Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
573/16.6PBVCT.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ACUSAÇÃO PARTICULAR
FALTA DE ACUSAÇÃO FORMAL DO ASSISTENTE
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
VALIDADE DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Neste processo, o arguido vinha acusado do cometimento do crime de violência doméstica, mediante plúrimas «agressões, ameaças, insultos e perseguições» à sua ex-companheira, unificadas pelo desígnio de atingir a dignidade pessoal desta, mas, de entre todas as assinaladas condutas àquele assacadas, apenas se provaram as atinentes aos insultos que o mesmo dirigiu à ofendida, com o propósito conseguido de a atingir na sua honra e consideração.

II - O crime de violência doméstica pode unificar, através do elemento da reiteração – embora este seja hoje um requisito, não imprescindível –, uma multiplicidade de condutas que, consideradas isoladamente, poderiam integrar vários tipos legais de crime, mas que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma.

III - Só casuisticamente, comparando a acusação e a sentença, se poderá aferir da eventual relevância dos desvios operados nesta em relação à narrativa desenvolvida naquela para poder concluir, por um lado, se todos os factos arrolados na sentença se encontravam já sinalizados na acusação e, por outro, se o desvio detectado colide com o exercício dos direitos da defesa.

IV - Na sequência, nada impede, mesmo sem observância dos regimes previstos pelos arts. 358º e 359º do CPP, a condenação do arguido pelos factos e qualificação jurídica já contidos – como um “minus” (injúria) – nos factos e incriminação por que o arguido vinha acusado (violência doméstica).

V - Nos termos dos arts. 48º e 50º do CPP, o Ministério Público carece de legitimidade para prosseguir a acção penal se o ofendido não deduzir acusação particular em procedimento dela dependente – como é o caso do crime de injúrias (cf. arts. 181º e 188º do CP) –, para além de se queixar e se constituir assistente –, pelo que, na falta de tal pressuposto processual, deve o arguido ser absolvido da instância (cf. arts. 4º do CPP e 576º a 578º do CPC).

VI - Porém, deve registar-se que a ratio da exigência de dedução de acusação particular reconduz-se à colocação na disponibilidade da vontade do ofendido a efectivação da punição por crime particular de que tenha sido vítima. Ora, no caso em apreço, se a ofendida apenas aderiu à acusação pública deduzida contra o arguido pelo crime (público) de violência doméstica, a par de ter-se queixado e constituído assistente, o certo é que não poderia deduzir acusação particular por tal crime – pelo menos, por factos que importassem uma alteração substancial dos acusados pelo Ministério Público – pelo que não teve, sequer, a oportunidade de cumprir esse requisito de que a lei faz depender o procedimento criminal relativamente ao crime de injúrias, de natureza particular, tendo adoptado, então, a única atitude de que dispunha processualmente face à natureza do crime por cuja autoria o arguido fora acusado (cf. art. 284º do CPP).

VII - Por outro lado, para além de o Ministério Público ter promovido a acção penal nos exactos termos em que a lei lhe impunha, sendo indiscutível que, em conformidade com os elementos disponibilizados pelo processo, não poderia haver lugar à notificação da assistente para deduzir acusação particular, a lei prevê que a «acusação do assistente pode limitar-se a mera adesão à acusação do Ministério Público» (cf. citado art. 284º), diferentemente do que se passa com a acusação pública, pelo que a assistente, ao aderir à acusação pública, manifestou a sua vontade de que o arguido fosse perseguido também pelos factos naturalísticos que vieram a ser tidos por provados na sentença,

VIII - Portanto, mostrando-se nestes autos inteiramente preenchido o desiderato prosseguido pelo legislador com o instituto da acusação particular, o processo e a intervenção que nele tiveram os diversos sujeitos processuais não sofre de qualquer ilegalidade, não devendo a falta de uma formal e autónoma acusação da assistente constituir motivo, previsto em qualquer disposição legal, para a inutilização da sua adesão à acusação proferida pelo Órgão que, em conformidade com os dados do processo, detinha exclusiva legitimidade para o efeito, tal como, até então, se apresentava estruturada, fáctica e juridicamente, a pretensão punitiva do Estado – o MP acusou por factos relativamente aos quais tinha legitimidade e os pressupostos processuais relativos a tal acusação estabilizaram-se, nesse preciso momento –, sendo que a questão de não se terem demonstrado todos os fundamentos fácticos de tal pretensão apenas pode relevar para o respectivo mérito, não para o do preenchimento do pressuposto processual em análise.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo supra referenciado, que corre termos na Instância Local, Secção Criminal, da Comarca de Viana do Castelo, o arguido L. A., que vinha acusado pelo Ministério Público pela autoria de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs1, al.b), 2 e 4 do C. Penal, foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 22/3/2017, como autor de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1 do C. Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6, bem como a pagar à assistente S. M., a título de indemnização civil por danos não patrimoniais, a quantia de 400 euros, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da decisão.
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O arguido interpôs recurso dessa decisão, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
« - A sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 379°, n° 1, alínea c), segunda parte, do Código de Processo Penal;
- Com efeito, tendo o recorrente sido absolvido do crime de violência doméstica — o único de que vinha acusado, não era possível condená-lo pelo crime de injúrias sem se encontrar cumprida uma condição imprescindível e objetiva de procedibilidade: a dedução de acusação particular;
- E não sendo passível de suprimento a falta de acusação particular, nada mais restava do que arquivar os autos;
- Para além da nulidade de que enferma, a sentença recorrida violou, manifestamente, o referido artigo 50°, do C P Penal;
- Bem ainda como fez errada interpretação desse preceito, ao considerar que, tendo havido uma adesão por parte da assistente à acusação pública deduzida, tal deve ser tido implicitamente como formulação daquela acusação particular;
- A não proceder o até aqui alegado, atentos os factos dados como provados e a fundamentação da sentença recorrida, a pena aplicada de 60 (sessenta) dias de multa é exagerada, encontrando-se mais equilibrada e em consonância a pena de 20 dias de multa ao valor diário acolhido pela decisão;
- Já quanto ao pedido de indemnização civil, entende o recorrente não ocorrer o dano, falhando, assim, um dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil, devendo do mesmo o recorrente ser absolvido;
- Todavia, e por último, assim não se entendendo, o valor de € 400,00, atenta a fundamentação da decisão recorrida, é manifestamente exagerado, sendo mais equilibrado o valor de € 200,00.».

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, sustentando que a sentença recorrida deve ser mantida, tal como elaborada. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu aprofundado parecer de sentido oposto, pois defendeu que, ainda que se entendesse que na sentença se procedeu a uma mera alteração jurídica dos factos imputados ao arguido e tidos por demonstrados, sempre faltaria, para o procedimento pelo crime particular de injúria, o necessário pressuposto processual constituído pela acusação da assistente, o qual não se poderia ter por preenchido pela mera adesão desta à acusação publica.

Foi dado cumprimento ao art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo do que importe conhecer oficiosamente por obstar à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões de saber: se a inexistência de acusação particular, enquanto condição de procedibilidade do procedimento criminal pelo crime de injúrias pelo qual o recorrente foi condenado deveria ter determinado, ao invés, o arquivamento dos autos; subsidiariamente, se a pena de multa deve quedar-se por 20 dias e se deve o recorrente ser absolvido da indemnização, ou, se assim não for, deve apenas ser condenado na quantia de € 200.
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Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida (transcrição):
«Factos provados:
1- A assistente S. M. viveu em união de facto com o arguido desde data não apurada, mas situada entre os meses de Julho/Agosto de 2007 até ao dia 16 de Abril de 2016;
2- Desta relação não nasceram filhos, sendo a assistente progenitora de dois filhos: S. S., nascida a 11-7-1997, e R. S., nascido a 25-3-2003, fruto de uma relação anterior;
3- No início do mês de Junho de 2015, a assistente resolveu abandonar o lar conjugal, indo para a casa de um casal amigo, concretamente, de P. C. e S. F., sita na Rua …, nesta cidade e comarca, onde permaneceu, durante cerca de uma semana, regressando depois à residência que partilhava com o arguido;
4- Em 20 de Março de 2016, à noite, depois do jantar, ocorreu uma contenda, de contornos não concretamente apurados, que envolveu o arguido, a assistente, a filha desta e o namorado da última, no decurso da qual foi arremessada uma vela que atingiu a assistente na testa;
5- Na sequência deste episódio, a assistente teve que receber tratamento hospitalar, tendo sido suturada com pontos;
6- No dia 16 de Abril de 2016, a assistente abandonou o lar conjugal, fazendo-o o arguido uns dias depois, após ter posto termo ao contrato de arrendamento;
7- No dia 1 de Maio de 2016, entre as 19h36m e as 22h58m, o arguido remeteu à assistente 10 mensagens escritas com os conteúdos seguintes: “Sua puta diz a esse burro q é mais um a ser enganado como foi principalmente o Zé q nem sabe se o filho é fele” (19h36m); “Vais ter a pága sua puta” (19h38m); “Se és mulher atende” (19h39m); “Já sabia és uma vadia do piorio” (19h41m); “Diz a esse burro q está aí q mal começou e já tem cornos de metro porque quem se mete com gente assim è o q se espera” (19h43m); “E eu quero o meu carro aqui porque se não vais sofrer as consequências” (19h45m); “Toda a gente me dizia que eras uma rota e eu sempre a defenderte” (19h50m); “Voute fazer a vida num inferno sua vadia” (19h58m); “Deves trazer essa cona cheia de leite sua rota por isso os preservativos da mesinha de cabeceira” (20h27m); “O bem q te desejo é q todo o mal do mundo te caia em cima porque é o q tu mereces” (22h58m);
8- Em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 7., a assistente foi operada a um aneurisma;
9- O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente;
10- Com o propósito de, através da conduta supra descrita em 7., atingir a assistente na sua honra, consideração e dignidade, como conseguiu;
11- O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei;
12- O arguido não tem antecedentes criminais;
13- O arguido tem origem numa família numerosa, de recursos económicos modestos, residente no concelho de Viana do Castelo; beneficiou ao longo da infância e juventude de cuidados básicos essenciais ao seu desenvolvimento, usufruindo de um ambiente familiar equilibrado e afectuoso, mantendo os pais entre si uma relação de respeito e colaboração; esteve integrado no agregado familiar de origem até aos 21 anos de idade, altura em que casou com a mãe dos seus dois filhos, matrimónio que durou cerca de 19 anos;
14- Há cerca de nove anos, o arguido estabeleceu um relacionamento amoroso com a assistente sendo na altura ambos casados; a vivência em comum foi iniciada algumas semanas depois, tendo o casal fixado residência numa freguesia situada na periferia urbana da cidade de Viana do Castelo, onde organizaram a sua vida;
15- A inserção escolar do arguido ocorreu na idade própria, no estabelecimento de ensino situado na sua área de residência, tendo concluído o 6º ano de escolaridade; apesar de posteriormente ter frequentado o 7º ano em Ponte de Lima e, no ano seguinte, no seminário, não chegou a concluir o 9º ano de escolaridade, desistindo durante a frequência do 8º ano, quando contava 15 anos de idade;
16- Iniciou a actividade profissional por volta dos 17 anos de idade, numa oficina de carpintaria, situada na sua freguesia de origem, onde trabalhou cerca de quatro anos; posteriormente, alterou a sua actividade profissional, passando a laborar na área da distribuição de materiais de construção civil, numa empresa situada na zona de Viana do Castelo, onde se manteve durante quatro anos;
17- Em seguida, voltou a desempenhar a sua actividade numa oficina de carpintaria, situada igualmente na sua freguesia de origem, em Lanheses, onde esteve cerca de dez anos, com alguns períodos de interrupção;
18- Nos últimos três anos, voltou a trabalhar na área da distribuição e montagem de móveis, estando integrado na empresa “ Comércio e Decoração de Mobiliário, Lda.”;
19- Na comunidade de origem, o arguido é considerado um indivíduo educado e pacato, mantendo com os conterrâneos um relacionamento interpessoal adequado;
20- Após o termo do relacionamento com a assistente, o arguido arrendou um apartamento tipo T1, situado na cidade de Viana do Castelo; mantém o posto de trabalho e organiza as suas rotinas de acordo com a sua vida laboral, efectuando com frequência viagens ao estrangeiro (França);
21- O percurso de vida do arguido decorreu num meio familiar de recursos económicos modestos, organizado, manifestando um percurso escolar adequado ainda que pouco investido, iniciando a vida laboral através da aprendizagem de uma profissão;
22- Constituiu família em idade própria, tendo-se divorciado ao fim de quase vinte anos, para assumir o relacionamento com a assistente;
23- O arguido dispõe de estabilidade profissional e de uma situação económica considerada satisfatória, beneficiando também de apoio dos familiares de origem, com quem convive com alguma regularidade;
24- A assistente trabalha num lar de idosos e o horário é por turnos;
25- A conduta do arguido supra descrita em 7. causou na demandante humilhação;
26- Arguido e assistente, durante o período referido em 1., adquiriam um veículo automóvel, de marca Audi A3, de matrícula OG, cor cinza, que com o fim do relacionamento ficou na posse da assistente;
27- Arguido e assistente sempre tiveram livre acesso aos contactos e mensagens no telemóvel um do outro.

Não se provou que:
- a relação se tenha começado a degradar há cerca de 4 anos, concretamente, desde meados do mês de Outubro de 2012, quando mudaram de residência, fixando-a na Rua …, na Meadela, nesta comarca, e a filha da assistente, S. S., passou a residir com ambos;
- desde então, o arguido, desagradado pela presença desta filha, tenha começado a implicar com tudo o que ela fazia, dissesse, constantemente, à assistente que a mesma era uma gulosa e que não precisava de tomar banho todos os dias;
- não satisfeito, lhe dissesse que, em virtude disso, não era uma boa mãe, que não sabia dar educação aos seus filhos, que estes não iriam longe, sendo a filha S. S. uma vadia, comparando-os constantemente com os seus que eram educados e estudiosos;
- não obstante a assistente estar cansada de ouvir estes comentários, os tenha ido ignorando;
- há cerca de três anos, fruto do desgaste causado pelos mesmos, a relação se tenha deteriorado ainda mais, tenha passado o arguido a dizer-lhe, com frequência, em datas que não se conseguiram apurar, que a assistente era “Uma vadia e uma puta, pior que as do Castelo de Neiva”;
- ao ouvir isto, a assistente lhe dissesse que caso continuasse com este comportamento terminaria a sua relação, e que tal o motivasse a refrear os seus impulsos, andando mais calmo;
- há cerca de dois anos, em data e hora não indicada, em virtude de um incidente entre o arguido e a sua filha S. S., esta tenha saído de casa, voltando a residir com os seus avós, onde permaneceu durante 2 a 3 meses;
- durante este período, a assistente tenha vivido de forma harmoniosa com o arguido;
- quando a sua filha S. S. regressou e apresentou o seu namorado à família, o arguido, desagradado, com a presença deste, tenha retomado o seu comportamento, implicasse com esta e lhe dissesse, várias vezes, que aquela casa parecia uma casa de meninas;
- não satisfeito, dissesse ainda que a assistente e a sua filha eram umas “putas” e umas “vadias” e que não havia respeito nem educação naquela casa;
- cansada deste comportamento, em finais do mês de Março de 2015, a filha da assistente tenha decidido passar a viver com o pai, e que tal facto se tenha reflectido imediatamente no comportamento do arguido;
- durante esse tempo, o arguido, diariamente, enviasse mensagens escritas à assistente apodando-a de “puta”, “vadia” e “rota”;
- também lhe ligasse constantemente para lhe dizer: “se não fores minha não és de mais ninguém”;
- o arguido, conhecendo os locais que a assistente frequentava, tenha passado a aparecer nos mesmos, designadamente, no seu local de trabalho, supermercados e na rua, forçasse o encontro, sem nunca lhe dirigir uma palavra;
- volvida uma semana, a pedido do arguido, a assistente tenha resolvido regressar ao lar conjugal para dar uma nova oportunidade a esta relação;
- até meados de Julho de 2015, data em que a sua filha S. S. regressou ao lar, tenham vivido de forma harmoniosa;
- desde então, o arguido tenha retomado o seu comportamento, e as apodasse novamente com os epítetos “putas” e “vadias”;
- em data não apurada do mês de Agosto de 2015, a filha da assistente tenha começado a trabalhar, num café, saindo tarde, facto que a motivava a ir buscá-la de carro;
- o arguido, desagradado com isso, dissesse à assistente que a sua filha devia regressar a pé pois não estava para sustentar vadias;
- em meados do mês de Janeiro de 2016, em data não apurada, ao jantar, o arguido tenha voltado a apodar a filha da assistente de gulosa pois só queria comer bolachas;
- ao ouvir isto, a sua filha tenha ripostado e motivasse o arguido a levantar-lhe a mão, com intenção de a agredir;
- ao se aperceber disso, a assistente tenha resolvido intervir, colocando-se à sua frente, e tenha acabado por ser atingida com uma bofetada na face;
- acto contínuo, o arguido tenha agarrado, com força, a assistente pelos braços, e lhe tenha causado dor e nódoas negras;
- não satisfeito, ainda, lhe tenha dito: “És pior que as putas do Castelo. As putas do Castelo são melhores que tu”;
- na sequência deste episódio, a assistente tenha sentido dor nas zonas atingidas;
- neste dia, a assistente tenha deixado de partilhar o quarto de dormir com o arguido, bem como, desde então, a cozinhar e a tomar as refeições com o mesmo;
- irado, o arguido, desde esse dia, tenha passado, diariamente, a apodar a assistente de “puta”, “porca” e “vaca” e a dizer-lhe: “tens a cona cheia de leite de andar com outros homens”;
- em finais do mês de Março de 2016, em data igualmente não apurada, à noite, depois do jantar, a assistente, a sua filha S. S. e o arguido se tenham travado, novamente, de razões;
- no calor da discussão, o arguido tenha agarrado a assistente pelo pescoço, lho tenha apertado com força, e lhe tenha dito: “Eu mato-te, sua puta”;
- não satisfeito, lhe tenha desferido socos nos braços e no peito e pontapés, causando-lhe dor e nódoas negras;
- temendo pela vida da assistente, a sua filha S. S. tenha resolvido intervir para pôr termo à contenda, e tenha acabado por ser também agredida pelo arguido;
- não satisfeito, o arguido tenha agarrado numa vela, a tenha arremessado na direcção da S. S., tenha a assistente tentado protegê-la e tenha sido atingida com a mesma na testa;
- a sutura referida em 5. tenha sido com 6 pontos;
- a assistente, desgastada com o comportamento supra descrito, tenha actuado pela forma descrita em 6.;
- como o arguido não aceite o fim da sua relação, para a compelir a falar consigo, este se recuse a entregar-lhe a correspondência que lhe é endereçada, bem como a chave suplente do seu veículo automóvel;
- igualmente, sabendo da sua rotina diária, constantemente, o arguido se deslocasse ao seu local de trabalho e à sua residência, sita na Avenida …, nesta cidade e comarca, se colocasse, na rua, em frente às suas janelas na ânsia de ser visto e forçar o encontro com a assistente;
- por 3 a 4 vezes, em datas não apuradas, o arguido tenha seguido a assistente a pé, desde a sua residência até ao seu local de trabalho;
- uma dessas vezes, em data e hora não apurada, durante o percurso entre o Campo da Agonia e a Congregação da Nossa Senhora da Caridade, em frente aos Bombeiros Voluntários de Viana do Castelo, o arguido tenha apodado a assistente de “vadia”, o que a mesma ignorou;
- no dia 10 de Junho de 2016, a hora não indicada, a assistente tenha convidado o casal P. C. e S. F. para jantarem consigo, na sua residência;
- quando terminaram, a assistente tenha acompanhado este casal à rua por também pretender colocar o lixo no contentor;
- nessa altura, tenha sido abordada pelo arguido que lhe pediu para conversarem;
- como a assistente se recusou, o arguido a tenha apodado de “vadia” e lhe tenha dito que ira fazer a sua vida negra;
- temendo pelo que lhe fizesse, a assistente tenha entrado no veículo automóvel dos seus amigos, ausentando-se do local, durante cerca de 10 minutos;
- após este episódio, o arguido tenha continuado a insistir com a assistente para conversarem, deslocando-se ao seu local de trabalho e rondando a sua residência, e que este facto a tenha motivado a mudar-se novamente;
- a operação referida em 8. tenha ocorrido no dia 15 de Setembro de 2016 e que esse facto a tenha feito estar de baixa médica até ao passado dia 18 de Outubro;
- durante o período em que esteve de baixa, em data não apurada, o arguido se tenha cruzado com a assistente e imediatamente lhe tenha remetido uma mensagem escrita com o seguinte teor: “A vadia já anda a enganar outro”;
- o arguido tenha agido com o propósito reiterado de, através das condutas supra descritas, concretizadas em agressões, ameaças, insultos e perseguições, perpetradas na pessoa da assistente S. M., sua ex-companheira, a molestar física e, sobretudo, psicologicamente, bem sabendo que desse modo a lesava na sua saúde física e mental e liberdade pessoal, que o tenha pretendido e conseguido, não se coibindo, até, de o fazer na presença da filha daquela, S. S.;
- os insultos proferidos pelo arguido o fossem à frente da filha da assistente e de amigos de ambos;
- a partir de 2015 o arguido tenha passado a agredir fisicamente a assistente, dando-lhe bofetadas e murros na cara e a assistente tenha sofrido dores e mal estar físico decorrente destas agressões;
- a vela supra referida tenha sido lançada na direcção da assistente e lhe tenha causado um golpe profundo;
- a assistente tenha temido pela própria vida e tenha sentido muita vergonha perante os seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos, por o ferimento ser notório;
- muitas vezes a assistente tenha tido que ficar retida nas instalações da Caridade, por o arguido se encontrar na rua à sua espera;
- a assistente tenha temido muitas vezes pela sua segurança e pela sua vida;
- a assistente tenha tido e tenha medo de se deslocar sozinha na cidade, por temer que o arguido lhe surja “ao caminho” e a agrida;
- desde Abril de 2016 até à data em que a assistente prestou declarações na PSP, o arguido lhe envie múltiplas mensagens escritas, com teor insultuoso, concretamente: “este ano vais disfarçada de freira ou de puta virgem?”; “A vadia já anda a enganar outro”;
- a humilhação referida em 25. tenha sido causada de modo repetido;
- actos praticados pelo arguido tenham causado à demandante, de modo repetido e como foi propósito dele, lesões físicas e dores;
- a conduta do arguido tenha lesado gravemente a liberdade da demandante, que as ameaças e ofensas proferidas tenham violado e denegrido a sua honra e consideração como pessoa e como sua companheira;
- com o fim da união de facto entre assistente e arguido, aquela tenha levado roupa do arguido consigo e que este insistentemente pretenda reavê-la;
- o arguido tenha identificado mensagens no telemóvel da assistente cujo teor quebrou toda e qualquer confiança perante aquela;
- a assistente também tenha remetido ao arguido mensagens de, pelo menos, idêntico jaez ao referido em 7., e que este as tenha apagado do seu telemóvel».
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A acusação particular.
O recorrente começou por configurar a não dedução de acusação particular como fazendo incorrer a sentença recorrida na nulidade consistente na pronúncia pela Sra. Juíza de questões de que não podia tomar conhecimento, prevista no artigo 379°, n° 1, alínea c), segunda parte, do CPP, na medida em que, vindo o mesmo apenas acusado do crime de violência doméstica, não seria possível condená-lo pelo crime de injúrias, sem essa condição imprescindível e objectiva de procedibilidade.
Perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP), os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação/pronúncia, pela contestação, pelo pedido de indemnização civil e respectiva contestação. É nestas peças processuais que os intervenientes em confronto alegam os factos que submetem ao julgamento, indicam os respectivos meios de prova, enunciam as normas jurídicas aplicáveis e apresentam os seus argumentos, sem prejuízo de no decurso de julgamento poderem surgir novos factos e/ou questões submetidas à disciplina do preceituado nos arts. 358º e 359º do CPP (1).
Por outro lado, resulta do disposto nos arts. 368º, nº 2 e 369º, nº 2 do CPP, que o tribunal deve decidir todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa e os que resultem da discussão da causa, desde que sejam relevantes para a resolução das diversas questões em que se desdobra a análise da culpabilidade e da determinação da espécie e da medida da pena. São esses os limites da descoberta da verdade e da boa decisão da causa, que constituem a finalidade primordial do julgamento penal. Por isso, como resulta daquela expressão (relevantes) e também do princípio geral da utilidade dos actos processuais, só estão abarcadas pelo dever de pronúncia os factos relevantes para a decisão, tendo em conta as suas diversas soluções plausíveis.
Ora, nos termos do supra citado art. 379º, nº 1, c) do nº 1 do CPP, o excesso de pronúncia, que constitui uma nulidade que não se encontra incluída na previsão do art. 119º do mesmo código, apenas ocorre quando o tribunal conheça de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objecto do processo, no conceito anteriormente concretizado.
Por isso, no caso vertente, a sentença não enferma da assacada nulidade, tendo como adquirido que este vício tem o conteúdo que acabámos de evidenciar: a fundamentação factual em que assentou o veredicto de culpabilidade do recorrente, emitido na sentença em relação à autoria de um crime de injúrias, embora com a (mera) supressão de parte do acervo factual que na acusação fora arrolado, constitui o objecto factual que, nesta, no essencial, era ao mesmo imputado para suportar a incriminação atinente ao crime de violência doméstica.
Assim é, claramente, em relação aos factos na sua materialidade, mas a formulação contida na sentença para acolher os factos do foro psicológico do arguido – o elemento subjectivo do aludido ilícito (injúria) – também não constitui uma alteração qualitativamente substancial da matéria factual que, nessa vertente, constava da acusação.
Com efeito, tal como se concluiu na decisão impugnada, a apurada factualidade objectiva não consentiu que se inferisse, sob o prisma subjectivo, toda a matéria plasmada no artigo 52 da acusação imputada ao arguido, ou seja que este, com as suas condutas («agressões, ameaças, insultos e perseguições, perpetradas na pessoa da assistente»), tivesse o propósito reiterado de molestar física e, sobretudo, psicologicamente a sua ex-companheira, bem sabendo que a lesava na sua saúde física e mental e liberdade pessoal.
Todavia, ainda assim, ficou a constar no item 10 dos factos provados que o arguido agiu com o propósito conseguido de atingir a assistente na sua honra, consideração e dignidade, quando, no dia 1 de Maio de 2016, lhe enviou as diversas mensagens descritas no ponto 7 de tal factualidade. Ora, este resultado probatório não pode deixar de ser visto como uma “degradação” – para usar uma expressão do acórdão da RP de 21-12-2016 (2) – ou um “minus” relativamente à matéria em que assentava a incriminação constante da acusação, como se observou no acórdão (também) da RP de 30-01-2013 (3), com a seguinte síntese: «Nada impediria, mesmo sem observância dos regimes previstos pelos art. 358° e 359° do CPP, a condenação do arguido pelos factos e qualificação jurídica já contidos, como um “minus” [injúria], nos factos e qualificação jurídica por que o arguido vinha acusado [violência doméstica]».
Segundo pensamos, só casuisticamente, comparando a acusação e a sentença, se poderá aferir «da eventual relevância dos desvios à narrativa desenvolvida pelo Ministério Público na acusação, operados na sentença», para poder concluir, por um lado, se todos os factos nesta arrolados se encontravam já sinalizados naquela e, por outro, se o desvio detectado colide com o exercício dos direitos da defesa (4).
No caso em apreço, vinha o arguido acusado do cometimento do crime de violência doméstica, mediante plúrimas «agressões, ameaças, insultos e perseguições» à sua ex-companheira, unificadas pelo desígnio de atingir a dignidade pessoal desta, ou seja pelo propósito reiterado de molestar a sua saúde física e, sobretudo, psicológica.
Na verdade, o preenchimento deste tipo legal do crime não se basta com qualquer ofensa à saúde física, psíquica e emocional ou moral da vítima: «O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à degradação pelos maus tratos» (5).
Por outro lado, tal crime pode unificar, através do elemento da reiteração – embora este seja hoje um requisito, não imprescindível –, uma multiplicidade de condutas que, consideradas isoladamente, poderiam integrar vários tipos legais de crime, mas que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma.
A unidade de acção típica não é excluída pela realização repetida de actos parciais, quer estes actos integrem, ou não, em si mesmos, outros tipos de crime. O tipo legal inclui na descrição da acção uma pluralidade indeterminada de actos parciais. Trata-se do que, na doutrina, é designado por realização repetida do tipo (6). Há crimes que se consumam por actos sucessivos ou reiterados, como se expressa no artigo 19º, nº 2 do CPP, mas que são um só crime; não há pluralidade de crimes, mas pluralidade no modo de execução do crime.
Ora, de entre todas as assinaladas condutas assacadas ao arguido, apenas se provaram as atinentes aos insultos que o mesmo dirigiu à assistente, movido pelo propósito conseguido de a atingir na sua honra, consideração e dignidade. Por isso, de entre a pluralidade indeterminada de actos parciais em que se analisava a descrição contida na acusação apenas se provaram os actos parciais com a idoneidade bastante ao preenchimento de um outro tipo de crime, o de injúrias, mas o certo é que este, em si mesmo, estava integrado na unidade de acção típica narrada na acusação.
Assim, a enunciação da sentença quanto aos pontos factuais em questão não exprime uma alteração substancial de factos em relação à contida na acusação, antes redunda, substancialmente, numa sua redução quantitativa, e, por outro lado, pese embora dela resulte a imputação ao arguido de um crime formalmente diverso, este outro tipo de crime (de injúrias) estava já integrado na unidade de acção típica imputada na acusação, face à qual o arguido se pôde defender, sem qualquer espécie de restrição ou constrangimento.
O AUJ do STJ nº 7/2008 de 25/06/2008, in DR I-A nº 146 de 30-07-2008, esclareceu:
«O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido – n.º 1 do artigo 32º 24 –, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado (7).
Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido – artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República – o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou “menos agravado”, ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado (8).
O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave do que o da acusação ou da pronúncia em consequência de redução da matéria de facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação (9).».
Sob esta perspectiva, se atendermos à unicidade típica da qualificação jurídica dos factos que a acusação encerrava, não deparamos, na sentença impugnada, com uma alteração, nomeadamente que importe um agravamento – o que mais relevaria –, que, por trair o favor defensionis, devesse ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se pudesse defender: sobre a matéria em questão, o arguido fora já ouvido e chamado a intervir, tendo tido a oportunidade de participar na declaração do direito do caso, porquanto a mesma matéria constituía, em parte, o quadro jurídico que lhe foi dado a conhecer através da comunicação da acusação e pelo qual foi julgado, não um qualquer outro quadro jurídico com que o mesmo não pudesse contar.
E uma vez que não foram postergadas as garantias de defesa do arguido, pode, pois, afirmar-se que foi meramente aparente ou formal a alteração operada na criticada sentença.
Aliás, se, neste caso, se pudesse concluir pela verificação de uma alteração substancial de factos, pensamos que a actual redacção do art. 359º do CPP não permitiria a solução que alguma jurisprudência propõe, quando verificada uma tal alteração, no sentido de, após a comunicação prevista nesse normativo, se dever proceder pelo seguinte modo: na eventualidade de se verificar o acordo do MP, do arguido e do assistente, ao tribunal é legítimo conhecer de mérito; não havendo esse acordo, a comunicação da alteração valerá como denúncia para que o MP proceda pelos novos factos e, na altura própria, dê cumprimento ao estatuído no art. 285º, nº 1 do CPP (10). Realmente, não vemos que, numa situação como a ora em análise, se pudesse reputar de “autonomizáveis em relação ao objecto do processo” os supostos “novos factos”, para além do que, de todo o modo, a putativa “alteração substancial dos factos descritos na acusação” não poderia ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implicaria a extinção da instância.
Serve o exposto para concluir que, perante os concretos contornos do caso destes autos, perfilhamos o entendimento jurisprudencial assim sumariado no acórdão da RL de 17-06-2015:

«1- O âmbito punitivo do tipo de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º/CP, abarca todos os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a dignidade humana, quer no âmbito dos maus-tratos físicos, quer no dos maus-tratos psíquicos, abrangendo comportamentos tipificados como crimes, se individualmente considerados, que se encontram numa relação de consumpção aparente com o referido crime de violência doméstica.

2- No caso, a acusação foi deduzida por uma série de actos delituosos, subsumíveis ao tipo de violência doméstica, mas apenas se provam factos que, ainda que parcialmente coincidentes com os acusados, foram entendidos como susceptíveis de integrar, apenas, o tipo de crime de injúrias(11).

Subsiste o problema – também suscitado no recurso e que agora passamos a enfrentar – decorrente de, formalmente, não ter sido deduzida acusação pela aqui titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação do referido ilícito de injúrias (cf. art. 68º do CPP).
Como se, sabe nos termos dos arts. 48º e 50º do CPP (12), em procedimento dependente de acusação particular – o caso do crime de injúrias (cf. arts. 181º e 188º do CP) –, o Ministério Público carece de legitimidade para prosseguir a acção penal se o ofendido não deduzir tal acusação – para além de, evidentemente, se queixar e se constituir assistente –, sendo que, na falta de tal pressuposto processual, deve o arguido ser absolvido da instância (cf. arts. 4º do CPP e 576º a 578º do CPC).
Segundo o AUJ do STJ de 16-12-1999, in (DR I-A de 6-01-2000, «Integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284.º, n.º 1, do mesmo diploma legal». Na fundamentação deste segmento uniformizador, escreveu-se:
«(…) Aliás, sendo, como é, imperativa a ordem da sucessão das acusações do Ministério Público e do assistente relativamente aos crimes públicos e semipúblicos - surgindo a do assistente necessariamente na sequência da do Ministério Público e encontrando-se condicionada por esta (artigo 284.º, n.os 1 e 2) -, nunca a subsequente adesão do Ministério Público à acusação do assistente supriria a nulidade decorrente da omissão inicial da acusação pública, tal como também a acusação do Ministério Público em crime particular não sana a inexistência da acusação que devia ter sido formulada pelo assistente.
Acresce que a lei, contrariamente ao que dispõe relativamente aos crimes particulares [artigo 284.º, n.º 2, alínea a)], não prevê que a acusação pública possa limitar-se à adesão à acusação do assistente (artigo 285.º, n.º 3).».
Ora, nestes autos, é inequívoca a manifestação, por parte da aqui ofendida, da vontade de persecução da tutela penal em relação à parte dos actos imputados ao arguido com a idoneidade bastante ao preenchimento do crime de injúrias, de entre a pluralidade de actos parciais em que se analisava a descrição contida na acusação: essa vontade foi expressa, desde logo, pela dedução de queixa – aí tendo ela dito que o arguido, além do mais, também lhe dirigira «injúrias» e a “difamara” (fls. 4 v.) – pela constituição de assistente, pelo acompanhamento da acusação pública e pela prestação de declarações em audiência (cf. fls. 291), o que não estava obrigada a fazer, nos termos do art. 134º do CPP.
É certo que, como se disse, tendo-se queixado e constituído assistente, a ofendida apenas aderiu à acusação pública deduzida contra o arguido pelo crime (público) de violência doméstica. Porém, segundo nos parece, a exigência de constituição de assistente e de dedução de acusação particular deve reconduzir-se à colocação na disponibilidade da vontade do ofendido a efectivação da punição por crime particular de que tenha sido vítima. E, para tal desiderato, não pode deixar de se registar que a assistente não poderia, então, ter tomado outra atitude para manifestar a sua vontade de obter o procedimento criminal contra o arguido, tendo adoptado a única de que dispunha processualmente face à natureza pública do crime por cuja autoria este fora acusado (cf. art. 284º do CPP). Dado não poder deduzir acusação particular por tal crime – pelo menos, por factos que importassem uma alteração substancial dos acusados pelo Ministério Público –, a mesma também não teve, sequer, a oportunidade para cumprir esse requisito de que a lei faz depender o procedimento criminal relativamente ao crime de injúrias, de natureza particular.
É diante deste panorama que haverá de ser aferido o preenchimento do mencionado pressuposto processual. Para tanto, o preceito legal do citado art. 50º do CPP deve ser acolhido com as devidas cautelas e um sentido interpretativo que, estando ainda suficientemente expresso no respectivo teor, seja o menos limitativo dos direitos dos sujeitos processuais e, por isso, o mais conforme ao direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da Constituição).
De acordo com as regras impostas pelo art. 9º do CC, a sua interpretação, que não se deve cingir à respectiva expressão literal, embora dela prescindir, visa reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, segundo pensamos, a aceitação da proposta interpretativa formulada neste recurso sobre a aludida norma desrespeitaria tais regras porque contornaria os aspectos de ordem sistemática e racional envolvidos, afrontando o pensamento legislativo. Vejamos.
É certo que, exponenciando o sentido interpretativo perfilhada no supra citado AUJ de 16-12-1999, já tem sido considerado que, «Se nos crimes públicos e nos crimes semi-públicos a falta de acusação pelo MP corresponde a uma falta de promoção processual, logo, constitui a nulidade do artigo 119.º, alínea b), do CPP, também a falta de promoção do MP com vista à dedução de acusação particular pelo assistente, tem de conduzir ao mesmo vício e resultado» (13).
Porém, este entendimento tem de ser contextualizado ou sistematizado:
A nossa lei processual penal, desde logo, consagra a regra de que um qualquer acto só sofre de nulidade quando a mesma “for expressamente cominada na lei” como tal (cfr. art. 118º, nº 1). Desse princípio da tipicidade ou da legalidade em matéria de nulidades, resulta que a inobservância de trâmites processuais impostos que não seja expressamente acoimada na lei com tal vício constitui uma mera irregularidade (nº 2 do mesmo artigo).
E, entre as nulidades, a lei distingue as que são insanáveis e as que são dependentes de arguição. Quanto às primeiras, “que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento”, são apenas as que vêm previstas nas diversas alíneas do art. 119º e todas as demais “que como tal forem cominadas em outras disposições legais”.
A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do já evocado art. 48º, especificamente prevista na al. b) daquele art. 119º, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.
E facilmente se compreende a razão e a natureza de tal nulidade, diante da primordialidade do que que lhe subjaz: é a própria Constituição da República, no seu art. 219º, que atribui ao Ministério Público, além do mais, a função de exercer a acção penal, sobre a qual escreveu Luís Osório, no comentário ao CPP, pág. 90 [citado pelo Sr. Dr. Vinício Ribeiro, Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, no comentário ao CPP, pág. 100] «que a acção penal compreende toda a actividade dirigida a obter a punição do réu; compreendendo nessa actividade a de todas as pessoas que, cada uma na sua esfera de acção, cooperam para se obter aquele fim».
Da essencialidade da titularidade da acção penal pelo MP apenas se pode extrair que este Órgão a deve promover, oficiosamente (nos crimes públicos), mediante queixa (nos crimes semipúblicos) e constituição de assistente e dedução de acusação particular (nos crimes particulares). Nada mais do que isso.
O que também se compreende: estando em causa crimes de menor densidade jurídico-penal, o legislador coloca a tutela dos interesses da vítima na sua inteira disponibilidade, mediante os institutos da queixa e acusação particular, de modo a fazer com que a existência do procedimento criminal corresponda, efectivamente, à conveniência e à vontade do titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, «a quem se entende que compete, em última análise, a decisão sobre qual a melhor forma de tutela dos seus interesses e evitar que os procedimentos criminais já iniciados perturbem a esfera da intimidade da vítima e das relações pessoais entre ela e o agressor», como se afirmou no já citado acórdão da RL de 17-06-2015, onde se acrescentou: «Estando sempre em causa, como está, a protecção do interesse e da vontade da vítima, mal se acolhe a ideia de que, pelo facto de ela não ter proferido, a seu punho, a acusação, se venha a determinar a inutilidade de todo um procedimento criminal e, em última análise, a não punição do agente, quando se comprova que, ainda que por actos distintos, essa vontade de persecução penal foi suficientemente manifestada, se demonstra actual e os factos criminosos foram, efectivamente, cometidos».
Na verdade, não olvidando que o falado pressuposto processual – a legitimidade do Ministério Público decorrente da dedução de acusação particular – constitui requisito de validade do processo – de harmonia com o disposto no referido art. 119º, al. b) – e condiciona a responsabilidade penal, porquanto subordina o respectivo procedimento (14), há que perscrutar a teleologia ou as intenções político-criminais que lhes presidem, a fim de poder concluir em que concretos termos se impõe o seu preenchimento.
Ora, nos presentes autos, não pode sustentar-se a falta de promoção do processo pelo Ministério Público: bem vistas as coisas, este Órgão promoveu a acção penal nos exactos termos em que a lei lhe impunha e é indiscutível que, em conformidade com os elementos disponibilizados pelo processo, não poderia haver lugar à notificação da assistente para deduzir acusação particular.
Por outro lado, a lei prevê que a «acusação do assistente pode limitar-se a mera adesão à acusação do Ministério Público» (cf. citado art. 284º), diferentemente do que se passa com a acusação pública, como salientou o referido AUJ de 16-12-1999. Portanto, a assistente, ao aderir à acusação pública, manifestou a sua vontade de que o arguido fosse perseguido também pelos factos naturalísticos que vieram a ser tidos por provados na sentença, os quais, como acima expendemos, são, na substância, parte dos mesmos que eram descritos na acusação a que a assistente aderiu e que também fundamentavam a incriminação referente ao crime (público) de violência doméstica.
Assim, mostrando-se nestes autos inteiramente preenchido o desiderato prosseguido pelo legislador com o instituto da acusação particular, não cremos que a falta de uma formal e autónoma acusação da assistente constitua motivo, previsto em qualquer disposição legal, para a inutilização da adesão da mesma à acusação proferida pelo Órgão que, em conformidade com os dados do processo, detinha exclusiva legitimidade para o efeito, tal como, até então, se apresentava estruturada, fáctica e juridicamente, a pretensão punitiva do Estado. A questão de não se terem demonstrado todos os fundamentos fácticos de tal pretensão apenas pode relevar para o respectivo mérito, não para o do preenchimento do pressuposto processual em análise.
Portanto, o processo e a intervenção que nele tiveram os diversos sujeitos processuais não sofre de qualquer ilegalidade (15): «O MP acusou por factos relativamente aos quais tinha legitimidade e os pressupostos processuais relativos a tal acusação estabilizaram-se, nesse preciso momento», como também concluiu o já mais vezes evocado acórdão da RL de 17-06-2015, que arrematou a sua fundamentação nos seguintes termos, a que aderimos, com a devida vénia:
«A autonomização dos factos relativamente ao crime maior, no âmbito do qual foram acusados, não tem a virtualidade de desprovir de legitimidade para o exercício da acção penal o órgão que, quando do exercício dessa mesma acção, a tinha e a usou de acordo com a lei. Com a agravante de que a questão da protecção da tutela dos interesses de recato da vítima (fundamento do instituto da queixa e/ou acusação particular) na fase processual do julgamento se mostra absolutamente ultrapassada porque o procedimento criminal existiu e culminou com um julgamento, no decurso do qual a factualidade constitutiva do crime particular foi publicitada, discutida e apurada.
Quer a queixa quer a acusação são condições positivas do procedimento criminal cujo significado se reconduz à colocação na disponibilidade da vontade do ofendido da efectivação da punição pelos crimes de que foi vitima. Manifestando-se essa vontade, inequivocamente, por outra via – a única compatível com a indiciação processual à data da acusação – não há fundamento que permita ignorá-la, em benefício de uma pura formalidade – processualmente descabida, em face dessa indiciação processual e das normas processuais vigentes à referida data, que excluía a possibilidade de dedução de uma acusação particular».

Em conformidade com tudo o exposto, concluímos pela legalidade da decisão recorrida e pela improcedência da debatida pretensão recursiva.

A medida da pena.
O crime cometido pelo recorrente, previsto no art. 181º do C. Penal, é punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
O recorrente propõe a redução para 20 da pena de 60 dias de multa em que foi condenado.
Neste conspecto, a Sra. Juíza ponderou: o mediano grau de ilicitude dos factos (o tipo de expressões usadas); a forma rudimentar e circunscrita de execução destes (não tendo dado conhecimento a terceiros das mensagens remetidas à assistente); a relativamente reduzida gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo; as condições pessoais e económicas do arguido (modestas); as circunstâncias de o mesmo não ter antecedentes criminais e ter bom comportamento social. E, tudo sopesado, optou pela pena não privativa da liberdade, por se lhe afigurar que esta realizaria adequadamente as finalidades de punição, e por condenar o arguido na pena de 60 (sessenta) dias de multa, ou seja, precisamente, metade do limite máximo da moldura da pena de multa alternativamente prevista.
Perante tais pressupostos fácticos, não contrariados no recurso, não lobrigamos qualquer fundamento para anuir ao arrazoado do recorrente, dissentir da análise a que a Sra. Juíza procedeu sobre os mesmos e alterar a decisão, já que esta, também neste particular aspecto, evidencia ser ponderada e equilibrada e acatar os comandos dos arts. 40º e 71º do C. Penal.

O pedido cível.
A assistente pedira a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 3.000, para reparação (cível) dos danos que este lhe causara com a sua conduta. O demandado, que foi condenado a pagar àquela, a tal título, a quantia de € 400 euros, pretende a sua absolvição do pedido ou, assim não se entendendo, a redução do seu montante para o valor de € 200.
A pretensão recursiva atinente ao pedido cível está subtraída à cognoscibilidade deste Tribunal. Com efeito, prescreve o art. 400º, nº 2, do C. P. Penal, que «o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Ora, o artigo 44º, nº 1, da LOSJ (aprovada Lei nº 62/2013, de 26/8), fixou a alçada dos tribunais de primeira instância em € 5.000, estatuindo o disposto no nº 3 da mesma norma legal que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi deduzido o pedido cível.
Consequentemente, no caso vertente, não pode este Tribunal conhecer do recurso sobre a decisão quanto ao pedido cível, com autonomia relativamente ao recurso relativo à decisão da matéria penal (art. 403º, nºs 1 e 2, als. a) e b), do C. P. Penal), por não se verificar qualquer dos dois pressupostos cumulativamente exigidos pelo citado art. 400º, pois o valor do pedido não ultrapassa a alçada do tribunal recorrido e a decisão que se pretenderia impugnar também não é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da mesma alçada.
*
Decisão:

Pelo exposto, decide-se não conhecer do recurso na parte relativa ao pedido de indemnização civil e, julgando improcedente o recurso na parte penal, manter integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (arts. 513º, nº 1, do CPP, e 8º, n.º 9, do RCP, e Tabela III anexa a este último diploma).
Guimarães, 25/09/2017

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

1 - Foi o que se sintetizou no acórdão desta Secção de 20/03/2017: «Os factos essenciais descritos na acusação, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática (e também obrigatoriamente indicadas), definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal. Contudo, sendo o nosso processo penal, de estrutura basicamente acusatória, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP), integrado por um princípio de investigação, pode suceder que nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime imputado possam constar desde logo da acusação, emergindo durante a discussão da causa factos novos e/ou questões submetidas à disciplina do preceituado nos arts. 358º e 359º do CPP».
2 - P. 1150/14.1GAMAI.P1 - Eduarda Lobo: com o seguinte sumário: «A degradação do crime de violência doméstica para um crime de injúria e de ameaças não carece de prévia comunicação ao arguido nos termos do artº 358º1 e 3 CPP».
3 - P. 1743/11.9TAGDM.P1 - Pedro Vaz Pato».
4 - Neste sentido, o acórdão da RE de 30-09-2014 (P. 556/12.0PBSTB.E1 - Ana Brito.
5 - Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, nº 8, p. 305.
6 - Cfr., designadamente, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., pp. 998-999, e Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, pp. 546-547.
7 - As disposições legais é que definem e estabelecem a natureza jurídica do facto, o tipo de culpa exigido para o seu preenchimento e demais elementos constitutivos, as sanções aplicáveis e outros elementos essenciais para a correcta e adequada defesa do arguido. Tenha-se em vista que a própria tramitação processual depende da qualificação jurídica dos factos. É o que acontece com a forma do processo, a competência do tribunal e o modo de exercício e a extensão do direito ao recurso.
8 - A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado, de forma pacífica, neste preciso sentido – entre outros, os acórdãos de 02.07.17, 03.11.12, 04.03.10, 06.04.06, 06.05.10, 06.06.14 e 07.10.31, proferidos nos Recursos n.ºs 3158/02, 1216/03, 4024/03, 658/06, 1290/06, 1415/06 e 3271/07.
9 - Cf. o acórdão deste Supremo Tribunal de 91.04.03, publicado na CJ, XVI, II, 17 e o acórdão do Tribunal Constitucional de 97.04.17, proferido no Processo n.º 254/95.
10 - Nesse sentido, p. ex., os acórdãos da RE de 29-05-2012 (P. 157/11.5GDFAR.E1 - Sénio Alves) e da RC de 28-01-2010 (P. 361/07.0GCPBL.C1 - Jorge Dias).
11 - P. 48/13.5PFPDL.L1-3 - Graça Santos Silva. A fundamentação deste aresto inclui a seguinte explicitação: «Estando, necessariamente, em causa, um menos relativamente ao mais constante da acusação, entendemos que não há situação que se subsuma à previsão das normas dos artºs 358º ou 359º, do CPP, que implicam, sempre, uma alteração dos factos descritos na acusação ou uma alteração da qualificação jurídica que não seja a imputação de um crime simples ou menos agravado, nas situações em que o agente vinha acusado por um crime mais grave, agravado ou qualificado. No caso, os factos naturalísticos provados em julgamento são precisamente os mesmos que foram descritos na acusação. Arredamos, pois, a aplicabilidade ao caso de qualquer das diferentes teses jurisprudenciais que buscam a solução para a situação na aplicação das referidas normas.
A questão fica em saber se, sem a aplicação do referido instituto da alteração dos factos, há, ou não, fundamento legal que suporte a condenação pelo crime menor contido na acusação, cuja factualidade se provou. Entendemos que, neste caso - em que houve dedução de queixa-crime, constituição de assistente e acompanhamento da acusação pública - há.».
12 - Dispõe aquele art. 48º que a legitimidade para promover o processo penal cabe ao M. Público (com as restrições dos arts. 49º a 52º).
13 - Acórdão da RC de 22-04-2015 (P. 3/13.4TASBG-B.C1 - Luís Teixeira), que também concluiu: «Nos crimes públicos e semi-públicos, o MP deve acusar em primeiro lugar, podendo o assistente deduzir a sua acusação nos termos do artigo 284.º do CPP; nos crimes particulares, o assistente é que deve acusar primeiro, devendo o MP usar da faculdade do disposto no artigo 285.º, n.º 4, do CPP».
14 - Neste sentido, F. Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, 1993 p. 663: «Relativamente a certos pressupostos processuais, porém, o seu conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções político-criminais que lhes presidem, têm ainda a ver com condições de efectiva punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser. (…) É esse o caso dos institutos da queixa e da acusação particular».
15 - Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 1994, p. 28, escreve que o disposto no art. 119.º, al. b) do CPP se refere apenas à ilegalidade da promoção do processo pelo Ministério Público, esclarecendo: «A titularidade do direito de acção penal cabe ao MP. O exercício do direito de acção é que pode depender de circunstâncias diversas que constituem requisitos desse exercício penal. É a verificação desses requisitos que consubstancia a legitimidade do MP, cuja falta implica nulidade».