Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
275/16.3GBVNF.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: MEDIDA DA PENA
CRITÉRIOS LEGAIS
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.

II) A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.

III) In casu, não merecendo censura o elenco de fatores e a ponderação que deles foi feita pelo tribunal a quo na determinação da medida da pena, não se descortinando circunstâncias relativas às condições pessoais do arguido que imponham a pretendida redução da pena, de forma a facilitar a ressocialização do arguido, é de manter a pena de 3 anos e 8 meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica do artº 152º, nºs 1, b), e 2, do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 275/16.3GBVNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão - J1, foi proferida sentença, datada e depositada a 25-05-2017, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]):
«V. - Decisão
Pelo exposto, e ao abrigo dos citados normativos, julgo a acusação totalmente procedente e, em consequência, decido:
A) Condenar o arguido B. O. como reincidente pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime violência doméstica, p. e p. pelos arts. 75º, 76º, n.º 1, e 152º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Código Penal na pessoa da ofendida C. C., na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
B) Condenar o arguido B. O. na pena acessória de proibição de qualquer contacto, incluindo via telefónica ou via internet, com a ofendida C. C., com afastamento da residência desta, sita na Rua (…), Famalicão.
C) Determino que o arguido continue sujeito à medida de coação imposta - prisão preventiva, nos termos dos arts. 213º, nº1, al. b), 202, nº1, al. b), 204, al. b) e c), e 1º, al. j), todos do CPP e 152º, nº1, al. b), e 2, do CP.
D) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta), nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
E) Declarar cessada, após trânsito, qualquer medida de coação imposta ao arguido, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).
F) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C. C., contra o demandado B. O. e, consequentemente, condenar este a pagar a quantia de 5000,00€ (cinco mil euros), acrescidos de juros de mora legais, contados desde o trânsito em julgado até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do resto peticionado.
G) Custas pelo demandado, na proporção do decaimento, sem prejuízo do art. 4º, nº 1, al. n), do R.C.P. ou do apoio judiciário concedido. Atendendo que à ofendida foi atribuído o estatuto de vítimas de crime de violência doméstica, a mesma está isenta de custas, nos termos do art. 4º, nº1, al. z), do R.C.P.»
2. Mostrando-se inconformado com a medida da pena de prisão aplicada, o arguido interpôs o presente recurso, formulando conclusões que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente:

«CONCLUSÕES:
A. O Arguido foi condenado em 03 (três) anos e 08 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152º, n.º 1, b) e n.º 2 do Código Penal;
B. O limite máximo e mínimo do crime pelo qual o Arguido vem acusado é de 02 anos e 08 meses e 05 anos de prisão, uma vez que foi o Arguido considerado reincidente nos termos do artigo 75º do Código Penal.
C. Entende o Arguido que atentos os factos da Douta Sentença, a condenação não poderia ter dado lugar ao período de condenação tão grave como deu.
D. Ao fixar a medida da pena, é necessário considerar a culpa do agente, bem como critérios de prevenção geral e de prevenção especial.
E. Assim, a graduação far-se-á atendendo aos critérios fornecidos pelos artigos 40º e 71º do C.P.
F. De acordo com o artigo 40º do Código Penal, a aplicação de penas visa proteger os bens jurídicos, mas igualmente a reintegração do agente na sociedade, referindo também que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
G. Na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do artigo 71º do C.P.
H. Analisando o procedimento do Tribunal A Quo não parecem ter sido seguidas, com o devido rigor, as disposições que os dois artigos acima referidos contêm.
I. Aplicar ao Arguido uma pena superior a mais de metade da moldura penal aplicável ao crime afigura-se manifestamente excessivo.
J. Acresce também que todas as doutrinas sobre prevenção têm como fim último a reinserção social do agente (ressocialização).
K. E, se não se pode ignorar que, em certa medida, o tempo de reclusão pode contribuir para a reinserção social do Arguido,
L. também não se podem ignorar, nem desprezar, os efeitos criminógenos da pena não privativa da liberdade, bem como as dificuldades de promover a reinserção social do condenado recluso, particularmente sentidos quando o tempo de reclusão é longo.
M. A própria cadeia é em si mesma uma verdadeira “escola do crime”, podendo, em casos de maior debilidade social e económica, agravar significativamente as possibilidades de reinserção do Arguido.
N. No caso, o Tribunal a quo parece ter não ter valorizado na justa medida todos estes aspetos.
O. Verdade que o Arguido tem já outras condenações anteriores.
P. Verdade também, que o Arguido sofre de problemas de foro psiquiátrico para os quais agora se mantém medicado.
Q. Conforme consta da matéria de facto provada (ponto 22), o Arguido situa sensivelmente no ano de 2009 o seu internamento de cerca de 15 dias no Hospital Magalhães Lemos onde esteve submetido a tratamento psiquiátrico com medicação antidepressiva e ansiolítica.
R. A construção da individualidade empreendida pelo Arguido decorreu no agregado de origem, composto pela díade parental e pela prole de quatro da qual é o terceiro, em ambiente familiar que foi sendo sucessivamente conturbado pela toxicodependência de cada um dos descendentes, faseado por momentos de adequação aos diversos contextos de desenvolvimento da personalidade com outros de desagregação social. (ponto 20)
S. Habilitado com o 2º ciclo do ensino, precocemente integrou o mundo laboral pelos treze anos de idade tendo, num igual período de tempo, exercido funções profissionais nas áreas da carpintaria, da estamparia e da panificação, trajeto entretanto assolado pelo advento do transtorno de uso de substâncias estupefacientes, pela instabilidade pessoal e pela frustração das diversas tentativas de resolução daquela problemática. (ponto 22)
T. O Arguido não consegue perceber a exiguidade das estratégias empreendidas na resolução dos problemas, satisfazendo-se unicamente com o acompanhamento médico no Centro de Saúde e a toma da medicação psiquiátrica prescrita para controlo das alterações de humor, nem entender a necessidade de submissão a acompanhamento psicoterapêutico facilitador da compreensão dos motivos da conduta antissocial, da impulsividade assim como das ambivalências das decisões tomadas. (ponto 26)
U. No período de liberdade decorrido entre os dias 21-07-2016 e 07-12-2016, ou seja após libertado do cumprimento de pena de prisão, realizou alguns biscates tendo trabalhado como embalador de carnes cerca de quinze dias na empresa C. … . (ponto 28)
V. Desprovido de qualquer acompanhamento psicoterapêutico complementar o Arguido assume que mantinha a medicação ansiolítica e antidepressiva prescrita concomitante com momentos de abuso do consumo de bebidas alcoólicas, tendo ocorrido diversos momentos em que perdeu o controlo da impulsividade.
W. O Arguido detém enquadramento familiar e habitacional no agregado paterno, composto pelo seu irmão, padecente de doença de foro psiquiátrico, domiciliado em …, Guimarães, onde residem há cerca de quatro anos, correspondente a uma habitação de tipologia 2, arrendada por €100 mensais a qual, ainda que pequena apresenta condições de conforto. (ponto 30)
X. Este agregado apresenta condição financeira precária decorrente da exiguidade das pensões mensais auferidas de €262 cada, correspondentes à invalidez do irmão e à reforma do progenitor o qual, por vezes efetua alguns biscates na agricultura. Este ascendente parental impõe que o suporte familiar a prestar ao Arguido tem que ser acompanhado da sua inserção laboral. (Ponto 31)
Y. O Arguido dispõe do apoio incondicional da família para que concretize o processo de ressocialização com sucesso.
Z. O período de reclusão aplicado ao Arguido é excessivo, pois implica demasiado tempo de inatividade para si, com consequências demasiado gravosas para toda a sua família.
AA. Aliás, a viabilidade económica do seu agregado familiar pode ficar prejudicada, já que nos dias de hoje os custos são avultados e a crise financeira do País em nada ajuda, com tal período de inatividade.
BB. Logo, também este especto, se devidamente considerado, justificaria uma redução substancial da pena aplicada.
CC. O Arguido projeta-se em meio livre possivelmente em processo emigratório para o Principado do Liechtenstein, onde se encontra desde 2013 o seu irmão mais velho, operário hoteleiro e conseguir junto deste idêntica ocupação profissional. (Ponto 32)
DD. No meio prisional, (Ponto 35) a conduta assumida pelo Arguido tem sido adequada ao disciplinado exigido mantendo acompanhamento da especialidade de psiquiatria aguardando pela definição da situação jurídica, alentado pela possibilidade de beneficiar de nova medida não privativa da liberdade concretizável em Comunidade Terapêutica.
EE. Assim, não poderá deixar de se tomar em atenção a forma como a opção do Recorrente pelo comportamento ilícito, ou desvalioso, terá sido condicionada por um prévio problema de foro psiquiátrico que não estava a ser devidamente tratado.
FF. E que após tratamento no estabelecimento prisional, o Recorrente voltou a ter uma postura adaptada e um comportamento adequado.
GG. Já sabemos que a prática deste crime está, no caso em apreço, associada à doença do Arguido.
HH. Ora, considerar que tão longa estadia num Estabelecimento Prisional o vai impedir de cometer outros crimes no futuro, quando o que realmente poderá impedir é um tratamento médico à sua doença, não garante qualquer eficácia à pena.
II. Uma duração tão longa da pena seria antes um retrocesso porque não acautela o cometimento de novos ilícitos.
JJ. O Arguido precisa de ser tratado, não preso.
KK. Será certamente mais benéfico para a sociedade que o cumprimento da pena do Arguido seja lentamente canalizado para fora de qualquer Estabelecimento Prisional, para que não contacte com um ambiente pernicioso e, essencialmente, para que trate a sua doença.
LL. E quando diz que pretende emigrar é porque se quer afastar definitivamente do meio que o conduziu ao consumo de drogas e bebida e desestabilizou a sua vida.
MM. Tal como consta na matéria de facto provada, no Ponto 36, o Arguido manifesta afetos positivos quer pela ex-companheira e vítima destes autos, indicando nada ter a apontar a C. C. tanto como mulher ou como mãe, quer pelo seu filho, proferindo sentimentos de identidade e de perda pela falta da convivência com o menor com 6 anos de idade.
NN. Logo, as necessidades de prevenção geral e especial não justificam de modo nenhum a duração da pena aplicada pelo Tribunal a quo.
OO. O Tribunal também não fez correta interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.º 40º, 70º, 71º, 72º e 77º, todos do Código Penal.
PP. Nestes termos e com estes fundamentos, afirmamos que a pena infligida ao Arguido se afigura desproporcional e desadequada tendo em conta a duração da execução e as suas consequências, as suas circunstâncias pessoais, bem como perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama, devendo, pois, ser reduzida em conformidade.
QQ. Atentas as particularidades do caso, não se corre o risco de uma pena menor neste caso ser considerada laxista.
RR. Por outro lado, da aplicação dos artigos 71º, n.º 2, al.ªs c-), d-) e e-) do CP decorre a obrigação de serem atendidas todas as circunstâncias que depuseram a favor do agente, sendo de notar a particular necessidade de, no caso concreto, atender às condições pessoais do agente — in casu, um confesso problema de saúde mental.
TERMOS EM QUE, para além dos melhores de Direito cujo Douto suprimento se requer, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a Douta Sentença na parte em que da mesma se recorre, quanto à medida da pena, bem assim, reduzindo a mesma,
Com o que se fará a costumada JUSTIÇA!»
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência e a manutenção da sentença recorrida na íntegra e nos seus termos, por entender que a pena aplicada respeita as necessidades de prevenção geral e especial, bem como a medida da culpa do agente, tendo o tribunal atendido aos princípios e critérios orientadores na escolha e dosimetria da pena, respeitando o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º, todos do Código Penal, pelo que a mesma deverá ser mantida, acrescentando ainda que, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido, o facto de o mesmo já ter sido anteriormente condenado em pena de prisão efetiva, a ameaça da eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão não será suficiente para o desviar da prática de crimes, pelo que não se mostram preenchidos os requisitos do artigo 50º do Código Penal, não sendo adequada a suspensão da execução da pena ao caso concreto.
4. Também a assistente C. C. respondeu à motivação do recorrente, entendendo que as circunstâncias factuais apuradas são reveladoras de um grau de ilicitude muitíssimo elevado, de uma intensidade do dolo elevada e de exigências de prevenção geral e especial também elevadas, para além de que da factualidade provada nada permite concluir pelo alegado problema do foro psicológico do arguido, que tem apenas um comportamento de abuso de consumo de bebidas alcoólicas, que mistura com medicação antidepressiva e ansiolítica, podendo continuar a beneficiar de acompanhamento da especialidade de psiquiatria no meio prisional, pelo que a ponderação de todas essas circunstâncias na determinação da pena respeitou as necessidades de prevenção geral e especial, bem como a medida da culpa, nos termos do disposto nos arts. 40º e 70º do Código Penal, pelo que deve a mesma ser mantida, negando-se provimento ao recurso.
5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, pelas razões e fundamentos invocados nas respostas do Ministério Público e da assistente, entende que o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, por a decisão recorrida haver aplicado uma pena equilibrada, tendo em conta os factos apurados, a medida abstratamente aplicável, a reincidência do arguido e os fins da prevenção geral e especial da pena.
6. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve respostas a esse parecer.
7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, al. c) do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. QUESTÕES A DECIDIR

Dispõe o art.º 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
As conclusões definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando, assim, para o tribunal ad quem, as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais[2].
No caso vertente, a única questão a apreciar é a de saber se a medida da pena de prisão aplicada ao recorrente é excessiva, devendo ser reduzida no seu quantum.

2. DA DECISÃO RECORRIDA

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
«1. O arguido e a ofendida C. C., desde há sete anos e até ao dia 31 de Outubro de 2016, viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, como marido e mulher, residindo, por último, na habitação sita na Rua (…), Famalicão, sendo que, dessa relação nasceu B. O., no dia 12/2/2011.
2. Desde Julho de 2010, data em que faleceu a mãe da ofendida, com quem ambos residiam, o arguido, por diversas vezes, pelo menos uma vez por semana, especialmente quando se encontrava embriagado, e ainda quando a sua companheira se encontrava grávida do filho de ambos, incentivava-a de filha da puta…vaca…badalhoca… sempre foste uma puta, ao mesmo tempo que lhe dizia eu roubo-te o menino…eu mato-te e, simultaneamente, empurrava-a, agarrava e apertava-lhe os braços e apertava-lhe o pescoço, sempre com o intuito de a amesquinhar e amedrontar e criar na mesma um espírito redutor, por forma também a deixá-la receosa que, a qualquer momento, aquele podia atentar contra a sua integridade física.
3. Em data não concretamente apurada, mas logo no início de tal relação, quando ambos seguiam numa viatura automóvel conduzida pelo arguido, quando passavam diante das instalações da empresa T. ..., Famalicão, este, encontrando-se embriagado, começou a discutir com a ofendida, apodando-a de puta, empurrou-a para fora da viatura e depois sai ele também e empurra-a contra os rails ali existentes, fazendo com que a mesma tombasse ao chão, apenas cessando com tal comportamento devido à intervenção de populares, acabando o arguido por entrar depois para a viatura, altura em que a ofendida tenta entrar para o veículo para evitar ficar ali sozinha, sendo que o arguido arrancou com o veículo embatendo na ofendida que foi projetada contra os rails, perdendo momentaneamente os sentidos, abandonando-a naquelas condições.
4. No dia 18 de Julho de 2010, pelas 22h20, sendo que nessa altura o denunciado, momentaneamente, não residia com a ofendida, aquele B. O., deslocou-se à habitação de C. C., forçando a entrada na residência, depois de arrombar a porta da cozinha e depois abeirou-se da ofendida, empurrou-a contra a parede, ao mesmo tempo que a apodava de puta, dizendo-lhe ainda mato-te a ti e ao filho que tens na barriga ao pontapé.
5. No dia 7/6/2011, o denunciado, acabou por ser detido para cumprimento de pena de 96 dias prisão subsidiária, no âmbito do proc. sumário 394/10.0GAVNF do 1.º Juízo Criminal do TJ de Famalicão, sendo que, depois de cumprida aquela pena, regressou à habitação comum e, passada cerca de uma semana, passou a agredir, invetivar e ameaçar a sua companheira daquela mesma forma, já acima descrita, com um frequência de pelo menos uma vez por semana.
6. Entretanto, o denunciado foi novamente detido a 22 de Julho de 2013, para cumprimento duma pena de 3 anos de prisão, no âmbito do proc. comum colectivo 47/10.9GBVNF, do 1.º Juízo Criminal do TJ de Famalicão, onde foi condenado pela prática dos crimes de resistência e coação sobre funcionário, ofensa à integridade física qualificada, ameaça agravada e injúria agravada, acabando libertado no dia 21/7/2016, passando desde então a residir novamente com a ofendida, sendo que, depois dessa data, continuou com aquele mesmo comportamento para com a sua companheira, no interior da habitação, e na presença do filho de ambos.
7. No dia 31 de Outubro de 2016, pelas 17h, o denunciado deslocou-se ao local de trabalho da sua companheira, uma fábrica têxtil sita na Av.ª (…), Famalicão, e, na presença da mesma e diante de todas as colegas de trabalho desta, disse-lhe: “és uma puta…uma mentirosa…deixa essa merda…sois todas umas putas.
8. Nesse mesmo dia, pelas 19h, quando a ofendida já se encontrava na habitação comum, o arguido voltando-se para C. C. diz-lhe: “és outra filha da puta…és tão boa como elas”, sendo que, a determinado momento, começou a agarrar e abanar, cada vez com mais força, a sua companheira, levando esta a gritar por ajuda dos vizinhos e o filho de ambos que também ali se encontrava presente a dizer ao arguido para largar a mãe, mas, mesmo assim, o arguido continuou a puxar os cabelos e agarrar e apertar os braços da ofendida, colocando-se mesmo sobre o seu corpo, ao mesmo tempo que lhe dizia “puta…vaca…eu mato-te”, apenas cessando com a intervenção dos vizinhos M. M. e F. M. que ali acorreram, e com quem o arguido se envolveu também fisicamente, tendo entretanto solicitado a presença da GNR de Joane.
9. E, já na presença dos militares da GNR de Joane que ali acorreram, A. B. e B. S., o arguido manteve uma atitude de desafio para com a sua companheira, levando a que esta se escondesse por trás dos militares, e mesmo assim o arguido continuou a esbracejar na sua direção tentando alcançá-la ao mesmo tempo que, em tom elevado de voz, dizia-lhe: “cala-te as tuas amigas são umas putas…umas vacas…tu és igual a elas”, permanecendo sempre a ofendida agarrada aos militares e atrás destes, a chorar, receando que o mesmo a agredisse.
10. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores nas zonas atingidas e ainda as seguintes lesões:
- no membro superior direito: ao nível do terço superior da face medial do braço, equimose arroxeada com 1x0,5cm;
- no membro superior esquerdo: ao nível do terço médio da face interna do braço, equimose azulada, com 3,5cmx2cm,
lesões essas que lhe determinaram 5 dias de doença, sem afetação da capacidade de trabalho geral ou trabalho profissional.
11. Em virtude do comportamento do arguido, que vinha a tornar-se cada vez mais violento, e receando pela sua integridade física e pela sua vida, e pelo filho de ambos, a ofendida viu-se forçada, naquele mesmo dia 31 de Outubro de 2016, a abandonar a habitação comum, sua propriedade.
12. Ao atuar da forma supra descrita, o denunciado agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a aplicação na ofendida, sua companheira e mãe do seu filho, diante deste e na habitação comum à altura, de forma reiterada, daqueles insultos, ameaças e agressões físicas, eram meios aptos a molestá-la física e psiquicamente, de molde a fazê-la sentir-se vexada, lesando a sua integridade física e moral e dignidade pessoal, bem como a deixá-la desassossegada e atormentada, pelo receio de poder vir a ser alvo de condutas que a atinjam na sua própria vida ou integridade física, bem sabendo ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
13. Acresce ainda que, como supra referido, no âmbito do proc. comum coletivo 47/10.9GBVNF, do 1.º Juízo Criminal do TJ de Famalicão, por sentença proferida a 7/5/2013, e transitada em julgado a 28/6/2013, o arguido havia já sido condenado na pena única de 3 anos de prisão efetiva, pela prática, entre 5/2/2010 e 18/10/2010, dos crimes de resistência e coação sobre funcionário, ofensa à integridade física qualificada, ameaça agravada e injúria agravada, tendo iniciado o cumprimento de tal pena no dia 22/7/2013 e terminando no dia 21/7/2016.
14. Face às circunstâncias e natureza dos factos supra descritos, verifica-se que aquela condenação não constituiu, assim, suficiente advertência contra o crime para aquele arguido nem logrou afastá-lo da criminalidade, contra bens jurídicos até semelhantes, a integridade física e moral e dignidade pessoal de terceiros.
15. Face à conduta supra descrita do arguido, a ofendida em 31/10/2016 foi acolhida numa casa de abrigo.
16. Face à conduta supra descrita do arguido, a ofendida sentiu angústia, sofrimento, medo, dor, humilhação.
17. A ofendida não apresentou queixa-crime contra o arguido antes por medo dele;
18. Não obstante o arguido se encontrar em prisão preventiva, o mesmo continua a incomodar via telefone a ofendida dizendo-lhe:
”- oh puta atende, sou eu
- só te quero dizer que um dia destes saio para fora
- és uma puta, velha, gorda e feia
19. O arguido B. O. tem averbados antecedentes criminais no seu registo criminal, designadamente:
- Foi condenado no âmbito do processo comum nº 46/07.8PBGMR, que correu seus termos no 2º Vara mista do Tribunal Judicial de Guimarães, por acórdão datado de 14/05/2009, transitado em 16/11/2009, por um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 01/2007, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova. Tal pena encontra-se extinta nos termos do art. 57º C.P.;
- Foi condenado no âmbito do processo comum nº 178/05.7GBVNF, que correu seus termos no 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por decisão datada de 26/04/2013, transitada em 30/09/2013, por um crime de furto qualificado e um crime de dano, por factos ocorridos em 12/05/2005 e 01/03/2012, respetivamente, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova. Tal pena encontra-se extinta nos termos do art. 57º C.P.;
- Foi condenado no âmbito do processo comum coletivo nº 853/08.4PAVNF, que correu seus termos no 2º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por acórdão de 02/06/2009, transitado em 30/07/2009, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de furto simples, um crime de furto qualificado, um crime de dano simples, por factos ocorridos em 07/2008, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, a qual se encontra extinta nos termos do art. 57º C.P.;
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 128/10.9GBVNF, que correu seus termos no 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por sentença datada de 20/04/2010, transitado em 14/06/2010, por um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 03/04/2010, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade, a qual se encontra extinta pelo cumprimento;
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 394/10.0GAVNF, que correu seus termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por decisão datada de 08/06/2010, transitada em 14/07/2010, por um crime de desobediência e um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 16/05/2010, na pena única de 145 dias de multa à taxa diária de 6,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses. Tal pena de multa foi substituída por 96 dias de prisão subsidiária, a qual se encontra extinta pelo cumprimento;
- Foi condenado no âmbito do processo comum coletivo nº 439/07.0GDSTS, que correu seus termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, por acórdão de 31/05/2011, transitado em 20/06/2011, por um crime de condução sem habilitação legal e por um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 19/11/2007, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova. Tal pena encontra-se extinta nos termos do art. 57º C.P.;
- Foi condenado no âmbito do processo comum coletivo nº 368/11.3GBVNF, que correu seus termos no 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por acórdão de 30/01/2013, transitada em 01/03/2013, por um crime de ameaça agravada e um crime de ofensas à integridade física qualificada, por factos ocorridos em 03/12/2011, na pena única de 14 meses de prisão, suspensa por 2 anos com regime de prova; Tal pena encontra-se extinta nos termos do art. 57º C.P.;
- Foi condenado no âmbito do processo comum coletivo nº 47/10.9GBVNF, que correu seus termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por acórdão de 07/05/2013, transitado em 28/06/2013, por um crime de resistência e coação sobre funcionário (factos ocorridos em 18/07/2010), um crime de ofensa à integridade física qualificada (factos ocorridos em 05/02/2010), 10 crimes de ameaça agravada (factos ocorridos em 13/06/2010), um crime de resistência e coação sobre funcionário (factos ocorridos em 18/10/2010), 3 crimes de injúria agravada (factos ocorridos em 18/07/2010), 4 crimes de ameaça agravada (factos ocorridos em 05/02/2010), na pena única de 3 anos de prisão efetiva; Tal pena encontra-se extinta pelo cumprimento. 20. A construção da individualidade empreendida por B. O. decorreu no agregado de origem, composto pela díade parental e pela prole de quatro da qual é o terceiro, em ambiente familiar que foi sendo sucessivamente conturbado pela toxicodependência de cada um dos descendentes, faseado por momentos de adequação aos diversos contextos de desenvolvimento da personalidade com outros de desagregação social, descontrolo e prática criminal.
21. Habilitado com o 2º ciclo do ensino, precocemente integrou o mundo laboral pelos treze anos de idade tendo, num igual período de tempo, exercido funções profissionais nas áreas da carpintaria, da estamparia e da panificação, trajeto entretanto assolado pelo advento do transtorno de uso de substâncias estupefacientes, pela instabilidade pessoal e pela frustração das diversas tentativas de resolução daquela problemática e pelas dificuldades de cumprir com as exigências profissionais, vulnerabilidades que sobrevêm associadas à prática criminal e ao comportamento de abuso do consumo de bebidas alcoólicas.
22. B. O. situa sensivelmente no ano de 2009 o seu internamento de cerca de 15 dias no Hospital Magalhães Lemos onde esteve submetido a tratamento psiquiátrico com medicação antidepressivas e ansiolítica, prescrição mantida através do seu médico de família.
23. Neste processo de autonomização, B. O. estabeleceu relacionamento com C. C., vítima nestes autos, constituindo agregado próprio em coabitação com o irmão da companheira.
24. Desta união nasceu o filho do casal, infante com 6 anos de idade.
25. Cumpriu 5 suspensões de execução de pena, 4 com regime de prova e uma simples bem como dois períodos de prisão, um de 96 dias e outro de 3 anos, este decorrido entre os dias 22-07-2013 e 21-07-2016.
26. Não obstante o supra referido, B. O. não conseguiu perceber a exiguidade das estratégias empreendidas na resolução dos problemas, satisfazendo-se unicamente com o acompanhamento médico no Centro de Saúde e a toma da medicação psiquiátrica prescrita para controlo das alterações de humor, nem entender a necessidade de submissão a acompanhamento psicoterapêutico facilitador da compreensão dos motivos da conduta antissocial, da impulsividade assim como das ambivalências das decisões tomadas.
27. No período de liberdade decorrido entre os dias 21-07-2016 e 07-12-2016, ou seja após libertado do cumprimento de pena de prisão, B. O. retornou à residência do agregado situada em (…), Vila Nova de Famalicão, composto pela então companheira e vítima nos autos, pelo filho de ambos e por um cunhado, convivência que descreve como conflituosa e reativa aos comportamentos uns dos outros gerando um clima de mal-estar familiar que motivou a sua saída para o agregado do seu pai, ocorrida cerca de uma semana a quinze dias antes da presente reclusão.
28. Na maioria do sobredito período de liberdade B. O. persistiu inativo realizando alguns biscates tendo trabalhado como embalador de carnes cerca de quinze dias na empresa C., enquadramento laboral abandonado por incapacidade física decorrente de problemas de coluna.
29. Desprovido de qualquer acompanhamento psicoterapêutico complementar B. O. assume que mantinha a medicação ansiolítica e antidepressiva prescrita concomitante com momentos de abuso do consumo de bebidas alcoólicas, tendo ocorrido diversos momentos em que perdeu o controlo da impulsividade.
30. O arguido detém enquadramento familiar e habitacional no agregado paterno, composto pelo seu irmão, padecente de doença de foro psiquiátrico, domiciliado na Rua …, Guimarães, onde residem há cerca de quatro anos, correspondente a uma habitação de tipologia 2, arrendada por €100 mensais a qual, ainda que pequena apresenta condições de conforto.
31. Este agregado apresenta condição financeira precária decorrente da exiguidade das pensões mensais auferidas de €262 cada, correspondentes à invalidez do irmão e à reforma do progenitor o qual, por vezes efetua alguns biscates na agricultura. Este ascendente parental impõe que o suporte familiar a prestar ao arguido tem que ser acompanhado da sua inserção laboral.
32. B. O. projeta-se em meio livre como profissional, possivelmente em processo emigratório para o Principado do Liechtenstein, onde se encontra desde 2013 o seu irmão mais velho, operário hoteleiro e conseguir junto deste idêntica ocupação profissional.
33. B. O. encontra-se em cumprimento da medida de coação de prisão preventiva aplicada nestes autos desde 07-12-2016, acusado da autoria de um crime de violência doméstica contra C. C..
34. Tem pendente o Processo 238/16.9GBVNF, no qual está acusado da autoria dos crimes de ofensa à integridade física e de dano.
35. A conduta assumida pelo arguido em meio prisional tem sido adequada ao disciplinado exigido mantendo acompanhamento da especialidade de psiquiatria aguardando pela definição da situação jurídica, alentado pela possibilidade de beneficiar de nova medida não privativa da liberdade concretizável em Comunidade Terapêutica.
36. B. O. manifesta afetos positivos quer pela ex-companheira e vítima destes autos, indicando nada ter a apontar a C. C. tanto como mulher ou como mãe, quer pelo seu filho, proferindo sentimentos de identidade e de perda pela falta da convivência com o menor.
37. B. O. demonstra reduzida capacidade de aprendizagem com o erro mesmo quando condenado com penas privativas da liberdade, de procura da reorganização dos afetos e do compromisso com objetivos de realização pessoal, familiar e social que o afastassem do modo ser e de estar antissocial.
38. O presente momento de prisão tem servido ao recluso como um momento de alerta, ainda que moroso, para os malefícios dos consumos de drogas, agora percecionados como prejudiciais, pelo que o seu abandono tem sido assumido como prioritário na sua vida, nesta fase.
39. Em …, meio comunitário do agregado da vítima, B. O. detinha uma imagem negativa associada ao consumo de estupefacientes e ao convívio com pares com idêntica problemática.
40. A realização pessoal de B. O. é marcada pela instabilidade pessoal associada ao transtorno de uso de substâncias estupefacientes e de bebidas alcoólicas e à perturbação da conduta, constrangimentos que inviabilizaram a realização pessoal, familiar e social, a resolução dos seus problemas e o colocaram em múltiplas situações de risco, condição pessoal associada à prática criminal continuada desde o ano de 2005 e insensível às sucessivas intervenções da justiça.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Sendo o recurso restrito à matéria de direito, e não havendo nulidades a conhecer nem resultando do texto da sentença recorrida qualquer dos vícios enumerados no art. 410º do Código de Processo Penal, inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante da mesma, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto nela dada como provada.
Uma vez que, em face dessa factualidade, não se suscitam dúvidas sobre ter-se o recorrente constituído, como reincidente, autor material do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, importa, então, apreciar a única questão por ele suscitada no recurso.
O seu inconformismo circunscreve-se ao quantitativo da pena que lhe foi aplicada pela primeira instância (3 anos e 8 meses de prisão), pugnando pela sua redução, por entender que a mesma é desproporcional e desadequada, por ser excessiva, face às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, não cumprindo a pretendida finalidade ressocializadora, atentas as suas concretas circunstâncias pessoais.

Vejamos se lhe assiste razão:
3.1 – De acordo com o disposto no art. 40º, n.º 1, do Código Penal, diploma a que pertencem os demais preceitos citados sem qualquer menção, a aplicação de penas e de medidas de segurança, tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A proteção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, se reporta à denominada prevenção especial.
O legislador quis, desta forma, oferecer ao julgador critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa. Em conformidade, dispõe o n.º 2 do art. 40º que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Em consonância com estes princípios dispõe o art. 71º, n.º 1, do mesmo código que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues[3], a medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Mais adianta que é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.
A mesma autora apresenta, então, três proposições em jeito de conclusões e de forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, diretamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar[4].
Por seu lado, as várias alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal elencam, a título exemplificativo, as seguintes circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, devendo o tribunal abster-se de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (al. a);
- A intensidade do dolo ou da negligência (al. b);
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c);
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica (d);
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (al. e);
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f).
Assim, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (por exemplo, a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente[5].
3.2 – No caso em apreço, a Exma. Juíza a quo, depois de concluir, e bem, que o arguido incorreu na prática, como reincidente, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.s 75º, 76º e 152º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Código Penal, ao qual corresponde uma pena abstrata de 2 anos e 8 meses a 5 anos de prisão, fundamentou da seguinte forma a determinação da pena concreta aplicada:
« (…) As exigências de prevenção geral apresentam-se de crucial importância, especialmente no tipo legal de violência doméstica, porquanto a verificação deste crime é frequente, causando elevada inquietude social.
In casu, deve atender-se: ao grau elevado de ilicitude dos factos praticados quanto ao crime de violência doméstica (considerando o modo de execução, a sua duração e as suas consequências); ao dolo intenso (direto) que pautou a sua conduta; o seu passado criminal, revelador de uma personalidade não corretora dos constantes comportamentos desviantes e ilícitos e as suas atuais condições socioeconómicas; a confissão integral e um arrependimento porquanto os mesmos não foram manifestados na audiência de julgamento (o que aumenta as necessidades de prevenção especial); entende-se como adequado e proporcional condená-lo na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão (…).»
Não há dúvidas de que é suscetível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela determinação, ou, pelo contrário, a indicação de fatores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Estando a questão do limite da culpa plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o está a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto quando tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada[6].
Assim, o tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada[7].
Como resulta do excerto da sentença recorrida transcrito supra, o tribunal a quo valorou desde logo o elevado grau de ilicitude dos factos, derivado do modo de execução dos mesmos, da sua duração e das respetivas consequências.
Face ao valor e natureza do bem jurídico violado (bem estar físico e psíquico da assistente), através de comportamentos do arguido traduzidos em agressões físicas (empurrando-a, agarrando-a, abanando-a, apertando-lhe os braços e o pescoço, puxando-lhe os cabelos e colocando-se sobre o seu corpo), em insultos (tais como “filha da puta”, “vaca”, “badalhoca”, “puta” e “mentirosa”) e em ameaças (de morte e de lhe retirar o filho menor), bem como atendendo ao arco temporal em se situaram tais condutas (cerca de seis anos, com um interregno durante os períodos de 96 dias de 3 anos, em que o arguido esteve em cumprimento de duas penas de prisão), algumas delas praticadas durante a gravidez da ofendida e, numa ocasião, na presença de elementos da GNR chamados ao local, e ainda à respetiva frequência (pelo menos uma vez por semana) e à intensidade das consequências daí resultantes para a assistente (dores, angústia, sofrimento, humilhação e receio pela sua integridade física e vida, a ponto de se ver obrigada a abandonar a habitação comum, de sua propriedade, e recorrer a uma casa abrigo), afigura-se-nos ser efetivamente elevado o grau de ilicitude dos factos, bem como grave é o desvalor da ação e do resultado.
A violência empregue pelo arguido ficou particularmente patente na situação em que o mesmo empurrou a companheira para fora do automóvel, agrediu-a no exterior, só parando de o fazer devido à intervenção de terceiros, e, quando ela tentava entrar novamente no veículo, arrancou com este, embatendo-lhe com o mesmo, projetando-a contra os rails, deixando-a aí inconsciente.
Acresce, como também ponderou o tribunal a quo, a atuação dolosa do arguido na modalidade mais grave, acrescentando-se a ausência de qualquer motivo justificativo, fazendo elevar a ilicitude e acentuando as exigências de prevenção e o juízo de censurabilidade, com um absoluto desprezo pela saúde física e psíquica da sua companheira e mãe do filho menor de ambos.
Crucial importância foi também atribuída às exigências de prevenção geral, ponderação essa que se apresenta correta, atenta a frequência com que ocorrem episódios sérios e graves desta natureza, fazendo elevar o limite mínimo necessário para assegurar a proteção das expectativas na reposição da validade da norma violada.
Por fim, a Exma. Juíza destacou as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, acentuadas pelo passado criminal do arguido e pelas suas condições pessoais.
Na verdade, as condenações anteriormente sofridas pelo mesmo, em número global de oito, maioritariamente por crimes contra bens de natureza pessoal, sendo uma delas em pena de multa, convertida em prisão subsidiária, outra em prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, cinco em pena de prisão suspensa na sua execução (quatro com regime de prova e uma simples) e a última em pena de prisão efetiva, bem como a privação da liberdade durante dois períodos de prisão, um de 96 dias e o outro de 3 anos, não serviram de suficiente advertência ao arguido, para que tomasse consciência a gravidade dos seus comportamentos e da necessidade de se afastar da prática de crimes. Aliás, depois de ter sido colocado em liberdade, após cumprimento de dois períodos de prisão, um deles com a duração de 3 anos, e regressado ao lar conjugal, logo o arguido continuou com o mesmo tipo de comportamentos que anteriormente vinha assumindo para com a assistente.
Como o próprio alega, padece o recorrente de problemas do foro psiquiátrico relativos ao consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas em excesso.
Porém, não se compreende que, tendo estado durante três anos privado desses consumos, por força da reclusão a que esteve sujeito de 22-07-2013 a 21-07-2016, uma vez em liberdade e regressado ao lar conjugal, tenha continuado a infligir maus tratos físicos e psíquicos à sua companheira.
Daí que também não se apresente com seriedade suficiente o anunciado propósito de emigrar como forma de se afastar do consumo de drogas e bebidas alcoólicas, uma vez que já teve tal oportunidade, na sequência da sua reclusão durante 3 anos, que não aproveitou.
Não merece, pois, censura o elenco dos fatores e a ponderação que deles foi feita pelo tribunal a quo na determinação da medida da pena, não se descortinando circunstâncias relativas às condições pessoais do arguido que imponham uma redução da pena, de forma a facilitar a sua ressocialização.
Se é certo que o recorrente, para a concretização desta última com sucesso, dispõe do apoio dos familiares com quem se encontrava a viver aquando da sua sujeição a prisão preventiva (pai e irmão), foi também dado como provado que ele próprio revela dificuldades em perceber a necessidade de submissão a acompanhamento para tratamento dos problemas de consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas em excesso, o que naturalmente dificulta aquele processo, bem como que apresenta reduzida capacidade de aprendizagem com o erro e de compromisso com objetivos de realização pessoal, familiar e social que o afastem do modo de ser e de estar antissocial.
Refira-se que, encontrando-se em situação de prisão preventiva, o arguido está a ser objeto de tratamento, revelando uma postura adaptada e um comportamento adequado, o que, seguramente, será mais difícil de conseguir em liberdade, atentas as referidas dificuldades.
Também não se vê em que medida a reclusão do recorrente poderá pôr em causa a viabilidade económica do seu agregado familiar, uma vez que anteriormente não lhe era reconhecida qualquer ocupação laboral minimamente regular.
Por seu lado, ainda que manifeste afetos positivos para com a ex-companheira, o certo é que tal não impediu o recorrente de praticar os factos em apreço, mesmo depois de estar em prisão preventiva, ao continuar a insultá-la e a ameaçá-la por telefone.
Em suma, sopesando todas as apontadas circunstâncias atendíveis, concretamente as relevantes exigências de prevenção geral, que fazem elevar o limite mínimo necessário para assegurar a proteção das expectativas comunitárias, o acentuado grau de ilicitude, a intensidade da culpa e as fortes exigências de prevenção especial, afigura-se-nos que a pena de 3 anos e 8 meses de prisão aplicada ao recorrente, situada, contrariamente ao que o mesmo alega, abaixo do meio da moldura legal (que se situa nos 3 anos e 10 meses), se apresenta como necessária para satisfazer as finalidades da punição, não excedendo o limite estabelecido pela medida da culpa, pelo que não se apresenta desproporcionada, expressando uma correta e adequada valoração das circunstâncias atendíveis.
Resulta, pois, da sentença recorrida que o tribunal a quo seguiu corretamente o procedimento e as operações de determinação da pena concreta e observou os princípios gerais que lhe devem presidir, pelo que é de manter a pena aplicada, improcedendo o recurso.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B. O., confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a três unidades de conta (art.s 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
*
(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – art.º 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães, 25 de setembro de 2017


(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)

[1]- Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo lapsos manifestos de escrita e a ortografia utilizada.
[2]- Cf., nomeadamente, os art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, e 410º, n.º 2, al.s a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, e o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995.
[3]- “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss.
[4]- Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..
[5]- Cf. o acórdão do STJ de 28-09-2005, in Coletânea de Jurisprudência-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173.
[6]- Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 196 a 197.
[7]- Cf. o acórdão do TRE de 22-04-2014, disponível em http://www.dgsi.pt.