Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1879/17.2T8BRG.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) A relação jurídica que se estabelece entre o cliente e o advogado, traduz-se numa obrigação de meios, uma vez que este se obriga a praticar os atos necessários e suficientes, de acordo com as boas práticas jurídicas, éticas e deontológicas, com vista à defesa zelosa dos interesses e direitos dos seus clientes, mas já não a conseguir um objetivo concreto, por exemplo a obter vencimento na causa que o seu cliente lhe confiou, ou a obter a absolvição do mesmo, ou a sua libertação;

2) Independentemente do entendimento que se tenha sobre a natureza da responsabilidade civil do advogado, estando em causa a inexecução ou execução defeituosa do mandato a responsabilidade deste é contratual;

3) O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida), decisivo para a determinação da indemnização.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) T. G., veio intentar contra José, melhor identificado como J. C., ação declarativa com processo comum, onde conclui pedindo que o réu seja condenado a pagar à autora €41.150,83, a título de danos patrimoniais e €50.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação para a presente ação e até efetivo e integral pagamento.

O réu J. C. apresentou contestação onde conclui entendendo que:

a) Deve julgar-se procedente, por provada, a alegada exceção de prescrição;
b) Deve - sempre - julgar-se improcedente, por não provada, a presente ação.
c) Deve ser a autora condenada como litigante de má-fé, em multa nunca inferior a €5.000,00, assim como em indemnização a pagar ao réu, nunca inferior a tal valor, tudo com as legais consequências.
*
B) Realizou-se audiência prévia e, após alegações das partes, foi proferido saneador-sentença onde se decidiu:

1. Julgar não provada e improcedente a ação e, em consequência, absolver o réu dos pedidos formulados;
2. Condenar a autora a título de litigância de má-fé:
2.1. no pagamento de multa equivalente a quatro UC;
2.2. no pagamento de indemnização ao réu nos termos do art. 543º do Código de Processo Civil, cujo montante será fixado ulteriormente em conformidade com o nº 3 do mesmo dispositivo legal.
Custas a cargo da autora.
*
C) Inconformada, a autora T. G. veio interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 115).
*
Nas alegações de recurso da autora T. G., são formuladas as seguintes conclusões:

I. Do conhecimento do mérito da causa no despacho saneador

A. Conforme é entendimento unanime da jurisprudência, o momento para aferir do mérito da causa é, em situações normais, a audiência de julgamento.
B. Estando tal posição por demais assente na jurisprudência nacional.
C. Considerando-se que a decisão no Saneador sempre será excecional.

Consubstanciando, no caso concreto dos presentes autos,

D. O Tribunal a quo procedeu a uma análise das peças apresentadas,
E. Concluindo que o suposto facto gerador de responsabilidade (na sua ótica) nunca seria procedente (visto que a casa já não era propriedade da autora aquando da constituição do mandato).
F. Tornar-se-ia impossível ao réu obter indemnização, em ação autónoma, por perdas e danos,
G. Não havendo, por isso, qualquer responsabilidade a ser assacada ao mesmo.
H. Absolvendo, assim, sem mais o réu nos pedidos formulados.

Todavia, e salvo melhor opinião, decidiu incorretamente o Tribunal a quo, isto porque,

I. No dia 5 de agosto de 1992, a ora autora e seu marido, J. G., por escritura pública de compra e venda, lavrada a fls. 73 a 74, do livro de notas (...), do então 2º Cartório Notarial de Braga, declaram vender a F. L., o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo preço de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos),
J. Contudo, por referido imóvel se encontrar já penhorado por requerimento de 2 de outubro de 1991 apresentado pela então exequente “Auto X” (no acima aludido processo executivo) veio a ser arrematado em hasta pública, realizada em 5 de julho de 1994.
K. Neste seguimento (facto que se constata até mesmo pela proximidade das datas), a 12 de julho de 1994, a autora outorgou procuração forense a favor do réu, com vista a tentar anular todo o processo executivo.
L. Vindo o réu a apresentar requerimento ao processo onde peticiona ao Tribunal que se digne ordenar a anulação de todos os atos praticados a partir do referido ato de convocação dos credores, seguindo-se os ulteriores termos”, em virtude de a autora não ter sido citada para contestar.
M. Por despacho com conclusão de 16 de setembro de 1994, veio a arguida nulidade a ser indeferida, com fundamento no (à data) artigo 864º, nº 3 do C.P.C., mais concretamente com o fundamento na proteção do comprador que seja terceiro à instância executiva.
N. Constando ainda no referido despacho que: “não se diga que a requerente (cônjuge do executado) ficou sem proteção alguma, pois lhe fica reservado o direito de exigir do exequente indemnização de perdas e danos, a efetivar em ação autónoma”.
O. Ficando, então, o réu incumbido de propor essa mesma ação.
P. Que não propôs.
Q. Ora, pela decisão tomada pelo Tribunal a quo, não se faz mais do que constatar que tal petição sempre estaria condenada ao fracasso, atenta a referida questão da propriedade.
R. Contudo e desde logo sempre teria a autora direito a ser indemnizada por “perdas e danos, a efetivar em ação autónoma”, pelo facto de não ter sido citada para a execução em causa,
S. Incorreu a autora em “perdas e danos”, na medida em que nunca pôde reagir e defender aquilo que era seu no referido processo,
T. Situação que o réu deveria ter acautelado.
U. O que não fez.
V. Não obstante de, para ela, estar mandatado.
W. Assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi proferida quando ainda existiam questões controvertidas, que ficam assim por julgar.

A acrescer,

X. Importa esclarecer que, ao contrário do parece resultar da contestação, o réu sabia da existência da referida venda a F. L., realizada a 5 de agosto de 1992.
Y. Facto esse que se considera essencial e controvertido até agora nos presentes autos.
Z. Tendo, nesse seguimento, requerido ao Tribunal de então que “se digne ordenar a anulação de todos os atos praticados a partir do referido ato de convocação dos credores, seguindo-se os ulteriores termos”.
AA. Sempre com a promessa velada e subjacente de que seria possível à autora ver acautelados os seus direitos.
BB. Neste sentido, mais uma vez, não se pode corroborar a teoria do Tribunal a quo de que estando a pretensão da autora vetada ao fracasso (o que não se concorda), não haverá lugar a responsabilidade por parte do réu.
CC. Até mesmo porque, relevante será a ótica do réu à data, que sempre garantiu que seria possível acautelar-se a referida situação.

Sem prescindir,

DD. Resulta ainda do peticionado pela autora que, em virtude do comportamento do réu, ao não propor a ação que estava acordada, fomentando na mesma, de forma sistemática e ininterrupta, que a sua propositura iria corrigir todas as injustiças, resultaram vastos danos morais para a mesma,
EE. Nomeadamente os referidos nos artigos 97 a 104.
FF. Danos esses que sempre serão autonomizáveis e totalmente independentes da perda da casa propriamente dita,
GG. E que sempre seria matéria a ser discutida em audiência de julgamento.
HH. O que fica vedado à autora com a decisão proferida pelo Tribunal a quo e que aqui se coloca em crise.

A acrescer e sem prescindir, a título de cautela de patrocínio, sempre se dirá que,

II. Em sede de julgamento iria a autora explicar de forma detalhada e na 1ª pessoa os contornos do aludido negócio realizado a 5 de agosto de 1992, onde a ora autora e o seu marido, J. G., por escritura pública de compra e venda, lavrada a fls. 73 a 74, do livro de notas (...), do então 2º Cartório Notarial de Braga, declaram vender a F. L., o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo preço de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos),
JJ. Concretamente que o referido negócio não passou, na verdade, de um negócio simulado porquanto nunca houve tradição da coisa, nem pagamento do preço, nem intenção de realizar qualquer negócio.
KK. Sendo, por esse motivo, o referido negócio nulo, podendo ser invocado, a todo o tempo, por qualquer interessado,
LL. Sendo também invocável, entre si, pelos próprios simuladores, ainda que estejam de má-fé, neste sentido AC do STJ, de 15-11-2001, processo nº 02B842, cujo Relator é Neves Ribeiro.
MM. Negócio simulado a que o réu não é nem nunca foi alheio, o que se depreende inclusive do requerimento que este fez ao processo executivo pedindo a anulação de tudo quanto processado até então com base na falta de citação.
NN. Pretendia-se, assim, obviamente, anular tudo quanto processado nos autos e deste modo, dar a possibilidade à autora de se defender.

Devendo ainda esclarecer-se que,

OO. Só não expôs a autora a referida questão da simulação absoluta do negócio realizado a 5 de agosto de 1992 por ser tal facto de conhecimento do réu,
PP. Que sempre sossegou a autora, dizendo que essa situação não seria impossibilitadora de ressarcimento,
QQ. Certo é que, no modesto entendimento da autora, estão em discussão questões jurídicas cuja abordagem admite “várias soluções plausíveis da questão de direito”, sendo certo que, subsistindo, relativamente a essas questões, matéria controvertida e relevante à decisão, o estado do processo não admite o conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, neste sentido AC do TRG de 03-04-2014, processo nº 79/19.9TBBRGA.G1, cujo Relator é Maria Luísa Ramos.
RR. Pelo que, por tudo quanto exposto, nas presentes alegações de recurso, considera a autora que nunca poderia o Tribunal a quo (ter) decidido a contenda por via de saneador-sentença,
SS. Devendo ser esta decisão alterada por uma outra que leve os autos a julgamento para decisão das questões ainda controvertidas.

A acrescer,

TT. Em consequência dessa decisão sempre deverá igualmente a autora (ser) absolvida da condenação como litigante de má-fé.
UU. Porquanto litiga certa de um direito que é seu,
VV. Não fazendo uso reprovável do processo.

Termina entendendo dever julgar-se o presente recurso procedente por provado e, em consequência, revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ordenando-se a prolação de novo despacho saneador que possibilite a remessa dos autos para julgamento de todo o peticionado pela autora.

Sem prescindir e em alternativa, sempre deverá julgar-se o presente recurso procedente por provado e, em consequência, proferir-se despacho saneador que substitua aquele proferido em 1ª Instância, possibilitando a remessa dos autos para julgamento.

Mais deverá a autora ser absolvida da condenação como litigante de má-fé, com as legais consequências.
*
O apelado J. C. apresentou resposta onde entende dever ser julgado o recurso improcedente, mantendo-se a douta decisão proferida.
*
D) Foram colhidos os vistos legais.

E) As questões a decidir na apelação são as de saber:

1) Se deverá ser alterada decisão jurídica da causa que absolveu o réu dos pedidos;
2) Se deverá ser alterada a decisão que condenou a autora e apelante como litigante de má-fé.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Na 1ª instância foi apurada a seguinte matéria de facto provada:

1. No processo executivo que correu termos sob o nº 124/91, 1ª Secção, 2º Juízo, do Tribunal Judicial de Braga, por requerimento de 2 de outubro de 1991 a exequente “Auto X” nomeou à penhora o “prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e sótão, sito no lugar (...), freguesia de (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo (...), e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)”, o qual foi efetivamente penhorado.
2. A aquisição de tal imóvel encontrava-se a essa data inscrita a favor da aqui autora e marido, José António de Carvalho Gomes, conforme documento da Conservatória do Registo Predial de fls. 57 a 58.
3. No referido processo executivo, o mencionado imóvel foi arrematado em hasta pública, realizada em 5 de julho de 1994.
4. Em 12 de julho de 1994, a autora outorgou procuração forense a favor do réu, com vista a tentar anular aquela venda, o qual, no mesmo dia 12 de julho de 1994, apresentou requerimento no processo executivo, no qual apresentou o seguinte pedido: “se digne ordenar a anulação de todos os atos praticados a partir do referido ato de convocação dos credores, seguindo-se os ulteriores termos”, conforme documento 6 junto a fls. 31, que aqui se junta e se dá por reproduzido.
5. Por despacho com conclusão de 16 de setembro de 1994, veio a arguida nulidade a ser indeferida, com fundamento no (à data) artigo 864º, nº 3 do C.P.C., mais concretamente com o fundamento na proteção do comprador que seja terceiro à instância executiva.
6. No mesmo despacho consta ainda que: “e não se diga que a requerente (cônjuge do executado) ficou sem proteção alguma, pois lhe fica reservado o direito de exigir do exequente indemnização de perdas e danos, a efetivar em ação autónoma”.
7. Foi comunicado à autora o indeferimento da pretensão.
8. No dia 5 de agosto de 1992, a ora autora e seu marido, J. G., por escritura pública de compra e venda, lavrada a fls. 73 a 74, do livro de notas (...), do então 2º Cartório Notarial de Braga, declaram vender a F. L., o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo preço de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos), conforme doc. 2 de fls. 55 v. a 56, que aqui se dá por reproduzido.
9. O dito comprador do imóvel - F. L. – requereu o respetivo registo de aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial, em 2 de outubro de 1992, conforme doc. 3 de fls. 57 a 58, que aqui se dá por reproduzido, tendo a mesma sido inscrita.
10. Anteriormente àquela venda, a autora e seu marido tinham dado de hipoteca o dito imóvel ao “Banco A” por escritura de 21/02/91, conforme documento de fls. 67 a 71 e documento da conservatória de fls. 57 a 58.
11. No dia 10.10.1994, este Tribunal, no âmbito do processo de execução nº 155/93 do 1º juízo cível, intentada por aquele Banco, notificou a ora autora e seu marido do seguinte: “nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artº 119º do C.R. Predial, fica notificado de que pelo titular inscrito, F. L., foi declarado, por escrito, nos autos, que o prédio (imóvel) nomeado à penhora lhe pertence, por o haver comprado pelo preço de 4.000.000$00, preço que pagou na sua totalidade, sendo certo que, à data da escritura sabia existirem encargos sobre o mesmo prédio, que os vendedores prometeram remover a curto prazo, digo, em curto espaço de tempo, pelo que, o declarante tem direito de propriedade sobre o dito prédio”, conforme docs. 5 e 6 de fls. 59 e 60, que aqui se dão por reproduzidos.
*
B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) A apelante discorda do conhecimento da causa no despacho saneador.

Não obstante o momento normal para conhecer o mérito da causa seja a sentença subsequente à audiência de julgamento, a verdade é que, sempre que o estado dos autos o permitir, o juiz deve conhecer do mesmo no saneador, se não houver necessidade de mais provas, como decorre do disposto no artigo 595º nº 1 alínea b) NCPC.

Importa dizer que a apelante ao não impugnar a matéria de facto dada como provada, nos termos legalmente impostos (cfr. artigo 640º NCPC) a aceita, pelo que a discordância se limita à apreciação propriamente jurídica da causa.

A questão é a de saber se se justificaria a continuação da ação, ao invés de ser proferido saneador-sentença, como sucedeu e a resposta não pode deixar de ser negativa.

Desde logo, porque se parte de pressupostos que se não verificam.

Com efeito, afirma a apelante que sempre teria a autora (apelante) direito a ser indemnizada por perdas e danos a efetivar em ação autónoma, pelo facto de não ter sido citada para a ação em causa, simplesmente, desde logo, não resulta da matéria de facto apurada que a mesma não tivesse sido citada.

Resulta da matéria de facto apurada que a autora outorgou procuração forense a favor do réu, com vista a tentar anular a venda de um imóvel, pertença da autora e do seu marido que a exequente “Auto X” nomeou à penhora e em cujo processo executivo, o mencionado imóvel foi arrematado em hasta pública, realizada em 5 de julho de 1994.

No mesmo dia da outorga da procuração - 12 de julho de 1994 -, o réu apresentou requerimento no processo executivo, no qual apresentou o seguinte pedido: “se digne ordenar a anulação de todos os atos praticados a partir do referido ato de convocação dos credores, seguindo-se os ulteriores termos” e, por despacho com conclusão de 16 de setembro de 1994, veio a arguida nulidade a ser indeferida, com fundamento no (à data) artigo 864º, nº 3 do C.P.C., mais concretamente com o fundamento na proteção do comprador que seja terceiro à instância executiva, tendo sido comunicado à autora o indeferimento da pretensão.

Seguindo de perto o Acórdão desta Relação de Guimarães de 22/06/2017, no processo nº 6302/13.9TBBRG.G1, relatado pelo ora relator, dir-se-á que o contrato de mandato é aquele em que uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (artigo 1157º Código Civil) e, havendo representação, assistindo-lhe o dever de agir por conta e em nome do mandante (artigo 1178º Código Civil).

Constituem deveres do advogado, na relação com o cliente, nomeadamente, dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade (artigo 100º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro).

A relação jurídica que se estabelece entre o cliente e o advogado, é uma obrigação de meios, uma vez que este se obriga a praticar os atos necessários e suficientes, de acordo com as boas práticas jurídicas, éticas e deontológicas, com vista à defesa zelosa dos interesses e direitos dos seus clientes, mas, já não, a conseguir um objetivo concreto, por exemplo a obter vencimento na causa que o seu cliente lhe confiou, ou a obter a absolvição do mesmo, ou a sua libertação.

Daí que se afirme que não se trata de uma obrigação de resultado, mas, antes, de uma obrigação de meios.

Quanto à natureza da responsabilidade do advogado, na execução do mandado que lhe é conferido, conforme se refere no Acórdão desta Relação de 23/02/2010, na apelação nº 8/04.7TBEPS.G1, relatado pela Desembargadora Eva Almeida, “uns sustentam que ela é de natureza contratual, outros que ela é de natureza extracontratual e ainda há quem conceba que essa responsabilidade é de natureza mista, concorrendo ambas as responsabilidades (contratual e extracontratual) havendo que determinar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adotar.

Para os que defendem a natureza mista da responsabilidade do advogado, se este não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm da execução do contrato de mandato que celebrou com o cliente, incorre em responsabilidade civil contratual (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.1987 (P. 75 489), Boletim do Ministério da Justiça, 371, pág. 444, citado na anterior nota de rodapé. No mesmo sentido, Acórdão da Relação do Porto de 04.02.1992 (R. 505), Coletânea de Jurisprudência, 1992, 1, 232, o Acórdão da Relação do Porto, (Emídio Costa), de 1999.12.07, in Boletim do Ministério da Justiça 492, pág. 484 e o Acórdão da Relação de Coimbra (Mário Ribeiro) de 1992.02.04, Boletim do Ministério da Justiça 414, pág. 7), mas se pratica um facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, então a sua responsabilidade civil para com esse mesmo cliente é de natureza extracontratual.

Esta última corrente é a defendida por parte da Doutrina (A doutrina divide-se quanto à natureza da responsabilidade do advogado – vide António Arnaut, Iniciação à Advocacia, História – Deontologia, Questões Práticas, 8ª edição refundida, Coimbra Editora, pág. 163 e segs. – este autor defende que a responsabilidade civil profissional do Advogado tem natureza extracontratual. Em sentido contrário Orlando Guedes da Costa, no seu livro Direito Profissional do Advogado, Noções Elementares, 3ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, pág. 364 e 365 defende que a responsabilidade do Advogado, mesmo quando nomeado oficiosamente não pode deixar de ser contratual) e da Jurisprudência, como a mais conforme ao Direito e às realidades da vida – cf. L.P. Moitinho de Almeida, in «A Responsabilidade Civil dos Advogados», pág. 13, Cunha Gonçalves, in «Tratado de Direito Civil» tomo XII, pág. 762, Ac. do S.T.J de 30.05.95, in CJ/STJ, tomo II, pág. 119, Ac. do STJ de 6/04/2000, in www.dgsi.pt, Ac. do STJ. de 28.09.2006, in www.dgsi.pt, Ac. do STJ de 17/10/2006, in www.dgsi.pt, Ac. da Rel. de Lisboa de 25/09/2001 in www.dgsi.pt; Acs. Da Rel. Porto de 1.06.2006, de 19.09.2006 e de 27.10.2009, in www.dgsi.pt.).”

Seja qual for o entendimento que se tenha das posições indicadas, estando em causa a inexecução ou execução defeituosa do mandato a responsabilidade do réu é de natureza contratual.

Ora, tratando-se de uma responsabilidade contratual, existe uma presunção de culpa, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, não procede de culpa sua (artigo 799º nº 1 Código Civil).

Os requisitos da responsabilidade contratual, a que o Professor Inocêncio Galvão Telles prefere chamar responsabilidade obrigacional (cfr. Direito das Obrigações, 5ª Edição, página 301), reconduzem-se à existência de um facto voluntário do agente, da ilicitude, que se pode traduzir na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou na violação de um direito subjetivo, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Quanto à ilicitude, a mesma pode traduzir-se na violação de um direito de outrem ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

Quanto a esta segunda variante de ilicitude, é necessária a verificação de três requisitos: que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.

A ilicitude não se verifica no caso presente, dado que não se encontra preenchido qualquer um dos apontados requisitos.

É, ainda, necessário, igualmente, que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Conforme refere o Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, página 498 e seg., tem direito à indemnização o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou indiretamente seja prejudicado.

No que se refere ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a designada doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - artigo 563º do Código Civil.

A propósito deste pressuposto, pode-se afirmar que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada no aludido artigo 563º do Código Civil, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que em abstrato ou em geral, seja causa adequada do dano.

Com efeito, a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado.

Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em abstrato e em geral, adequado e apropriado para provar o dano.

Tal significa que a doutrina da causalidade adequada determina que o nexo da causalidade co-envolva matéria de facto (nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado) e matéria de direito (nexo de adequação: que o facto, em abstrato ou geral, seja causa adequada do dano).

Como ensina Galvão Telles (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 578) “determinada ação será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar.”

Daqui resulta, como bem se observa no Ac. S.T.J. de 15-1-2002 (Col. Ac. S.T.J., X, 1.º, 38), que, "de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida em conta como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano.

Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria.”

Do exposto flui que a teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.

Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal, ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.

Na formulação negativa (mais ampla), o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, Obra citada, págs. 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho (Obra citada, pág. 61).

Consequentemente, o comando do artigo 563º do Código Civil “deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Volume IV, 4.ª edição, pág. 579) (Acórdão do STJ de 01/07/2003, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt)”.

Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria.”

Importa, assim apurar se se verifica o requisito do nexo causal entre o facto – anulação da venda – e o dano – não recebimento da indemnização.

Poder-se-ia pensar que o facto em questão seria a omissão da instauração da ação, mas tal não resulta da matéria de facto apurada, além do mais, por se tratar de um facto controvertido que nunca poderia ser considerado como provado, face à impugnação do mesmo pelo réu.

Ora, não se pode afirmar a existência de tal nexo causal, tendo em conta desde logo a natureza da obrigação emergente do mandato (obrigação de meios), nem mesmo na eventualidade – não verificada – de o facto em questão (omissão da instauração da ação) poder considerar-se como assente.

E isto, por uma dupla ordem de razões: por um lado, porque, conforme melhor se explicará infra, não há elementos fácticos alegados suficientes, para se permitir afirmar que haveria probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.

Por outro lado, nunca seria viável a procedência de tal pretensão, face à sua manifesta ilegalidade, na medida em que a autora, confessadamente, reconhece, nas suas alegações de recurso que (sic):

52. Em sede de audiência de julgamento tinha (e tem) a Autora intenções de prestar Declarações de Parte, em face da contestação,
53. Até mesmo porque as mesmas se reputam de verdadeiramente essenciais para a justa composição do litígio,
54. Isto é, iria a Autora explicar de forma detalhada e na 1ª pessoa os contornos do aludido negócio realizado a 5 de agosto de 1992, onde a ora autora e o seu marido, J. G., por escritura pública de compra e venda, lavrada a fls. 73 a 74, do livro de notas (...), do então 2º Cartório Notarial de Braga, declaram vender a F. L., o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo preço de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos),
55. Assim, pretendia a autora explicar que o referido negócio não passou, na verdade, de um negócio simulado.
56. A saber, uma simulação absoluta, visto que, na verdade, as partes nunca quiseram celebrar qualquer negócio,
57. Tendo, tão só, como objetivo procurar a preservação do património familiar,
58. Tendo sido uma solução encontrada pelo seu marido J. G. com vista a tentar evitar a venda do imóvel em hasta pública, como viria a suceder,
59. Nunca tendo havido tradição da coisa, nem pagamento do preço.
60. Sendo, por esse motivo, o referido negócio nulo, podendo ser invocado, a todo o tempo, por qualquer interessado…

Isto é, resulta do alegado que a autora praticou um ato ilegal – a simulação absoluta de um negócio jurídico, cuja invocação (da simulação) agora pretende fazer.

E se é verdade que é permitida a invocação da simulação pelos próprios simuladores, ainda que seja fraudulenta (artigo 242º nº 1 Código Civil), a verdade é que ainda que tal simulação fosse reconhecida, não tinha qualquer efeito relevante para a alegada ação que se pretenderia intentar contra a exequente, ou para a eventual responsabilização do réu, pelo que se trataria de uma inutilidade.

De qualquer forma, verifica-se não estar preenchido o nexo causal entre o facto e o dano, motivo pelo qual não deveria haver lugar à responsabilização civil do réu.
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Mas, mesmo que assim não fosse, sempre importaria analisar a suscitada questão da designada perda de chance.

Refere-se no citado Acórdão que “na doutrina e jurisprudência tem-se discutido a possibilidade de alguém ser indemnizado pela “perda de chance” ou de oportunidade (Sobre o conceito de “perda de chance”, na doutrina ver: Carneiro de Frada in Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, pag.103; Júlio Gomes in Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II; vide o Ac. da Rel. do Porto de 27-10-2009 relatado pela Des. Maria do Carmo Domingues e, por todos, o douto Ac. do STJ de 22-10-2009 relatado pelo Cons. João Bernardo).

Armando Braga em “A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual”, pág. 125, escreve sobre este conceito o seguinte:

“O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente.

Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade atual e não futura.

Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela.
A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade.

O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.

O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.

É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”

Há que ter em atenção que para a análise do grau de probabilidade da obtenção da vantagem perdida se impõe a alegação e prova da existência de tal probabilidade, cujo ónus da prova pertencia à autora, nos termos do disposto no artigo 342º nº 1 Código Civil, segundo o qual, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Não resultam preenchidos os elementos constitutivos relativos à responsabilidade civil que fossem suscetíveis de impor ao réu a obrigação de indemnizar a autora, quer no que se refere ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, quer quanto à ilicitude, nem existe a alegação de factos que os pudessem fundamentar, tanto bastando para que se não verifique a chamada perda de chance, motivo pelo qual a pretensão terá de improceder.

No que se refere à litigância de má-fé, a apelante, nas suas alegações, limita -se a referir e a repetir textualmente nas conclusões das alegações que “em consequência dessa decisão sempre deverá igualmente a autora (ser) absolvida da condenação como litigante de má-fé, porquanto litiga certa de um direito que é seu, não fazendo uso reprovável do processo.”

Limita-se, assim, a apelante a apresentar conclusões sem alinhar quaisquer argumentos válidos que justificassem o afastamento da condenação e porque não se justifica qualquer censura a esta, também tal pretensão terá de improceder, por se manterem os fundamentos que a determinaram na 1ª Instância.

Por todo o exposto, a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida.
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D) Em conclusão:

1) A relação jurídica que se estabelece entre o cliente e o advogado, traduz-se numa obrigação de meios, uma vez que este se obriga a praticar os atos necessários e suficientes, de acordo com as boas práticas jurídicas, éticas e deontológicas, com vista à defesa zelosa dos interesses e direitos dos seus clientes, mas já não a conseguir um objetivo concreto, por exemplo a obter vencimento na causa que o seu cliente lhe confiou, ou a obter a absolvição do mesmo, ou a sua libertação;
2) Independentemente do entendimento que se tenha sobre a natureza da responsabilidade civil do advogado, estando em causa a inexecução ou execução defeituosa do mandato a responsabilidade deste é contratual;
3) O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida), decisivo para a determinação da indemnização.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 25/10/2018

António Figueiredo de Almeida
Maria Cristina Cerdeira
Raquel Baptista Tavares