Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
42/18.0GTVCT.G1
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ACIDENTE DE VIAÇÃO
FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL
EXAME POR ANÁLISE DE SANGUE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Decorre dos arts. 153º e 156º, nº 1 do Código da Estrada (CE) que, mesmo no caso de acidente de viação, os condutores devem ser submetidos, preferencialmente e sempre que possível, a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
II – Na expressão “quando não tiver sido possível” constante do nº 2 do art. 156º do CE cabem diversas razões e não apenas as respeitantes ao estado de saúde dos intervenientes no acidente.
III – Entre essas razões pode estar a necessidade de respeitar o tempo (30 minutos) e o modo de atuação previstos no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência de Álcool (Lei n.º 18/2007, de 17.05), caso em que, perante a inviabilidade da realização de teste de álcool no ar expirado, se impõe a opção por análise sanguínea.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães;

I.
No processo comum com intervenção singular que, com o nº42/18.0GTVCT, corre termos pelo juízo de competência genérica de Caminha foi decidido, além do mais, condenar a arguida M. L. como autora material de um crime de condução em estado de embriaguez, p.p. artigo 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5€ e, bem assim, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.
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Inconformada com a condenação, recorreu a arguida para este tribunal concluindo o seu recurso do seguinte modo (transcrição):

1 – Não pode a Recorrente conformar-se, com a, aliás douta decisão do Tribunal “a quo”.
2 – A Recorrente foi interveniente em acidente de viação, do qual resultou uma vítima mortal.
3 – A Recorrente foi submetida ao teste de álcool no sangue, através de recolha de amostra sanguínea, sem ter sido submetida ao teste de ar expirado.
4 – O exame de sangue é a via excecional para a recolha da prova obtida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível, como se consagra nos artigos 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2 do Código da Estrada.
5 - Resulta do art. 156º do Código da Estrada que em caso de acidente de viação, como é o caso dos autos, a pesquisa deve fazer-se, em primeiro lugar, mediante exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
6 - Pelo que, os condutores ou peões intervenientes em acidente de viação só deverão ser submetidos a colheita de sangue se o seu estado de saúde não lhes permitir ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
7 - Ao contrário do que possa julgar-se, não basta que o condutor já esteja na maca dos bombeiros ou que tenha de ser conduzido ao estabelecimento de saúde ou que já se encontre no estabelecimento de saúde para que se torne legítima e válida a colheita de sangue.
8 - Pelo que, tem de apurar-se se o estado de saúde da condutora lhe permitia ou não ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
9 – Certo é que, do depoimento prestado pelos senhores militares nos presentes autos, resultou claro que, o referido teste por recolha de amostra sanguínea foi efetuado, por entenderem ser este o procedimento normal, dado que existia uma vítima mortal.
10 – A convicção do tribunal teve por base na apreciação crítica quanto a estes factos os referidos depoimentos dos senhores militares, os quais ao afirmarem que a realização do referido teste por recolha de amostra sanguínea era o procedimento adequado.
11 – De acrescentar que, os senhores militares não apontaram razões relacionadas com o estado de saúde da Recorrente para a não realização do teste de ar expirado.
12 - Uma vez que, a determinação da taxa de álcool nos presentes autos não foi obtida de acordo com o circunstancialismo do n.º 2 do art. 156º do Código da Estrada, não pode o mesmo ser valorado.
13 – Nesse sentido, Ac. Rel. Coimbra, de 19-10-2010, Proc. N.º 178/09.8GCAGD-C1, rel. Pilar Oliveira, “estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade”.
14 - Violou, assim, o Tribunal “a quo” normas legais relativas à validade dos meios de prova para a deteção do estado de influência do álcool, ao fundamentar a decisão de facto no resultado da perícia do teor de álcool realizada com base em amostra de sangue, sem que se encontrem verificadas as excecionalidades que podiam determinar a realização de tal perícia.
15 – Inválida que se mostra a perícia efetuada à amostra de sangue recolhida à Recorrente, não podia com base nela fundamentar-se e, consequentemente, dar-se como provada a TAS que a mesma apresentava nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos.
16 - Em caso de acidente de viação sempre que o estado de saúde o permita deve ser realizada a prova de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado e só na sua impossibilidade é que se realiza de imediato a colheita sanguínea.
17 – No caso dos autos, ficou determinantemente provado que a recolha sanguínea não foi efetuada como regime exceção, mas sim, como sendo um procedimento normal em acidente de viação do qual resultou a morte de um dos ocupantes.
18 - Pelo que, sendo a prova inválida, não podia a Recorrente ser condenada pelo crime de condução sob o efeito do álcool, mas sim absolvida.
19. Violou-se, destarte, o circunstancialismo previsto no art. 156º do CEstrada e do art. 158º também ele do CEstrada.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento V/Excias, requer-se seja revogada a, aliás douta, decisão em apreço, e substituída por outra que absolva a arguida/recorrrente, com a qual se fará a sempre sã, JUSTIÇA!
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Recebido o recurso, a ele não respondeu o Ministério Público em primeira instância.
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Remetidos os autos a este tribunal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deverá o recurso ser julgado improcedente.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP (doravante CPP).
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Após os vistos, foram os autos à conferência.

II.
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que é pelas conclusões que se define e delimita o âmbito da apreciação a fazer - sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - e que, analisando a síntese conclusiva, se constata que a única questão a apreciar é a de saber se a circunstância de a recorrente ter sido submetida a teste de deteção de álcool por análise sanguínea, sem ter sido previamente submetida a teste por ar expirado, impede a valoração do resultado obtido por ter de ser considerada inválida a prova que determinou a condenação da arguida.

É a seguinte a matéria de facto fixada na sentença recorrida e respetiva fundamentação (transcrição):

1 - No dia - de Julho de 2018, cerca das 17.00 horas, a arguida circulava na variante de acesso A281EN 13, na freguesia de ..., concelho de Caminha, pela via de trânsito da direita, no sentido Caminha - Vila Nova de Cerveira, ao volante do veículo ligeiro de passageiros de matrícula BA, imprimindo-lhe uma velocidade não concretamente apurada mas superior a 80 Km/h e sendo portadora de uma TAS de 1,98 grl.;
2 - No mesmo veículo seguia A. F. no lugar do passageiro e A. L. no banco traseiro, do lado direito;
3 - Ao Km 3,000, em ..., ao descrever a curva ligeira à direita com vários metros e sentido ascendente, a arguida, fruto da velocidade a que seguia e da TAS de que era portadora, entrou em despiste para a berma (direita) e de seguida guinou para a esquerda, invadindo a via de trânsito da esquerda (atento o seu sentido de marcha), derrapou numa extensão de 45,70 metros e foi colidir com a lateral esquerda posterior nas barras de cimento do lado esquerdo, percorrendo uma extensão de 6 metros;
4 - De seguida, o veículo continuou a derrapar pela berma esquerda, na diagonal, percorrendo uma extensão de 12 metros, e entrou em capotamento transversal, numa extensão de 40 metros, acabando por ficar imobilizado na diagonal, com a frente direccionada para sul, sensivelmente a 98 metros de distância do ponto onde se iniciou o despiste;
5 - Durante o capotamento transversal do veículo, A. F. foi projectado para o exterior, ficando prostrado no pavimento, a cerca de 27 metros do início do capotamento;
6 - Em consequência do embate, A. F. sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas melhor descritas no relatório de autópsia e que foram causa directa e necessária da sua morte;
7 - No local do despiste, a via configura uma ligeira curva à direita, com uma inclinação ascendente, constituída por três faixas de rodagem, uma à direita (atento o sentido de marcha da arguida) e duas à esquerda (para o sentido de trânsito oposto), que se acham delimitadas por um ilhéu separador existente no eixo da faixa de rodagem;
8 - A largura da faixa de rodagem da direita é de 2,13 metros, o piso é pavimentado a macadame betuminoso e encontra-se em bom estado de conservação;
9 - Na ocasião aludida em 1, as condições atmosféricas eram boas, o piso encontrava-se seco e o trânsito não era intenso;
10 - A velocidade máxima permitida no local é de 80 KmIh, limitação assinalada através do sinal “C13”;
11 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que antes de iniciar a condução ingerira quantidade não determinada de bebidas alcoólicas que, como ela sabia, lhe podiam determinar, como determinaram, uma T.AS. igual ou superior a 1,20 g/l, sabendo igualmente que a condução do veículo nas referidas circunstâncias era proibida e punida por lei penal;
12 - A arguida não procedeu com o cuidado devido e que lhe era exigível, pois circulava a uma velocidade superior a 80 Km/h., sendo portadora de uma TAS de 1,98 g/l, distraída e sem prestar atenção à via por onde transitava e à sinalização existente, pelo que deixou de ter o controlo sobre o veículo que, assim, perdeu a trajectória anterior e entrou em despiste da forma descrita, sem que a arguida tenha logrado imobilizar a viatura atempadamente, por forma a evitar o seu capotamento;
13 - O sinistro apenas ocorreram em virtude da arguida não colocar na condução a atenção e as faculdades necessárias, como devia e podia, nomeadamente por não se ter abstido de exceder desproporcionadamente a ingestão de bebidas alcoólicas e bem assim de conduzir a velocidade que ultrapassava largamente o limite máximo admissível no local;
14 - Ao proceder de tal modo, sabendo que a ingestão de álcool e a velocidade imprimida durante a descrição de uma curva com declive ascendente que bem conhecia poderiam tornar iminente um acidente e, pese embora tal representação, incrementou o perigo para além do que lhe era permitido;
15 - Ao agir da forma descrita, a arguida não tomou as medidas que o dever geral de prudência aconselha e que podia e devia ter adoptado, acabando por entrar em despiste, demonstrando assim inconsideração pela segurança rodoviária e imprudência no exercício da condução automóvel;
16 - O cinto de segurança que equipava o banco frontal direito, o banco do ocupante A. F. tinha anomalias, estava solto sem ponto de suporte, não existia qualquer ponto de fixação;
17 - O cinto de segurança aludido em 16, está fixo na coluna direita (embora sem pressão) e fixo do lado esquerdo com a respectiva fivela encaixada pelo que no ponto inferior do lado direito, este encontra-se solto;
18 - Muito provavelmente o pré tensor terá actuado com o impacto (pois o cinto não recolheu) mas, por alguma falha, todo o sistema de retenção não foi capaz de cumprir a sua função de reter o passageiro devido a uma falha no ponto de fixação inferior do lado direito, o que levou à projeção do ocupante A. F.;
19 - A projeção do ocupante - A. F. -, deveu-se à anomalia do ponto de fixação inferior do lado direito do banco do passageiro que, ter-se-á soltado ou até quebrado pela força exercida;
20 - A arguida não tem antecedentes criminais;
21 - A viatura aludida em 1, não era propriedade da arguida, que lhe havia sido emprestada pelo concessionário onde deixara o seu veículo para reparar;
22 - Na ocasião aludida em 1, a direcção efectiva da viatura aludida em 1, não era da arguida mas do seu proprietário, designadamente, … a Car, Lda., com sede na Rua da … Guimarães;
23 - Do registo individual de condutor da arguida nada consta;
24 - A arguida confessou parcialmente a prática dos factos revelando atitude contrita;
25 - A arguida é solteira e vive com a mãe, nascida a ..-11-1945, com 74 anos de idade, viúva e reformada, em casa própria da mãe, dotada de condições de habitabilidade;
26 - A arguida trabalha por conta de outrem em part-time e aufere a esse título por mês a quantia de € 200,00;
27 - A arguida encontra-se a efectuar tratamento médico especializado na área das dependências, a ser seguida no centro de Repostas Integradas de Viana do Castelo devido a problemas ligados ao álcool, que mantém, sendo assídua às consultas, encontrando-se motivada para o tratamento e para abstinência, cumprindo o programa e medicação instituída;
28 - A arguida esteve internada voluntariamente na Unidade de Desabituação do Norte desde o dia 4 de Novembro de 2020 até ao dia 18 de Novembro de 2020 a realizar tratamento do álcool;
29 - A arguida tem como habilitações literárias o Bacharelato em Turismo;
30 - A arguida e sua mãe A. L. após o acidente aludido em 3, foram transportadas pelo INEM para o serviço de urgência da ULSAM, EPE, tendo sofrido lesões corporais, ferimentos ligeiros;
31 - A arguida pertence a um agregado familiar constituído pelos pais e uma única irmã mais nova e neste contexto beneficiou de um enquadramento protector e consistente ao nível do seu processo educativo;
32 - O agregado detinha uma condição económica estável, sendo o progenitor proprietário de uma serralharia e a mãe doméstica;
33 - O falecimento do progenitor da arguida, vítima de doença oncológica, reverteu a situação económica do agregado familiar da arguida, obrigando a mãe a empregar-se para assegurar a formação académica das filhas, à data prestes a ingressar no ensino superior;
34 - A mãe da arguida refez a sua vida afectiva, assumindo a vivência em comum com A. F., união que foi bem aceite pelas filhas;
35 - A arguida concluiu o 12° ano de escolaridade aos 17 anos, sem registo de retenções, prosseguiu com os estudos, tendo ingressado no curso superior de Turismo, do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, que concluiu;
36 - A arguida efectuou estágio académico na empresa de transportes/turismo X, de Viana do Castelo, onde ficou a trabalhar, após o termo do curso, permaneceu três anos ao serviço da empresa, desenvolvendo funções diversas, desde o atendimento ao público, a serviços de contabilidade e de guia turística;
37 - A arguida por candidatura espontânea, respondeu a um anúncio de oferta de emprego para exercer funções de gerente de uma cafetaria, em Braga, ligada à empresa Y Internacional — exploração de restaurantes, ao serviço da qual trabalhou dez anos;
38 - No período aludido em 37, fixou residência em Braga, mas estava sujeita a uma intensa mobilidade, por ter sido convidada a gerir outras cafetarias da empresa, situadas na cidade da Maia e em Aveiro;
39 - Segundo a arguida a pressão do trabalho aludido em 37 e 38 gerou um estado de ansiedade permanente que a levou a despedir-se, lançando-se de seguida numa actividade empresarial, por conta própria, ligada à venda de máquinas purificadoras de água, actividade que abandonou ao fim de dois anos perante o fracasso do negócio;
40 - A arguida efectuou um estágio profissional na empresa M. J. que não concluiu devido a contratempo ao nível da saúde;
41 - No ano de 2010/2011 a arguida desempregada regressa à Valença do Minho, para junto da mãe e desde então tem trabalhado de forma irregular, em diferentes sectores de actividade;
42 - Na vertente da saúde, a arguida está a ser acompanhada há cerca de seis anos em consulta de psiquiatria, sendo-lhe diagnosticada um transtorno de ansiedade (Agorafobia) que tem sido controlado com tratamento medicamentoso;
43 - Na ocasião aludida em 1, a arguida vivia com a mãe e com o padrasto, A. F.;
44 - A arguida mantinha uma relação próxima com o padrasto que sofreu um AVC, ficando afectado nomeadamente ao nível da fala e da marcha;
45 - Era a arguida e a mãe desta que cuidavam do padrasto e asseguravam o acompanhamento médico que necessitava;
46 - Os filhos de A. F. residem em França e quando se deslocavam a Portugal nunca se aperceberam de conflitos na interacção da arguida com o seu pai, nem de sinais de maus-tratos, pelo contrário notavam que ele era estimado;
47 - Segundo a mãe da arguida, esta era dedicada ao padrasto e este também a estimava;
48 - Para a comunidade nunca transpareceu qualquer indicador de conflituosidade ou de incompatibilidade entre a arguida e o padrasto, existia uma interacção adequada entre a arguida e o padrasto, bem como com a progenitora;
49 - A arguida tem fases em que ingere bebidas alcoólicas de forma mais abusiva, tendo aderido com o apoio da mãe, à frequência de consultas no Centro de Respostas Integradas/CRI de Viana do Castelo;
50 - Na comunidade de referência, a arguida é associada ao seu agregado familiar de pertença, pessoas socialmente integradas e cujo modo de vida foi sempre ajustado;
51 - A arguida demonstra estar intimidada com a sua situação jurídico-penal;
52 - A arguida beneficia do apoio incondicional da mãe, também ela envolvida do acidente, considerando terem sido alvo de uma fatalidade, não a culpabilizando;
53 - A arguida desde o acidente foi afectada por um quadro depressivo severo e intensificou o consumo de bebidas alcoólicas;
54 - A arguida encontra-se bem inserida socialmente na comunidade local, de referência, não existindo indicadores de rejeição ou de animosidade para com a sua pessoa na comunidade de pertença;
55 - Os familiares de A. F., nomeadamente os filhos, mostram-se pesarosos com o falecimento do pai e referem que deixaram de se relacionar com a arguida e com a mãe desta, por incompatibilidades, não tanto pela ocorrência do acidente que vitimou o pai, mas por problemas que surgiram após o falecimento do mesmo;
56 - A arguida tem competências pessoais para compreender as normas ou regras do funcionamento da vida em sociedade, verbaliza juízo crítico face à ilicitude dos crimes tipificados na acusação, com reconhecimento do dano e da vítima e verbalizou a sua motivação, em caso de condenação, para aderir a uma medida de execução na comunidade;
57 - A arguida tem necessidade de acompanhamento terapêutico direccionado para a desabituação do consumo abusivo de bebidas alcoólicas, que lhe tem sido prestado no CRI de Viana do Castelo, sintomatologia que se agravou após o acidente ora em causa e do qual resultou o falecimento do seu padrasto;
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Não se provou que:
1 - Na ocasião e local aludidos em 1, a arguida imprimia ao veículo velocidade de pelo menos 130 KmIh;
2 - A morte de A. F. apenas ocorreu em virtude da arguida não colocar na condução a atenção e as faculdades necessárias, como devia e podia, nomeadamente por não se ter abstido de exceder desproporcionadamente a ingestão de bebidas alcoólicas e bem assim de conduzir a velocidade que ultrapassava largamente o limite máximo admissível no local.
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O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados com base na apreciação crítica das declarações da arguida e dos depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa cujo teor consta do registo fonográfico apreciados à luz de regras de normalidade e de experiência comum.
A arguida prestou declarações sobre os factos que lhe são imputados, admitindo apenas a prática dos factos que integram o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, confessou a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, referindo ter ingerido bebidas alcoólicas antes de conduzir o veículo.
Disse que nesse dia ou no dia anterior o A. F., padrasto da arguida, tinha tido febre e teve um AVC há dez anos e depois teve um cancro no estômago e era ela, arguida, que levava o padrasto doente ao tratamento, no dia anterior ao do acidente o A. F. tinha febre e levaram-se ao Centro de Saúde de … e no dia seguinte o A. F. voltou a ter febre e nesse dia a arguida tinha levado o carro para reparação e na oficina emprestaram-lhe um carro antigo e quando chegou à casa como o A. F. tinha febre, então levaram-no ao hospital de … e enquanto estava à espera a arguida bebeu porque tinha tido problemas resultante do fim de um relacionamento e estava desempregada e quando vieram embora, no percurso, na A28, a arguida reparou que o A. F., que seguia ao seu lado, no banco da frente, não estava bem, queria tirar o cinto, porque ele não falava por causa do AVC e como arguida tentou ajudá-lo a tirar o cinto, e não conseguiu, entretanto descontrolou o carro, tentou travar e os travões não obedeceram e a partir daí o carro foi parar onde foi parar.
Disse que a estrada tem inclinação no sentido descendente, no sentido de marcha — Viana do Castelo — Valença -, que seguia a arguida.
Disse que na altura o A. F. estava aflito e como ela tentou ajudá-lo, despistou-se e perdeu o controlo do carro disse que não ia a velocidade mais de 80 a 90 km/hora. Disse que não seguia a 130 km/hora.
A arguida admitiu que bebeu na altura e que não costuma beber.
Disse que a sua mãe, da arguida, também seguia no veículo, no banco de trás.
Disse que ela arguida partiu um dedo.
Disse que nesse dia não chovia.
Disse que o acidente deu-se por causa dela, arguida, tentar ajudar o A. F. e não por causa da bebida.
Disse que era ela, arguida, que levava o A. F. aos tratamentos.
Disse que está desempregada, vive com a mãe que é reformada e em casa desta.
Disse que tem como despesas a prestação de um carro que paga a mãe da arguida.
Como habilitações literárias disse que tem a licenciatura em Turismo.
Disse que na altura a mãe ia no carro mas ia a dormir.
Disse que não podia ir a muita velocidade porque a estrada faz uma inclinação, ia a cerca de 70 ou 80 km/hora.
Disse que só sabe que perdeu o controlo do carro e este foi bater onde bateu.
Disse que não costuma conduzir quando bebe.
Disse que bebeu no carro enquanto esperava pelo A. F., foi buscar a bebida no supermercado.
Disse que na altura estava a ser medicada, referindo a medicação que tomava diariamente e que era para a depressão, tomava vários medicamentos para a depressão.
Disse que neste momento e há cerca de dois meses, está a fazer tratamento de desintoxicação alcoólica no antigo CAT.
Testemunhas de acusação e de defesa
- H. J., militar da GNR do Destacamento de Trânsito de Viana do Castelo.
Disse que na altura estava de patrulha e foi ao local para registar a ocorrência.
Disse não ter presenciado o acidente, quando chegou ao local o mesmo já tinha ocorrido e confrontado com o teor da participação e do aditamento de fls. 56 a 58, confirmou o seu teor e a sua autoria.
Disse que estava de patrulha e deslocou-se ao local e que a arguida teve que se deslocar ao hospital e aí foi feita a análise ao sangue. Disse que os meios de socorro já estavam accionados e que a arguida prestou declarações no hospital.
O depoente referiu o sentido de marcha da arguida, o local do acidente, que a arguida despistou-se, embatendo o veículo. O depoente referiu ainda as pessoas que seguiam no veículo.
Disse que só fizeram a recolha de sangue para teste de álcool no hospital porque a arguida teve que ir para o hospital, disse que a arguida estava alterada.
Disse que os ferimentos da arguida eram ligeiros mas não se lembra.
Sobre o aditamento, disse que é só para dar entrada na participação quando recebe o resultado do teste.
Falou do procedimento na elaboração da participação e disse que as diligências são efectuadas pelo NICAVE.
O depoente disse, supondo, que a velocidade máxima no local é de 100 km/hora.
Disse que na altura as condições atmosféricas eram boas, não chovia e que o estado do piso é normal e não havia trânsito intenso, era normal.
- N. M., cabo, militar da GNR, integrava a patrulha da testemunha H. J..
Disse que não presenciou o acidente e que deslocaram-se ao local.
Disse que seguiam no veículo da arguida, para além desta, duas pessoas, disse que ajudou o militar participante a tirar as medidas.
Disse que foi um despiste e achou o acidente estranho, é uma subida, com boa visibilidade, o piso é bom e o tempo estava bom.
Disse não saber se o trânsito era intenso.
Disse que não falou com a arguida.
Confrontado com o teor da participação, confirmou o mesmo.
Sobre a velocidade máxima permitida no local supõe que seja 80 km/hora.
Disse que no local onde se deu o acidente a via é em sentido ascendente, a subir, é uma curva aberta e a estrada é larga.
Inquiridos novamente as testemunhas - H. J., autuante e N. M., elementos da patrulha que acorreram ao local.
Disseram que quando chegaram ao local a arguida estava no local.
Disseram que não fizeram o teste à arguida no local porque ela foi na ambulância e fizeram a recolha de sangue no hospital e que os bombeiros chegaram ao local depois dos depoentes.
Disseram que é um procedimento normal e mais disseram que mesmo que fizessem o teste expirado teria sido feito o teste por recolha sanguínea porque há vítima mortal.
Nesta altura a arguida prestou declarações, dizendo que os militares tiveram muito tempo para fazer o teste ao álcool e eles não o fizeram e disse que na altura estava nervosa.
Testemunha de acusação
- J. R., militar da GNR, trabalha, desempenha funções no núcleo de investigação criminal de acidentes de viação do Posto Territorial de Viana do Castelo. Disse que está neste serviço há dezasseis anos.
Disse que conheceu a arguida no dia do acidente porque foi ao local e fez a recolha de vestígios e da prova e fez o registo fotográfico.
Disse que quando ele, depoente, chegou ao local os outros militares que se deslocaram ao local, já não estavam no local nem a arguida que estava no hospital.
Disse que quem faz o registo é a patrulha.
Disse que ele, depoente, fez a investigação e elaborou o relatório final que consta dos autos a fls. 120 a 188 e confrontado com o teor do relatório, confirmou o seu teor e a sua autoria.
Disse que fez o esboço e tem as fotografias do local do acidente.
Disse que a vítima ainda estava no local quando o depoente chegou, fez o relatório do veículo, fez exame geral ao veículo no dia do acidente. Disse que não fez exame técnico porque não tem competência para isso. Disse que o veículo tinha a inspecção válida e não tinha conhecimento de que o carro tinha qualquer avaria.
Sobre o cinto, disse que estava rebentado no ponto inferior, na parte do lado direito do ocupante.
Disse que não fora esta avaria a vítima não seria projectada.
Disse supor que se o cinto estivesse em condições a vítima não teria sido projectada, porque com o exercício da força do embate, o cinto bloqueia.
Disse que pelos vestígios que apurou a vítima levava o cinto e depois do acidente estava rebentando.
Referiu que na foto 15 do relatório do anexo 4, o cinto ficou como aí está e a foto 16 vê-se o cinto.
O depoente falou do procedimento na investigação.
Segundo o depoente o cinto foi rebentado no acidente e por força do mesmo e tal sucedeu por ter alguma deficiência.
Sobre os vestígios no local, sobre a velocidade e a causa do acidente, uma das causas é a velocidade excessiva aliado ao álcool, é que a arguida quando começa a derrapar entra em derrapagem quarenta e cinco metros e anda doze metros e depois capota lateralmente e imobiliza o carro a quarenta metros, temos cerca de oitenta a noventa metros desde o início do acidente até se imobilizar o veículo. Disse que a vítima e o motor do carro são projectados, saíram do carro.
Explicou que derrapar é diferente de travar.
Disse que derrapar o carro anda de lado, por isso tem a marca dos quatro pneus e bate de lado e o carro levanta.
Disse ter concluído pela velocidade excessiva, que a arguida seguia a velocidade excessiva, por causa dos quarenta e cinco metros de derrapagem mas não consegue dizer a que velocidade seguia a arguida.
Disse que o carro ia a subir.
Disse que a velocidade permitida no local é de 80 km/hora e supõe que a arguida seguia velocidade superior a 80 km/hora, e quando diz que a arguida seguia a velocidade excessiva porque não conseguia parar o carro no espaço visível a frente em segurança.
Disse ter referido velocidade excessiva e não excesso de velocidade porque não tem esta prova.
Disse que um rasto de derrapagem permite concluir que a arguida circularia a velocidade superior a 80 km/hora.
Disse que no local a visibilidade é de cento e cinquenta metros.
Disse que o corpo do ocupante foi projectado e caso não fosse projectado não sabe se teria falecido, referindo que se a vítima não tivesse sido projectada, ficava no interior do carro.
Disse que das fotos números 8 e 9 respectivamente do relatório fotográfico da fixação do cinto de segurança do veículo em causa, vê-se que a parte lateral direita do carro não está deformado, era o lado onde seguia a vítima.
Disse supor que se a vítima não fosse projectada podia ter morrido com outros danos mas não com os danos provocados pela projecção.
Aludiu as fotografias 19, 20 e 21 respectivamente - exame ao veículo, ponto 4 4 do relatório fotográfico - que se refere a parte do tejadilho e a coluna e a parte onde seguia a vítima e disse que não há vestígios de deformação.
Disse que se a arguida circulasse a 80 km/hora não deixaria estes rastos de vestígios.
Disse que a estrada, a via, sobe sempre desde o início do embate até a imobilização do carro (o que pode indiciar a velocidade excessiva porque se sobe devia abrandar e não ganhar velocidade).
Disse que a vítima foi projectada quando o carro começa a capotar, mas não sabe quando, se no início ou no fim, após a derrapagem e o embate do veículo no bloco de cimento.
Disse que o carro imobilizou-se numa via e o corpo noutra via e antes do carro.
Disse que a faixa de rodagem tem no total onze metros de largura e a faixa de rodagem onde seguia a arguida tem três metro e setenta centímetros.
Disse que a arguida disse que se distraiu e guinou para a direita, e segundo o depoente é possível que na distracção a arguida tenha imprimido velocidade ao veículo mas se há derrapagem é porque houve travagem.
Segundo o depoente, a arguida disse que não ia ser ultrapassada.
Segundo o depoente, supõe que a arguida quando se apercebe que está nas faixas, na banda sonora, guina o carro e não consegue controlá-lo e supõe que talvez tenha sido isto que aconteceu.
Disse supor que a banda sonora provoca este tipo de embate.
Disse que só esteve com a arguida no hospital e não sabe por que razão o teste ao álcool não foi feito no local. Disse que não foi feito o teste qualitativo e só fizeram a recolha ao sangue. Disse lembrar-se que na altura a arguida estava bastante alterada.
Falou do procedimento do teste de álcool aos condutores em caso de acidente, disse que no local a partir do momento em que a arguida, condutora, é socorrida, assistida pelos bombeiros, o teste nunca é feito no local, mas no hospital, com ar expirado ou ao sangue, mas não sabe qual a causa, por que razão fez-se o teste ao sangue e não ao ar expirado.
Disse ainda que falta saber se a arguida estava ou não em condições para fazer o teste expirado, supõe que pelo estado agitado dela, pode ter sido essa razão de fazer o teste recolha de sangue no hospital.
Disse não saber qual foi o critério dos militares da patrulha para não fazer o teste qualitativo à arguida no local e no hospital.
Disse que devia ter sido feito o teste qualitativo.
Testemunha de defesa
- J. L., técnico de acidentologia rodoviária, perito de seguros, trabalha por conta própria.
Disse que não conhece a arguida nem presenciou o acidente e analisou o acidente com base nos elementos constantes dos autos.
Disse ser autor do relatório junto com a contestação e confrontado com o teor do referido relatório confirmou a sua autoria e o seu teor.
Disse que da análise que fez do acidente, disse que não é um acidente fora do comum, o capotamento é comum com qualquer guinadela.
Disse que o desfecho final deve-se ao veículo que não estaria em condições no que respeita ao cinto de segurança porque o cinto não recolhe porque estava avariado.
Disse que por norma o cinto de segurança aguenta toneladas de peso e segundo o depoente não fora a avaria do cinto que rebentou e por isso a vítima foi projectada.
Confrontado com o teor das fotografias de fls. 184, 185 e 187 — fotografias 15, 16, 17 e 20 respectivamente do referido relatório, explicou de forma pormenorizada e precisa a função do cinto de segurança e o estado do mesmo no veículo em causa.
Disse que o cinto de segurança, mesmo depois do acidente, caso o cinto estivesse a funcionar, teria de ser cortado.
Disse que no caso, aludindo o relatório na página 5 - foto 15, o cinto não pode estar nestas circunstâncias, aludiu ainda as páginas 6 e 7 do relatório.
Disse que há uma falha no cinto e segundo o depoente, supõe que a anomalia do cinto é que provocou a projecção da vítima.
Segundo o depoente se o cinto tivesse a funcionar a vítima não teria sido projectada.
Disse que houve um capotamento.
Disse ainda que não consegue dizer se a vítima não fosse projectada não teria morrido.
Disse que é natural a manobra da arguida que guina para a direita e bate na esquerda.
Disse ainda ser natural que a arguida se tenha assustado ao circular encima, sobre as guias de segurança.
Disse considerar o acidente em causa um acidente comum.
Disse que houve uma clara falta de domínio de marcha por parte da arguida.
E relativamente à causa do acidente disse que não tem qualquer causa e no relatório que fez, só fala da questão do cinto e supõe que se o cinto estivesse em conformidade, minimizaria os danos, a vítima não seria projectada.
Disse que é difícil os cintos rebentarem nos acidentes e que havia anomalia do cinto porque o cinto não recolhia, o cinto estava solto.
Disse não conseguir dizer se a vítima levava o cinto ou não na altura até porque a arguida podia ter tirado o cinto, não sabe se a vítima levava ou não o cinto na altura.
Nesta altura a arguida prestou declarações, dizendo que não conseguiu tirar o cinto da vítima.
E ainda com base no teor da prova documental analisada de forma critica e junta aos autos:
- participação de óbito de fls. 3 a 6;
- auto de notícia e aditamento de fis. 16 a 18 e 77 a 82;
- relatório de toxicologia forense de fls. 22 a 27;
- relatório judiciário acidente de viação de fls. 46 a 55, elaborado pela testemunha J. R., cabo da GNR do Núcleo de Investigação Criminal em Acidentes de Viação (NICAVE);
- participação de acidente de viação de fls. 56 a 63 (97 a 99), elaborado pela testemunha H. J. cabo da GNR;
- documentação do veículo de fls. 69 a 74;
- carta de condução de fis. 75;
- relatório final de fls. 121 a 187;
- registo individual de condutor da arguida de fls. 191 a 192;
- certificado de registo criminal da arguida de fls. 194, 252 e 291;
- relatório de investigação de acidente de tráfego automóvel de fls. 243 a 246,
elaborado pela testemunha J. L.;
- relatório fotográfico da fixação do cinto de segurança do veículo de fls. 269 a 274;
- declarações do Centro de Respostas Integradas de Viana do Castelo datadas de 4 de Junho de 2020 e 7 de Outubro de 2020 respectivamente de fls. 265;
- declaração da Unidade de Desabituação do Norte datada de 4 de Novembro de 2020; e
- elementos clínicos de fls. 277 a 286;
- relatório social da DGRSP.
E na inspecção ao local.
*
Da conjugação da prova produzida resultante das declarações da arguida e dos depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa que se afiguraram credíveis resulta sem dúvida a factualidade descrita na acusação no que respeita à prática pela arguida do crime de condução do veículo em estado de embriaguez o que foi admitido e confessado pela arguida e a ocorrência do acidente de viação por factos imputáveis à arguida, desde logo por circular a velocidade excessiva por não conseguir imobilizar o veículo com segurança no espaço livre e visível à sua frente e ainda por conduzir o veículo de forma desatenta, quando segundo a mesma, em circulação, cuidou de valer o seu padrasto, o que foi referido pela mesma. Mais resulta da factualidade assente que o veículo conduzido pela arguida não era sua propriedade, pois o seu veículo encontrava-se a ser reparado e o cinto de segurança do lado da frente do ocupante do referido veículo, conduzido pela arguida, tinha anomalias que levou à projecção do ocupante do veículo que seguia no banco da frente.
Da factualidade assente dúvidas não há da responsabilidade da arguida pela ocorrência do acidente, no entanto não se pode assacar responsabilidade à arguida pela morte de A. F., porquanto a sua projecção do veículo com o embate apenas se verificou por força das anomalias do cinto de segurança, o que foi testado pelos documentos — relatórios — juntos aos autos que incidiu e procedeu ao exame do veículo e confirmado e corroborado pelas testemunhas, autores dos referidos relatórios, que forma precisa, isenta, imparcial, coerente e peremptórios referiram as anomalias do cinto de segurança e disseram ainda que não fora tais anomalias a vítima não seria projectada, como foi, ficaria no veículo, tal como a arguida, condutora, e sua mãe, também ocupantes do veículo. Note-se que a arguida e a sua mãe foram transportadas ao hospital e sofreram lesões ligeiras.
A prova produzida, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não consente a conclusão da responsabilidade da arguida pela morte da vítima, desde logo por não se verificar a relação de causalidade entre a conduta da arguida e o resultado, morte da vítima que segundo a prova produzida resultou das anomalias do cinto de segurança. Acresce dizer ainda a propósito das referidas anomalias do cinto de segurança que a responsabilidade da arguida também se mostra afastada desde logo por que o veículo não era seu.
A prova produzida em audiência, revelou-se conjugada na sua globalidade capaz de levar a um convencimento do Tribunal sem qualquer dúvida, digamos, com certeza de que a arguida praticou apenas os factos de que vinha acusada no que respeita ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez e quanto aos demais factos, impõe-se concluir pela improcedência da acusação.
Relativamente à situação pessoal e aos antecedentes criminais da arguida, o Tribunal teve em consideração o certificado do Registo Criminal e a próprias declarações da arguida que nesta matéria se nos afiguraram credíveis, bem como o relatório social junto aos autos.
*
Apreciação do recurso.

A recorrente, que foi condenada pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, manifesta o seu inconformismo pelo facto de ter sido valorado o resultado do exame toxicológico de pesquisa de álcool no sangue, sem que tivesse sido, como deveria - no seu entendimento - ter sido efetuado através de pesquisa no ar expirado, o que - sempre no entendimento que defende - torna inválida a prova e a consequente condenação.
O procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool, ou de substâncias psicotrópicas, está previsto nos artigos 152º e ss do Código da Estrada (doravante CE), - v.g. nos artigos 153º e, para o caso que agora nos interessa, no 156º, uma vez que a recorrente foi interveniente em acidente de viação- e bem assim na Lei 18/2007 de 17/05 - Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência de Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.
Do Código da Estrada decorre que devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, os condutores (artigo 152º, nº 1 alínea a) do CE), sendo que os respetivos exames devem (artigo 153º, nº 1 do CE) ser realizados por pesquisa de álcool no ar expirado, ou por análise de sangue, se o examinando o preferir (artigo 153º, nº 5 do CE), caso em que deve ser conduzido a local onde o exame possa ser efetuado.
Em caso de acidente os condutores nele intervenientes devem, também, ser sempre sujeitos a exame de pesquisa de álcool no sangue, o qual deverá ser feito por ar expirado se o estado de saúde o permitir (nº 1 do artigo 156º do CE) e, quando tal não for possível, cabe ao médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos, proceder à colheita de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de embriaguez pelo álcool (artigo 156º, nº 2 do CE).
A lei prevê ainda as situações em que, nem pelo ar expirado, nem pela colheita sanguínea seja possível obter resultados, o que, por agora, irreleva.
Por sua vez, nos artigos 1º a 7º da Lei 18/2007 de 17/05 - Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência de Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas-, está plasmado o modo como se deve proceder à deteção e quantificação da taxa de álcool, ao método de fiscalização, à realização de contraprova e, bem assim, no caso de impossibilidade de realização de teste por ar expirado, à colheita de sangue e subsequente exame toxicológico, e ainda, quando nenhum dos anteriores métodos for possível, ao exame médico necessário para determinação do estado de influenciado pelo álcool.
Portanto, da lei resulta, efetivamente, que a deteção do estado de influenciado pelo álcool deve ser, preferencialmente, levada a efeito por meio do ar expirado e, só quando tal não for possível, por exame de sangue, uma vez que, mesmo em caso de acidente de viação, a lei prevê a obrigatoriedade da submissão a exame de pesquisa de álcool no ar expirado (artigo 156º, nº 1 e 153 do CE).
A questão que a recorrente coloca é, então, a de saber se o facto de não ter sido sujeita a exame de pesquisa de álcool pelo ar expirado, mas apenas a exame ao sangue, no hospital para onde foi conduzida, torna inválida a prova na qual se baseou a condenação, uma vez que nada impedia, no seu entender, que lhe tivesse sido feito o exame por ar expirado no local do acidente.

Antes de entrarmos na análise do cerne da questão, impõe-se deixar aqui duas notas prévias, em jeito de breve esclarecimento, para melhor enquadramento da situação sub iudice:

-a primeira, a de que a realização de exame para deteção do estado de influenciado pelo álcool não depende do consentimento do condutor. A ele pode opor-se, evidentemente, sofrendo as consequências legais, mas o seu expresso consentimento não é exigido por lei;
- a outra nota é a de que a realização do exame não se traduz numa forma de autoincriminação, desde logo porque a realização do exame não se destina, necessariamente, à condenação do condutor - podendo até determinar a absolvição, dependendo do resultado - mas tão só a alcançar a verdade material, fim último da obtenção de prova em qualquer processo.

Posto isto, vejamos, então, se a recolha de amostra de sangue nas circunstâncias apuradas constituiu, ou não, prova legalmente inadmissível.
Resulta da factualidade provada que a recorrente, conduzia um automóvel, no qual seguiam também o seu padrasto e sua mãe. A determinada altura do percurso, entrou em despiste e, depois de vários embates, capotou, imobilizando-se a 98 metros do local onde iniciou o despiste.
Em consequência do acidente, o seu padrasto, ocupante no lugar do pendura, foi projetado para o exterior do veículo e veio a falecer no local, e a arguida e sua mãe foram transportadas pelo INEM para o serviço de urgência da ULSAM EPE, com lesões corporais, mas de pouca gravidade.
Foi neste circunstancialismo que a arguida acabou por ser, no hospital, sujeita a colheita sanguínea para deteção de álcool, que submetida a posterior perícia toxicológica, revelou uma TAS de 2,27gr/l e que, após dedução da margem de erro, se fixou em 1,98gr/l.
Ora, nas referidas circunstâncias, pode afirmar-se que a lei foi violada ao não ter sido dada prevalência ao teste de deteção de álcool por ar expirado?
A resposta vamos buscá-la à lei.
Já vimos que nos termos dos artigos 153º e 156º do CE, mesmo em caso de acidente de viação, os intervenientes devem ser, sempre que possível, sujeitos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado. No entanto, acrescenta o nº 2 do artigo 156º, que quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior (exame por pesquisa de álcool no ar expirado), o médico do estabelecimento de saúde para onde os intervenientes no acidente forem conduzidos deverá proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico (…).
Ora, na expressão "quando não tiver sido possível" cabem muitas razões, e não, necessariamente, apenas respeitantes ao estado de saúde dos intervenientes. É que, os procedimentos a adotar têm de respeitar o tempo e o modo de atuação previstos no Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência de álcool (Lei 18/2007 de 17.05), e dele decorre uma sequência de procedimentos que, no caso de acidente de viação, têm de ser levados a cabo, tendo em conta as circunstâncias decorrentes do próprio acidente de viação.
E assim, se é verdade que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo (artigo 1º, nº 1), já a quantificação é feita por analisador quantitativo, ou análise de sangue (artigo 1º, nº 2). Para a realização do teste quantitativo deverá o examinando ser transportado, acompanhado por agente fiscalizador, ao local onde tal teste possa ser efetuado - habitualmente as instalações da autoridade policial -, não devendo o intervalo do tempo entre os dois testes ser superior a 30 minutos (artigo 2º, nºs 1 e 2 do citado Regulamento).
Ora, perante esta exigência legal, tendo havido a necessidade de transportar a recorrente ferida ao hospital, é manifesto que não seria possível optar pela realização do teste por meio de ar expirado, que implicaria retirá-la do local onde se encontrava o analisador qualitativo, quando era claramente- porque estava ferida - mais premente a sua deslocação ao hospital. Por outro lado, se a ida ao hospital fosse intercalada entre os dois testes (qualitativo ou quantitativo) seguramente se excederia, em muito, o tempo que a lei determina como adequado para mediar entre um e outro (30 minutos).
Portanto, não há dúvida de que nas circunstâncias apuradas não seria possível realizar o exame de pesquisa de álcool por meio de ar expirado, pelo que bem agiram os militares da GNR ao terem procedido como procederam. De facto, nas circunstâncias expostas o exame ao sangue não revestiria o caráter de subsidiariedade ou excecionalidade a que se refere a recorrente, e também ao contrário do defendido, existia fundamento legal para a atuação encetada, mesmo que aparentemente desconhecida dos militares, ou de outro modo por eles interpretada.
A questão, repise-se, não pode ser vista apenas pelo prisma da situação de saúde da recorrente permitir, ou não, realizar o teste de álcool pelo ar expirado. Tem de ser vista pela necessidade de observar os procedimentos legais, por forma a optar pela via que garantisse que a saúde da arguida não era posta em causa, que os resultados fossem fiáveis, e que não se violasse a letra e o espírito da lei, o que só com a preterição do teste pelo ar expirado e opção pelo teste por análise sanguínea se alcançava.
E sentido idêntico ao agora decidido já se pronunciou esta Relação no acórdão de 11.03.2019 (processo 38/18.1GAVNF.G1), não havendo razão para dele divergir.
É, pois, evidente que a arguida não foi condenada com uma prova inválida como alega, pelo que deverá a sentença ser confirmada.

III.
DECISÃO.

Em face do exposto, decidem os juízes desembargadores do tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente o recurso interposto pela arguida M. L., confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Guimarães, 7 de março de 2022

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho