Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1230/14.3TBBRG-A.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização e as despesas em que incorra constituem um encargo com o processo.
II. Beneficiando o devedor de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não lhe pode ser exigido que suporte tal encargo, competindo ao IGFIG, IP adiantar o pagamento do que for devido.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

J… requereu oportunamente, e litigando com benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, procedimento especial de revitalização (PER).
Por decisão do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, foi o procedimento admitido liminarmente e nomeado o administrador judicial provisório.
Posteriormente, em 20 de maio de 2014, atravessou o Requerente requerimento onde disse que recebera do Administrador nomeado uma nota para pagamento dos respetivos honorários (infere-se dos autos que os ditos honorários foram contabilizados em €2.500,00), mas que, dado beneficiar do apoio judiciário, não tinha que suportar tal custo. Requereu que se ordenasse o pagamento através do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
Tal requerimento foi indeferido, nos seguintes termos:
“Conforme já foi decidido no despacho com a referência Citius 13224774, é certo que o requerente do presente processo especial de revitalização beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos de executado, assim como de atribuição de agente de execução.
No entanto o critério para colocar a cargo do Estado o pagamento de honorários e despesas do Administrador Judicial não se afere pela circunstância de beneficiar ou não o devedor de apoio judiciário.
Na verdade, resulta do disposto no art° 23°, da Lei 22/2013 (EAJ), que o legislador equipara a remuneração do Administrador Judicial à do Administrador da Insolvência, quer quanto à remuneração fixa (nº 1), quer quanto à remuneração variável (nºs 2 e 3), equiparação essa que se mantém nos nºs 3 e 4, do artº 29°, do EAJ.
Só quando exista Massa Insolvente (que, num processo de revitalização, se não constitui, porque não há declaração de insolvência – artº 46°, do CIRE) é que, não se verificando a respectiva liquidez (artº 29°, n° 10; e art° 30°, n° 1, do EAJ), ou quando ocorra declaração de insolvência com efeito limitados (artº 30°, n° I, do EAJ; e art" 39°, do CIRE), quando ocorra encerramento do processo de insolvência seja o mesmo encerrado ao abrigo do disposto no artº 232°, do CIRE (artº 30°, nº 1, do EAJ), ou, por fim, quando o devedor tenha sido declarado insolvente e tenha requerido o benefício da exoneração do passivo restante, e apenas na medida em que a massa insolvente seja insuficiente (artºs 248°, nº 1; e 30°, nº 3, do EAJ), é que a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das respectivas despesas são suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça.
Não se enquadra, portanto, na previsão legal, excecional, de pagamento pelo IGFEJ, IP, a remuneração e pagamento de despesas ao administrador judicial nomeado em processo especial de revitalização.
Acresce que tal remuneração não entra em regra de custas, sendo directamente devida pelo devedor ao Administrador, não se integrando no elenco de encargos descritos no art° 17°, do Regulamente das Custas Processuais, não se sendo, por isso, abrangida pelo apoio judiciário de que beneficia o requerente.
Indefere-se, pois, nesta parte, o requerido pelo devedor.”

Inconformado com o assim decidido, apela o Requerente.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1. O recorrente pediu apoio judiciário para requerer o processo especial de revitalização.
2. O apoio judiciário foi-lhe concedido na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e aina nomeação e pagamento dos honorários do patrono.
3. Após ter sido nomeado o administrador judicial provisório, este solicitou ao recorrente o pagamento da quantia de €2.500,00, a título de remuneração.
4. O recorrente apresentou nos autos um requerimento onde alegou que beneficiava de apoio judiciário e que a modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo o isentava de pagar aquela remuneração, por ser esta um encargo do processo, e que por isso deveria a mesma ser suportada pelo IGFPJ (Cofre).
5. O Tribunal a quo entendeu que em processo especial de revitalização a remuneração do administrador judicial provisório é da responsabilidade do devedor e por isso indeferiu o pedido, sendo esse o despacho em crise nestes autos.
6. O recorrente entende que pelo facto de não haver massa insolvente em processo especial de revitalização isso não é por si só razão atendível para que a remuneração do administrador judicial provisório seja suportada necessariamente pelo devedor, especialmente quando este beneficia de apoio judiciário.
7. A remuneração do administrador judicial provisório constitui um encargo do processo e por conseguinte deverá ficar abrangida pelo âmbito da expressão "demais encargos do processo" da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
8. Por outro lado, se em processo de insolvência em que a massa insolvente seja insuficiente para pagar a remuneração do administrador da insolvência este encargo é suportado pelo Cofre, não se vê razão para distinguir esta situação daquela em que no processo especial de revitalização o devedor também não dispõe de recurso económicos para pagar essa remuneração, já que em ambas as situações estamos na presença de uma insuficiência do activo do devedor.
9. A acolher-se a douta interpretação do Tribunal a quo, só os que dispusessem de recursos económicos poderiam fraquear as portas do processo especial de revitalização, deixando à porta dos demais desfavorecidos.
10. Pelas razões expostas, entendemos que o douto despacho proferido está ferido de ilegalidade, violando desde logo o artº 16º, nº1, alínea a) do Dec. Lei nº 34/2004 de 29/07, dado que nos encargos do processo se compreendem os honorários/despesas do administrador judicial provisório.
11. A norma contida no artº 16º, nº1, alínea a) do Dec. Lei nº 34/2004 de 29/07, quando interpretada no sentido de que os "encargos do processo" não compreende os honorários/despesas do administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal em processo especial de revitalização - devendo ser suportados pelo devedor que beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo - é inconstitucional por violação dos artigos 13º e 20º, nº2 da Constituição, onde se contêm os princípios da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais.

Termina dizendo que deve ser revogado o douto despacho proferido, substituindo-se por outro que considere a remuneração/despesas do administrador judicial provisório um encargo do processo e por isso devendo ser suportada pelo Cofre dos Tribunais, considerando o apoio judiciário de que o recorrente beneficia.

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Não se mostra oferecida qualquer contra-alegação.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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São questões a conhecer:
- Sobre o Apelante não recai o dever de pagar a remuneração do administrador judicial provisório?

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Quid juris?

Desde logo importa ver que, como decorre do art.º 32º nº 3 do CIRE, o encargo com a remuneração do administrador judicial provisório e o encargo com as despesas em que incorra no exercício das suas funções, integram as custas do processo. É verdade que este normativo legal não se pode ter por inteiramente aplicável ao processo especial de revitalização (de observar que a aplicação dos art.s 32º a 34º do CIRE ao PER é para ser feita, diz o art. 17º nº 3 a) do mesmo CIRE, com as necessárias adaptações). Isto é assim porque no PER não há qualquer massa responsável nem existe qualquer substrato patrimonial análogo. Na realidade, as custas do PER, sejam elas quais forem, constituem sempre encargo do devedor (se for aprovado plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, as custas ficam a cargo deste como se estabelece no nº 7 do CIRE; se tal não suceder, as custas ficam também a cargo do devedor, pois que vencido, nos termos gerais). E a ser assim, como é, não se coloca a hipótese do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça ser chamado, isto simplesmente à luz da supra citada norma, a suportar as custas da responsabilidade do devedor no PER. Porém, o que se pretende salientar é apenas que, para a lei, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este incorra são encargos que cabem no âmbito das custas judiciárias. E nesta matéria não encontramos que haja de distinguir-se entre remuneração e despesas do administrador judicial provisório na insolvência e remuneração e despesas do administrador judicial provisório no PER. Aliás, encargos do processo são todas as despesas desenvolvidas no âmbito do exercício dos direitos e faculdades susceptíveis de ser atuados nesse processo, ou no âmbito do cumprimento das obrigações ou exigências impostas pelo respetivo iter processual, e isto nada tem a ver com este ou aquele processo judicial específico. Acrescente-se que, contra o que parece sugerido no despacho recorrido, o estatuto do administrador judicial (Lei nº 22/2013) em nada vai contra o que acaba de ser dito.
Sucede que ao ora Apelante foi concedido o benefício do apoio judiciário, designadamente na modalidade de dispensa de taxa de justiça e dos demais encargos com o processo. Constituindo pois a remuneração do administrador e as despesas em que incorra um encargo com o processo, é então apodítico concluir que se trata de um encargo que o Apelante está dispensado de suportar. É precisamente para isso que serve a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário (art.s 1º e 116º nº 1 a) da Lei nº 34/2004). Em consequência, é ao IGFIJ, IP que compete adiantar os recursos inerentes a suportar tal encargo, sem prejuízo de reembolso (nº 1 do art. 19º do RCP).
Como assim, não podemos subscrever a afirmação constante do despacho recorrido no sentido de que o critério para colocar a cargo do Estado o pagamento (rectius, o adiantamento) da remuneração e despesas do administrador judicial não se afere pela circunstância de beneficiar ou não o devedor de apoio judiciário. Pelo contrário, como se vê.
Repare-se que, e posto que foi concedido ao ora Apelante o apoio judiciário abrangente da dispensa de taxa de justiça e outros encargos com o processo, qualquer outra interpretação das normas legais envolvidas, e que conduzisse à exigência do pagamento dos encargos em causa estaria eivada de inconstitucionalidade, isto designadamente à luz do art. 20º nº 2 da CRP. Importa ver que, dentro do quadro legal aplicável, é um direito do Apelante promover o PER, e no processo em causa é mandatório haver um administrador judicial provisório cujo exercício é remunerado. Se as coisas pudessem ser vistas como as vê a decisão recorrida, então seria o mesmo que aceitar o princípio, que a lei e a Constituição repelem, de que se pode ver dificultado ou impedido o acesso aos tribunais por insuficiência de meios económicos.
Deste modo, procede a apelação.
Cabe apenas observar que está fora do âmbito do recurso aferir da bondade do quantitativo da remuneração reclamada, assunto cuja dilucidação caberá ao tribunal recorrido (art. 32º nº 3 do CIRE) caso entenda fazê-lo. Assunto que, pois, em nada é prejudicado pela presente decisão.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando o despacho recorrido, deferem o requerimento que o ora Apelante apresentou em 20 de maio de 2014 tendente a ver adiantado pelo IGFIJ, IP o pagamento da remuneração que for devida ao administrador judicial provisório.

Regime de custas:
Sem custas de recurso.

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Sumário (art. 663º nº 7 do CPC):
I. A remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização e as despesas em que incorra constituem um encargo com o processo.
II. Beneficiando o devedor de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não lhe pode ser exigido que suporte tal encargo, competindo ao IGFIG, IP adiantar o pagamento do que for devido.

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Guimarães, 6 de novembro de 2014
José Rainho
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça