Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
131/14.0GBVNF.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
INQUÉRITO
JULGAMENTO
VALORAÇÃO
DIREITO AO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
As declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, prestadas em inquérito ou em audiência de julgamento, quando subtraídas ao exercício do direito ao contraditório, constitucionalmente estabelecido no artº 32º, nº 5, da CRP, não podem valer como meio de prova,
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:

I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, com o nº 131/14.0GBVNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 3, o Ministério Público requereu o julgamento dos arguidos:
- A. G., solteiro, reformado, nascido a .., na freguesia e concelho de Vila Nova de Famalicão, filho de C. G. e de J. G., residente na Rua da …, Vila Nova de Famalicão e, actualmente, em cumprimento de medida de segurança de internamento no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 269/09.5 GCVNF, que correu termos no extinto 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, medida essa que cumpre na Ala Psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo;
- J. M., reformado, nascido a …, na freguesia de …, concelho de Guimarães, filho de M. M. e de M. A. e com residência na Travessa das …, Guimarães e;
- A. A., divorciado, vendedor, nascido a …, na freguesia de …, filho de M. R. e de I. B. e com residência na Rua …, Guimarães.
Imputando, aos três arguidos, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo disposto nos artigos 203º, nº 1 e, 204º, nº 2, alínea e), por referência ao disposto no artigo 202º, alíneas d) e, e), do Código Penal;
E imputando ao arguido A. G., em concurso real de infracções, como autor material e na forma consumada, mais dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo disposto nos artigos 203º, nº 1 e, 204º, nº 2, alínea e), por referência ao disposto no artigo 202º, alíneas d) e, e), do Código Penal.
O arguido A. A. ofereceu contestação negando a prática dos factos.
Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu:
- Condenar o arguido A. G., pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203º, nº 1 e, 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, um dos quais em co-autoria com os arguidos A. A. e J. M., nas penas parcelares de 2 (anos) e 8 (oito) meses de prisão, por cada um dos crimes;
- Em cúmulo, condenar o arguido A. G., na pena única de 4 (quatro) anos de prisão;
- Condenar o arguido J. M., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e, 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
- Condenar o arguido A. A., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e, 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Inconformado com esta decisão condenatória, o arguido J. M. interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

I. O Recorrente não se conforma com os termos da decisão de condenação proferida, uma vez que entende que, por um lado foi pelo Tribunal a quo valorada prova proibida e, por outro lado, que quer a prova recolhida nos autos, quer a produzida em sede de audiência de julgamento é manifestamente insuficiente para fundamentar a sua condenação.
II. A condenação do ora Recorrente foi sustentada essencialmente, podendo mesmo dizer-se, exclusivamente, nas declaração prestadas pelo Arguido A. G., perante o Magistrado do Ministério Público, na fase de inquérito e na presença do seu defensor, Resultando do teor de tais declarações a confissão da autoria dos crimes que de que vinha acusado e, no que respeita ao episódio ocorrido em 28-04-2014 (Pontos 8, 9, 14 e 15 da matéria provada), a participação dos restantes Arguidos nos autos.
III. Conforme resulta expressamente da sentença proferida “Concretamente, quanto à autoria dos assaltos, foi absolutamente determinante o teor das declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, nos termos do art. 141º/4 b) do CPP, que foram objecto de reprodução, o qual confessou a sua participação nos três assaltos e o envolvimento dos co-arguidos J. M. e A. A. no assaltado ocorrido em 28/04/2014”.
IV. Atenta a alteração efectuada ao Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, mormente no que respeita ao artigo 141º, nº 4, alínea b), prestando o arguido declarações em sede de inquérito, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, poderão as mesmas ser utilizadas no processo, mesmo que o arguido seja julgado na ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas a livre apreciação de prova.
V. O disposto no artigo 141º, nº4, alínea b), do Código de Processo Penal, deve ser interpretado precisamente no sentido de tais declarações poderem ser oportunamente valoradas, como o seriam caso fossem prestadas em audiência de julgamento, ou seja, livremente apreciadas pelo julgador.
VI. Sucede, porém, que, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 345º do Código do Processo Penal, “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos do nº 1 e nº 2.”.
VII. No caso sub judice, apenas o Arguido A. A. prestou declarações em audiência de julgamento, o mesmo não tendo sucedido com os Arguidos A. G. e J. M., aqui Recorrente, os quais, socorrendo-se do direito que lhes assiste, nessa qualidade, se remeteram ao silêncio.
VIII. De acordo com o disposto no referido normativo legal, não obstante as declarações proferidas pelo Arguido A. G., em sede de inquérito, poderem ser livremente valoradas pelo Tribunal a quo, no que ao mesmo respeitam, como, aliás, o foram, já não o poderiam ser na parte em que prejudicam, na medida em que incriminam, os restantes Arguidos.
IX. Apesar de o Arguido A. G. ter imputado ao Recorrente e ao outro Arguido nos autos a prática, em co-autoria, dos factos ocorridos em 28-04-2017, uma vez que se remeteu ao silêncio em sede de audiência de julgamento, nunca poderia o Tribunal a quo valorar as suas declarações, como o fez, no que respeita aos co-arguidos.
X. Tendo o referido arguido se remetido ao silêncio em sede de audiência de julgamento, ficaram os restantes Arguidos, mormente o aqui Recorrente, absolutamente coartados do seu direito ao contraditório, pois que no interrogatório de arguido detido apenas estiveram presentes o arguido e o seu defensor e, na audiência de julgamento, atento o silêncio do mesmo, viu-se a defesa do Recorrente impedida de o confrontar com o teor de tais declarações.
XI. Veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-04-2015, o Acórdão proferido pelo Tribunal Relação do Porto em 08-02-2017 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido em 09-02-2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
XII. Manifesto é que o Tribunal a quo ao fundamentar a condenação do Recorrente na incriminação decorrente das declarações prestadas pelo Arguido A. G., prestadas em inquérito, quando, posteriormente o referido Arguido, em audiência de julgamento, se remeteu ao silêncio, valorou prova proibida, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 345º do Código do Processo Penal.
XIII. Conforme resulta inequivocamente da sentença proferida, a condenação do Recorrente pela prática dos factos ocorridos em 28-04-2014 fundamentou-se apenas e tão só nas declarações prestadas pelo Arguido A. G..
XIV. De facto, conforme resulta da motivação do Acórdão que ora se recorre “…quanto à autoria dos assaltos, foi absolutamente determinante o teor das declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, nos termos do art. 141º/4 b) do CPP, que foram objecto de reprodução, o qual confessou a sua participação nos três assaltos e o envolvimento dos co-arguidos J. M. e A. A. no assaltado ocorrido em 28/04/2014”.
XV. Não foi efectivamente produzido nos autos qualquer outro meio de prova, no que à alegada participação do Recorrente nos factos ocorridos em 28-04-2014, respeita.
XVI. Ora, estando vedado ao Tribunal a quo valorar as declarações prestadas pelo do Arguido A. G., nunca o mesmo poderia considerar provados os factos de que o Recorrente vinha acusado.
XVII. Na verdade, no que aos factos imputados ao Recorrente respeita, apenas se logrou apurar que o Recorrente, juntamente com o Arguido A. A., foram abordados por Agentes da GNR, quando se encontravam no interior de um veículo, por ter este idênticas características ao veículo descrito no âmbito de uma chamada telefónica para o posto da GNR de Joane, tido como suspeito.
XVIII. Pelo guarda da GNR, B. S., foi admitido, em sede de audiência de julgamento, que apenas abordou os referidos Arguidos, atento o teor da referida chamada telefónica e que efectivamente não detectou nada de anormal ou suspeito, mais tendo referido que se recorda dos Arguidos terem prestado explicações para o facto de aí se encontrarem aparcados, explicações essas que se prenderiam com a venda de um veículo, o que, diga-se, vai de encontro com as declarações prestadas pelo Arguido A. A., em audiência de julgamento e que o Tribunal a quo entendeu, sem qualquer justificação, não valorar - Veja-se a este propósito, as declarações prestadas pela testemunha B. S., em 20170502164528_5433782_2870532, do minuto 11.00 ao minuto 12.00.
XIX. Pelo que, atenta a prova efectivamente produzida, dúvidas não podem restar que nunca poderiam considerar-se provados os factos constantes dos Pontos 8, 9, 14 e 15 da matéria provada, devendo, ao invés, terem os mesmos sido julgados como não provados.
XX. Não poderá deixar de concluir-se que a condenação do Recorrente se fundamentou, em exclusivo, nas declarações prestadas pelo Arguido, pois que, conforme resulta manifesto, no que ao episódio ocorrido em 28-04-2014 respeita, nenhuma outra prova foi produzida em sede de audiência de julgamento ou resulta dos autos.
XXI. Fundamentando-se a condenação do Recorrente, unicamente, na valoração de prova proibida, forçosamente terá que decidir-se pela alteração do Acórdão recorrido, absolvendo-se o Recorrente da prática do crime de que foi condenado.
XXII. Mesmo que se entenda que bem andou o Tribunal a quo ao condenar o Recorrente, o que apenas por mero efeito de patrocínio se admite, sempre se dirá que nunca deveria o mesmo ter optado pela aplicação de pena efectiva de prisão.
XXIII. De facto, para além de se considerar que a pena aplicada ao Arguido sempre deveria ter sido fixada pelo mínimo legal aplicável, pois que, conforme resulta do Acórdão que ora se recorre, dever-se-ia ter atendido ao facto de ao Recorrente apenas se imputar a prática de um dos episódios em causa nos autos e ao valor pouco expressivo dos bens alegadamente subtraídos nesse episódio, cremos, salvo melhor opinião, que sempre deveria ter o Tribunal optado pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
XXIV. Uma vez que o Recorrente foi condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e quatro meses de prisão, nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal, sempre importaria considerar a aplicabilidade do regime de suspensão da execução da pena.
XXV. A suspensão da execução de pena de prisão, enquanto medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico é um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que deverá ser decretada sempre que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades das penas e se verifiquem os pressupostos a que alude o artigo 50º do Código Penal, um pressuposto formal - prisão não superior a 5 anos) e um pressuposto material (o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente).
XXVI. Tal questão, uma das questões mais importantes no âmbito de penas de substituição, e com que se debate o douto acórdão recorrido, centra-se no critério, ou critérios que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição.
O que se afirma é então que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão -, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção.
XXVII. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador - artigo 71º do Código Penal - a partir da ideia de prevenção.
XXVIII. Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta no da escolha da pena, pois que, na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente.
XXIX. Desde que impostas, ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias.
XXX. O Acórdão recorrido, o Tribunal a quo limitou-se a referir, no que à suspensão da execução das penas de prisão respeita, que “Ora, no presente caso, verifica-se que todos os arguidos apresentam antecedentes criminais quanto à prática de um número considerável de delitos, alguns dos quais contra o património, alguns deles punidos com penas de prisão suspensa e efectiva, sendo certo que a suspensão de tais penas não foi suficiente para dissuadir os arguidos da prática de novos delitos.”
XXXI. Assim se conclui, sem sequer individualizar as especificas circunstâncias de cada um dos Arguidos, que “Não se afigura, por isso, que a simples ameaça das sanções penais seja suficiente para a realização das finalidades das penas, pelo que as penas aplicadas não serão suspensas quanto a nenhum dos arguidos.”
XXXII. A decisão do Tribunal a quo em não suspender a execução da pena aplicada aos Arguidos fundamentou-se, única e exclusivamente, nos antecedentes criminais dos mesmos, em geral, não atendendo o Tribunal sequer às individuais circunstâncias de vida de cada um deles, mormente no que se refere ao Recorrente.
XXXIII. Não obstante, terem resultado provados os factos constantes dos Relatórios Sociais do Arguido, no que à decisão de suspender a pena de prisão respeita, não foram os mesmos, por qualquer forma valorados pelo Tribunal a quo.
XXXIV. Resulta expressamente do Relatório Social do Recorrente que:
“ À data dos factos pelos quais se encontra acusado e actualmente, o arguido reside com a companheira e filho de ambos de sete anos. O relacionamento familiar revela-se de suporte e estende-se a alguns dos seus irmãos, designadamente um que reside em casa contígua e que o apoia nas deslocações, habitualmente compensado com a partilha de alimentação. Em termos económicos, o agregado revela uma situação económica modesta, sustentada, na generalidade no vencimento da companheira, embaladora têxtil e na reforma por invalidez do arguido. Este detém ainda um negócio ambulante de venda de alimentos em festas e festivais mas o mesmo caracteriza-se por sazonalidade e despesas acrescidas face à necessidade de contratação de motorista. As suas rotinas de tempos livres focalizam-se, na generalidade no convívio com a família e na execução de actividades de apoio à habitação e ao seu negócio. Os seus contactos regulares com pares ocorrem habitualmente no café da sede da associação recreativa local. No meio residencial, a imagem negativa que detinha no passado mostra-se mais diluída, designadamente pela estabilidade do seu agregado, o aparente afastamento dos consumos de estupefacientes e a prestação, com avaliação de bom desempenho, de trabalho a favor da União de Freguesias da sua área de residência.”
“No que concerne ao actual processo e factos que lhe deram origem, reconheceu a sua ilicitude e a sua gravidade pelos possíveis prejuízos materiais e psicológicos que os mesmos podem causar aos ofendidos. Não se revê na presente acusação posicionando-se como vítima da sua situação jurídica do passado. Em caso de condenação, embora não a perspective, verbalizou aderir ao cumprimento de uma medida de execução na comunidade.”
“No entanto, constituiu agregado familiar estável e em termos económicos, pese o facto de apresentar uma situação modesta, detém rendimentos mensais fixos, provenientes do vencimento da companheira e da sua reforma por invalidez. Constituiu ainda um pequeno negócio de venda ambulante de comidas e bebidas, com a colaboração da família e / ou contratação de motorista para as deslocações. Tem antecedentes criminais mas, na sua maioria já antigos e extintos e revelou um crescente de adesão às medidas de execução na comunidade aplicadas e não lhe são actualmente reportados hábitos aditivos de estupefacientes, nem comportamentos perturbadores da ordem / paz pública. Assim, em caso de condenação e se a moldura penal concretamente aplicada o permitir, parecem-nos reunidas condições para a aplicação de uma eventual medida de execução na comunidade, com acções direccionadas para a efectiva interiorização do desvalor da sua conduta e de reparação do dano.” - sublinhado nosso.
XXXV. Factos que não foram, por qualquer forma, tomados em consideração pelo Tribunal a quo e, que manifestamente lhe permitiriam, emitir um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do aqui Recorrente.
XXXVI. Deve, assim, concluir-se, que o Tribunal a quo errou na apreciação dos factos que poderiam e deveriam ter conduzido à suspensão da pena aplicada ao Recorrente.
XXXVII. Sempre deveria a pena de prisão a que o aqui Recorrente foi condenado ser suspensa na sua execução, uma vez que os factos constantes dos autos, mormente no que se refere ao seu Relatório Social, permitem, sem qualquer dúvida, efectuar-se um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro e, assim, sendo, sempre estariam asseguradas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
XXXVIII. Pelo Acórdão recorrido foram violados, nomeadamente, os artigos 40º, 50º, 70º e 71º do Código Penal, o artigo 345º, nº 4 do Código do Processo Penal e os artigos 20º nº 1 e 2 e 32º nº 1, 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto Acórdão ser revogado, nos termos, com os efeitos e pelas razões supra expendidas, absolvendo-se o Recorrente, ou caso assim não se entenda, o que se alega para mero efeito de raciocínio, sempre a pena aplicada deverá fixar-se pelo mínimo legal aplicável, mais devendo, pelas razões supra referidas, a pena de prisão aplicada ser suspensa na sua execução, por igual período,
Assim se fazendo, uma vez mais, Justiça.

Igualmente inconformado com esta decisão condenatória, o arguido A. A. interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida, no que a si concerne, é um acto de voluntarismo puro, arbitrário, sem qualquer sustentáculo na prova produzia.
2. Está erradamente julgada a matéria de facto dada como apurada sob 8, 9 e 14.
3. E está erradamente julgada por erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão.
Efectivamente,
4. Negando o recorrente a prática do imputado e não havendo prova directa de realidade distinta a prova indirecta não sustenta o considerado apurado.
5. É que a própria testemunha B. S. corrobora a explicação dada pelo recorrente para estar onde estava.
6. Por mera cautela, face à fundamentação da decisão recorrida, na parte questionada e ao que viu ocorrer, vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação feita do artigo 127º do CPP no sentido de que é possível dar como apurada determinada factualidade com sustentáculo exclusivo em prova indirecta, sempre e quando se não excluíram por meio de provas complementares, hipóteses eventuais e divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante, por violação do artigo 32° nos 1 e 2 da CRP.
7. Por mera cautela, face ao que viu escrito, vem arguir a inconstitucionalidade da norma extraída com referência aos artigos 141° n° 4, alínea b), 133°, 343º e 345°, todos do CPP, por violação do artigo 32° n° 1 e nº 5 da CRP, no sentido em que confere valor de prova as declarações proferidas por co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando por opção daquele foi impossível este sujeitá-lo a qualquer contraditório.
8. Está erradamente julgada a invocada matéria de facto por a prova produzida impor decisão diferente.
9. Efectivamente, face ao depoimento do recorrente e da testemunha B. S., produzidos em 2 de Maio, nos momentos supra concretizados em C. 2, que se dão como reproduzidos, o recorrente explica o que fazia quando foi abordado pela GNR, quando conheceu e porquê o co-arguido J. M., que já era conhecido de elementos da patrulha e como não conhecia o A. G.. Nega qualquer relacionamento com os factos imputados. O agente da GNR recorda-se da explicação dada pelo recorrente.
10. Impõe-se, pois, em tal matéria decisão diferente, no que a si concerne.
11. É nula a decisão recorrida por ter omitido pronúncia sobre o constante da contestação.
12. E isto por força do determinado nos artigos 368° n° 2, 374° n° 2, e 379° n° 1, alínea a) todos do CPP.
13. Por mera cautela, face ao que viu, vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 368° n° 2 do CPP, interpretado no sentido de que, considerando o teor da contestação de folhas ..., o tribunal não tem de ponderar, discriminada e especificadamente, mas como ocorreu, o conteúdo de tal peça processual, por violação do artigo 32° n° 1 da CRP, já que, no caso, a realidade demonstra que o tribunal, pura e simplesmente, não ponderou a versão do arguido.
Sem prescindir,
14. Está erradamente subsumida a factualidade atribuída ao recorrente.
15. Efectivamente, nada sustenta que o modo como o A. G. entrou na residência tenha sido acordado com os outros.
16. Ele estava sozinho.
17. Assim, o crime seria o do nº 1 do artigo 204° do CP e não o do n° 2.
18. Porém, face a tal, há lugar á aplicação do artigo 206° do CP.
19. Efectivamente, não houve qualquer prejuízo para o ofendido.
20. Sendo, assim, como é, a pena concreta deveria situar-se próximo do mínimo legal e ser suspensa na sua execução.
21. De facto, considerando o teor de folhas 7 a 11 da decisão recorrida o juízo de prognose favorável é, racionalmente, perfeitamente sustentável.
22. Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou os artigos 71° e 50°, ambos do CP.
23. Deve, pois, ser revogada, em conformidade.

O Ministério Público junto da 1ª Instância apresentou resposta conjunta aos recursos interpostos, concluindo por seu turno as seguintes conclusões (transcrição):

1. Pelo acórdão proferido em 21 de Junho de 2017 nos autos acima referenciados foi decidido condenar cada um dos ora recorrentes, A. A. e J. M., pela prática em co-autoria com um outro arguido (não recorrente) de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203°, n°1 e, 204°, n°2, alínea e), ambos do Código Penal na pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
2. Cada um destes arguidos, inconformados com a respectiva condenação, veio recorrer (em peças recursórias distintas) alegando em síntese:
A - O arguido A. A.:
- que o tribunal julgou de forma incorrecta os factos dados como provados nos pontos 8, 9 e 14 - conclusões 1, 8, 9;
- que a decisão padece dos vícios do erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, pois que negando o recorrente a prática e não havendo prova directa de realidade distinta a prova indirecta não sustenta o dado como provado — conclusões 3 a 7;
- que a decisão proferida viola o disposto no artigo 32° da CRP na interpretação dos artigos 141°, n°4, alínea b), 133º, 343,° e 345° do Código de Processo Penal ao conferir valor à prova consistente nas declarações produzidas por arguido em sede de inquérito em prejuízo de outro co-arguido quando por opção do mesmo foi impossível sujeitá-lo a qualquer contraditório por se ter remetido ao silêncio - conclusão 7;
- que a decisão padece de nulidade por ter omitido pronúncia sobre os factos constantes da contestação nos termos dos artigos 368°, n°2, 374°, n°2 e 379°, n°1, alínea a) todos do Código de Processo Penal — conclusões 11 a 13;
- que o tribunal errou na qualificação jurídica dos factos, pois que nada sustentando que o modo como o A. G. entrou na residência tenha sido acordado com os outros, a haver condenação deverá ser pelo artigo 204°, n° 1, do Código Penal (que não pelo n° 2) e com a aplicação do disposto no artigo 206°, do mesmo código porque não houve qualquer prejuízo para o ofendido — conclusões 14 a 19;
- que a pena deveria situar-se próximo do mínimo legal e suspensa na sua execução pois que o juízo de prognose favorável é “racionalmente, perfeitamente sustentável”
B - O arguido J. M.:
- que o tribunal valorou prova proibida nos termos previstos no n°4 do artigo 345° do Código de Processo Penal ao considerar as declarações prestadas pelo arguido A. G. perante Magistrado do Ministério Público na fase de inquérito e na presença do seu ilustre defensor onde confessou a autoria do crime em causa e a participação dos aqui co-arguidos, quando em sede de audiência de julgamento se remeteu ao silêncio como o fez o recorrente o que determinou que o recorrente visse coarctado o seu direito ao contraditório — cfr. conclusões 1 a XV;
- que estando vedado ao tribunal valorar aquelas declarações prestadas pelo arguido A. G. na parte em que alude ao recorrente nunca o poderia dar como provada tal factualidade por falta de qualquer prova directa — conclusões XVI a XX;
- que no caso de condenação sempre se imporia afirmar o preenchimento dos pressupostos que a lei faz depender para a suspensão da execução da pena de prisão como aponta o relatório elaborado pela DGRSP - conclusões XXI a XXXVI.
3. Perante o todo feito constar na motivação e depois em sede de conclusões, o invocar daqueles concretos vícios do erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, reconduz-se à ideia que no modo de ver as coisas do recorrente A. A. não seria a bastante para dar como provada a factualidade descrita nos pontos 8, 9 e 14 da matéria de facto dada como provada;
4. Perante o todo feito constar na motivação e depois em sede de conclusões e no confronto com o todo explicitado ao longo da motivação da matéria de facto constante do acórdão proferido nos autos, não vislumbramos que o julgador ali tivesse errado, e em que a argumentação do recorrente se reconduz ao modo como considera ser valorados os meios de prova (designadamente testemunhal e particularmente as declarações incriminatórias de co-arguido que se remete ao silêncio em julgamento) e sobre o exercício da livre convicção do julgador e do modo como foi apreciada a prova produzida em audiência, fundando toda a sua argumentação num diferente juízo sobre os factos relativamente ao decidido e caso fosse ele a decidir, mas pelo que tudo quanto acaba de ser exposto, tal em nada tem a ver com os mencionados vícios;
5. Lendo a motivação expressa pelo tribunal a quo esta afigura-se-nos suficiente para habilitar a concluir que, para além de que as provas a que o tribunal recorreu serem todas permitidas por lei (como adiante iremos especificadamente referir) e que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, dela não resulta uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
6. Na motivação da matéria de facto os Mm. Juízes a quo explicam as razões porque deram relevo e credibilidade aos depoimentos, ali explicitando a razão de ciência e a matéria que cada um se reportou e o que, com importância, as testemunhas e os arguidos que decidiram falar disseram, constando expressamente vertido qual o raciocínio a que chegou o tribunal para formar a sua convicção, não ressaltando que, conjugado com as regras da experiência comum, outra pudesse ou devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto.
7. Resulta à evidência do texto da decisão recorrida que o Tribunal formou a sua livre convicção — convicção essa insondável e que é matéria completamente afastada de qualquer sindicância quer da nossa parte quer da parte do arguido - segundo as regras de experiência comum, na contraposição entre os diversos elementos de prova produzidos em audiência, como aliás estabelece o artigo 127°, do Código de Processo Penal.
8. O tribunal firmou a sua convicção, justificando-a, tendo decidido com base na certeza alcançada sobre a realidade dos factos, no quadro de uma verdade histórico-prática e processualmente válida, não se vislumbrando que, em momento algum do acórdão, o tribunal tivesse ficado num qualquer estado de dúvida e que, a partir desse estado dubitativo, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis aos arguidos recorrentes com violação do princípio in dúbio pro reo;
9. No que envolve a invocada omissão de pronúncia sobre o constante da contestação apresentada pelo ora recorrente A. A., integradora de nulidade nos termos dos artigos 368°, n°2, 374°, n°2 e 379°, n°1, alínea c), do Código de Processo Penal, cremos que igualmente não assiste razão ao recorrente;
10. Na verdade, se “o arguido A. A. ofereceu contestação negando a prática dos factos” e com relação ao recorrente não foram dados como não provados quaisquer dos factos que lhe eram imputados na acusação (cfr. acórdão nas suas páginas 2ª e 25ª) logo deriva a completa desnecessidade a menção dos factos da contestação na matéria não provada, pois que uns afastam necessária e obrigatoriamente os outros, e a menção daquela não iria constituir uma mera redundância, sem utilidade prática ou outra.
11. Razão pela qual na completa inocuidade do facto de não ter sido referida de modo expresso que foram dados como não provados os factos constantes da contestação não se pode afirmar a existência por tal motivo de qualquer omissão de pronúncia e com isso considerar que a decisão padece da invocada nulidade.
12. Como se alcança das motivações de recurso, o essencial da discordância manifestada pelos recorrentes naquilo que envolve o invocado erro de julgamento, reside na análise crítica que cada um deles faz da prova testemunhal e particularmente das declarações de co-arguido que incrimina os aqui recorrentes produzidas em sede de inquérito, lidas em audiência e que se remeteu ao silêncio, contrapondo àquela que o tribunal efectuou, ligada ao modo como apreciou e valorou o depoimento daquele co-arguido e das diversas testemunhas e a concatenou;
13. Se a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, n° 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de revista alargada ou através da impugnação ampla da matéria de facto (a que se reporta o artigo 412°, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal), nesta última a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre confinada aos limites fornecidos pelos recorrentes no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n°s 3 e 4, do artigo 412°, daquele código;
14. Não visando esta modalidade de impugnação a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelos recorrentes e competindo aos recorrentes fixar o objecto do recurso de facto, através da indicação precisa do erro que entende ter sido cometido, e da indicação dos meios que inequivocamente o demonstram (já que a modificação da decisão de facto só pode dar-se se e quando as provas por si especificadas impuserem decisão diversa da recorrida, não bastando para o efeito, que apenas permitam decisão diversa), logo se pode verificar que, no que que contende com a prova testemunhal o recorrente A. A. não deu cabal cumprimento a tal ónus — cfr. artigo 412°, n°3, alínea b) e n°4 do Código de Processo Penal;
15. Nestes termos a falta de cumprimento deste ónus deverá ser sancionada com a rejeição nesta parte do recurso e considerado o mesmo restrito a matéria de direito;
16. Ao nível do invocado erro de julgamento e na crítica que ambos os recorrentes realizam à forma como o tribunal valorou e apreciou as declarações do co-arguido A. G. na parte em que incrimina os aqui recorrentes e em sede de audiência se remeteu ao silêncio, é nosso entendimento que tal não encerra qualquer violação às normas adjectivas e constitucionais referidas por cada um dos recorrentes;
17. Seguindo de perto a posição manifestada nesta questão pelo tribunal a quo, acompanhamos o sentido da doutrina expressa no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/11/2016 (in www.dgsipt) e que aqui com a devida vénia damos por reproduzido no sentido que “(...) nada autoriza uma interpretação restritiva, por forma a limitar a aplicação do normativo dos artigos 142°, n° 4, al. b), e 357°, n° 2, al. b), do Cód. Proc. Penal ao declarante. Note-se, aliás, que não se diz que as declarações prestadas antes do julgamento podem ser utilizadas para condenar o declarante, mas sim que “poderão ser utilizadas no processo”, expressão que inculca a ideia de uma utilização ampla, designadamente a possibilidade da sua utilização na formação de um juízo probatório no sentido da condenação de outros co-arguidos.
18. - Mas a questão que, pertinentemente, tem de equacionar-se é saber se há alguma razão válida para assim não ser, isto é, para que se exclua a possibilidade de reprodução e, sobretudo, de valoração, como meio de prova, de declarações de um co-arguido prestadas nas fases preliminares do processo, e que na audiência exerceu (total ou parcialmente) o seu direito ao silêncio, em desfavor de outro co-arguido.”(…). É óbvio que o direito ao silêncio exercido na audiência pelo arguido declarante implica uma compressão do direito ao contraditório. Ainda assim, pôde essa prova ser devidamente contraditada pelos co-arguidos por ela afectados no momento em que os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade operam em pleno, ou seja, na audiência? A resposta passa pelo entendimento que se tenha sobre a dimensão do princípio do contraditório e dos seus corolários como a imediação e a oralidade, ou seja, a questão está em saber se tal princípio admite restrições ou condicionamentos. Concretamente, o exercício do contraditório por um co-arguido passa, necessariamente, pela formulação de perguntas sobre os factos da acusação (ou da pronúncia) a outro co-arguido que prestou declarações incriminatórias para o primeiro?
19. - “(...) Mas exercer o contraditório em relação ao depoimento de uma testemunha ou às declarações do assistente ou de um (co-)arguido não é só (nem principalmente) poder questioná-los, contra-interrogá-los. O princípio do contraditório não exige, em termos absolutos, o interrogatório directo, em cross-examination. Exercer o contraditório é também (dir-se-ia mesmo, sobretudo) poder o sujeito processual (geralmente o arguido, mas podendo ser o Ministério Público ou o assistente) contraditar o depoimento desfavorável, oferecendo outros meios de prova que o infirmem ou ponham em causa a sua valia probatória e a sua eficácia persuasiva, nomeadamente pondo em crise a razão de ciência da testemunha ou a credibilidade do assistente ou do arguido. Pode dizer-se que na concreta situação que nos ocupa o contraditório foi, efectivamente, garantido no seu núcleo essencial.
20. - “Porque na audiência se procedeu à reprodução das declarações do co-arguido (…) prestadas no primeiro interrogatório judicial, mas sobretudo porque a arguida/recorrente, antes do julgamento, teve acesso a essas declarações, conhecia o seu conteúdo e, necessariamente, sabia que elas poderiam vir ser, como foram, reproduzidas em audiência e contra si valoradas, pelo que pôde indicar e produzir prova que as contrariasse. (...) Em suma, embora cientes de que não será entendimento que suscite unanimidade, afigura-se-nos que as declarações feitas pelo arguido em sede de interrogatório judicial a que foi sujeito na fase de inquérito, desde que observadas as mencionadas formalidades legais, podem ser utilizadas pelo tribunal na formação da sua convicção, mesmo que em relação aos co-arguidos (...). É uma solução que traduz uma opção de política criminal discutível, mas que parece ter subjacente a ideia de que o princípio fundamental do contraditório não é intoleravelmente comprimido, antes podendo falar-se numa mais adequada composição e harmonização de interesses conflituantes, ao contrário do que antes acontecia, em que o interesse público da descoberta da verdade material e, portanto, o interesse público da realização da justiça no caso concreto, era, invariavelmente, sacrificado.”
21. Neste ponto, tomada posição sobre a invocada nulidade de prova, é nosso entendimento que pela fundamentação da matéria de facto exposta no acórdão proferido nos autos e ouvida a prova produzida e examinada a prova documental, constata-se que a apreciação da prova produzida realizada pelo tribunal insere-se num processo lógico e racional e vai de encontro às regras da experiência comum e onde os fundamentos invocados pelos recorrentes de erro de julgamento sobre aqueles concretos pontos da matéria de facto, não poderão proceder na exacta medida que lhes fenece razão nas considerações que fazem sobre a apreciação da prova efectuada pelo tribunal a quo, pois que a decisão proferida nos autos surge como uma conclusão lógica e racional da apreciação da prova, numa convicção formada e alicerçada no exame crítico das provas;
22. Analisados os diversos depoimentos, o respectivo comportamento em audiência, a prova documental, que relevantes se mostraram para a formação da convicção do tribunal e que os recorrentes se insurgem, para além de não resultar que tenha ocorrido desprezo de algum dos requisitos essenciais dos diversos elementos de prova, todo aquele conjunto de prova empresta pleno e objectivado significado às considerações e à forma como o tribunal valorou os diversos depoimentos e os documentos para afirmar a sua convicção, não existindo qualquer elemento ténue que seja que possa levar a concluir desmerecer a atribuição da valoração dada pelo tribunal ou o valor probatório de cada uma delas.
23. Não se vislumbrando assim razões para que seja alterada a matéria de facto provada com base naquilo que surge mencionado pelos arguidos, exibem-se quanto a nós preenchidos, efectivamente, os elementos típicos do crime em causa, crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203°, n°1 e 204.°, n° 2, alínea e), ambos do Código Penal.
24. O sustentado pelo recorrente A. A. a propósito da subsunção dos factos ao direito não tem qualquer fundamento seja no plano dos factos dados como provados seja ainda no plano do direito, pois que da singela leitura dos factos dados como provados n° 8 e 9 decorre líquido que todos os arguidos estavam a par da forma como iria ser realizado o furto em causa, levando o arguido A. G. inclusive um instrumento apto a romper com a resistência de qualquer dispositivo que impedisse a entrada naquela habitação, de tal forma que é possível afirmar que tais factos não consente o afirmado pelo recorrente nas suas conclusões 15 e 16;
25. E no plano do direito soçobra igualmente a tese expendida nas conclusões 17 a 19 pois que pela situação de co-autoria apontada ao recorrente e naquilo que na fundamentação da matéria de facto se extrai sobre a sua actuação na execução dos factos em causa, é pacífico na jurisprudência e doutrina que a actuação de cada agente embora parcial integra-se no todo planeado que conduz à produção do resultado. - nesse sentido pela doutrina e jurisprudência e sua actualidade cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Julho de 2015, in wwwdgsi.pt - processo n° 15/14,IPEPRT.P1 , pelo que bem andaram os Mm. Juízes ao condenar os arguidos nos termos em que o fizeram.
26. A propósito da dosimetria da pena, o certo é que os parcos argumentos que o recorrente A. A. aduz não permitem beliscar aquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal no acórdão proferido e colocado em crise, numa evidente benevolência de uns escassos 4 meses sobre o limite mínimo para um arguido sem qualquer atitude de arrependimento.
27. Mesmo que se mostre verificado o preenchimento do pressuposto formal para eventual suspensão da execução da pena de prisão, e naquilo que contende com o alegado por ambos os recorrentes, perante a matéria de facto dada como provada não é possível formular qualquer juízo de prognose favorável relativamente aos recorrentes de que a mera suspensão da execução da pena de prisão, realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que o caso requer, impondo-se a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas.
28. Ainda que sobejamente conhecidas as desvantagens da pena de prisão, mesmo em sede de socialização e de repetição, não pode deixar de constatar-se que estamos perante casos em que a simples censura do facto e a ameaça da pena não realizam de forma adequada as finalidades da punição, em que os arguidos revelam um quadro de antecedentes criminais que dá expressiva nota de uma incontornável propensão para a prática de crimes, que não interiorizaram o mal e a gravidade da sua conduta e também porque a suspensão da pena provocaria na comunidade uma total desconfiança no nosso sistema de Justiça, pelo que não poderia nem pode deixar de se lhes aplicar uma pena de prisão efectiva.
29. O douto acórdão não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito.
Devem, assim, os recursos interpostos ser julgados improcedentes e, desta forma, mantido o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Assim farão Vossas Excelências Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, como sempre, Justiça.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência total dos recursos interpostos, conforme melhor resulta de fls. 1038 a 1041, dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o recorrente A. A., invocado a inutilidade do acto praticado.
Procedeu-se a exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em audiência.
Colhidos os vistos legais e, realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.

B -
No Acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

Factos provados
1. No período temporal compreendido entre as 18:00 e as 20:15 horas do dia 20-10-2013, o arguido A. G. dirigiu-se à Rua do … Vila Nova de Famalicão, local onde se situava a habitação do ofendido J. A..
2. Uma vez nesse local, o arguido A. G. escalou uma das paredes da habitação, com cerca de 4 metros de altura e que dava acesso ao telhado e, uma vez nesse local, forçou uma janela de acesso ao sótão da residência, por onde entrou.
3. Já no interior da habitação, o arguido A. G. retirou e fez seus:
- Um fio em ouro, com cerca de 63,5 centímetros de comprimento e com uma medalha gravada com o símbolo de um escorpião, no valor de € 320,00;
- Um fio em ouro com cerca de 50 centímetros de comprimento, no valor de € 250,00;
- um par de brincos em ouro constituindo meia argola, no valor de € 120,00;
- uma medalha oval em filigrana de ouro, no valor de € 190,00; - dois relógios novos, no valor de € 99,00;
- quantia não exactamente apurada em dinheiro, mas não inferior a € 100,00;
Tudo no valor de cerca de € 1.079,00.
4. Entre as 18:30 horas do dia 11-11-2013 e as 08:00 horas do dia 12-11-2013, o arguido A. G. dirigiu-se ao estabelecimento de ensino “D” sito na Rua … Vila Nova de Famalicão e, depois de ter trepado a rede das traseiras da referida escola e após forçado uma janela do edifício, que abriu, acedeu ao interior de tais instalações.
5. Já no interior das instalações da referida escola, o arguido A. G. percorreu as mesmas e forçou, pelo menos, três portas de gabinetes, de cujo interior retirou e fez seus:
- Um telemóvel da marca “ Nokia “, modelo N97;
- Um telemóvel da marca “ Nokia “, de cor branca, com uma capa transparente e com o IMEI 3559500501….;
- Um telemóvel da marca “ Vodafone “;
- Vários rebuçados e chocolates;
- € 150,00 em dinheiro que se encontrava num envelope no interior de uma gaveta de uma das secretárias,.
Tudo no valor total de, pelo menos, € 200,00;
6. O telemóvel da marca “Nokia”, modelo N97 e o telemóvel da marca “Vodafone”“ vieram a ser entregues pelo arguido A. G. à Guarda Nacional Republicana e o telemóvel da marca “Nokia” com o IMEI 3559500501…. veio a ser apreendido, no dia 13-11-2013, na posse de um irmão do mesmo, L. G..
7. Tais objectos vieram depois a ser reconhecidos e entregues ao representante do referido estabelecimento de ensino, no dia 15-11-2013.
8. No dia 28-04-2014, cerca das 14:00 horas, o arguido A. G., acompanhado dos arguidos J. M. e A. A., estes fazendo-se transportar num veículo da marca “BMW”, modelo 318 TI Compact, matrícula FZ e de cor preta, dirigiu-se para junto da Travessa …, Vila Nova de Famalicão, já com a intenção conjunta de entrarem numa das habitações aí sitas e, do respectivo interior, retirarem objectos e valores, que depois dividiriam entre os três.
9. No seguimento desse propósito e de acordo com o plano estabelecido entre todos, os arguidos J. M. e A. A. permaneceram, em funções de vigilância no interior do dito veículo, imobilizando o mesmo na Rua … ali próxima, enquanto o arguido A. G., envergando umas luvas, dirigiu-se à habitação da propriedade L. D. sita na referida Travessa …, escalou o muro que rodeava a mesma e, de seguida, forçou uma das janelas da cozinha, com a ajuda de uma chaves de fendas que já levava consigo para esse efeito.
10. Já depois de ter entrado na habitação pela referida janela, o arguido A. G. percorreu algumas das respectivas divisões de onde retirou e fez seus:
- uma aliança em ouro com a inscrição “ António 27-12-92 “;
- um anel em ouro com uma pedra;
- um anel de bijuteria com uma pedra oval;
- dois pares de brincos de bijuteria;
- uma pulseira de bijuteria com pendente com uma figura de uma menina;
- € 0,10 em dinheiro;
Tudo no valor de € 300,00.
11. Cerca das 15:00 horas desse mesmo dia, o arguido A. G. veio a ser interceptado por uma patrulha do Posto da GNR de Joane, ainda na posse dos citados objectos e valores.
12. Tais objectos e valores foram então apreendidos e depois reconhecidos e entregues à ofendida.
13. Ao agir do modo descrito em 1) a 3) e 4) e 5) o arguido A. G. actuou sempre de modo livre, voluntário e consciente e com a intenção concretizada de fazer seus os supra descritos objectos e valores, consciente de que os mesmos não lhe pertenciam e de que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários, entrando na habitação e no estabelecimento de ensino dos ofendidos, através de escalamento de paredes e do arrombamento das respectivas janelas e portas.
14. Ao agirem da forma descrita em 8) a 10), os três arguidos actuaram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos, bem como, de modo livre, voluntário e consciente e com a intenção concretizada de, através do escalar do respectivo muro de vedação e do estroncar de uma das janelas, o arguido A. G. se introduzir na habitação da ofendida L. D., bem sabendo que não estavam autorizados a aí entrar, tendo-o feito no propósito, igualmente conseguido, de se apropriarem dos mencionados objectos e valores, fazendo-os coisas suas, apesar de bem saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que estavam a agir contra a vontade do respectivo dono.
15. Bem sabiam ainda os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.

2.2. Factos oriundos dos relatórios sociais:

2.2. a) Do relatório social do arguido A. A. consta:
- A. A. é o mais velho de uma fratria de dois elementos, de um agregado familiar cuja dinâmica foi escrita como estruturada e funcional. Os pais, proprietários de uma empresa de utilidades domésticas, proporcionaram ao agregado a manutenção das condições inerentes a um desenvolvimento salutar. O relacionamento e dinâmica familiares são descritos como positivos e de proximidade. Segundo os pais, o arguido foi acompanhado pelo serviço de saúde mental durante a infância por apresentar alterações comportamentais e de humor.
Frequentou o sistema de ensino público e privado, tendo concluído o 12º ano de escolaridade, com cerca de vinte anos de idade. O percurso escolar foi globalmente positivo, embora tenha sido marcado por algum desinvestimento e desinteresse por parte do arguido.
A sua primeira experiência profissional foi como vendedor, na empresa familiar, que manteve até aos vinte e cinco anos de idade. Posteriormente, A. A. apresenta um percurso profissional de investimento em actividades por conta própria, tendo constituído empresa de venda a retalho de guloseimas e uma outra de artigos de têxtil-lar.
Em 2004, com 25 anos de idade, saiu de casa dos progenitores e passou a residir com uma namorada, com quem iniciou o consumo de produtos estupefacientes (cocaína). Desta relação resultou uma descendente, nascida já durante o período em que o arguido se encontrava preso preventivamente. A relação com a namorada terminou durante a reclusão do arguido.
Em Outubro de 2005, A. A. foi detido e cumpriu medida de coacção de prisão preventiva, tendo sido, posteriormente, condenado em pena de prisão efectiva, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e detenção ilegal de arma. Em 2008, e ao abrigo da alteração ao Código Penal, a pena foi suspensa na sua execução, com regime de prova, que cumpriu até Novembro de 2011.
Quando saiu do estabelecimento prisional, o arguido regressou para junto do agregado de origem, principais fontes de suporte, onde se manteve até 2011, quando se autonomizou habitacionalmente.
Manteve, porém, uma relação próxima e regular com os progenitores e irmã, de quem continuou a beneficiar de adequado apoio.
Manteve-se activo a trabalhar por conta própria como revendedor de doçarias e guloseimas, na zona norte do país, situação que abandonou aquando de uma outra medida de prisão preventiva, em Janeiro de 2012.
Durante a detenção, o arguido efectuou tratamento à problemática aditiva, com acompanhamento em ambulatório, até finais de 2011. Desde então assume-se abstinente.
A. A. apresenta outras condenações, pela prática de crime de consumo de estupefacientes, em Junho de 2010, por crimes de furto qualificado e detenção de arma proibida, em Outubro de 2014, e por crime de passagem de moeda falsa, na forma tentada, em Janeiro de 2012, em pena de multa e penas de prisão suspensas na sua execução, respectivamente.
À data dos factos constantes na acusação, A. A. residia sozinho, em habitação pertencente aos progenitores, na periferia da cidade de Guimarães. Todavia, no final de 2014, regressou para a casa de morada de família, onde cumpriu medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, até Novembro de 2015. Desde então, permanece junto dos progenitores, de quem beneficia de suporte estruturado.
Em 2014, A. A. dedicava-se à venda de automóveis, a título informal, auferindo comissões variáveis (de acordo com o próprio, em montantes médios de 100€/carro), mas descritos como suficientes para a manutenção das necessidades pessoais. Paralelamente é comissionista na comercialização de produtos diversificados, em áreas nas quais considera ter conhecimento, como os têxteis-lar ou as guloseimas. Neste âmbito, em Abril de 2017 abriu actividade fiscal como comissionista.
É da actividade de venda de automóveis, que o arguido refere conhecer o co-arguido, J. M..
Beneficia de suporte dos progenitores ao nível da manutenção das necessidades básicas do quotidiano. Refere como única despesa fixa mensal, o pagamento da pensão de alimentos à filha, no valor de 100€.
O quotidiano é ocupado com as actividades de comissionista e com as rotinas ligadas a actividades espiritas/cartomancia, assumindo-se como médium. Os seus projectos pessoais passam por investir nesta actividade, sendo no âmbito desta que estabeleceu uma relação de namoro.
Na comunidade residencial, A. A. mantém uma imagem conotada com os contactos com o sistema de justiça, não se verificando, no entanto, sentimentos de rejeição à sua presença.
Constitui-se um indivíduo sem relações sociais significativas, sendo a família a sua principal fonte de suporte, e sem contactos frequentes com os elementos da comunidade.
No contacto com o serviço de reinserção, A. A. manteve uma conduta adequada ao contexto, manifestando adequada capacidade de análise crítica relativamente às situações abordadas.
Goza de suporte por parte da família de origem, apesar de se demonstrarem agastados pelos sucessivos confrontos com o sistema de justiça. Não se percepciona impacto social pela existência deste processo. Na sua situação jurídica, A. A. salienta a existência de duas penas suspensas em execução, cujo término é ansiado pelo mesmo, na medida em que tenciona investir em conhecimentos e competências ligados à actividade espirita, para a qual necessita de emigrar.
A. A. revela uma postura tranquila pela existência do presente processo, afastando-se do mesmo e rejeitando o conteúdo da acusação. Neste sentido, apenas equaciona um desfecho de absolvição, não se posicionando quanto a uma eventual condenação.
No entanto, A. A. demonstra, em abstrato, reconhecer a ilicitude do comportamento, com percepção do dano e existência de vítimas.
No passado, o arguido cumpriu já uma medida na comunidade, com acompanhamento por este serviço, tendo demonstrado um cumprimento dos objectivos propostos.
A. A. apresenta um percurso de vida relativamente orientado, inicialmente junto dos progenitores, em empresa familiar, até ao início da idade adulta, quando se deu o contacto com o consumo de estupefacientes e a primeira privação da liberdade. Posteriormente, apresenta um percurso menos estável, com experiências profissionais por conta própria e/ou pouco estruturadas. É um indivíduo dotado a algum isolamento, sem relações sociais significativas.
O seu quotidiano é ocupado com actividade laboral de comissionista, sem, no entanto, ser propiciadora de rotinas estruturadas. Beneficia de suporte estruturado por parte da família de origem.

2.2. b) Relatório social do arguido A. G.:
O processo educativo de A. G. decorreu no agregado familiar dos pais e irmãos de humilde condição socioeconómica, processo este que foi assumido presencialmente pela mãe, devido às ausências do progenitor do país, como consequência do exercício da actividade laboral exercida na área da construção civil.
A. G. concluiu apenas o 4º ano de escolaridade do ensino básico, com registo de acentuada instabilidade e consequentes reprovações.
Aos 15 anos, começou a trabalhar no sector da construção civil, funções que exerceu de forma regular durante dezoito meses, quando, então, teve as primeiras experiências com o consumo drogas, que evoluiu para a situação de dependência.
Decorrente da toxicodependência e do surgimento de sintomatologia do foro psiquiátrico, que também acometeu um irmão, o comportamento de A. G. interferiu negativamente na dinâmica familiar. Em 2001, após episódio alucinatório, quando então amputou um dedo da mão a si próprio, foi-lhe diagnosticada esquizofrenia paranóide. Neste contexto, passou a ser seguido em consulta externa no departamento de psiquiatria do Hospital, foi submetido a dois internamentos na casa de Saúde de S. João de Deus e rejeitou um terceiro.
O arguido também foi vítima da explosão de uma bomba em festa popular, que resultou na perda de outros dois dedos. O valor recebido com a indeminização foi gasto de forma precipitada em bens supérfluos.
Ainda a nível laboral, efectuou várias tentativas de reiniciar vida activa, desistindo poucos dias após, expressando incapacidade para o trabalho porque “ficava com os braços gelados” (sic).
Antes da aplicação da medida de segurança de internamento, A. G. vivia com os progenitores e dois irmãos, um deles também portador de doença mental, numa casa arrendada de construção antiga, de tipologia dois, dotada de infra-estrutura básica e de dimensão insuficiente para o número de habitantes. O irmão mais velho, único elemento então descrito como mais equilibrado, veio a emigrar. Contudo, no princípio do ano em curso, acabaria por regressar a casa materna devido ao surgimento de doença do foro psiquiátrico.
Na altura, o arguido e irmão mais novo encontravam-se reformados por invalidez, o pai desempregado e a mãe também reformada. Deparavam-se com dificuldades de ordem económica, situação geradora de conflitos, designadamente porque o arguido, por vezes, despendia a sua pensão de invalidez, no valor de 208€, em período muito curto; não colaborava nas despesas domésticas e posteriormente pedia ou exigia dinheiro para as despesas pessoais.
A mãe, desgastada face ao comportamento do arguido, revela baixa tolerância, uma vez que A. G. costumava reagir com agressividade aquando das discussões.
O quotidiano do arguido era circunscrito à habitação, estando o seu grupo de pares associado à toxicodependência e comportamentos criminais. De igual forma, a sua imagem estava associada com o fenómeno da toxicodependência, problemas psiquiátricos e comportamentos criminais, geradores de sentimentos de desconfiança.
No âmbito do acompanhamento da medida de suspensão da pena de prisão com regime de prova a que estava sujeito, foi encaminhado para o CRI de Guimarães, cuja primeira consulta estava agendada para 30.04.14. Revelava algum esforço de adesão às acções a que estava vinculado no plano de reinserção social por recear as consequências processuais quanto ao eventual incumprimento das mesmas. Mantinha-se vinculado às consultas de psiquiatria no Hospital e efectuava regularmente a medicação injectável prescrita.
A família continua a constituir-se como na principal referência afectiva e de suporte, visitando-o regularmente no estabelecimento prisional. O enquadramento familiar sofreu alteração com a reintegração do irmão mais velho, que também foi dado como incapaz para o trabalho.
No estabelecimento prisional, A. G. mantém o acompanhamento pelos serviços de psiquiatria.
Após ter exercido funções laborais no sector da faxina, iniciou em 15-10-15 a frequência do curso de operador agrícola, ministrado pelo Centro Protocolar da Justiça (CPJ) com duração de 200 horas, que concluiu com êxito em 08-01-16. Neste momento, está ocupado novamente no sector da faxina.
Segundo o próprio, terá abandonado o consumo de substâncias estupefacientes. A assunção de uma postura adequada, de respeito pelas normas da instituição, interacção pessoal positiva e discurso fluente são indicadores do seu estado de equilíbrio.
A. G. deu entrada no EPSCB em 30-04-14 à ordem do processo nº 131/14.0GBVNF na situação de preventivo. Foi julgado no processo nº 269/09.5GCVNF do 1º Juízo Criminal de V. N. de Famalicão, com trânsito em julgado em 12-06-14, pela prática do crime de furto qualificado, considerado inimputável e aplicada a medida de internamento pelo período máximo de 2 anos e 6 meses.
Encontra-se em acompanhamento pelos serviços da DGRSP no âmbito dos processos nº 422/13.7GCVNF da Comarca de Braga, Guimarães – Instância Central – 2ª Secção Criminal – J1, 27/13.2GDGMR da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães – 4ª Secção e 513/12.1GCVNF do 1º Juízo Criminal dos Juízos de Competência Criminal de V. N. de Famalicão, condenado, maioritariamente pela prática de crimes tipificados enquanto furto e aplicada a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento, cuja execução ficou suspensa.
A. G. comparece sempre que chamado às entrevistas realizadas pelo técnico deste serviço, mostrando-se colaborante. No seu discurso, verifica-se a preocupação com a toma regular da medicação, bem como juízo crítico face ao impacto causado pelo consumo de estupefacientes.
A indefinição da situação jurídica tem-se consistido num factor condicionador à apreciação para a concessão de saídas jurisdicionais.
Na sequência de sintomas/manifestações decorrentes dos problemas de saúde mental, ainda na adolescência e provavelmente potenciadas pelo consumo de substâncias estupefacientes, o arguido sofreu internamentos em unidades de saúde mental, não tendo contudo dado continuidade ao tratamento indicado.
Está dotado de nível de escolaridade diminuto e não possui qualquer formação profissional.
Também não foi capaz de se inserir profissionalmente, situação que culminou na sua reforma por invalidez.
Aplicada medida de segurança de internamento em estabelecimento especializado, o arguido adquiriu maior estabilidade, sendo seguido pelos serviços de psiquiatria, conforme estipulado nas medidas probatórias a que está sujeito. Ao nível pessoal, investiu na área formativa, cujos conhecimentos adquiridos poderão constituir-se numa mais-valia de futuro.
Apesar da família manifestar disponibilidade para o receber, este enquadramento é pouco consistente na medida em que se depara com constrangimentos materiais e da própria dinâmica, atendendo aos problemas de saúde mental de que padecem os irmãos e da dificuldade dos progenitores para supervisionarem o quotidiano do arguido.

2.2. C) Do Relatório social do arguido J. M.
O processo de desenvolvimento infanto-juvenil de J. M. decorreu no agregado de origem, composto pelos progenitores (ambos já falecidos) e onze irmãos, sendo o segundo da fratria.
Ambos os progenitores exerceram actividade laboral (pai calceteiro e mãe, operária têxtil), mas os recursos económicos eram parcos face a prole tão elevada, tendo passado por períodos de muitas dificuldades.
A dinâmica revelou-se ainda perturbada pelo distanciamento do progenitor no desempenho das funções parentais e pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas da progenitora.
Frequentou a escola em idade normal até à conclusão do 6.º ano. Relatou ter sofrido retenções decorrentes, na generalidade de dificuldades na aquisição de algumas matérias propostas.
No final deste ciclo começou a ser conotado com o consumo de estupefacientes, que se intensificou na transição para a maioridade, tendo-se submetido a tratamento / acompanhamento por serviços da especialidade e segundo afirmou, abandonado tal prática há cerca de sete anos, motivado pelo início de vida em comum com companheira e com o nascimento do descendente do casal.
J. M. começou a trabalhar ainda na adolescência na construção civil. No entanto, em Agosto de 2001, foi vítima de um acidente de mota do qual resultaram sequelas graves na coluna vertebral e neurológicas, impeditivas de uma autonomia plena.
Neste contexto, após períodos de inactividade por problemas de saúde e cumprimento de pena de prisão efectiva começou a ajudar um irmão na venda ambulante de comidas e bebidas em eventos festivos e posteriormente criou o seu próprio negócio do ramo.
J. M. deteve anteriores contactos com o Sistema de Justiça Penal, os primeiros de que temos conhecimento no final da adolescência / início da idade adulta. Sofreu várias condenações anteriores, já extintas, em penas de execução na comunidade (algumas das quais revogadas) e em penas privativas de liberdade, designadamente por três crimes de condução sem habilitação legal, dois de roubo, um de introdução em lugar vedado ao público e um de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, um de furto qualificado e um por posse de arma proibida.
À data dos factos pelos quais se encontra acusado e actualmente, o arguido reside com a companheira e filho de ambos de sete anos.
O relacionamento familiar revela-se de suporte e estende-se a alguns dos seus irmãos, designadamente um que reside em casa contígua e que o apoia nas deslocações, habitualmente compensado com a partilha de alimentação.
Em termos económicos, o agregado revela uma situação económica modesta, sustentada, na generalidade no vencimento da companheira, embaladora têxtil e na reforma por invalidez do arguido. Este detém ainda um negócio ambulante de venda de alimentos em festas e festivais mas o mesmo caracteriza-se por sazonalidade e despesas acrescidas face à necessidade de contratação de motorista.
As suas rotinas de tempos livres focalizam-se, na generalidade no convívio com a família e na execução de actividades de apoio à habitação e ao seu negócio. Os seus contactos regulares com pares ocorrem habitualmente no café da sede da associação recreativa local.
No meio residencial, a imagem negativa que detinha no passado mostra-se mais diluída, designadamente pela estabilidade do seu agregado, o aparente afastamento dos consumos de estupefacientes e a prestação, com avaliação de bom desempenho, de trabalho a favor da União de Freguesias da sua área de residência.
J. M. foi acompanhado por esta Equipa de Reinserção Social no âmbito de penas suspensas com regime de prova, a primeira das quais com início em 2005. Neste período o arguido encontrava-se em fase activa de consumos de estupefacientes e não revelou adesão ao cumprimento das actividades constantes no plano, sucedendo-se as informações sobre anomalias. Posteriormente, em 2008, após ter cumprido pena de prisão efectiva voltou a ser acompanhado por esta equipa no âmbito de outra pena suspensa com regime de prova, revelando uma atitude de maior adesão/colaboração com os serviços de reinserção social e no cumprimento das acções previstas no plano, designadamente o acompanhamento terapêutico da sua problemática aditiva.
Ainda durante o acompanhamento sofre acidente grave de mota e passa um longo período hospitalizado.
Posteriormente, de 01-06-2016 a 08-07-2016, executa trabalho comunitário a favor da União de Freguesias da sua área de residência, tendo revelado assiduidade, um bom desempenho e um bom relacionamento interpessoal.
No que concerne ao actual processo e factos que lhe deram origem, reconheceu a sua ilicitude e a sua gravidade pelos possíveis prejuízos materiais e psicológicos que os mesmos podem causar aos ofendidos.
Não se revê na presente acusação posicionando-se como vítima da sua situação jurídica do passado.
Em caso de condenação, embora não a perspective, verbalizou aderir ao cumprimento de uma medida de execução na comunidade.
No que concerne ao seu relacionamento com os outros co-arguidos, afirmou apenas conhecer um (A. A.), na sequência de o mesmo lhe ter assegurado algumas deslocações como motorista da sua roulotte.
Em termos familiares continua a beneficiar do apoio/suporte da sua família.
Em termos sociais, não foram percepcionados indicadores passíveis de reactividade social.
Do exposto, salientamos estar perante um indivíduo que cresceu em ambiente familiar e social vulnerável em termos emocionais e socioeconómicos, detentor de baixas qualificações formativas e profissionais e que padeceu de hábitos aditivos de estupefacientes no início da idade adulta.
O seu percurso de vida neste período foi ainda fortemente condicionado pela vivência de acidente grave de viação, facto que circunscreveu as suas rotinas ao espaço residencial e área envolvente.
No entanto, constituiu agregado familiar estável e em termos económicos, pese o facto de apresentar uma situação modesta, detém rendimentos mensais fixos, provenientes do vencimento da companheira e da sua reforma por invalidez. Constituiu ainda um pequeno negócio de venda ambulante de comidas e bebidas, com a colaboração da família e / ou contratação de motorista para as deslocações.
Tem antecedentes criminais mas, na sua maioria já antigos e extintos e revelou um crescente de adesão às medidas de execução na comunidade aplicadas e não lhe são actualmente reportados hábitos aditivos de estupefacientes, nem comportamentos perturbadores da ordem/paz pública.
Assim, em caso de condenação e se a moldura penal concretamente aplicada o permitir, parecem-nos reunidas condições para a aplicação de uma eventual medida de execução na comunidade, com acções direccionadas para a efectiva interiorização do desvalor da sua conduta e de reparação do dano.
2.3.1. Do CRC do arguido A. G. constam as seguintes condenações:
No Processo Sumário nº 643/2000 do Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 28/08/2000, transitada em 29/09/2000, pela prática em 28/08/2000, de um crime de condução sem carta, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 300$00;
No Processo Comum Singular nº48/01.8GCVNF, do 1º Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 24/02/2003, transitada em 11/03/2003, pela prática em 07/02/2001, de um crime de condução sem carta, furto simples, furto qualificado, numa pena única de 220 dias de multa à taxa diária de 1 Euro e pena de 7 meses de prisão suspensa por um ano, a qual foi declarada extinta;
No PCC nº 93/01.3GCVNF, do 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 12/03/2003, transitada em 08/04/2003, pela prática em 17/04/2001 de um crime de furto, na pena de 150 dias de multa, à taxa de 2,00 Euros, no total de 300,00 Euros, pena essa declarada extinta.
No PCS 286/00.0GCVNF, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 04/04/2004, transitada em 28/04/2003, pela prática em 06/11/2000, de um crime de furto qualificado na pena de 7 meses de prisão, suspensa por um ano, declarada extinta;
No PCS nº 440/2.0GDGMR, do 2º Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 03/11/2004, transitada em 21/04/2005, pela prática em 23/10/2002, de um crime de furto qualificado numa pena de 280 dias de multa à taxa de 2,00 Euros;
No Processo Sumário nº 293/10.5 do 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 01/07/2010, transitada em 27/07/2010, pela prática em 10/06/2010, de um crime de condução sem carta, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7,00 Euros, pena essa extinta;
No PCC nº 1507/09.0JAPRT, do 1º Juízo Criminal de Santo Tirso, foi o arguido condenado por decisão de 05/11/2013, transitada em 05/12/2013, pela prática em 22/09/2009, de um crime roubo numa pena de 1 ano e 10 meses de prisão suspensa por igual período;
No PCS nº 513/12.1GCVNF, do 1º Juízo Criminal de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 22/01/2014, transitada em 22/02/2014, pela prática em 22/01/2012, 16/09/2012, 14/11/2012, de três crimes de furto qualificado numa pena de 4 anos de prisão suspensa por igual período sujeita a regime de prova.
No PCC nº 269/09.5GDGMR, do Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 13/05/2014, transitada em 12/06/2014, pela prática em 03/05/2009, de um crime de furto qualificado numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, extinta;
No PCC nº 316/13.6GCVNF, do Juízo Criminal de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 14/05/2014, transitada em 16/06/2014, pela prática em 2013, de um crime de furto qualificado numa pena de 2 anos e 3 meses de prisão, extinta;
No PCC nº 398/12.8GDGMR, do Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 19/11/2014, transitada em 09/01/2015, pela prática em 20/09/2013, 13/11/2012 e 20/09/2013, de três crimes de furto qualificado numa pena de 3 anos de prisão;
No PCS nº 27/13.2GDGMR, do Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 15/04/2015, transitada em 15/05/2015, pela prática em 08/02/2013, de um crime de furto qualificado numa pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período sujeita a regime de prova;
No PCC nº 422/13.7GCVNF, do Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 23/11/2015, transitada em 05/01/2016, pela prática em 25/09/2013, de um crime de furto qualificado na forma tentada, numa medida de segurança não inferior a dois anos nem superior a 8 anos;

2.3.2. Do CRC do arguido A. A., constam as seguintes condenações:
No PCC nº 29/05.2GDPNF, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, foi o arguido condenado por decisão de 14/11/2006, transitada em 29/11/2006, pela prática em 01/09/2005, de um crime de detenção de arma proibida e um crime de tráfico de estupefacientes numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e de uma pena de multa extinta;
No PCS nº 25/10.8PEGMR, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 10/01/2012, transitada em 09/02/2012, pela prática em 06/2010, de um crime de consumo de estupefacientes numa pena de 40 dias de multa à taxa diária de 7,50 Euros, num montante total de 300,00 Euros;
No PCC nº 108/13.2P6PRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi o arguido condenado por decisão de 13/11/2015, transitada em 14/12/2015, pela prática em 28/10/2014, de um crime de detenção de arma proibida e um crime de furto qualificado numa pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa por igual período;
No PCC nº 2201/11.7JAPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 30/11/2015, transitada em 12/01/2016, pela prática em 284/01/2012, de um crime de passagem de moeda falsa, na forma tentada, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período;

2.3.3. Do CRC do arguido J. M. consta:
No Processo Sumário nº 22/02.7GBVNF do Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 23/10/2003, transitada em 02/12/2003, pela prática em 02/10/2001, de um crime de condução sem carta, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5,00 Euros, num montante de 300,00 Euros;
No PCC nº 2422/03.6PBGMR, d 1ª Vara Mista de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 21/06/2004, transitada em 29/09/2004, pela prática em 16/12/2003, de um crime de roubo, numa pena de 10 meses de prisão suspensa por 3 anos;
No Processo Sumário nº 629/05.0PAPVZ do Tribunal Judicial de Póvoa do Varzim, foi o arguido condenado por decisão de 10/08/2005, transitada em 29/09/2005, pela prática em 10/08/2005, de um crime de introdução em lugar vedado ao público e um crime de descaminho, respectivamente numa pena de 30 dias de multa, à taxa de 3,00 Euros e de prisão substituída por multa numa pena de 5 meses substituídos por 150 dias de multa, à taxa de 3,00 Euros;
No PCC nº 2355/03.6PBGMR, da 1ª Vara Mista de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 11/01/2006, transitada em 21/02/2006, pela prática em 06/12/2003, de um crime de roubo, numa pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por 3 anos;
No PCS nº 33/05.0GNPRT do 1º Juízo Criminal de Lousada, foi o arguido condenado por decisão de 08/06/2006, transitada em 23/06/2006, pela prática em 28/09/2004, de um crime de condução sem carta, numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 2,50 Euros, num montante de 500,00 Euros;
No PCS nº 190/06.9GDGMR do 1º Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 18/06/2007, transitada em 03/09/2007, pela prática em 17/06/2006, de um crime de condução sem carta, numa pena de 4 meses de prisão suspensa por 18 meses;
No PCS nº 287/06.5GDGMR do 2º Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 19/06/2008, transitada em 21/07/2008, pela prática em 25/08/2006, de um crime de furto qualificado, numa pena de 30 meses de prisão suspensa por 30 meses;
No PCS nº 529/09.5GDGMR do 1º Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 25/10/2010, transitada em 03/10/2011, pela prática em 09/12/2009, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, numa pena de 8 meses de prisão, pena essa extinta;
No PCS nº 274/15.2GDGMR do 1º Juízo Criminal de Guimarães, foi o arguido condenado por decisão de 19/10/2015, transitada em 18/11/2015, pela prática em 12/10/2015, de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho;

Factos não provados
Que no assalto de 28/04/2014, o arguido A. G. se tenha apropriado de um cinto dourado e de um isqueiro com a inscrição “Portugal”.

Na motivação da decisão da matéria de facto e exame crítico das provas, consta o seguinte (transcrição):
O Tribunal baseou a sua convicção na análise crítica da prova produzida, concretamente no teor das declarações do arguido A. A. – único que manifestou o propósito de prestar declarações, prova documental, testemunhal e pericial produzidas, iluminadas pelas regras de experiência comum.
Concretamente, quanto à autoria dos assaltos, foi absolutamente determinante o teor das declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, nos termos do art. 141º/4 b) do CPP, que foram objecto de reprodução, o qual confessou a sua participação nos três assaltos e o envolvimento dos co-arguidos J. M. e A. A. no assaltado ocorrido em 28/04/2014.
O arguido explicou que, quanto ao assalto de 28/04/2014, o assalto foi praticado pelos três co-arguidos, sendo que dois deles ( o J. M. e o A. A.) ficaram no carro a vigiar, sabendo que o declarante ia assaltar a habitação. Esclareceu que assaltou essa casa, levou luvas, forçou a janela com uma chave de fendas que já levava, que encontrou umas peças em ouro ( aliança e anel), um cinto e umas peças que nada valiam, sendo que o isqueiro e o cinto são dele próprio.
Esclareceu que o assalto ocorreu perto das 15 horas e que um dos co-arguidos já conhecia a casa.
Também confessou a sua participação no assalto de 20/10/2013, numa habitação na Rua do …, na habitação do ofendido J. A., admitindo que trouxe peças em ouro, não se recordando se trouxe ou não uma quantia em dinheiro.
Por fim, confessou a sua participação no assalto de 11/11/2013, na D, local de onde apenas trouxe telemóveis e rebuçados e chocolates, não tendo trazido qualquer quantia em dinheiro, sendo certo que os telemóveis foram recuperados.
Neste particular, nenhum relevo probatório foi atribuído às declarações prestadas pelo arguido A. A. que procurou explicar que, no dia 28/04/2014, por volta das 13:30 horas, foi com o arguido J. M. na sua viatura, em direcção a Famalicão, com o intuito de comprar uma viatura no stand de um indivíduo de nome Pedro, em cujo negócio o mesmo iria ser intermediário e receber uma comissão. Foram ao café “MC”, e quando já estavam no interior da viatura, foram abordados pela GNR, que demonstraram conhecer o J. M., sustentando ainda que nem sequer conhece o arguido A. G., pessoa que só conheceu aquando do debate instrutório. Refere ainda que quando foram abordados foram imediatamente advertidos que se houver assaltos, os mesmos seriam considerados como estando envolvidos. O arguido referiu ainda que é vendedor de artigos de Têxteis Lar, Guloseimas, carros e que é também Médium. À data dos factos, o arguido vivia sozinho, em casa dos pais, não pagava renda, tem um filho com 11 anos de idade.
A questão que se coloca prende-se com o valor probatório a atribuir às declarações do arguido A. G., prestadas perante Magistrado do Ministério Publico na fase de inquérito e na presença de mandatário, livremente apreciadas pelo tribunal, conjugadas com a restante prova efectuada e fazendo apelo às regras da experiencia comum.
Ora, nos termos do artigo 141º nº 4 b) do CPP o juiz informa o arguido de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova;
Nos termos do artº 357º nº 1 do CPP: a reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º
Por sua vez dispõe o artº 345º nº4 do CPP que: não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2.
Em sede de audiência de julgamento o arguido José não prestou declarações e o arguido A. A. optou por as prestar. Todavia, as declarações prestadas nos termos do artº 141º nº 4 b) e 144º nº1 do CPP, constituem prova pre-constituida e o legislador sabendo da limitação a que alude o arº 345º nº4 do CPP, ao prever no artº 357º nº1 b) do CPP a reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo nos termos ali descritos, não alterou o referido preceito legal, razão pela qual, se entende que não existe qualquer limitação a que as declarações de co-arguido sejam apreciadas livremente.
Ou seja, quanto à questão da valoração das declarações de co-arguido, sufragamos o entendimento plasmado no Acórdão do S.T.J. de 8.2.2007, cujo relator foi o Conselheiro Simas Santos, que refere, «4. É a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art.º 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art.º 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art.º 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.
Pode, assim, afirmar-se que o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art.º 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.» (in www.dgsi.pt).
O Tribunal deverá ponderar e apreciar, num contexto global, as provas conforme a sua livre convicção permitindo atingir uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros.
Como refere o Acórdão da Relação de Guimarães de 8.11.2011, «1. Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve aferir-se em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas com um especial cuidado que poderá passar, no caso, por uma procura de corroboração. 2. A regra da corroboração não é uma regra legal de prova, mas algo deixado ao “cuidado deontológico do aplicador” e que pode contribuir para uma “mais correcta realização da sua livre convicção”. 3. Revela-se prudente desconfiar, em concreto, de declaração de co-arguido que se apresente numa situação suspeita, ou seja, relativamente à qual é possível associar um eventual interesse pessoal em incriminar. 4. Já relativamente a declaração de co-arguido fora de situação suspeita não é racionalmente justificado formular qualquer suspeição, carecendo de justificação a fragilização do potencial probatório deste contributo.» (in www.dgsi.pt)
Por fim, como refere o Acórdão da Relação de Guimarães de 16.5.2011, «As declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis.» (in www.dgsi.pt).
“Dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei. A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-02-2009, in www.dgsi.) (no mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.3.2008, in www.dgsi.pt).
Qualquer que seja a tese seguida, facto é que o conjunto da prova permite, à luz do princípio da livre apreciação da prova, atribuir relevo às declarações do co-arguido A. G., prestadas em fase de inquérito.
Na verdade, quanto ao assalto ocorrido em 28/04/2014, cuja autoria o arguido A. G. imputa a ele próprio e aos co-arguidos J. M. e A. A., importa ressaltar que a testemunha B. S., guarda da GNR a prestar serviço no Posto de Joane, declarou que recebeu uma chamada telefónica, dando conta de que andaria uma viatura suspeita, de cor preta, pequena a rondar uma habitação junto da Travessa de …, em Joane, e fez a abordagem dos arguidos A. A. e J. M., por estarem no interior de uma carrinha com essas características, explicando que os mesmos se encontravam no interior do carro, que estava desligado e estacionado debaixo de um viaduto, num local ermo, numa estrada que faz a ligação de Joane a Riba D`Ave, confirmando que o carro estava estacionado a cerca de 200 metros do café “MC”.
A testemunha recorda o facto dos indivíduos abordados terem dado uma qualquer explicação relacionada com a venda de um carro, não se recordando se foram feitos comentários sobre o arguido J. M.. Depois abordaram outro indivíduo apeado – precisamente o arguido A. G. - que tinha objectos com ele (bijutarias, 1 anel, aliança em ouro, um isqueiro, em cuja posse foram apreendidos – auto de apreensão de fls. 17 - reconhecidos e entregues ao proprietário, conforme autos de fls. 19 a 21.
Ou seja, os co-arguidos implicados nas declarações prestadas em inquérito pelo arguido A. G. foram abordados no interior de um veículo com características idênticas às do veículo descrito à GNR, como sendo aquele que teria andado a rondar a habitação assaltada, veículo esse que se encontrava num local ermo, numa estrada que faz a ligação de Joane a Riba de Ave, local onde o assalto ocorreu, sendo absurda a explicação avançada quanto à presença dos co-arguidos naquele local, tanto mais que não foram apresentados quaisquer documentos que emprestassem qualquer credibilidade ao projectado negócio.
Nessa medida, o tribunal atribuiu relevo às declarações prestadas em inquérito pelo arguido A. G., que além de se auto-incriminar, também reportou os termos em que os demais co-arguidos participaram nesse assalto.
No que respeita a este assalto foi ainda relevante o teor das declarações da testemunha L. D., proprietária da residência assaltada, que saiu de casa pelas 13.30 horas e chegou por volta das 16 horas, tendo já constado a ocorrência do assalto. O acesso terá ocorrido forçando uma das janelas que dá acesso à cozinha, sendo certo que o assaltante só levou o que estava no guarda-jóias em cima da cómoda, tendo confirmado a recuperação das peças, encontradas na posse do arguido A. G., um dos co-autores confessos do assalto.
Por fim, em sede de prova documental, foi relevante o teor do auto de apreensão de fls. 17, auto de reconhecimento de objectos de fls. 19 e termo de entrega de fls. 20.
Por outro lado, quanto aos outros dois assaltos ocorridos em 20/10/2013 e 12/11/2011, dúvidas não subsistem quanto à autoria dos aludidos assaltos, pois que o arguido A. G. os confessa, nas declarações prestadas em inquérito, reproduzidas em audiência.
Seja como for, quanto ao assalto ocorrido em 20/10/2013, o Tribunal ateve-se ainda ao teor do Relatório de Inspeção ocular de fls. 19 do Apenso A).
Ainda quanto a este assalto, a testemunha J. A., ofendido, refere que quando chegou a casa, já no final da tarde, percebeu que a casa tinha sido assaltada, chamou a GNR ao local, que foi lá no dia seguinte, tendo apresentado a relação de bens que constituí fls. 12 do Apenso A), confirmando que lhe foi retirando um fio, um par de brincos, uma medalha, dois relógios e uma quantia de cerca de 100,00 Euros, confirmando o valor de cada um desses bens. Refere que conheceu o arguido A. G. em Agosto, por este ter acompanhado um aluno da filha, razão pela qual é plausível que este conhecesse a sua casa, sendo certo que um tempo antes tinha sido visto a rondar a casa. Ainda no que respeita a este assalto, a testemunha R. A., irmã da testemunha anterior, confirmou que uma vizinha chamada M. C. teria visto o A. G. a rondar a casa do irmão, tendo o assalto ocorrido posteriormente. A testemunha admite não ter reconhecido o assaltante como sendo aquele que andou a rondar a casa.
Já quanto ao assalto ocorrido em 11/11/2013, no estabelecimento de ensino “D”, foi relevante o teor do auto de apreensão de fls. 25, das fotografias de fls. 32, auto de reconhecimento de objectos, termo de entrega e fotografia de fls. 45, 46 e 47, relatório técnico de inspecção judiciária e relatório fotográfico de fls. 70 a 72, todos do apenso B).
Quanto a este assalto, a testemunha A. M., reportou que à data dos factos era membro da Direcção, esclareceu que deram conta do assalta de manhã, sendo que quando chegou ao estabelecimento viu uma janela que fica no rés-do-chão e que não estava trancada e na direcção da janela havia marcas na parede, esclarecendo que terão sido levados telemóveis, rebuçados e chocolates e uma quantia em dinheiro.
Confirmou que assinou o auto de entrega dos telemóveis de fls. 46 do apenso B, os quais foram recuperados.
Confrontado com o teor do relatório fotográfico de fls. 72 do Apenso B), confirmou que tais fotografias documentam o estabelecimento, sendo que a fotografia nº2, corresponde ao gabinete onde estavam os telemóveis.
A testemunha J. S., Guarda da GNR a prestar serviço no Posto da GNR de Riba de Ave, que foi quem lavrou o aditamento de fls. 9, do apenso B), a cujo depoimento não foi atribuído qualquer relevo probatório visto que o aditamento se baseou numa conversa informal pretensamente havida com o arguido A. G. acerca do assalto o aludido estabelecimento de ensino.
O Tribunal ateve-se ainda ao teor do relatório de psiquiatria forense de fls. 301 a 302 que concluiu que o arguido A. G. era à data dos factos imputável, não obstante ter sido realizada uma perícia que concluiu em sentido diverso no âmbito do PCC nº 513/12.1GCVNF.
Relativamente às condições pessoais dos arguidos, para além do teor das declarações dos arguidos A. G. e A. A., o Tribunal baseou a sua convicção na análise dos relatórios sociais de fls. 813 e ss (relatório social do arguido A. A.), 817 e ss (relatório social do arguido A. G.) e 820 e ss (relatório social do arguido J. M.) e certificados de registo criminal juntos a fls. 741 e ss (arguido A. A.), 746 e ss (arguido J. M.) e a fls. 795 e ss (arguido A. G.).
Por fim os factos não provados resultaram do teor das declarações prestadas em inquérito pelo arguido A. G. que sustentou que tais objectos lhe pertenciam, não os subtraiu, no que não foi contrariado pelo ofendido, razão pela qual mereceu credibilidade.

Enquadramento Jurídico:
O art. 203º, nº 1, do Código Penal, sob a epígrafe “Furto”, estabelece que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
O bem jurídico que a norma citada visa proteger é a propriedade, o que é bem traduzido pela sua inserção sistemática no Capítulo II, do Título II, do Livro II, do Código Penal, o qual tem como epígrafe, precisamente, “Dos crimes contra a propriedade”.
A propriedade, enquanto bem jurídico-penalmente protegido, engloba toda a disponibilidade da fruição das utilidades de coisas com um mínimo de representação jurídica - Cfr., neste sentido, José de Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, págs. 29 a 33.
O crime de furto, p. e p. no art. 203º, nº 1, do Código Penal, é um crime de comissão por ação, livre na forma, de resultado.
Crime comissivo por ação, porquanto é necessária uma conduta activa do agente para que se possa considerar preenchido o tipo objetivo.
Crime de forma livre, uma vez que qualquer ação é suficiente para o preenchimento do tipo objetivo, não sendo exigidos requisitos especiais quanto ao modo de execução ou aos meios empregues pelo agente.
Deste modo se abrange um leque muito vasto de condutas possíveis, conquanto integrantes do conceito de subtracção, a qual se traduz na retirada da coisa do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, implicando a eliminação desse mesmo domínio.
Tal subtracção deve incidir sobre uma coisa móvel e alheia.
Coisa, para efeitos penais, é um pedaço de realidade dotado de apropriabilidade autónoma, sendo, em regra, caracterizado pela sua corporeidade, muito embora não necessariamente.
É coisa móvel toda aquela que seja susceptível de ser deslocada espacialmente, abrangendo, por isso, as coisas incorporadas no solo e as partes integrantes ou componentes, uma vez que sejam destacadas e autonomizadas.
Por fim, diz-se que as coisas são alheias quando não são próprias do agente e nem se tratam de res communes omnium, res nullius ou res derelictae. É alheia, por conseguinte, toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infração.
O crime de furto é um crime de resultado, porquanto a sua consumação formal depende da efectiva lesão do bem jurídico tutelado, lesão essa que deve estar ligada ao comportamento por um nexo de causalidade, nos termos definidos pela teoria da causalidade adequada, a qual obteve consagração no nosso ordenamento jurídico-penal, por via do art.º 10.º, n.º 1, do Código Penal.
Na falta do resultado típico ou da sua imputação causal à conduta, o agente fica-se pelo estádio da tentativa, a qual é punível, face ao disposto no nº 2 do art.º 203.º, do Código Penal.
Afastadas, pela doutrina e pela jurisprudência, as tradicionais teorias da contrectatio e da illatio, quanto ao momento de consumação do furto, há que entender que este ocorre quando a coisa entra, plena e autonomamente, na esfera de domínio do agente, saindo da esfera de domínio do sujeito passivo – o que, pelo menos na normalidade dos casos, exigirá o decurso de um certo lapso de tempo, embora tal não seja fundamental nem possa significar que se exige uma posse em completo sossego.
Ora, no caso em análise, afigura-se plenamente preenchido, pelo arguido A. G., por três vezes, e uma vez, por cada um dos arguidos J. M. e A. A., o tipo objetivo do crime de furto: os arguidos retiraram do interior das habitações e estabelecimento de ensino visados diversos objectos, que não lhes pertenciam e que fizeram suas. Ocorreu, por isso, a subtracção de coisa móvel e alheia.
Por outro lado, resultam provados factos que, objectivamente, se subsumem ao tipo qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal.
O referido preceito estabelece que “Quem furtar coisa móvel alheia (...) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (...) é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.
O art. 202º, al. d), do Código Penal, define escalamento como “a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente á entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada ou passagem”.
O art. 26º, do Código Penal, dispõe, na parte que nos interessa, que “É punível como autor quem (...) tomar parte directa na (...) execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (...)”.
São pressupostos da punição a título de co-autor, de acordo com a disposição supra citada, a intervenção na fase de execução do facto e a existência de um encontro de vontades entre todos os participantes.
Quanto ao primeiro pressuposto da punibilidade por co-autoria, exprime-se o mesmo pelo locução “tomar parte direta na execução”, com a qual se exprime a indispensabilidade, para a punição do agente como co-autor, de que este atue na fase executiva do delito, não bastando, para tal, uma mera intervenção na fase dos atos preparatórios, ainda que se trate do “cérebro” do grupo delinquente.
Quanto ao segundo pressuposto da punibilidade a título de co-autor, encontra-se este expresso na fórmula “...por acordo ou juntamente com outro ou outros...”.
Pretende o legislador exprimir a necessidade de algo que unifique a atuação dos vários co-autores, para além do resultado da soma atomística dos vários contributos, afastando-se, deste modo, a punição nos termos da co-autoria de situações de autorias paralelas ou de colaboração dolosa no plano criminoso de outrém sem que este se aperceba – neste caso os demais não atuam juntamente com o colaborante, dado que nem se apercebem do seu contributo, sendo absurdo dizer que este atua juntamente com os demais, dado que não se pode dizer que uma pessoa exerce uma actividade juntamente com outra quando não pode afirmar-se o mesmo desta última em relação à primeira.
Em suma, exige-se que todos os co-autores tenham, reciprocamente, consciência e vontade de cada um dos contributos, quer seja porque pre-existe um acordo expresso, nos termos do qual são repartidas as tarefas e definido o quando o onde e o como de cada contributo, quer seja porque, em momento posterior surgiu um entendimento tácito quanto à colaboração na realização do facto.
A disjuntiva explica-se pelo facto de a jurisprudência anterior ao Código Penal de 1982 vir a interpretar o termo “acordo” como sinónimo de “acordo prévio e expresso”, permitindo-se, com a referência a “juntamente”, abranger outras hipóteses – maxime o acordo não prévio e o acordo tácito – Cfr., neste sentido, Maria da Conceição S. Valdágua, Início da Tentativa do Co-Autor - Contributo para a Teoria da Imputação do Facto na Co-Autoria, 2ª Ed., págs. 122 a 133.
Ora, no caso dos autos encontra-se provado que, no que respeita ao assalto ocorrido em 28/04/2014, na residência da propriedade de L. D., sita na Travessa de …, “Os arguidos agiram (…) de acordo com um plano estabelecido entre todos” e “com a intenção conjunta de entrarem na dita habitação” –Cfr. pontos 8º e 9º - encontrando-se preenchidos os pressupostos da punição a título de co-autoria.
Passando à vertente subjectiva da incriminação, constata-se, pelo simples confronto com o disposto no art.º 13º, do Código Penal – “Só é punível o facto praticado a título de dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência” –, que o crime previsto no art. 203º, nº 1, do Código Penal é um crime doloso.
Ou seja, exige-se a consciência e vontade de levar a cabo a conduta descrita no tipo objetivo, podendo essa consciência e vontade revestir qualquer uma das formas previstas no artº 14º do Código Penal: dolo directo, necessário ou eventual.
Exige-se, ainda, um elemento subjectivo especial, a saber, a “ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa”, o que permite configurar o crime em causa como um crime de intenção. É necessário, pois, que o agente actue com o propósito de fazer suas as coisas subtraídas, bem sabendo que não tem qualquer causa que justifique essa mesma apropriação.
Ora, no caso, acha-se sobejamente demonstrada essa intenção de apropriação, com o que se conclui que os co-arguidos preencheram, em co-autoria a tipicidade subjectiva do crime de furto qualificado, relativamente ao aludido assalto.
Não se verificam, por outro lado, quaisquer causas dirimentes da ilicitude ou da culpa susceptíveis de ser convocadas para o presente caso.
Conclui-se, pois, pela prática pelo arguido A. G., de três crimes de furto qualificado, em concurso real, um dos quais, em co-autoria com os arguidos J. M. e A. A..

Da Consequência Jurídica do Crime:
O nº 2 do art. 204º, do Código Penal, estabelece, para o crime de furto qualificado, a pena de 2 a 8 anos de prisão.
Cumpre agora fixar a medida concreta da pena de prisão, tendo em consideração a moldura acima indicada.
Tal operação deve atender ao critério fixado pelo art. 71º, nº 1, do Código Penal, o qual dispõe que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Por conjugação com o disposto no art. 40º do diploma acabado de citar, é possível retirar a conclusão de que à culpa caberá fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada e para além do qual se estará perante uma instrumentalização da dignidade humana do delinquente, sendo em função de considerações de prevenção – geral de integração e especial de socialização – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena.
A articulação entre ambas as finalidades faz-se de molde a que seja a prevenção especial a determinar, em último termo, a pena a aplicar, sem prejuízo de não se poder descer abaixo do limiar mínimo de prevenção geral, sob pena de o ordenamento jurídico se pôr a si próprio em causa.
A este respeito e quanto à culpa, em favor dos arguidos apenas milita o valor relativamente pouco expressivo dos bens furtados, sendo ainda de relevar a confissão, em sede de 1º interrogatório do arguido A. G. e o facto de, em dois assaltos os objectos terem sido recuperados.
Já quanto às circunstâncias que depõe em desfavor dos arguidos, cumpre ressaltar que, são muito elevadas as exigências de prevenção geral, atento o alarme social suscitado pelo tipo de condutas aqui em causa, que envolvem a intrusão em espaço fechado, máxime habitações, sendo certo que no assalto em que os objectos não foram recuperados – assalto ocorrido em 20/10/2013 -, não houve qualquer iniciativa por parte do arguido A. G. para indemnizar o lesado, nem sequer qualquer manifestação de arrependimento.
Em desfavor dos arguidos há, ainda, a referir, em particular quanto ao arguido A. G., o número de vezes que lesiona o mesmo bem jurídico – estão em causa três crimes de furto qualificado - os antecedentes criminais, em conformidade com o que consta do seu certificado de registo criminal, considerando apenas as condenações transitadas em data anterior aos presentes factos, tornando elevadas as exigências de prevenção especial, já que o mesmo ostenta um passado criminal marcado pela prática de crimes da mais diversa natureza, alguns dos quais contra o património, com a aplicação de várias penas de prisão suspensa e efectiva, num espaço de tempo relativamente longo, já que, apesar da juventude do arguido, o início da sua actividade ilícita remonta ao pretérito ano de 2000.
Além do mais, praticou os presentes factos relativos ao assalto de 28/04/2014, no decurso do prazo de suspensão de uma pena de prisão, aplicada no Processo nº 1507/09.0JAPRT.
Já quanto ao arguido A. A., para além de relevar que o mesmo apenas participou num dos assaltos, o mesmo conta com antecedentes criminais, em número menos expressivo, um dos quais, punido com pena de prisão efectiva, remontando a sua carreira delituosa ao pretérito ano de 2005.
O arguido J. M., para além de relevar que o mesmo apenas participou num assalto, também já conta com vários antecedentes criminais contra o património, punidos com penas de prisão suspensa e efectiva.
Da conjugação de todos estes factores, resultam como justas e suficientes as seguintes penas parcelares:
- a pena de 2 anos e oito meses de prisão para cada um dos crimes praticados pelo arguido A. G.;
- a pena de dois anos e quatro meses de prisão, para o crime praticado pelo arguido J. M.;
- a pena de dois anos e quatro meses, pelo crime praticado pelo arguido A. A.;
Verificando-se que os crimes pelos quais é condenado o arguido A. G. foram cometidos em concurso efectivo, importa fixar uma pena única, nos termos do art. 77º nºs 1 e 2, do Código Penal, o qual estabelece que:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.
Resulta, deste modo, uma moldura penal, para o cúmulo, de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses – correspondente à pena parcelar mais elevada – a 8 anos de prisão – correspondente à soma das três penas parcelares.
Considerando os factos no seu conjunto, cumpre referir que os mesmos se reportam a actuações que, quanto ao arguido A. G. se situam num quadro espácio-temporal de grande contiguidade (cerca de 6 meses): o arguido subtraiu objectos que se encontravam no interior de duas casas e de um estabelecimento de ensino estabelecimentos, num mesmo período de tempo. O modus operandi é, também, idêntico para todos os crimes de furto.
E subjacente a todos os referidos crimes encontra-se a dependência do consumo de estupefacientes e a ausência de um quotidiano estruturado segundo hábitos de trabalho, circunstâncias que contribuem para uma conduta afastada dos padrões de normatividade e que conferem uma unidade de sentido aos concretos ilícitos praticados, para além dos sintomas decorrentes dos problemas de saúde mental.
Pelo exposto, afigura-se adequado fixar a pena única a aplicar ao arguido A. G. em 4 (anos) de prisão, correspondente a uma imagem global do facto de gravidade medianamente acentuada.
Tendo em consideração as penas concretas aplicadas, há que ponderar da eventual suspensão da execução das penas de prisão ora determinadas.
Dispõe, a este respeito, o art. 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, que:
“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)
5. O período de suspensão tem duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contra do trânsito em julgado da decisão”.
Constata-se, assim, que a suspensão da execução da pena de prisão depende de um pressuposto formal e de um pressuposto material.
Pressuposto formal é o de que a pena de prisão aplicada ao arguido o seja em medida não superior a 5 anos.
Pressuposto material é o de que o tribunal, atendendo aos factores elencados no normativo supra citado, possa concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. Se assim for, assegurada está a finalidade político-criminal do instituto em causa, bem como as finalidades de prevenção especial – na medida em que se evita um desnecessário contacto com o meio prisional – e geral – as quais, por natureza, nunca podem ser postergadas.
Exprime-se, desta forma, um princípio da máxima restrição da aplicação da pena de prisão, de inspiração constitucional, e que não é alheio ao reconhecimento generalizado, pela moderna criminologia, de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinserido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efectiva socialização” – Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, comentário ao Ac. do S.T.J. de 21 de Março de 1990, publicado na RPCC, 2, 1991, pág. 255.
Ora, no presente caso, verifica-se que todos os arguidos apresentam antecedentes criminais quanto à prática de um número considerável de delitos, alguns dos quais contra o património, alguns deles punidos com penas de prisão suspensa e efectiva, sendo certo que a suspensão de tais penas não foi suficiente para dissuadir os arguidos da prática de novos delitos.
Não se afigura, por isso, que a simples ameaça das sanções penais seja suficiente para a realização das finalidades das penas, pelo que as penas aplicadas não serão suspensas quanto a nenhum dos arguidos.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:
Recurso do arguido J. M.:
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente aos factos 8, 9, 14 e, 15, dos factos provados, por fundamentados em meio de prova proibido, nos termos do artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal e, por erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo, face à insuficiência de prova dos mesmos, serem julgados como não provados.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, por a pena se mostrar excessiva e, dever ser suspensa na sua execução, face ao teor do relatório social elaborado, artigos 71º e 50º, do Código Penal.
Recurso do arguido A. A.:
- Nulidade do Acórdão proferido, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por ser omisso sobre a contestação.
- Arguição da inconstitucionalidade da interpretação feita do artigo 368º, nº 2, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente aos factos 8, 9 e, 14, dos factos provados, por erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo, face à insuficiência de prova dos mesmos, serem julgados como não provados.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente aos factos 8, 9 e, 14, dos factos provados, por erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, artigo 410º, nº 2, alíneas b) e, c), do Código de Processo Penal.
- Arguição da inconstitucionalidade da interpretação feita e da norma extraída, referente aos artigos 127º, 141º, nº 4, alínea b), 133º, 343º e, 345º, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, nº 2, e, 5, da Constituição da República Portuguesa.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, por deficiente qualificação jurídica dos factos, face aos artigos 204º, nº 1 e, 206º, do Código Penal.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, por a pena se mostrar excessiva e, dever ser suspensa na sua execução, face ao teor do relatório social elaborado, artigos 71º e 50º, do Código Penal.

2 – Decidindo:

É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Apreciadas as peças recursivas apresentadas pelos arguidos J. M. e A. A., constata-se que as mesmas fazem referência expressa ao artigo 412º, do Código de Processo Penal, visando a apreciação de eventuais erros de julgamento da matéria de facto, nomeadamente relativamente aos pontos 8, 9, 14 e, 15, dos factos provados.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova existente nos autos e a gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelos recorrentes.
E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre das peças recursivas apresentadas pelos recorrentes que pretendem impugnar a matéria de facto considerada como provada, sob os pontos 8, 9, 14 e, 15, porque fundamentada em meio de prova proibido, nos termos do disposto no artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal.
Alegam para tanto que a fundamentação dos factos provados sob os nº 8, 9, 14 e, 15, assenta exclusivamente nas declaração prestadas pelo co-arguido A. G., perante o Magistrado do Ministério Público, na fase de inquérito e na presença do seu defensor, resultando de tais declarações a confissão da autoria dos crimes que de que vinha acusado e, no que respeita ao episódio ocorrido em 28-04-2014 a participação dos restantes co-arguidos nos autos.
Atenta a alteração efectuada ao Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, mormente no que respeita ao artigo 141º, nº 4, alínea b), prestando o arguido declarações em sede de inquérito, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, poderão as mesmas ser utilizadas no processo, mesmo que o arguido seja julgado na ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas a livre apreciação de prova.
Contudo, nos termos do disposto no nº 4, do artigo 345º, do Código do Processo Penal, “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos do nº 1 e nº 2.”.
No presente caso, o co-arguido A. G., não prestou declarações em audiência de julgamento, pelo que de acordo com o supra referido preceito legal, não obstante as declarações prestadas em sede de inquérito, poderem ser livremente valoradas pelo Tribunal a quo, no que ao mesmo respeitam, já não o poderiam ser na parte em que se referem os restantes arguidos, pois tendo-se remetido ao silêncio em sede de audiência de julgamento, ficaram os restantes co-arguidos, absolutamente coarctados no seu direito ao contraditório, pois que no interrogatório de arguido detido apenas estiveram presentes o arguido e o seu defensor e, na audiência de julgamento, atento o silêncio do mesmo, viram-se as defesas dos recorrentes impedidas de o confrontar com o teor de tais declarações.
Sendo por tal manifesto que o Tribunal a quo ao fundamentar as condenações dos recorrentes na incriminação decorrente das declarações prestadas pelo co-arguido A. G., prestadas em inquérito, quando, posteriormente em audiência de julgamento, se remeteu ao silêncio, valorou prova proibida, nos termos do disposto no nº 4, do artigo 345º, do Código do Processo Penal.
Cumpre decidir e decidindo:
Resulta da redacção introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, ao artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, que prestando o arguido declarações em sede de inquérito, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, ou perante autoridade judiciária com assistência de defensor e com a legal advertência (artigo 357º, nº 1, alínea b), do Código de processo Penal), poderão as mesmas declarações ser utilizadas na audiência de julgamento, mesmo que o arguido seja julgado na ausência ou não preste declarações, estando sujeitas à regra geral da livre apreciação de prova, estatuída no artigo 127º, do mesmo diploma legal.
Por outro lado resulta inequívoco, do disposto no artigo 345º, do Código de Processo Penal, que se um co-arguido prestar declarações em audiência de julgamento, em prejuízo de outro ou de outros co-arguidos e se recusar a responder às perguntas formuladas, nomeadamente pelos defensores dos imputados co-arguidos, tais declarações não poderão valer como meio de prova.
O artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, estabelece que “o processo criminal tem estrutura acusatória estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.
Sabendo-se nas palavras de Germano Marques da Silva que “o sistema acusatório procura a igualdade de poderes de atuação processual entre a acusação e a defesa, ficando o julgador numa situação de independência, supra «partes», apenas interessado na apreciação objectiva do caso que lhe é submetido pela acusação”, pelo que “o processo inicia-se com a acusação pelo ofendido ou quem o represente e desenvolve-se com pleno contraditório entre o acusador e o acusado, pública e oralmente, perante a passividade do juiz que não tem qualquer iniciativa em ordem à aquisição da prova, recaindo o encargo da prova sobre o acusador”, sendo que “o acusado presume-se inocente até que a sua responsabilidade seja definitivamente definida e em consequência permanece em liberdade no decurso do processo.” Curso de Processo Penal I Noções Gerais, 6ª edição, Verbo 2010, p. 72.
Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 206, este princípio abrange “em particular, o direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo.”
Na fase de julgamento o princípio do contraditório surge de forma expressa no artigo 327º, nº 1, do Código de Processo Penal em que “as questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência são decididas pelo tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados” e no nº 2, em que “os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal”.
“Ao entendermos por esta forma situamo-nos no seguimento daquela que foi afirmada como a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça.
A questão prende-se, em ultima análise, com as próprias finalidades do processo penal que se materializam com a realização da Justiça e a descoberta da verdade material.
As considerações inerentes á especialidade do estatuto do arguido estão presentes na jurisprudência do Tribunal Constitucional quando avalia da relevância do seu depoimento em relação aos coarguidos e ao catálogo de direitos que a estes assiste entre os quais avulta o de exercício do contraditório.
É assim que o mesmo Tribunal professou o entendimento de que é inconstitucional, por violação do art. 32,º, n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos art.º 133.º, 343.º e 345.º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo do outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio.
Por igual forma se pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça considerando que está vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art. 32º, n.º 5 da CRP." (8). Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3) quando refere que "As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova”
É exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo nº4 do artigo 345º do Código de Processo Penal quando proíbe a utilização com meio de prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando aquele declarante se recusar a responder ás perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público; advogado do assistente ou do defensor oficioso”. Ac. STJ, proferido no Processo nº 08P694, relator o Conselheiro Santos Cabral, disponível no site www.itij.pt..
Face a tudo o exposto, resulta inequívoco e Jurisprudencialmente pacífico, que as declarações de co-arguido, produzidas em audiência de julgamento, em prejuízo de um ou mais co-arguidos, não valem como meio de prova, quando não sujeitas ao princípio constitucional do contraditório, estabelecido no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
Se para este tipo de declarações tal entendimento é inequívoco, para as declarações prestadas por co-arguido em inquérito, nos termos do disposto no artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, em caso de exercício do direito ao silêncio pelo co-arguido imputador, já as mesmas serão válidas?
Ou seja, se um co-arguido que prestou determinadas declarações imputadoras relativamente aos demais co-arguidos em sede de inquérito, nos termos do artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, exercer o direito ao silêncio em audiência de julgamento, prejudicando assim o direito ao contraditório dos demais co-arguidos, aquelas suas declarações são válidas como meio de prova relativamente a estes demais co-arguidos, contudo se reproduz aquelas mesmas declarações em audiência de julgamento e, não responde às preguntas efectuadas nomeadamente pelos defensores dos imputados co-arguidos, prejudicando assim o exercício do contraditório por estes, já não podem ser tidas como meio de prova.
Tal não nos parece minimamente razoável ou racionalmente admissível.
Por tal, temos como adaptável o entendimento doutrinariamente e jurisprudencialmente pacífico, relativamente à interpretação do disposto no artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal, que declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, prestadas em inquérito ou em audiência de julgamento, quando subtraídas ao exercício do direito ao contraditório, constitucionalmente estabelecido no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, não podem valer como meio de prova.
Nestes termos e voltando ao presente caso, as declarações prestadas pelo co-arguido A. G., proferidas em inquérito perante Magistrado do Ministério Público, relativamente aos co-arguidos J. M. e A. A., porque o primeiro exerceu o direito ao silêncio em audiência de julgamento, prejudicando de forma grave e absoluta o exercício do contraditório destes últimos, nos termos do disposto no artigo 345º, nº 4, do Código Penal, não poderão ser tidas como meio de prova, relativamente aos mesmos.
Nesta conformidade, resulta que nos autos o único meio de prova directo relativamente aos factos tidos como provados nos pontos, 8, 9, 14 e, 15, respeitantes aos arguidos J. M. e, A. A., são as declarações prestadas em inquérito pelo co-arguido A. G., sendo a demais prova produzida em audiência de julgamento relativamente aos mesmos, depoimento da testemunha B. S., constitui-se como meramente circunstancial, não permitindo fundamentar qualquer convicção sobre os mesmos factos.
Assim, os factos integrantes nos pontos 8, 9, 14 e 15, dos factos provados, relativos aos ora recorrentes J. M. e A. A., deverão passar a integrar o elenco dos factos não provados, por não existir nos autos qualquer meio de prova, que permita fundamentar qualquer convicção sobre a sua ocorrência.
Nos termos do disposto no artigo 431º, alínea b) do Código de Processo Penal, cumpre retirar da procedência do recurso da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, todas as suas legais consequências e, por tal, deverão os arguidos/recorrentes J. M. e, A. A., ser absolvidos da acusação deduzida, porque não provada.
Procedem, pois, nestes termos os recursos interpostos pelos arguidos J. M. e, A. A., ficando assim prejudicadas as demais pelos mesmos suscitadas nas suas peças recursivas.
Sem custas atenta a procedência dos recursos interpostos.


III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Julgar procedentes os recursos interpostos pelos arguidos J. M. e A. A. e, consequentemente, modificar o Acórdão recorrido, passando os factos integradores dos pontos 8, 9, 14 e, 15, dos factos provados, na parte respeitante a estes arguidos, a integrar os factos não provados e, consequentemente, absolver estes mesmos arguidos, da acusação contra si deduzida, porque não provada.

Sem custas atenta a procedência dos recursos interpostos.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Guimarães, 06-11-2017
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Maria José dos Santos de Matos)
(Fernando Monterroso)