Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119/15.3T8VPC-F.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: CIRE
RESOLUÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O prazo de seis meses a que se refere o art. 123, n° 1 do CIRE é de caducidade do direito potestativo à resolução dos actos prejudiciais à massa insolvente, quer este se efetive por carta, quer por meio judicial.
2 – Sendo um prazo curto justifica-se pela necessidade de rapidamente se pôr termo à incerteza quanto ao destino dos actos em causa, tanto mais que em certos casos eles revestem natureza onerosa.
3 – Este prazo conta-se a partir do conhecimento do acto resolúvel e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte do administrador da insolvência.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 119/15.3T8VPC-F.G1
2.ª Secção Cível – Apelação
Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 512)
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.RELATÓRIO
Massa Insolvente de J. – Compra e Venda de Imóveis, Lda. deduziu ação declarativa contra Caixa C pedindo que:
“1. Seja declarado resolvido em benefício da massa insolvente o acto jurídico de venda judicial realizado no processo de execução n.º 3448/12.4T2OVR que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Ovar – Instância Central, 2.ª Secção de Execução – J1, através do qual foram transmitidos à ré os seguintes bens imóveis:
a) Prédio urbano destinado a habitação, composto por cave, rés-do-chão e andar, sito na Rua Notícias de Ovar, lote 33, lugar do Carregal Norte, freguesia e concelho de Ovar, a confrontar a norte com lote 32, a sul com lote 34, a nascente com lote 40 e a poente com rua camarária, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o número 5722, inscrito na respetiva matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo 11466 e com a licença de utilização n.º 377/01, emitida em 25/10/2001 pela Câmara Municipal de Ovar;
b) Prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar com anexos e logradouro, sito na Rua de Cucujães, freguesia e concelho de São João da Madeira, a confrontar a norte com António José das Neves, a sul com Manuel Gomes dos Reis, a nascente com Rua de Cucujães e a poente com Matias Gomes da Silva, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o n.º 1196 e descrito na Conservatória do registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 4962.
2. Que, em consequência dessa resolução, a referida venda seja declarada nula e sem qualquer efeito, regressando os bens imóveis objeto desta ao acervo patrimonial da Insolvente.
3. No seguimento e também em consequência sejam canceladas todas as inscrições registrais de propriedade plena a favor da ré Caixa C (a saber, a Ap. 9697 de 2015/04/23) inscrita nas respetivas descrições prediais dos imóveis identificados em 1.
4. Seja a ré condenada a fazer a entrega ao AI dos bens imóveis acima melhor identificados, livres de pessoa e bens, no prazo de 30 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a declarar a resolução do acto.
5. Por último, seja a ré condenada em custas, procuradoria e demais encargos legais”.

Contestou a ré, excecionando a caducidade do direito de resolução da autora e invocando que o acto que a autora invoca como causa da resolução não foi praticado pela devedora, pois se tratou de venda coerciva num processo de execução judicial. Mais excecionou o caso julgado do despacho de adjudicação, no qual foi indeferida a peticionada suspensão da execução (com recurso interposto pela autora mas julgado deserto), bem como se defendeu por impugnação.
A autora pronunciou-se sobre a matéria de exceção.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador/sentença que julgou procedente a exceção de caducidade invocada pela requerida e, em consequência, julgou a ação totalmente improcedente.
Discordando da decisão, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
I – Vem o presente recurso interposto do Douto despacho Saneador/Sentença que, dispensando a realização da audiência prévia, julgou procedente a excepção peremptória de caducidade invocada pela Ré e, em consequência totalmente improcedente a acção de resolução, absolvendo a Ré do pedido.
II – A Autora (Massa Insolvente) intentou na secção de Competência Genérica – J1 da Instância Local de Valpaços, por apenso ao processo de insolvência, Acção de Resolução em Benefício da Massa Insolvente, em virtude de no âmbito dos procedimentos de liquidação do activo da insolvente, o Administrador de Insolvência, ter tomado conhecimento que, na acção executiva n.º 3448/12.4T2OVR, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Ovar – Instância Central, 2ª Secção de Execução – J1, foram penhorados e adjudicados à Ré (Exequente nos referidos autos), Caixa C, os dois imóveis acima identificados.
III – Tendo, assim, sido alienados à Ré bens imóveis que constituíam parte do acervo patrimonial da insolvente após comunicação do Administrador de Insolvência no âmbito do PER que antecedeu a insolvência da J, nos termos do artigo 17º-G do CIRE, em que este, nos termos do n.º 4 do referido preceito normativo, juntou parecer concluindo: “e, assim sendo, e face ao exposto, sou de parecer que a devedora se encontra em situação de insolvência, requerendo que seja decretada, em conformidade com o n.º 4 do artigo 17.º-G, a insolvência.”
IV – Sendo que, tal parecer, juntamente com a carta da devedora, foi junto aos autos do processo n.º 228/14.6TBVLP, Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Valpaços – Instância Local, Secção de Competência genérica – J1 (PER que antecedeu a insolvência da J) a 20 de Fevereiro de 2015 e recepcionado a 23 de Fevereiro do mesmo ano. E, por sua vez, a venda judicial, na acção executiva identificada supra ocorreu no dia 17 de Abril de 2015. Ou seja, cerca de dois meses depois de ter sido requerida a insolvência da J pelo Administrador Judicial Provisório no PER, nos termos do n.º 4 do artigo 17º-G do CIRE.
V – Ora, o facto de durante o período compreendido entre 20 de Fevereiro de 2015 e 8 de Maio do mesmo ano, ou seja, entre a junção aos autos do parecer do administrador judicial provisório, emitido no âmbito do PER, a requerer que seja decretada a insolvência da sociedade devedora e a sentença de declaração de insolvência propriamente dita, inexistir prolação de despacho/sentença pelo Digníssimo Tribunal, não pode beneficiar credores em detrimento de outros cujos créditos poderão até prevalecer relativamente aos credores “indevidamente” beneficiados.
VI – In casu, com a realização de uma venda judicial a um dos credores da sociedade devedora no referido hiato temporal em que ainda estava vigente o PER.
VII – Pois que, o pagamento por compensação operou quando se encontrava pendente a convolação do PER em Insolvência, já requerida pelo (à data) Administrador Judicial Provisório em 23 de Fevereiro desse ano, no parecer por si emitido.
VIII – Assim sendo, um dos credores da devedora, sociedade ora insolvente, obteve a satisfação do seu crédito pela venda judicial dos bens desta no âmbito de Processo Especial de Revitalização, no qual não foi aprovado plano de revitalização mas, de acordo com o quadro factual existente, requerida a sua insolvência, dado se encontrar na referida situação.
IX - Acresce que, quanto aos bens em causa existem credores que, no âmbito do processo de insolvência, reclamaram os seus créditos e cujos direitos prevalecem sobre a hipoteca registada anteriormente pela credora hipotecária que obteve a satisfação do seu crédito nos autos da mencionada execução.
X – Há credores (promitentes-compradores) que habitam os imóveis há já algum tempo com o respectivo agregado familiar (inclusivamente filhos menores) constituindo estes a sua habitação própria e permanente, a sua casa de morada de família e, como tal, o centro da estabilidade familiar e inserção social dos seus residentes.
XI – A entrega da referida casa a credores cujos créditos garantidos por hipoteca não prevalecem sobre o direito de retenção que lhes assiste, poderia causar lesão grave e dificilmente reparável do seu direito. O que vai de encontro à vasta Jurisprudência, entretanto, expandida sobre tal questão.
XII - Por outro lado, como corolário do direito constitucional à habitação como um direito constitucionalmente consagrado no artigo 65.º da nossa Constituição, o facto dos promitentes compradores terem estabelecido nos imóveis objecto dos referidos contratos-promessa o centro estável da sua vida social e familiar e tendo estes passado a constituir a casa de morada de família do respectivo agregado familiar são, certamente, circunstancialismos a atender consubstanciando, também e em consequência, um apelo à equidade, à justiça do caso concreto.
XIII - Atendendo aos factos acima expostos, foi requerida pelo Administrador
da Insolvência a Resolução Condicional da referida venda através de acção judicial para o efeito intentada dado encontrarem-se verificados os referidos pressupostos para a declaração de resolução em benefício da massa dos actos jurídicos acima descritos, os quais foram devidamente elencados e dissecados na ação de resolução de que o presente recurso constitui apenso, fundamento do pedido formulado a final.
XIV – A qual (acção de resolução) foi contestada pela Ré, invocando, entre outras, a excepção peremptória de caducidade do direito à resolução do acto de venda judicial em benefício da massa insolvente, pelo decurso de prazo de seis meses para o efeito, estatuído no artigo 123.º do CIRE.
XV – Uma vez que o AI teve conhecimento da venda judicial aquando da notificação da reclamação de créditos apresentada pela Ré nos referidos autos de insolvência a 23 de maio de 2015 e a acção de resolução apenas deu entrada a 20 de Janeiro de 2016, após o decurso do prazo de seis meses facultado pela Lei para o exercício do direito.
XVI – Em resposta à invocada excepção a ora Recorrente, por sua vez, esclareceu que previamente à instauração da acção de resolução, quer o Exmo Sr. Administrador de Insolvência, quer os titulares do direito de retenção dos imóveis em questão tentaram nos autos executivos, não só impedir a realização da venda agendada requerendo a suspensão da execução, como ulteriormente obstar aos efeitos da referida venda, mediante a utilização dos meios judiciais adequados para o efeito.
XVII – E ainda que, na pendência do recurso que havia sido interposto e no seguimento do conhecimento dos factos desses outros meios judiciais a que se havia recorrido não estarem a lograr os efeitos pretendidos (dada a imprescindibilidade de apreensão dos bens para a massa) foi decidido, com a anuência da comissão de credores, a interposição da acção de resolução.
XVIII – Não obstante foi decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, no Despacho Saneador/Sentença que o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 123.º havia decorrido, uma vez que “...pelo menos a 23 de Maio de 2015 o AI teve conhecimento pormenorizado do acto cuja resolução pretende, tendo a presente acção entrado em juízo a 20 de Janeiro de 2016 e, deste modo, volvidos 6 meses da data em que o Requerente teve conhecimento do acto.
XIX – Visando o presente recurso demonstrar o demérito da referida sentença que decidiu totalmente improcedente a acção intentada por verificada a excepção de caducidade invocada pelo Requerido, a ora Recorrente reafirmou o já aduzido em XVI das presentes conclusões, dado considerar ser na referida acção executiva que, prima facie, deveria ser atacado o ato judicial de venda dos bens penhorados e apreendidos à ordem da Exequente, ora Ré (Recorrrida).
XX – E ainda que só após o conhecimento pelo AI, no quarto trimestre de 2015, de que os meios judiciais para “atacar” o acto pretendido –venda judicial- e/ou impedir os seus efeitos não lograram os efeitos esperados e após a anuência da comissão de credores depois de análise, estudo e conclusão pela verificação dos pressupostos para a instauração da acção de resolução é que este (AI) teve conhecimento integral das circunstâncias que lhe permitiriam resolver o negocio, pois só nesse altura, aquando da improcedência dos restantes meios utilizados, é que se verificou a prejudicialidade da alienação efectuada nos autos executivos para a massa insolvente.
XXI – Efetivamente, só após a ineficácia dos meios empreendidos quer pelo AI, quer pelos credores interessados para obstar a verificação dos efeitos do acto que determinou a venda judicial dos bens imóveis, cuja apreensão para a massa se pretendia, mas previamente à decisão que viesse a decidir o recurso interposto na acção executiva da decisão de indeferimento da suspensão da execução é que o Exmo Administrador de Insolvência se viu compelido a agir em prol dos interesses dos credores e com a anuência da comissão que os representa.
XXII - Não antes, porque despicienda, a sua actuação. Também não em momento posterior, porque na contingência de se ver impedido de legalmente poder actuar.
XXIII – O Exmo Senhor Administrador da Insolvência apenas teve conhecimento integral das circunstâncias que lhe permitiram resolver o negócio e esteve em condições de o fazer em data ulterior à considerada pelo Meritíssimo Juiz “a quo” para a contagem do início do prazo de caducidade do direito à resolução do acto – venda judicial de bens - em benefício da massa insolvente. Pois, verdadeiramente só no 4º trimestre de 2015 é que tal sucedeu.
XXIV - Pois que, só a partir dessa data é que se verificou o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa. Atendendo a que, só após o conhecimento da eventual mas muito provável, inatacabilidade do acto de venda dos bens em questão é que poderia perigar a apreensão destes para massa insolvente e seriam, então, estes prejudiciais a esta, lesando objectivamente os interesses da insolvência, designadamente a sua massa patrimonial, cuja liquidação é essencial para satisfação dos interesses dos credores.
XXV - Motivo pelo qual, em 20 de Janeiro de 2016 – data de propositura da acção de resolução - o Administrador de Insolvência ainda estava em tempo para proceder à resolução em benefício da massa.
XXVI – Destarte, o Douto Tribunal Recorrido e a sentença por ele proferida merecem censura ao decidir pela procedência da excepção peremptória de caducidade invocada pela Ré e, em consequência, pela improcedência total da acção de resolução, atendendo aos factos e pelos motivos aduzidos supra. O Tribunal Recorrido ao decidir como decidiu fez, in casu e s.m.o, uma incorrecta aplicação do Direito.
Por último,
XXVII - A Autora/Recorrente requereu e foi-lhe concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (conforme documento já junto aos autos), o qual se mantem para efeitos de recurso, nos termos do disposto do disposto no n.º 4 do artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (com as ulteriores alterações legais).
Nestes termos, E nos que V. Exas muito doutamente suprirão, Concedendo integral provimento ao presente Recurso de Apelação, deverá ser alterada a decisão recorrida, com os legais efeitos, assim se fazendo JUSTIÇA

A ré contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se o direito da autora de resolução do acto em benefício da massa havia ou não caducado quando foi exercido.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
- Compulsados os autos verifica-se que os mesmos se iniciaram com um PER, no qual o AI foi nomeado AJP.
- Na sentença que declarou a insolvência, a 08 de Maio de 2015, foi o AJP nomeado AI.
- Posteriormente à declaração de insolvência, foi enviado requerimento de reclamação de créditos, no qual a requerida alegou que no âmbito do processo de execução n.º 3448/12.4T2OVR lhe tinham sido adjudicados os bens imóveis cuja resolução a requerente pretende fazer operar no âmbito da presente acção.
- Tal reclamação de créditos foi notificada ao AI em 22 de Maio de 2015.

Com base nos factos acima enumerados e que não foram postos em causa pela recorrente, entendeu a Sra. Juíza que, pelo menos a 23 de maio de 2015, o AI teve conhecimento pormenorizado do acto cuja resolução pretende, pelo que, ao ter dado entrada da presente ação em juízo a 22 de janeiro de 2016, ou seja, volvidos mais de seis meses da data em que teve conhecimento do acto, havia já caducado o direito de resolver o acto.

Com efeito, dispõe o artigo 123.º do CIRE que “A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”, daqui decorrendo que o direito de resolver o acto caduca findo qualquer um destes prazos – o primeiro que se vencer (cfr. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2010, 2.ª edição, Almedina, pág. 277).
Este é também o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE Anotado”, vol. 1º, reimpressão, 2006, pág. 443, onde se pode ler que “Embora a epígrafe do art. 123 do CIRE seja “forma de resolução e prescrição do direito”, teremos que considerar, que a expressão “prescrição do direito” foi impropriamente utilizada do ponto de vista da técnica jurídica, pois estamos em presença de um caso de caducidade do direito potestativo à resolução. Em sentido idêntico, pronuncia-se Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, 3ª ed., pág. 230, que escreve: “A lei qualifica na epígrafe do art. 123, nº 1, como «prescrição do direito» a situação decorrente da ultrapassagem desse prazo. A qualificação é manifestamente estranha, dado que a situação parece ser antes de caducidade do direito de promover a resolução.”
Na jurisprudência, de igual modo, tem-se entendido estarmos perante um prazo de caducidade, podendo ver-se, por todos, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 10/04/2014 (processo n.º 738/12.0TBFAF-J.G1) e da Relação do Porto de 12/04/2011 (processo n.º 707/07.1TBPRD-D.P1), de 07/05/2013 (processo n.º 5857/11.7TBMTS-E.P2) e de 12/05/2014 (processo n.º 3324/10.5TBSTS-F.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Neste último, pode ler-se, com interesse, o seguinte:
“É certo que o artigo 298.º, n.º 2 do CCivil dispõe que “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente prescrição”.
Acontece que, não obstante a referência à prescrição que consta da epígrafe do citado artigo 123.º, não nos parece que nesta norma se estabeleça outra coisa senão um prazo de caducidade do direito de requerer a resolução do acto.
Na verdade, pensamos que é na diferença dos conceitos de exercício do direito e de exigibilidade que se pode, num primeiro momento, descortinar a distinção entre a prescrição e a caducidade.
Estando subjacente à exigibilidade o cumprimento de uma obrigação insatisfeita, a prescrição integra a inexigibilidade. Sendo o exercício que perspectiva a realização do direito a modificar, extinguir ou constituir uma relação jurídica, a caducidade integra a falta de exercício.
Enquanto que a limitação da exigibilidade tem o escopo de colocar termo a uma situação antijurídica, a limitação do exercício tem a finalidade, nos direitos potestativos, de fazer cessar um estado de sujeição e, nos direitos subjectivos, de acelerar ou abreviar a sua realização.
Portanto, o citado normativo ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte do Administrador, para que este exerça o direito potestativo de resolver os actos prejudiciais à massa, visa, em nosso modesto entendimento, abreviar o estado de sujeição decorrente do mesmo, estabelecendo, pois, atento o que acima ficou exposto, um prazo de caducidade”.

Não impede este entendimento a circunstância de ali apenas se aludir à resolução do acto por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida à outra parte, o que não significa que a resolução não possa ser feita por meios judiciais, quer por via da notificação, quer por via de acção ou excepção, como foi o caso dos autos em que o administrador da insolvência recorreu à via judicial para para obter a resolução em benefício da massa insolvente da adjudicação de imóveis em processo executivo.

A questão que aqui se coloca é a de saber se o prazo de seis meses já tinha decorrido quando a ação foi intentada, sendo importante esclarecer a partir de que momento deve ser contado tal prazo.
O prazo de seis meses, por alguns considerado curto, justifica-se pela necessidade de rapidamente se pôr termo à incerteza quanto ao destino dos actos em causa, tanto mais que em certos casos eles revestem natureza onerosa - Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. e loc. cit., que, aliás, expressam reservas quanto ao alargamento do prazo de três meses para seis meses.

Na decisão recorrida entendeu-se que o prazo começou a contar a partir do momento em que a aqui recorrida apresentou a reclamação de créditos no processo de insolvência (23/05/2015), uma vez que, nesse requerimento, deu conhecimento de que lhe tinham sido adjudicados no processo de execução 3448/12.4T2OVR os bens imóveis cuja resolução a recorrente agora pretende por via desta ação. Deve, aliás, dizer-se que, conforme se pode ver na acta do Auto de Abertura de Propostas, que teve lugar no dia 17 de abril de 2015, na Instância Central de Ovar, esteve presente a mandatária da sociedade executada (Insolvente) que requereu a suspensão da execução nos termos do artigo 793.º do CPC, por se encontrar pendente o PER relativo à sua constituinte, requerimento esse que foi indeferido, considerando-se não existir fundamento para a suspensão da execução, através de despacho que transitou em julgado (uma vez que o recurso interposto pela aqui requerente, foi julgado deserto).
A recorrente entende que o prazo só deve começar a contar a partir do momento em que falharam todos os outros meios judiciais de que se serviu – pedido de suspensão da execução, recurso do despacho que indeferiu esse pedido, procedimentos cautelares e embargos de terceiro (destes dois últimos não temos qualquer conhecimento nos autos) - e, não estando tais meios a lograr os efeitos pretendidos, então, em conjunto com a Comissão de Credores, foi resolvido interpor esta ação.

Entendemos que a recorrente não tem razão.
O normativo em questão refere expressamente “(…) seis meses seguintes ao conhecimento do acto” e, como é sabido, na interpretação da norma não pode ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do CCivil), devendo, todavia, o intérprete presumir haver o legislador consagrado as soluções mais acertadas e expressado o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do mesmo diploma legal).
Como refere Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, pág. 182: “O texto da lei é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos. Primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma-com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador. Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural da expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”.
Aportando estes ensinamentos para o caso concreto, não existem elementos nomeadamente históricos, que nos levem a concluir que não nos atenhamos ao sentido que melhor corresponde ao significado natural da expressão utilizada, isto é, que o prazo de caducidade se conta a partir do conhecimento do acto puro e simples, ou seja, do conhecimento das partes nele intervenientes, da sua data, do seu objecto e das obrigações dele resultantes para cada uma delas – neste sentido os citados Acórdãos da R. Porto de 12/05/2014 e da Relação de Guimarães de 10/04/2014.
Não importam as circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte do administrador da insolvência. Trata-se de um prazo curto que, como já vimos, tem por objectivo resolver, rapidamente, uma situação de suspeição, tutelando-se os interesses conflituantes da massa insolvente e dos intervenientes nos actos resolúveis. “Seria incongruente colocar na mão do administrador da insolvência o poder discricionário de avaliar quando é que estava em condições para decidir pela resolução, ou não, do acto. Seria pôr em causa a segurança jurídica do acto de resolução, cuja arbitrariedade poderia instalar-se, em nome da necessidade de não caducar o direito de resolução” – Acórdão da Relação de Guimarães citado.
Assim, temos de concluir que o prazo de 6 meses conta-se a partir do conhecimento do acto resolúvel, e não do acto de decisão do administrador em resolver, assente em circunstâncias que o determinaram.

Ou seja, perante o conhecimento de acto resolúvel, o AI tem que o analisar de forma a avaliar se o mesmo prejudicou a massa insolvente, de forma a poder, se for caso disso, impugná-lo, no prazo de seis meses, sob pena de caducidade. Não pode é estender indefinidamente esse prazo porque lhe pareceu que podia usar outros mecanismos legais – recursos, embargos, providências cautelares – e só perante a ineficácia dos mesmos, a constatação de que não lograva obter ganho de causa, socorre-se, então, da resolução em benefício da massa.

Em face do exposto, não ficam dúvidas que quando, em 21/01/2016, o AI intentou a presente ação de resolução em benefício da massa insolvente, já tinha decorrido o prazo de seis meses desde que havia tomado conhecimento do acto resolúvel – pelo menos desde 23/05/2015, se não mesmo desde 17/04/2015 (data da abertura de propostas e adjudicação dos imóveis à recorrida) -, verificando-se, assim, a sua caducidade com a consequente extinção do direito que se pretendia exercer.

Improcedem, assim, as conclusões do recurso da apelante, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Nada a referir quanto às alegações da recorrente relativas aos promitentes-compradores dos imóveis adjudicados à recorrida, por não ser este o meio adequado à defesa dos interesses daqueles, que não são parte nestes autos, nem a questão subjacente foi conhecida em primeira instância, não podendo, por isso ser apreciada em recurso.


Sumário:
1 - O prazo de seis meses a que se refere o art. 123, n° 1 do CIRE é de caducidade do direito potestativo à resolução dos actos prejudiciais à massa insolvente, quer este se efetive por carta, quer por meio judicial.
2 – Sendo um prazo curto justifica-se pela necessidade de rapidamente se pôr termo à incerteza quanto ao destino dos actos em causa, tanto mais que em certos casos eles revestem natureza onerosa.
3 – Este prazo conta-se a partir do conhecimento do acto resolúvel e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte do administrador da insolvência.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
***
Guimarães, 15 de setembro de 2016