Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3346/16.2T8GMR-B.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
OPOSIÇÃO
RECURSO DA DECISÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DEMARCAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:

I - Nos procedimentos cautelares, com a dedução da oposição, abre-se é uma nova fase processual, dominada pelo princípio do contraditório, em que se procura reequilibrar a posição de ambas as partes, dando a possibilidade ao requerido, não ouvido anteriormente, de alegar factos e produzir meios de prova que não foram tomados em atenção aquando do deferimento da providência. Ac. STJ de 6.6.2000 (00A382), CJ STJ, VIII, II, págs. 100/2, Ac. STJ de 15.6.2000, CJ STJ, VIII, II, págs. 110/2, Ac. Rel. Porto de 23.10.2008, p. 0834432, in www.dgsi.pt.

II - A jurisprudência e a doutrina têm entendido que, «sendo a decisão inicial que decretou a providência, por natureza, uma mera “decisão provisória” e, como tal, insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma, e constituindo a decisão proferida sobre a oposição “complemento e parte integrante da inicialmente proferida”, só após a sua prolação “se abre a via do recurso, o qual abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera, porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária que ocorre nos procedimentos cautelares em que existiu prévio contraditório do Requerido”» – Cfr. Acórdão desta Relação de 30.3.20172522/16.2T8BRG-B.G1 publicado em dgsi.pt e os que no mesmo são citados.

III - No presente caso estamos perante uma providência cautelar conservatória – pretende-se manter inalterada a configuração dos prédios na zona onde confinam, obstando a que no decurso da acção principal se introduzam alterações, que dificultem ou prejudiquem a produção de prova com vista à demarcação das estremas e não a antecipar essa demarcação.

IV - A mera antecipação da prova, v. g perícia ou inspecção ao local, dada a necessidade de fazer actuar o princípio do contraditório na produção das provas, poderia não ser suficiente para prevenir o risco, que com esta providência se pretende prevenir (alterações no terreno).

V - Acresce que não é apenas a produção de prova que está em causa, mas o próprio direito à demarcação, que não se esgota com a acção em que se definam ou determinem as estremas, pois que a demarcação não consiste apenas na determinação da linha divisória, mas também na sua sinalização por meio externos, visíveis e permanentes. [Entre outros ver os Acórdãos do TRC de 15.5.2007 (proc. nº 110-A/2000.C1) e de 11.12.2007 (proc. n.º 1832/05.9TBCVL.C1) e do TRE de 14.5.2010 (proc. n.º1557/04-2)].

VI - Qualquer alteração à configuração do terreno, das marcas que nele existem (subsistem), pedras e até árvores, por onde possa, eventualmente, vir a provar-se que a delimitação dos terrenos, de acordo com os títulos ou outros meios de prova, deva ser efectuada, ou, na sua falta, de acordo com a posse de cada um, não só é susceptível de prejudicar a prova a produzir na acção principal, como o próprio direito de demarcação, subsequente à definição da linha divisória por sentença, pois que, amiúde, na definição dessa linha divisória, se recorre a determinados elementos da natureza ou obra humana, existentes no local, como pontos a partir dos quais tal linha é traçada.

VII – Não estavam os apelados vinculados a, nesta situação, requererem a antecipação de prova, não só por recearem que o contraditório consumasse a lesão que pretendiam evitar, como por não estar apenas em causa um meio de prova, mas, em tese, toda a prova a produzir (cremos não ser essa a previsão do art.º 419º do CPC), e também porque a antecipação da prova não seria suficiente para prevenir e acautelar a lesão do direito dos apelados à demarcação do respectivo prédio.

VIII - O procedimento cautelar inominado (as providências conservatórias decretadas) é o adequado a prevenir a lesão do direito dos apelados, pois tem um objecto bem mais amplo do que o embargo de obra nova. Com o embargo de obra nova não poderiam os apelantes prevenir futuros actos, que não fossem o prosseguimento dos trabalhos já realizados, vendo-se na eminência de ter de recorrer a novo embargo por cada novo trabalho, acrescendo que alguns desses trabalhos, susceptíveis de modificar a orografia do terreno ou dele remover sinais, árvores, pedras etc, podem consumar-se num tão curto espaço de tempo, que ´seria inútil o recurso ao embargo, mesmo extrajudicial.

XIX - Os apelados lograram justificar o receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito a obterem a demarcação do respectivo prédio, pois:

– Por um lado, os actos já praticados justificam o receio de que outros se sigam.

– Por outro, os futuros actos que se receiam, pelas razões supra referidas, podem efectivamente causar lesão ao direito dos apelados lograrem, através dos títulos ou, na ausência destes, por outros meios, fazerem prova dos limites do respectivo prédio, enfim, prejudicar o seu direito à demarcação e, por via disso, o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno, que só não integrará o respectivo prédio, por, eventualmente, tais actos terem impedido diferente definição dos seus limites. Irreparável, porque, se não lograrem provar o traçado delimitador do respectivo prédio, que indicam e peticionam na acção de demarcação, parte do terreno que alegam pertencer-lhes deixará de o integrar, sem reparação possível.

X - Do âmbito da providência devem excepcionar-se os actos destinados a dar cumprimento às obrigações impostas aos proprietários de terrenos florestais pelo Dec. Lei n.º 124/2006, de 28 de Junho – SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DA FLORESTA CONTRA INCÊNDIOS) – ou de outro diploma, que, entretanto, como é previsível, venha a ser publicado.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

A. T. e mulher A. L., intentaram o presente procedimento cautelar comum contra CM – Imobiliária, SA, requerendo as providências adequadas a assegurar a efectividade do respectivo direito de demarcação (art.º 1353º do CC), nomeadamente e em particular:

a) Ordenando a notificação da requerida para se abster de realizar qualquer trabalho, obra ou outro acto, de construção ou outra natureza, nomeadamente, mas não apenas, de remoção de vegetação, edificação de muros, abertura de furos, valas ou regos, colocação de fios ou canalização, nos prédios em causa nos autos, ou seja, quer no prédio de que se arrogam proprietários os requerentes, quer no que a requerente se arroga proprietária.
b. Ordenando a notificação da requerida para se abster de alterar a realidade de facto de qualquer dos prédios, por si ou por terceiros, abstendo-se de neles fazer entrar maquinas ou equipamentos ou pessoas, bem como de alterar o seu solo ou sobre ele introduzir qualquer construção, plantação ou inovação.
c. Ordenar a notificação da requerida de tudo o que for ordenado, com a cominação de incorrer na prática do crime de desobediência qualificada, no caso de infringir a providência decretada – art. 375 do CPC».
Invoca, para tanto e em suma, que sendo proprietária de um prédio rústico confinante um outro prédio rústico da ré, conforme já determinado por anterior decisão transitada em julgado, pretende proceder à demarcação e estabelecimento da linha divisória de ambos, através de acção de demarcação já proposta, sendo certo que, recentemente, a ré tem vindo a praticar actos sobre o solo da zona a demarcar, alterando a sua configuração, deste modo criando uma falsa realidade material dos prédios, com influência na referida acção de demarcação.

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Dispensado o contraditório, foi produzida a prova oferecida e decidiu-se:

«A) ORDENAR a notificação da requerida CM – IMOBILIÁRIA, SA para se abster de realizar qualquer trabalho, obra ou outro acto, de construção ou outra natureza, nomeadamente, de remoção de vegetação, edificação de muros, abertura de furos, valas ou regos, colocação de fios ou canalização, nos prédios referidos em 1) e 2);
B) ORDENAR a notificação da requerida CM – IMOBILIÁRIA, SA para se abster de alterar a realidade física dos prédios referidos em 1) e 2), por si ou por terceiros, abstendo-se de neles fazer entrar maquinas ou equipamentos ou pessoas, bem como de alterar o seu solo ou sobre ele introduzir qualquer construção, plantação ou inovação;
C) Advertir a requerida, na pessoa do(s) seu(s) legais(ais) representantes(s) de que a desobediência às providências acima decretadas, corresponde à prática de um crime de desobediência qualificada, nos termos conjugados dos artigos 375.º, do CPC e 348.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal


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Notificada da providência cautelar, veio a requerida CM - Imobiliária, SA, nos termos do art.º 372.º, n.º 1, al. b), do CPC, deduzir oposição, peticionando a sua revogação, defendendo e opondo, em suma, que os actos foram realizados em área de prédio a si pertencente, no cumprimento das obrigações impostas por lei, relacionadas com a prevenção de incêndios.
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Produzida a prova oferecida, foi proferida a seguinte decisão:

– «Pelo exposto, julgando-se a presente oposição parcialmente procedente, determino a REDUÇÃO das providências cautelares ordenadas de A) a C) da decisão com a ref.ª 152950313, por forma a RESTRINGIR as ordens de abstenção aí mencionadas à área de terreno que se acha identificada no levantamento topográfico de fls. 109 dos autos principais

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Inconformada, a requerida/opoente, CM S.A. interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

A.- Os factos considerados na sentença são manifestamente insuficientes para a decisão de direito. Nomeadamente os factos invocados nos arts. 11º a 39º da oposição.
B.- Estas deficiências da matéria de facto seleccionada, por omissão de factos com interesse para a decisão da causa, impõem uma anulação da sentença por deficiência quanto a pontos determinantes da matéria de facto.
C.- A Relação pode usar de poderes de rescisão ou cassatórios em que anula a decisão da primeira instância por deficiência, obscuridade ou contradição desta decisão por se considerar indispensável a ampliação dessa matéria de facto (art. 662º/2/c)).
D.- O uso de poderes cassatórios e a anulação do julgamento da primeira instância tem como fundamento uma omissão do julgamento de determinado facto relevante para a decisão da causa.
E.- A este propósito referiu a sentença o seguinte: “ enfatiza-se que, nesta sede cautelar, é irrelevante a matéria factual reportada de 11º a 39º da oposição, enquanto actos de posse tendentes definir uma linha divisória que afecta ao prédio da requerida a mesma parcela de terreno que os requerentes dizem integrar o prédio destes, de acordo com a estrema que os mesmos definem (cfr. levantamentos demonstrativos das pretensões das partes juntas aos autos principais respectivamente a fls. 109 e 143 verso dos autos principais).”
F.- A matéria invocada nos arts. 11º a 39º da oposição respeita à prática de uma série de actos ao longo de 40 anos, mas com mais relevância desde 1993.
G.- A alegação destes actos não se relaciona com a pretensão de demonstração da posse da Requerida sobre o terreno em questão (como foi referido pela sentença), mas com a demonstração que ANTES de ser intentada a acção de demarcação a Requerida efectuou no terreno trabalhos, obras, corte de árvores e remoção de vegetação (tal como decorre do alegado pelos próprios Requerentes).
H.- A Requerida como já ocupava este terreno anteriormente à propositura da 1ª acção e não foi condenada a restituir nenhum terreno aos Requerentes, (nem condenada a demarcar o que quer que fosse) continuou a praticar no terreno os mesmos actos que sempre tinha praticado: trabalhos, obras, corte de árvores, remoção de vegetação.
I.- Se a “orologia e características” do terreno em questão já sofreu alterações (por actos praticados pela Requerida ANTES de ser intentada a acção de demarcação), ao impedir-se a Requerida de provar a prática destes actos, impede-se a demonstração da irrelevância do interesse jurídico dos Autores de que o terreno não sofra alterações.
J.- Isto é, considerando que as alterações já foram produzidas em momento anterior à acção de demarcação e que não houve qualquer reacção dos Autores/Requerentes, estes não têm qualquer interesse jurídico relevante na imutabilidade do terreno.
L.- A Requerida, ora Recorrente, na oposição, colocou a questão da inadequação da providência cautelar. No entanto, o douto julgador a quo não se pronunciou sobre esta questão.
M.- O recurso ao procedimento cautelar comum é, pois, residual, e não contempla a possibilidade de ser cumulado com qualquer outro.
N.- Integrando os factos um específico procedimento – como integram in casu incidente procedimental da “produção antecipada de prova e embargo de obra nova – está vedado aos requerentes requerer a providência comum, assim se expressando a sua incompatibilidade, face ao artigo 362.º, n.º 3 do Código do Processo Civil.
O.- No entanto não foram demonstrados factos concretos que integrem os conceitos de “lesão grave” e “lesão dificilmente reparável”. Os Requerentes apenas provaram que na zona de contiguidade entre ambos os prédios a Requerida procedeu a trabalhos: corte de árvores, construção de muro, removeu vegetação e perfurou o solo para abrir furos.
P.- Se por hipótese (não se concedendo) a Requerida tivesse procedido a trabalhos em terreno dos Requerentes, esta lesão não seria dificilmente reparável, pois na acção principal pede-se a demolição destes trabalhos.
Q. POR OUTRO LADO, o âmbito do decidido, na sua amplitude na sentença recorrida, mantêm-se e é parcialmente exorbitante.
R- Na verdade, não serão susceptíveis de causar “lesão grave”, ao direito dos Autores/ Requerentes (de se preservar a “inalterabilidade da realidade material e física dos prédios”) e na sua vertente de “meio de prova”, as seguintes condutas:

1) “Realizar qualquer trabalho, obra ou outro acto N de remoção de vegetação N”
2) “ N Neles fazer entrar N pessoas, bem como N sobre eles introduzir qualquer N plantação”.
S – Resultando numa violação do “principio da proibição de excesso.
T.- ACRESCE QUE, o douto julgador a quo não considerou ser o prejuízo da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar: Provou-se que o terreno em questão é um terreno florestal, situado em zona de risco de incêndio, e que os trabalhos realizados tiveram como objectivo evitar o risco de incêndio e proporcionar melhores condições de combate aos mesmos. Considerou-se estes riscos com factos notórios. No entanto, considerou-se que talnão era suficiente para legitimar a conduta da Requerida, invocando-se uma eventual lesão dos meios de prova que não foi demonstrada pelos Requerentes.
U.- O decretamento da providência causa prejuízos para a Requerida, para os proprietários vizinhos e para o interesse público que a legislação supra referida visa salvaguardar. O dano que com a providência se pretende evitar apenas atinge os interesses privados dos Requerentes.
NESTES TERMOS deverá ser revogada a sentença em apreço.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A) Do requerimento inicial:

1. Por decisão proferida no processo nº 2035/07.3TJVNF pelo Tribunal da Relação do Porto e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitada em julgado, S. – Imobiliária, SA, actualmente, designada CM – Imobiliária, S.A. foi condenada a reconhecer o direito de propriedade dos autores A. T. e A. L., sobre o prédio rústico composto por pinhal, denominado Bouça …, sito na freguesia do …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e que proveio do nº …, e inscrito na matriz rústica sob o art.º …;
2. No âmbito do processo acima referido, ficaram definitivamente julgados como provados pelo Tribunal da Relação do Porto, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, os seguintes factos: «(…) 2.1. Mediante escritura pública celebrada (…) em 09/11/2006, J. C. e mulher M. C., por si e em representação de Manuel, J. M. e mulher Maria C., D. C. e Maria, M. F., T. P., J. P. e R. P., declararam vender à autora mulher, que, por sua vez, declarou comprar, pelo preço de 75.000,00 euros, prédio rústico, composto por pinhal, denominado “Bouça …”, sito no Lugar de …, freguesia de Louro, deste concelho, descrito na CRP de V.N. de Famalicão sob o n.º …, que proveio do n.º .. e inscrito na matriz predial rústica de .. sob o art.º ...º - Alínea A) dos Factos Assentes. 2.2. A ré possui e é tida e reconhecida como dona de um prédio sito no Lugar de …, da freguesia de …, composto de pinhal, descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o n.º … e inscrito na matriz rústica da freguesia de … sob o art.º ...º. 2.21 Por si e antepossuidores, vêm os autores no prédio referido em A), roçando mato, cortando e mandando cortar pinheiros e eucaliptos – Resposta ao ponto 1.º da BI; 2.22. O que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém - Resposta ao ponto 2.º da BI; 2.23 Com a consciência e animus do exercício de um direito próprio de proprietários e com a convicção de não violar o direito de ninguém; 2.24. Os autores, por si e antepossuidores, roçaram mato no prédio referido em A), há mais de 20, 30 e mais anos - Resposta ao ponto 5.º da BI; 2.25. O prédio referido em B) é contíguo ao prédio referido em A) - Resposta ao ponto 26.º da BI; (…) 2.40. O muro ocupa parte não concretamente apurada da área em discussão. 2.41. O prédio identificado na al. A) dos factos assentes, actualmente, confronta do lado norte com a ciclovia, antiga linha férrea. 2.42. Os prédios identificados nas als. A) e B) dos factos assentes encontram-se delimitados, sem que estes patenteiem a linha divisória entre ambos. 2.43. Foram estes marcos e cabritas que a ré pintou nos dias 06 e 07 de Novembro de 2006, sem proceder a qualquer alteração. 2.50 Desde há mais de 40 anos, ininterruptamente, por si e antepossuidores, a ré tem cortado as árvores existentes no prédio identificado em B) dos factos assentes, procedido à sua limpeza ou contratado terceiros para a ela proceder, roçando mato e carregado madeira, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de estar a exercer um direito próprio e de não prejudicar direitos alheiros.»
3. Na sequência do processo referido em 1), os requerentes A. T. e A. L. intentaram contra CM – Imobiliária, SA a acção declarativa n.º 3346/16.2T8GMR (de que o presente procedimento cautelar é apenso), destinada, entre o mais, a obrigar a ré a concorrer para a demarcação dos prédios aludidos em 1) e 2);
4. Em Fevereiro de 2013, na zona de contiguidade entre ambos os prédios, a requerida roçou mato e cortou árvores e na mesma descarregou camiões de pedra e betão, com os quais iniciou a construção de um muro, assim como iniciou trabalhos para a colocação de uma baixada e fios de abastecimento de energia eléctrica, os quais não foram concluídos;
5. No dia 07 de Abril de 2017, na zona de contiguidade entre ambos os prédios e com recurso a máquinas de grande porte e a 4 trabalhadores, a ré removeu vegetação e começou a perfurar o solo, para abrir furos e introduzir tubos do tipo de captação e água;
6. Tendo, até à data, realizado 07 furos espaçados entre si, situando-se o mais próximo da ciclovia a cerca de 10 metros desta e o mais afastado a cerca de 80 metros desta;
7. Tais furos destinam-se a obter a captação de águas subterrâneas e posterior condução destas.

B) Da oposição:

1. O prédio dos requerentes (descrito na CRP sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo ...º) e o prédio da requerida (descrito na CRP sob o n.º … e inscrito na matriz sob o art.º ...º) são terrenos florestais, situando-se em zona de risco de incêndio;
2. A realização dos trabalhos de limpeza da vegetação e realização de furos teve como objectivo, entre o mais, evitar o risco de incêndio e proporcionar melhores condições de combate aos mesmos aos mesmos.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) Do Objecto do presente recurso
Estabelece o art.º 362º do CPC que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.”.
Para tanto, tem de alegar e provar sumariamente, o seu direito e os factos que justificam o receio invocado.
Produzidas as provas e verificando-se os referidos pressupostos fácticos, a providência é decretada, sem audiência da parte contrária, isto é, sem contraditório, caso tal seja requerido e se entenda que a audiência da parte contrária põe em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
Efectivada a providência é a parte contrária citada para os seus termos, podendo optar entre recorrer ou deduzir oposição (art.º 372º do CPC).
O recurso será a opção quando se pretenda impugnar a decisão de facto (a prova produzida não permitiria sequer julgar indiciados aqueles factos) e/ou a decisão de direito (os factos indiciados não preenchem os requisitos legais de que depende ser decretada a providência).
A oposição será o meio a eleger, quando o requerido pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo Tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
Significa isto que a oposição à providência não tem como objectivo a reapreciação da decisão proferida, partindo da sequência factual que nesta se apurou, mas sim a eventual revisão dessa decisão, com base em novos elementos de prova ou em novos factos, que são agora carreados para os autos pelo oponente e com os quais o tribunal antes não pôde contar.
Ou seja, com a dedução da oposição o que se abre é uma nova fase processual, dominada pelo princípio do contraditório, em que se procura reequilibrar a posição de ambas as partes, dando a possibilidade ao requerido, não ouvido anteriormente, de alegar factos e produzir meios de prova que não foram tomados em atenção aquando do deferimento da providência. Ac. STJ de 6.6.2000 (00A382), CJ STJ, VIII, II, págs. 100/2, Ac. STJ de 15.6.2000, CJ STJ, VIII, II, págs. 110/2, Ac. Rel. Porto de 23.10.2008, p. 0834432, in www.dgsi.pt.
Isto poderia levar a que se entendesse que o recurso interposto da decisão que apreciou a oposição não poderia ter por objecto questões que seriam fundamento do recurso a interpor da decisão que decretou a providência, sob pena de se conceder à requerida o que a lei (art.º 372º do CPC) não lhe concede, que é a possibilidade de simultaneamente deduzir oposição e recorrer da decisão que deferiu a providência.
Tal entendimento conduziria à não apreciação das questões colocadas nas conclusões L) M), N), O), P, Q), R e S), porque, traduzindo impugnação da decisão que decretou a providência, seriam objecto do recurso a interpor desta e não da decisão de que agora recorre.
Contudo, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que, «sendo a decisão inicial que decretou a providência, por natureza, «uma mera “decisão provisória” e, como tal, insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma, e constituindo a decisão proferida sobre a oposição “complemento e parte integrante da inicialmente proferida”, só após a sua prolação “se abre a via do recurso, o qual abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera, porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária que ocorre nos procedimentos cautelares em que existiu prévio contraditório do Requerido”» – Ac. da RC, de 19.06.2013, Albertina Pedroso, Processo nº 220/12.5TBPBL-B.C1., e, no mesmo sentido: Ac. da RC, de 24.04.2007, Jorge Arcanjo, Processo nº 105/04.9TBOBR-B.C1, Ac. da RL, de 14.11.2013, Maria José Mouro, Processo nº 5053/13.9TBOER-A.L1-2, e Ac. da RE, de 19.11.2015, Elisabete Valente Processo nº 487/14.4T2STC.E1» ((1)).
Também Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, pág.284, refere:
– “O sistema instituído visa evitar que a parte tenha o ónus de lançar mão simultaneamente do recurso de agravo e da oposição subsequente, sempre que entenda que concorrem os pressupostos das alíneas a) e b) do nº1 do art.388, com o inconveniente manifesto das questões, muitas vezes conexas, estarem simultaneamente a ser apreciadas na 1ª instância de na Relação. Daí que, verificando-se os fundamentos da oposição, traduzida na invocação de matéria nova, deva a parte começar por deduzi-la, aguardando a prolação da decisão que a aprecie, que se “ considera complemento e parte integrante” da sentença inicialmente proferida e abrindo-se só neste momento, a via de recurso, relativamente a todas as questões suscitadas, quer pela decisão originária, quer pela que a completa ou altera “. Ver ainda o acórdão do STJ de 6 Julho 2000 (Ref. 9731/2000), Relator: Barata Figueira, Processo: 63/2000 in Colectânea de Jurisprudência, Tomo II/2000 2000.
Ancorados nas citadas jurisprudência e doutrina (também Abrantes Geraldes partilha do entendimento Lopes do Rego), todas as ditas questões serão aqui apreciadas.

B) Impugnação da decisão da matéria de facto

A apelante entende que “os factos considerados na sentença são manifestamente insuficientes para a decisão de direito”, porque nela foram omitidos os alegados em 11º a 39º da oposição. Sustenta que “estas deficiências da matéria de facto seleccionada, por omissão de factos com interesse para a decisão da causa, impõem uma anulação da sentença por deficiência quanto a pontos determinantes da matéria de facto”. E que “a Relação pode usar de poderes de rescisão ou cassatórios em que anula a decisão da primeira instância por deficiência, obscuridade ou contradição desta decisão por se considerar indispensável a ampliação dessa matéria de facto (art. 662º/2/c))”.
A entender-se que tais factos são essenciais à decisão da causa e uma vez que a oponente teve oportunidade de sobre eles produzir prova, pelo menos não alega que tal lhe foi vedado, este Tribunal da Relação actuaria como Tribunal de Substituição e não como Tribunal de Cassação [art.º 662º nº 2 al. c), a contrario, e art.º 640º do CPC].
Cumpriria assim à recorrente indicar os meios de prova que permitiriam a esta Relação efectuar o julgamento da matéria de facto omitida.
Não o fez, assim inviabilizando tal apreciação.
Acresce, que tais factos, constantes dos artºs 11º a 39º da oposição, tal como refere o Mmº juiz “a quo” na decisão da oposição e já antes referira na decisão da providência a propósito dos constantes dos artºs 38º a 87º do requerimento inicial (2), que também não incluiu no acervo factual que a fundamentou, são irrelevantes no âmbito deste procedimento cautelar, que não tem natureza antecipatória da decisão final, mas meramente conservatória.
As providências cautelares podem ser antecipatórias ou conservatórias. As providências cautelares conservatórias destinam-se a conservar a situação jurídica ou o direito que é objecto da acção até à decisão. Visam acautelar o efeito útil da acção principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da verificação de “periculum in mora”.
Carlos Lopes do Rego (3) define a finalidade das providências cautelares conservatórias como visando “manter inalterada a situação que preexiste à acção tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais”.
Já as providências cautelares antecipatórias destinam-se a conceder ao requerente os efeitos práticos que resultariam da procedência da acção. Visam a antecipação da realização do direito que, previsivelmente, será reconhecido na acção principal.
Pretendendo-se com esta providência conservar inalterada a configuração dos prédios na zona onde confinam, obstando a que no decurso da acção principal se introduzam alterações, que dificultem ou prejudiquem a produção de prova com vista à demarcação das estremas e não a antecipar essa demarcação, é inútil discorrer sobre a matéria alegada em 11º a 39º da oposição.
Não se pode também esquecer o teor do acórdão do STJ, proferido em acção entre as mesmas partes (processo 2035/07.3TJVNF), que, relativamente aos prédios em questão, decidiu que não se encontravam demarcados:
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É certo que a apelante sustenta, que os actos, que alega ter praticado sobre o terreno, não se relacionam com a pretensão de demonstração da posse da requerida sobre o terreno em questão, como referido na sentença, “mas como a demonstração de que, antes de ser intentada a acção de demarcação, a requerida já efectuara outros trabalhos, obras, corte de árvores, não tendo, por isso, os actos agora praticados, intenção de influenciar o resultado da demarcação. Limitando-se a continuar a praticar tais actos, pois, já ocupava este terreno anteriormente à propositura da 1ª acção e não foi condenada a restituir nenhum terrenos aos requerentes, (nem condenada a demarcar o que quer que fosse)”.
Ora, com o devido respeito, nem a intencionalidade dos actos praticados pela requerida consta dos factos provados, nem ponderada foi no âmbito desta providência, pois dela não é condição nem pressuposto.
Também, como resulta do atrás exposto, não partilhamos as conclusões que a apelante retira da anterior acção e do acórdão nela proferido.
Se bem entendemos, a requerida, ré nessa acção, só não foi condenada a restituir determinada faixa de terreno porque, situando-se esta na zona onde os prédios das partes confinam e encontrando-se estes por demarcar, se entendeu não condenar a ré no pedido de restituição, por não se ter apurado se tal faixa de terreno integrava um ou outro prédio.
Daí a necessidade da acção de demarcação, de que esta providência é dependência. E, com vista a tal demarcação – que é um direito potestativo e imprescritível de todo o proprietário e por isso não carece de ser declarado ou reconhecido pelo Tribunal, nem de condenação prévia ao seu exercício – é importante preservar o “status quo”, pelo menos tal como existe ainda, independentemente dos tais actos que a apelante neles praticou anteriormente, que, eventualmente, lhe aproveitarão na acção principal – se os títulos não foram suficientes para estabelecer os limites e a demarcação se efectuar de acordo com a posse de cada um – mas que, para o efeito pretendido com a presente providência, não têm qualquer relevo.

C) Inadequação da providência.
Neste conspecto cumpre apreciar se à situação dos autos se adequaria, não esta providência, mas antes o incidente de antecipação da prova previsto no art.º 419º do CPC. Ou, a assim não se entender, apreciar se o adequado era uma providência especificada (segundo a apelante o embargo de obra nova).

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Como se refere no Ac. do TRL de 18.1.2007 (proc.9479/2006-2), publicado in dgsi.pt, “o princípio da legalidade das formas processuais – incluídas as formas incidentais – imporá que se não deva requerer providência cautelar não especificada quando se trate de garantir apenas determinados meios de prova irrepetíveis ou insusceptíveis de posterior apresentação ou produção”.
Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 2ª ed., Almedina, 2000, pág. 69, ressalva porém, as situações em que a necessária interferência do princípio do contraditório na produção das provas, ainda que antecipada, é susceptível de tornar infrutífera a diligência, permitindo que, de forma ilegítima ou não, se esfumem os vestígios ou as coisas sobre que incide a produção de prova. Sustentando, que, em casos que tais, “não deve ser impedido o recurso a uma providência cautelar não especificada, se esta constituir o mecanismo imprescindível à manutenção e posterior aproveitamento das provas”.
Prosseguindo, refere citado acórdão: “Já no Acórdão desta Relação, de 12-10-1995 (4) se entendeu que a “apreciação da adequação do procedimento cautelar não especificado, em alternativa à produção antecipada de prova, depende do que se pretende fazer valer. Se se quer acautelar um direito, é o procedimento cautelar que deve ser usado, mas quando se tem em vista tão só evitar os inconvenientes de uma prova poder vir a tornar-se impossível ou muito difícil, a solução é a produção antecipada de prova”.
No caso em apreço, caso os apelantes tivessem requerido a antecipação da prova, v. g (perícia ou inspecção ao local) dada a necessidade de fazer actuar o princípio do contraditório na produção das provas, corriam o risco de tornar infrutífera a diligência, isto é, o receio de mais alterações no terreno poderia consumar-se.
Acresce que há interesse em que a realidade do terreno, tal como existe, seja mantida inalterada, até à produção de prova na fase de julgamento e mesmo posteriormente, como veremos.
No caso, não se trataria apenas de antecipar a produção de um meio de prova, mas de toda a prova, pois a toda ela ou à sua compreensão, seja por inspecção judicial, por arbitramento (pericial), por testemunhas ou por técnicos a que seja necessário recorrer, interessa a situação actual do terreno na zona em que os prédios confinam.
Ora, embora o art.º 419.º do CPC preveja a possibilidade de antecipar a prova, “havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspecção”, não contempla a possibilidade de antecipar o julgamento da causa, que era o que neste caso teria de ser feito.
Acresce que não é apenas a produção de prova que está em causa, mas o próprio direito à demarcação, que não se esgota com a acção em que se definam ou determinem as estremas, mas, se necessário, com a sua execução através da implantação de marcos.
Efectivamente, extinta a acção especial de demarcação com a reforma do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei 329-A/95, que previa uma fase pericial para a colocação no terreno do que se define no papel da própria sentença, seguindo agora o processo comum e tratando-se de uma acção constitutiva, a sentença que define a linha de demarcação contém implícita a condenação das partes a efectivarem tal demarcação, através de marcos ou sinais exteriores permanentes e visíveis, que fixem a linha divisória entre dois prédios contíguos. Ou seja, a demarcação não consiste apenas na determinação da linha divisória, mas também na sua sinalização por meio externos, visíveis e permanentes. [Entre outros ver os Acórdãos do TRC de 15.5.2007 (proc. nº 110-A/2000.C1) e de 11.12.2007 (proc. n.º 1832/05.9TBCVL.C1) e do TRE de 14.5.2010 (proc. n.º1557/04-2)].
Qualquer alteração à configuração do terreno, das marcas que nele existem (subsistem), pedras e até árvores, por onde se possa eventualmente vir a provar que a delimitação dos terrenos, de acordo com os títulos ou outros meios de prova, deva ser efectuada, ou, na sua falta, de acordo com a posse de cada um, não só é susceptível de prejudicar a prova a produzir na acção principal, como o próprio direito de demarcação, subsequente à definição da linha divisória por sentença, pois que, amiúde, na definição dessa linha divisória, se recorre a determinados elementos da natureza ou obra humana, existentes no local, como pontos a partir dos quais tal linha é traçada.
Pelo exposto entendemos que os apelados não estavam vinculados a, nesta situação, requererem a antecipação de prova, não só por recearem que o contraditório consumasse a lesão que pretendiam evitar, como por não estar apenas em causa um meio de prova, mas, em tese, toda a prova a produzir (cremos não ser essa a previsão do art.º 419º do CPC), e também porque a antecipação da prova não seria suficiente para prevenir e acautelar a lesão do direito dos apelados à demarcação do respectivo prédio.
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A apelante sustenta, em segunda linha, que o que com esta providência os apelados pretendem é um embargo de obra nova, providência a que não recorreram apenas porque deixaram caducar o direito de embargarem a obra.
O artigo 362.º do Código do Processo Civil, no seu nº 3, delimitando pela negativa o âmbito das providências cautelares não especificadas, dispõe que não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
Neste sentido, de que o especial prefere ao geral e preclude a sua aplicabilidade, o decurso do prazo legal para a instauração do procedimento cautelar de embargo de obra nova obsta a que o requerente possa recorrer ao procedimento cautelar comum ou a qualquer outro procedimento cautelar específico (ver, entre muitos, o Ac. do TRP de 3.6.2004, proc. Nº 0433091 in dgsi.pt).
Contudo, no presente caso, a providência requerida e especificamente a decretada, tem um objecto bem mais amplo do que o embargo de obra nova – impõe a abstenção de realizar toda e qualquer obra ou acto, de qualquer natureza, que altere a realidade física dos prédios. Não tem apenas por objecto obra iniciada (como o embargo supõe).
Assim, com o embargo de obra nova não poderiam os apelantes prevenir futuros actos, que não fossem o prosseguimento dos trabalhos já realizados, vendo-se na eminência de ter de recorrer a novo embargo por cada novo trabalho, acrescendo que alguns desses trabalhos, susceptíveis de modificar a orografia do terreno ou dele remover sinais, árvores, pedras etc, podem consumar-se num tão curto espaço de tempo, que ´seria inútil o recurso ao embargo, mesmo extrajudicial.
Pelo exposto concluímos que o procedimento cautelar inominado (as providências conservatórias decretadas) é o adequado a prevenir a lesão do direito dos apelados.

D) Da não verificação dos requisitos da providência

Insurgindo-se ainda contra o decidido, defende a apelante que “não foram demonstrados factos concretos que integrem os conceitos de “lesão grave” e “lesão dificilmente reparável”, pois os “requerentes apenas provaram que na zona de contiguidade entre ambos os prédios a requerida procedeu a trabalhos: corte de árvores, construção de muro, removeu vegetação e perfurou o solo para abrir furos”. E esta lesão não seria dificilmente reparável, pois na acção principal pede-se a demolição destes trabalhos.
Analisados os factos provados, conclui-se:
– Por um lado, que os actos já praticados justificam o receio de que outros se sigam.
– Por outro, os futuros actos que se receiam, pelas razões supra referidas, podem efectivamente causar lesão ao direito dos apelados lograrem, através dos títulos ou, na ausência destes, por outros meios, fazerem prova dos limites do respectivo prédio, enfim, prejudicar o seu direito à demarcação e, por via disso, o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno, que só não integrará o respectivo prédio, por, eventualmente, tais actos terem impedido diferente definição dos seus limites. Irreparável, porque, se não lograrem provar o traçado delimitador do respectivo prédio, que indicam e peticionam na acção de demarcação, parte do terreno que alegam pertencer-lhes deixará de o integrar, sem reparação possível.
Pelo exposto nunca a demolição dos trabalhos já realizados iria reparar o direito dos autores a obterem a definição das estremas do seu prédio, que é o que aqui está em causa.
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Insurge-se ainda a apelante contra a amplitude da providência, que continua a reputar de exorbitante.
Era efectivamente exorbitante o âmbito da providência inicialmente decretada, por abranger todo o prédio da requerida. Mas a decisão da oposição, sensatamente, reduziu o alcance das medidas decretadas à área em litígio, restringindo as ordens de abstenção aí mencionadas à área de terreno que se acha identificada no levantamento topográfico de fls. 109 dos autos principais.
Contudo, como refere a apelante, não se preveniu a necessidade futura de limpeza da mata.
Efectivamente provou-se que a área em litígio tem natureza florestal, situando-se em zona de risco de incêndio.
Não se provou que tal área confine com algum edifício (art.º 15º nº 2 do DL n.º 124/2006, de 28 de Junho – SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DA FLORESTA CONTRA INCÊNDIOS), mas prevendo e prevenindo a possibilidade dessa área de terreno integrar a faixa de protecção a que alude o nº 10 do citado artigo e diploma legal (5) – ou de outro, que. entretanto, como é previsível, venha a ser publicado – e sendo necessário cumprir as obrigações que para os proprietários decorrem, nomeadamente do seu nº 11, entendemos que o âmbito das medidas decretadas deve ser reduzido de forma a contemplar a possibilidade de limpeza do terreno (gestão do combustível) imposta pela legislação de defesa da floresta contra incêndios a apelante e apelados, devendo para esse efeito a requerida/apelante comunicar ao Tribunal e processo, com a antecedência necessária, os trabalhos projectados e a data em que pretende realizá-los, de forma a que a parte contrária os possa acompanhar e verificar.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, reduzindo o âmbito das providências decretadas, no que tange à remoção de vegetação [alínea A) da decisão que decretou a providência] e à entrada de máquinas equipamentos e pessoas [alínea B) da mesma decisão], quando, por imperativo legal, nos termos e circunstâncias acima referidos, houver que proceder à limpeza do terreno na área identificada no levantamento topográfico de fls. 109 dos autos principais, mediante prévia comunicação ao Tribunal por parte da requerida e com acompanhamento e verificação no terreno por parte dos requerentes.
Mantém-se o mais que se mostra decidido.
Custas por apelante e apelados na proporção de ¾ para a primeira e ¼ para os segundos.


Guimarães, 26-10-2017

1 - Citados no Acórdão desta Relação de 30-3-2017 proferido no processo 2522/16.2T8BRG-B.G1 publicado em dgsi.pt.
2 - “…é manifesto que, nesta sede cautelar, a factualidade vertida de 38.º a 87.º da petição (que reproduz, integralmente, o teor da petição inicial da acção principal) assume-se como irrelevante, atento o objecto do presente procedimento cautelar”.
3 - “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 342
4 - Cremos que corresponde ao sumariado em dgsi.pt, processo n.º 0095572.
5 - Art.º 15º
(…)
2 - Os proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades que, a qualquer título, detenham terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais, são obrigados a proceder à gestão de combustível, de acordo com as normas constantes no anexo do presente decreto-lei e que dele faz parte integrante, numa faixa com as seguintes dimensões:
a) Largura não inferior a 50 m, medida a partir da alvenaria exterior do edifício, sempre que esta faixa abranja terrenos ocupados com floresta, matos ou pastagens naturais;
b) Largura definida no PMDFCI, com o mínimo de 10 m e o máximo de 50 m, medida a partir da alvenaria exterior do edifício, quando a faixa abranja exclusivamente terrenos ocupados com outras ocupações.
3 - Os trabalhos definidos no número anterior devem decorrer entre o final do período crítico do ano anterior e 30 de abril de cada ano.
(…)
10 - Nos aglomerados populacionais inseridos ou confinantes com espaços florestais, e previamente definidos nos PMDFCI, é obrigatória a gestão de combustível numa faixa exterior de proteção de largura mínima não inferior a 100 m, podendo, face à perigosidade de incêndio rural de escala municipal, outra amplitude ser definida nos respetivos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios.