na motivação decisória), o certo é que, em 09-11-2016, em aditamento a esse ofício, mais informaram que, no dia 03-11-2016, A. V., adjudicatário do bem penhorado, tinha estado ao balcão do Serviço de Finanças, onde apresentou uma reclamação no Livro Amarelo, referindo que levantou o veículo em questão no dia 20-09-2016, embora com falta de algumas peças, como chave de ignição, airbag do condutor e bomba de combustível (cf. ofício de fls. 134), tendo sido junta aos presentes autos cópia dessa reclamação (a fls. 135).
Isso mesmo foi confirmado pela única testemunha inquirida em audiência de julgamento - A. F., chefe de Finanças, que mais afirmou desconhecer em que condições o veículo foi entregue, conforme resulta da audição do respetivo depoimento, a partir do minuto 03:01.
Ora, não obstante o mencionado aditamento comunicado aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na acusação deduzida pelo Ministério Público, em 20-03-2017, foi alegado que, "notificada para apresentar o referido bem (reportando-se à referida notificação documentada a fls. 32), a arguida não o apresentou durante o período que lhe foi concedido nem até à presente data, impedindo o prosseguimento daquele autos de execução", factos estes que, com vimos, foram integralmente dados como provados no ponto 3º da matéria assente, com base na mera remissão para a prova documental junta aos autos e para o depoimento da testemunha A. F., omitindo, porém, qualquer referência ao teor daquele aditamento e da cópia da reclamação apresentada pelo adjudicatário do bem, onde este dá conta que levantou o veículo no dia 20-09-2016.
É indiscutível que destes elementos de prova não resulta que tenha sido a arguida a entregar-lhe o bem, sendo, porém, certo que o tribunal a quo não cuidou de esclarecer esse facto, nomeadamente através da inquirição, ao abrigo do disposto no art. 340º, do referido A. V., o qual poderia mencionar as circunstâncias e as condições em que o veículo lhe foi entregue, mormente se foi por iniciativa e com a colaboração da arguida ou, ao invés, à margem desta, tanto mais que a mesma não compareceu ao julgamento e também nada foi feito no sentido de se tentar obter a sua comparência, nos termos previstos no art. 333º.
Porém, também não devemos olvidar, como parece ter feito o tribunal a quo, o teor da participação criminal apresentada em 04-06-2015, em que a fiel depositária do bem penhorado se queixa da subtração do mesmo do local onde se encontrava guardado, identificando suspeitos concretos desse furto.
Embora o tribunal a quo pudesse, eventualmente, ter razões para duvidar da veracidade dos factos denunciados, o certo é que, tendo já decorrido cerca de oito meses após a informação de fls. 126, a dar conta que os autos se encontravam em investigação, também não se cuidou de averiguar do seu estado atualizado.
De todo o modo, de acordo com o teor da informação prestada a fls. 134 a 135, o adjudicatário do veículo penhorado terá acabado por proceder ao seu levantamento no dia 20-09-2016, embora acusando a falta de algumas peças, sendo que se desconhece, por tal também não ter sido averiguado, se aquando da entrega do veículo à segunda fiel depositária (sociedade de que a arguida é legal representante) o veículo possuía ou já não possuía tais peças.
É sabido que no processo penal não tem aplicação o ónus da prova formal, segundo o qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porquanto, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento.
Em consequência, se uma vez produzida toda a prova, persistir uma dúvida razoável sobre determinados factos no espírito do julgador, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido. Sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena” [7].
Conforme ensina Figueiredo Dias [8], “relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa.
Contudo, para tanto não basta dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade revelada nos autos. Da mesma forma que também não é suficiente a circunstância de terem sido apresentadas em audiência versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes.
Acresce que não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio [9].
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente.
No âmbito dos seus poderes de cognição sobre a matéria de facto, compete ao tribunal da relação sindicar a utilização do princípio in dubio pro reo por parte da primeira instância, podendo concluir, através do reexame dos meios probatórios, por uma carência ou insuficiência da prova que deveria ter deixado o tribunal em estado de dúvida quanto a factos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido.
Ora, na motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida não é feita qualquer menção aos meios de prova indicados pelo recorrente, ou seja, aos documentos juntos a fls. 126 a 128 (cópia da denúncia criminal de 04-06-2015, dando conta da subtração do bem por causa não imputável à arguida) e 134 a 135 (informação relativa ao levantamento da viatura pelo respetivo adjudicatário, em 20-09-2016), desconhecendo-se, pois, por que razão não foi equacionada a sua relevância para a decisão da causa, nomeadamente quanto à intencionalidade da arguida em subtrair ao poder público o bem de que a sociedade sua representada era fiel depositária.
Esses elementos probatórios, que, sem razão conhecida, foram ignorados pelo tribunal a quo, são aptos a deixar dúvidas sérias e inultrapassáveis, face à prova disponível nos autos, quanto aos factos impugnados pela recorrente, concretamente o facto de a mesma, até à presente data (reportada ao encerramento da discussão da causa), não ter apresentado o bem, tendo-o extraviado ou ocultado, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora, e, consequentemente, de ter agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal, factos esses dados como provados no ponto 3º (2ª parte), 5º e 6º.
De acordo com o princípio in dúbio pro reo, invocado no recurso, impõe-se que tais dúvidas sejam valoradas a favor da arguida, dando tais factos como não provados.

Pelo exposto, na procedência deste aspeto da impugnação, nos termos do art. 431º, al. b), impõe-se modificar a decisão sobre a matéria de facto, no sentido de eliminar a factualidade dada como provada na 2ª parte do ponto 3º (a partir de “nem até”) e os pontos 5º e 6º, matéria essa que deverá transitar para os factos não provados, com a seguinte redação:

- A arguida não apresentou o referido bem até à presente data, impedindo o prosseguimento dos autos de execução.
- A arguida quis, ora extraviá-lo, ora ocultá-lo, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.
- A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
Com estas alterações, ficam por preencher os elementos objetivos e subjetivos do crime de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355º do Código Penal, pelo qual a recorrente foi condenada, impondo-se a sua absolvição.

Com efeito, esse preceito pune “quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objeto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objeto de providência cautelar”.
Com a previsão desse crime visa-se proteger a autonomia intencional do Estado através da ideia de inviolabilidade das coisas sob custódia pública, podendo a ação típica pode revestir as seguintes modalidades de conduta: destruir, danificar, inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, o documento, objeto móvel ou coisa referidos no tipo legal [10].
A destruição, danificação ou inutilização, total ou parcial, abrange todos os atentados à substância ou integridade física da coisa que a tornem inútil do ponto de vista que justificava a sua custódia oficial. Por seu turno, no conceito “subtração ao poder público” cabem as condutas que sonegam a coisa ao poder público, sem que, no entanto, seja exigida uma intenção de apropriação. A subtração traduz-se na apropriação da coisa, com o reverso do poder público dela ficar desapossado, nomeadamente, através de atos em que o agente extravia a coisa, a esconde ou a entrega a terceiro.
Quanto ao tipo subjetivo, é admitido qualquer das formas de dolo previstas no artigo 14º do Código Penal, impondo-se que o agente represente cada um dos elementos do tipo objetivo de ilícito.
No entanto, da mera não entrega, da falta de apresentação dos bens ou não resultando provado o destino dado pelo arguido aos bens, não pode deduzir-se que houve descaminho.
Para que o não cumprimento da apresentação dos bens no prazo concedido possa integrar o conceito de subtração dos bens e tornar-se passível de constituir a ação típica do crime de descaminho, é necessário que a situação revele uma intenção clara por parte do agente de, com carácter definitivo, impedir ou inviabilizar o acesso aos bens pelo poder público, visando, desse modo, frustrar definitivamente a finalidade da custódia dos mesmos.
Ora, dos factos dados como provados, na sequência da alteração determinada, não se pode deduzir que a arguida tenha frustrado definitivamente a finalidade da custódia do bem penhorado nem que tenha agido com essa intenção, tanto mais que, como resulta ainda da informação prestada a fls. 147 pelos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, o valor resultante da venda do bem penhorado foi depositado e aplicado no respetivo processo de execução.

Procede, assim, este segmento do recurso, ficando prejudicada a apreciação da restante questão nele suscitada.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida, L. A., nos seguintes termos:

A) - Alterar a decisão sobre a matéria de facto, eliminando a 2ª parte do ponto 3º (a partir de “nem até”) e os pontos 5º e 6º dos factos provados, matéria essa que transita para os factos não provados, com a seguinte redação:

- A arguida não apresentou o referido bem até à presente data, impedindo o prosseguimento dos autos de execução.
- A arguida quis, ora extraviá-lo, ora ocultá-lo, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.
- A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
B) - Consequentemente, absolver a arguida do crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelo art. 355º do Código Penal, pelo qual foi condenada.

Sem tributação, atenta a procedência do recurso (art. 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 19 de março de 2018

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizadas, que são da responsabilidade do relator.
[2] - Cf. o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995.
[3] - Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão citado na nota 2.
[4] - Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª edição, pág. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª edição, pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, pág. 77 e ss..
[5] - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[6] - Proferido no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] - Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 519.
[8] - In Direito Processual Penal, I, pág. 215.
[9] - Cf. o acórdão do STJ de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.
[10] - Vd. Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, anotação ao art. 355º, e os acórdãos do TRC de 13-11-2013 (processo n.º 123/12.3TAVIS.C1), do TRP de 17-06-2015, de 05-11-2014 (processo n.º 755/04.3TAVFR.P1) e de 08-06-2011 (processo n.º 1345/06.1TAVFR.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.