Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7605/08.0TBBRG-AN.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) - O prazo de prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual inicia-se com o conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete (artº. 498º, nº. 1 do Código Civil).

II) - O critério estabelecido no artº. 306º, nº. 1 do Código Civil de que o prazo prescricional começa a correr quando o direito puder ser exercido, tem carácter supletivo e, como tal, não prevalece sobre os regimes especiais expressamente previstos nos mencionados artºs 59º, nº. 5 do CIRE e 498º, nº. 1 do Código Civil, no que concerne ao início da contagem do prazo prescricional.

III) - Quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento.

IV) - Assim, o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos.

V) - Nada permite concluir que a contagem do prazo prescricional pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO

I intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, por apenso ao processo de insolvência nº. 7605/08.0TBBRG, que corre actualmente termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, contra a Massa Insolvente de A representada pela Srª. Administradora da Insolvência, e AM, Administradora da Insolvência, pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe:

A) - a quantia de € 415 002,19 referente ao valor das rendas perdidas por via da indevida apreensão do imóvel da Autora;

B) - o valor necessário à reparação dos danos existentes no imóvel dos autos – designadamente os descritos no art°. 61° da petição inicial - e à reposição do mesmo no estado anterior à data da sua apreensão a favor da massa insolvente, devendo relegar-se para liquidação de sentença o apuramento desse valor;

C) - o valor de € 5 553,06 por cada mês de atraso no cumprimento da sua obrigação de entrega do imóvel e de indemnizar a Ré pelos danos verificados e causados no imóvel dos autos, devendo tal quantum indemnizatório ser contabilizado a partir do mês de Julho de 2015 até efectivo e integral cumprimento da obrigação da Ré;

D) - os juros de mora contabilizados sobre os valores peticionados supra, desde a data da citação para a presente acção até efectivo e integral cumprimento da sua obrigação.

Formula, ainda, o pedido no sentido dos créditos peticionados na presente acção serem reconhecidos como dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto nas al. c) e d) do nº. 1 do art°. 51° do CIRE.

Alegou, para tanto, factos indiciadores de responsabilidade civil da Ré Administradora da Insolvência na apreensão indevida e posterior omissão dos deveres de guarda do imóvel da A. que foi vandalizado, impedindo a A. de tirar dele o rendimento invocado e impondo a reparação dos danos causados.

A Ré Massa Insolvente apresentou contestação, na qual além de impugnar a maior parte da factualidade alegada na petição inicial, arguiu as excepções de ilegitimidade da A. e da sua própria ilegitimidade, bem como a prescrição do direito indemnizatório invocado pela A., alegando, em síntese, quanto a esta excepção peremptória, que:

- a A. pretende obter uma indemnização por danos alegadamente sofridos na sequência da apreensão de um imóvel, no âmbito do processo de insolvência de A;

- a Autora, pela mão da sua administradora, entregou as chaves do imóvel à Srª. Administradora da Insolvência (doravante AI) no dia 18/05/2009, data em que o imóvel foi efectivamente apreendido no processo de insolvência;

- assinala a A., que teve conhecimento dos actos de vandalismo e furto do imóvel por via das notícias publicadas em 18/09/2009 pelo Diário do Minho, tendo dado conhecimento desses mesmos factos ao processo principal de insolvência em 7/10/2009, assim como os comunicou à Groupama Seguros, S.A, na qualidade de seguradora do imóvel;

- a Autora confessa, assim, as datas em que teve conhecimentos dos factos, não restando dúvidas quanto à sua localização temporal;

- desde o seu conhecimento dos factos até à data da entrada em juízo da presente acção – em 3/08/2015 - decorreu um lapso de tempo muito superior a três anos, pelo que há muito tempo que o alegado direito indemnizatório se encontra prescrito.

Conclui, pugnando pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade da A. e consequente absolvição das RR. da instância, ou caso assim não se entenda, pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade da 1ª Ré com a sua absolvição da instância, ou se assim não se entender, pela procedência da excepção peremptória da prescrição e sua absolvição dos pedidos formulados pela Autora.

A Ré AM também contestou, impugnando a maior parte da factualidade alegada na petição inicial e arguindo as excepções da incompetência absoluta (em razão da matéria) do Tribunal e a sua própria ilegitimidade, bem como a prescrição do direito indemnizatório invocado pela A., alegando, em síntese, quanto a esta excepção peremptória, que:

- de acordo com o que a própria A. diz, os prejuízos ou danos por ela alegados, correspondentes aos rendimentos que alegadamente deixou de retirar do imóvel resultaram quer da declaração de insolvência da sociedade A, Lda., assim como da apreensão do imóvel em apreço, no processo de insolvência, em 18/05/2009;

- ainda segundo a própria A., os danos supostamente existentes no imóvel decorreram de alegados actos de vandalismo e furto que incidiram sobre o mesmo a partir de Junho de 2009, tendo tomado conhecimento desses danos pela comunicação social em 18/09/2009 e, nesse momento, a A. terá participado o sinistro (vandalismo e furto sobre o imóvel) junto da companhia de seguros que a mesma terá contratado para segurar o imóvel;

- mesmo que se considere não aplicável “in casu” o regime previsto no artº. 59°, nº. 5 do CIRE, nos termos do qual a responsabilidade do AI prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, aplicando-se o regime geral de responsabilidade previsto nos artºs 483° e segtes do Código Civil, a verdade é que o direito de indemnização invocado pela Autora prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável, conforme dispõe o artº. 498°, n°. 1 do Código Civil;

- o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, mas, antes, do conhecimento dos factos constitutivos desse direito, isto é, quando ele sabe que o acto foi praticado ou omitido por alguém e dessa prática ou omissão resultaram para si danos;

- a A. teve conhecimento do seu direito à indemnização, pelos danos correspondentes à perda de rendimento com a apreensão do imóvel, alegadamente sofridos em consequência da suposta actuação das RR., no dia 18/05/2009 (data da apreensão do imóvel no processo de insolvência);

- a A. teve conhecimento do seu direito à indemnização, pelos prejuízos decorrentes dos danos causados no imóvel, alegadamente sofridos em consequência da suposta actuação das RR., no dia 18/09/2009 (data da notícia da ocorrência de actos de vandalismo no imóvel);

- foi a partir dessas datas (18/05/2009 e 18/09/2009) que a A. ficou em condições de exercer o seu direito de indemnização sobre as RR., pelo que o prazo de prescrição conta-se, consoante os alegados danos que estejam em causa, a partir das mesmas;

- tendo a presente acção sido instaurada em 6/08/2015, ou seja, mais de três anos após as supra citadas datas em que a A. tomou conhecimento dos factos e dos direitos que invocou contra as RR., mostra-se decorrido o prazo de prescrição, tanto o previsto no artº. 59°, n°. 5 do CIRE, como o previsto no artº. 498°, n°. 1 do Código Civil.

Termina, pugnando pela procedência da excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal e consequente absolvição das RR. da instância, pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade da 2ª Ré com a sua absolvição da instância, ou pela procedência da excepção peremptória da prescrição dos direitos invocados pela A. e consequente absolvição das RR. dos pedidos formulados pela Autora, pedindo, ainda, a condenação da A. como litigante de má fé em multa e indemnização condigna a favor da 2ª Ré.

Foi realizada a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes a excepções da incompetência absoluta do Tribunal (afirmando a competência do Tribunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia), da ilegitimidade da A. e das RR. (afirmando a legitimidade destas), tendo julgado, ainda, improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito da Autora.

Inconformada com tal decisão, na parte em que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito da Autora, a Ré A dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1. O douto despacho recorrido que julgou improcedente a exceção perentória da prescrição do direito da A. não fez adequada aplicação do Direito aos factos, pelo que deve ser revogado.
2. O objecto do presente recurso prende-se, pois, unicamente, com a questão de saber se o pretenso direito indemnizatório da Autora se encontra prescrito, atendendo a que, qualquer que seja a norma aplicável – o n.º 5 do artigo 59º, do CIRE, ou o n.º 1 do artigo 498º, do Código Civil –, decorreram mais de dois ou três anos sobre o conhecimento pela A. do direito que lhe compete, o qual ocorreu com a data da apreensão do Imóvel, em 18-05-2009, no que concerne ao prejuízo de perda de rendas, e, bem assim, ocorreu com a notícia veiculada pela imprensa, em 18-09-2009, dos atos de furto e vandalismo sobre o Imóvel, no que respeita ao prejuízo pelos danos existentes no Imóvel.
3. Na realidade, o pretenso direito indemnizatório da A., no valor atual e global de €761.612,19 - correspondente ao valor das rendas que a A. alegadamente deixou de retirar do Imóvel, no valor de €415.002,19, e, bem assim, respeitante a um alegado prejuízo decorrente da perda de ganho na venda do Imóvel, no valor de €343.610,00, por via dos danos nele existentes - invocado pela A. está prescrito, pelo decurso do respetivo prazo de prescrição, tanto o previsto no artigo 59º, n.º 5, do CIRE, como o previsto no art. 498.º, n.º 1, do Cód. Civil.
4. Tanto o artigo 59º, n.º 5, do CIRE, como o artigo 498º, n.º 1, do CC (consoante o que se repute aplicável ao presente caso), estabelecem expressamente como início do curso do respetivo prazo de prescrição o conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete.
5. Assim, o disposto na 1ª parte do n.º1 do artigo 306º do CC, relativo ao início do curso do prazo prescricional, tem carácter supletivo e, como tal, – ao contrário do que foi o entendimento do douto despacho recorrido – não prevalece sobre os regimes especiais expressamente previstos quer no artigo 59º, n.º5, do CIRE, quer no artigo 498º, n.º 1, do CC, no que concerne ao início da contagem do prazo prescricional.
6. De facto, no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização, o legislador considerou que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado, embora este desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos [artigos 59º, n.º 5, do CIRE e 498º, nº 1, do CC].
7. Isto significa, portanto, que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização baseada em responsabilidade civil por factos ilícitos residirá no conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, ou seja, no seu conhecimento de que tem direito a ser indemnizado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos
8. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2009, proferido no processo n.º387/08-6 e publicado em www.dgsi.pt, que decidiu que, não obstante a autora só ter tido uma sentença favorável em 12-03-2001 que julgou ilícita a ocupação do quarto pelos réus, o prazo de prescrição do direito indemnizatório pelos danos provocados por essa mesma ocupação iniciou-se a partir do conhecimento pela autora da ilicitude da ocupação, o que ocorreu, na data de 15.04.1997, quando a autora instaurou a ação pedindo aos réus a entrega do quarto.
9. Deste modo, no caso em apreço não é aplicável o disposto no artigo 306º, n.º 1, do CC, pois, sendo inequívoco, como é, que, em matéria de prescrição, são aplicáveis os regimes especiais expressamente previstos no artigo 59º, n.º 5, do CIRE, ou no artigo 498º, n.º 1, do CC, aos direitos indemnizatórios alegados pela Autora, o prazo de prescrição começa a correr a partir do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete.
10. Por isso, no caso em apreço, é irrelevante a data em que a Autora viu atendida a sua pretensão de separar da massa insolvente o Imóvel, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 10-07-2014, para efeitos de início de contagem do prazo prescricional.
11. Isto porque (i) no que concerne à alegada perda de rendimento com a apreensão do Imóvel, a Autora teve conhecimento do direito à indemnização em 18 de Maio de 2009; e (ii) no que respeita aos alegados danos causados no Imóvel, a Autora teve conhecimento do direito à indemnização, em 18 de Setembro de 2009.
12. O essencial é, pois, que a Autora, na sua perspetiva, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu nas supra aludidas datas de Maio e Setembro de 2009, sendo despicienda a consciência ou mesmo a dúvida sobre a possibilidade legal do ressarcimento atendendo à contenda jurídica sobre a apreensão do imóvel pela massa insolvente que estava em curso.
13. Por outro lado, o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, mas, antes, do conhecimento dos factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos, conheça ou não a extensão integral dos mesmos danos.
14. É que o momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos, prazo regra, coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto.
15. Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento.
16. Neste sentido, veja-se o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18 de Abril de 2002, publicado em www.dgsi.pt, com relevância no presente caso, na medida em que nele se decidiu que era irrelevante, para efeitos de contagem do prazo prescricional, a data do trânsito em julgado da sentença da ação de posse judicial avulsa, ocorrida em 21.12.94, que julgou ilegítima a ocupação do imóvel pelos réus e condenou-os a restituir o mesmo à autora (agravante), pois, tendo a autora adquirido o prédio através de venda judicial, em 6 de Maio de 1992, altura em que sabia que os réus o ocupavam (não importa se até então legítima ou ilegitimamente), é evidente que logo na altura da aquisição – 6-05-1992 - teve a autora conhecimento da ilegitimidade posterior da ocupação dos réus.
17. No caso concreto, é, outrossim, irrelevante, para o efeito do conhecimento dos pressupostos da responsabilidade das Rés pela Autora, que no dia 10-07-2014 o Tribunal da Relação de Guimarães tenha reconhecido a propriedade do Imóvel a favor da Autora.
18. Importa repetir e sublinhar que não foi no dia 10-07-2014, com a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o Imóvel, que a Autora teve conhecimento que se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil, que fundamentam o seu pedido indemnizatório na presente ação.

a) Quanto aos danos correspondentes à perda de rendimento, no valor de €415.002,19, com a apreensão do Imóvel;
19. De acordo com o que a própria A. diz, os prejuízos ou danos alegados pela A. correspondentes aos rendimentos que a A. alegadamente deixou de retirar do Imóvel resultaram quer da declaração de insolvência da sociedade A, assim como da apreensão do imóvel ora em apreço no presente processo de insolvência em 18.05.2009.
20. A A. teve, pois, conhecimento do seu direito à indemnização, pelos danos correspondentes à perda de rendimento com a apreensão do Imóvel, alegadamente, sofridos em consequência da, suposta, atuação das Rés, no dia 18 de Maio de 2009 (data da apreensão do imóvel no processo de insolvência).
21. De resto, esse conhecimento pela Autora do seu direito à indemnização por via da ilicitude da apreensão do Imóvel pela massa insolvente é, ainda, evidente pelo facto de esta ter intentado a ação judicial de separação do Imóvel, ao abrigo do artigo 146º, do CIRE, no dia 22 de Maio de 2009. - – cfr. fls. 34 vº a 38 dos autos.
22. Realce-se, ainda, que, no caso em apreço, a alegada perda contínua de rendas (entre os anos 2009 e 2015) não é suscetível de afetar o termo inicial de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, seja de modo a deferir o seu início para o momento da cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo.
23. Isto porque a alegada perda das rendas dos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 não constituem um novo dano em relação à perda das rendas relativas ao ano de 2009, mas, antes, são danos que se traduzem num mero agravamento quantitativo de um dano anterior e inicial equivalente às rendas de 2009.
24. Pelo que a alegada perda contínua de rendas nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 não são danos suscetíveis de afetarem o termo inicial de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, o qual ocorreu no dia 18 de Maio de 2009 (data da apreensão do imóvel no processo de insolvência).
25. Assim sendo, o prazo de prescrição do direito à indemnização no valor de €415.002,19, pelos danos correspondentes à perda de rendimento com a apreensão do Imóvel, conta-se a partir de 18 de Maio de 2009, pelo que o mesmo direito há muito prescreveu.

b) Quanto aos prejuízos decorrentes dos alegados danos causados no Imóvel, alegadamente, sofridos em consequência de atos de furto e vandalismo;
26. Segundo a própria A., os danos supostamente existentes no Imóvel decorreram de supostos atos de vandalismo e furto que incidiram sobre o mesmo imóvel a partir de Junho de 2009.
27. A A., de acordo com o que ela própria diz, tomou conhecimento desses danos pela comunicação social em 18.09.2009 (vide, designadamente, arts. 45º a 48º, da petição inicial).
28. Além de que, por requerimento datado de 07-10-2009 (cfr. doc. 16 da PI) e remetido ao apenso “N” dos presentes autos de insolvência, a própria Autora reconheceu expressamente que sabia que os atos de furto e de vandalismo tinham sido praticados sobre o Imóvel e que os mesmos teriam ocorrido por omissão de vigilância das aqui Rés e que dessa prática ou omissão resultaram para si, enquanto “legítima proprietária” do imóvel, danos de “largos milhares de euros”, sendo, também, certo que a Autora deu conhecimento desses factos aos autos e requereu que o Tribunal determinasse a entrega provisória do imóvel, para que a mesma Autora pudesse obviar a que nele fossem produzidos mais prejuízos.
29. Assim, a A. teve conhecimento do seu direito à indemnização, pelos prejuízos decorrentes dos alegados danos causados no Imóvel, alegadamente, sofridos em consequência da, suposta, atuação das Rés, no dia 18 de Setembro de 2009 (data da notícia da ocorrência de atos de furto e vandalismo no Imóvel).
30. Estas foram as datas – 18 de Maio de 2009 e 18 de Setembro de 2009 - em que a Autora tomou conhecimento da alegada situação danosa causada pela suposta atuação das Rés, pelo que foi a partir dessas datas que a Autora ficou em condições de exercer o seu direito de indemnização sobre as Rés, não obstante a circunstância de a Autora só ter tido uma decisão favorável sobre a apreensão do imóvel em 10-07-2014.
31. Assim sendo, o prazo de prescrição conta-se, respetivamente e consoante os alegados danos que estejam em causa, a partir de 18 de Maio de 2009 e 18 de Setembro de 2009.
32. A presente ação foi instaurada em 6 de Agosto de 2015 (cfr. art. 323º, n.º 1, do CC), ou seja, (muito) mais de três anos após as supra citadas datas em que a A. tomou conhecimento dos factos e dos direitos que invocou contra as Rés, verificando-se, por conseguinte, ter decorrido o prazo da prescrição do direito da A., tanto o previsto no artigo 59º, n.º 5, do CIRE, como o previsto no art. 498.º, n.º 1, do Cód. Civil.
33. Por isso, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos ora em apreço, ao ter considerado que o facto de terem decorrido mais de três anos (para não falar dos dois anos a que se refere o n.º 5 do art. 59º do CIRE) sobre o conhecimento dos factos lesivos pela A. não releva para efeitos de início de contagem do prazo prescricional, uma vez que aquela A. não podia pedir indemnização sem estar definido que ela era a proprietária do imóvel apreendido.
34. Assim, o tribunal “a quo”, ao ter julgado improcedente a invocada exceção perentória de prescrição do direito indemnizatório da Autora, violou, entre outros, o artigo 59º, n.º 5, do CIRE, os artigos 304º, 306º e 498.º, n.º 1, todos do CC, e os artigos 576º, n.º 3 e 579º, todos do CPC.
35. O douto despacho recorrido merece, pois, censura e deve ser revogado, porquanto errou na aplicação do direito aos factos.

Termina entendendo que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 35vº.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela 2ª Ré, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à questão de saber se o pretenso direito indemnizatório da Autora se encontra prescrito, nos termos do artº. 59º, nº. 5 do CIRE ou do artº. 498º, nº. 1 do Código Civil.

Na decisão recorrida foram considerados assentes, com relevância nesta matéria, os seguintes factos alegados pela Autora [transcrição]:

1 – A insolvência da sociedade A. foi decretada em 28.1.2009 e registada em 12.3.2009 – fls. 20;

2 – A Sr.ª Administradora da Insolvência procedeu a apreensão do imóvel em causa em 18.5.2009, com mudança de chaves e consequente impedimento de acesso do A. ao prédio – n.ºs 35 e 36 da petição.

3 – A A. tomou conhecimento, pelo Diário do Minho de 18.9.2009, dos actos de furto e vandalismo do seu imóvel aqui em causa, factos noticiados com o seguinte título:

“Larápios levaram cobre de empresa falida sem segurança
Agrovil roubada e vandalizada após ter fechado portas em Junho” – fls. 87.

4 - A A. alegou, neste ponto, o seguinte:

45. Após o acto de apreensão foi noticiado nos jornais locais, em 18.09.2009, a ocorrência de actos de vandalismo e furto no interior do imóvel - cfr. notícia publicada no Diário do Minho que aqui se junta sob o doc. n.° 13 e cujo respectiva teor se dá como integralmente reproduzido.

46. Segundo a informação publicada, estes actos de vandalismo e furto terão ocorrido em Junho de 2009, acrescentando que o "trabalho feito pelos larápios faz prever que a subtracção do material tenha exigido com certeza vários dias de trabalho",

47. sendo que, quem detinha a obrigação da guarda e conservação do imóvel - a Sra. Administradora de Insolvência - apenas terá verificado tais incidentes em 17 de Setembro, o que demonstra que o imóvel, depois da apreensão, foi colocado em total situação de abandono.

48. Os representantes da Autora, tendo tido tomado conhecimento destes factos pela comunicação social, participaram o sinistro junto da companhia de seguros que contrataram para segurar o imóvel, a GROUPAMA SEGUROS, S.A..

5 - Em 22.05.2009, a Requerente intentou a acção judicial contra a Massa Insolvente, a Insolvente e seus demais credores, nos termos do disposto no art.° 146.° do CIRE, pedindo a final o seguinte:

"Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser a Insolvente, todos os credores e o respectivo Administrador condenados:

I. A reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio urbano identificado no articulado da presente PI;

II. A entregar imediatamente as chaves do imóvel sub judice à aqui Autora repondo-se as fechaduras e portas do mesmo nos exactos termos em que se encontravam.

III. A remover imediatamente os equipamentos (maquinaria) existentes no interior do imóvel, dos quais não é proprietária." – fls. 34 vº a 38

6 - O indicado processo correu sob o "apenso N" ao presente processo.

7 – Julgada a acção improcedente – e procedente a reconvenção - no âmbito do recurso interposto da sentença proferida em primeira instância do processo n.° 7605/08.OTBBRTG-N, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 11.07.2014, condenou a massa insolvente de A, e mais Réus, a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio urbano em apreço, bem como a entregar imediatamente as chaves daquele imóvel à sua legitima proprietária, repondo-se as fechaduras e portas do mesmo nos exactos termos em que se encontravam, e a remover imediatamente os equipamentos (maquinaria) existentes no interior do imóvel dos quais não é proprietária – fls. 116 a 164, maxime, 164.

8 - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão proferido em 25.11.2014, no âmbito do processo n.° 7605/08.0TBBRG-N.G2.S1 – fls. 57 a 67.

9 – Do decidido pelo STJ foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que, por decisão sumária de 14.5.2015, não tomou conhecimento do recurso.

10 – A presente acção entrou em 3.8.2015 – fls. 200


*

Apreciando e decidindo.

Na decisão sob censura julgou-se improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito da Autora, com os seguintes fundamentos [transcrição parcial]:

“O n.º 1 do art. 498.º do CC dispõe:

1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

À vista de tão clara norma, qualquer intérprete menos avisado será levado a concluir – como concluíram as ora RR. e Chamada – que, por terem decorrido mais de três anos (para não falar dos dois anos a que se refere o n.º 5 do art. 59.º do CIRE) sobre o conhecimento dos factos lesivos pela A., estaria o seu direito prescrito.

Quem assim opina esquece o disposto na primeira parte do n.º 1 do art. 306.º do CC que reza assim:

1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido;

São do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Ex.mo Conselheiro ALVES VELHO) de 20.3.2014, no Processo 420/13.0TBMAI.P1.S1, os seguintes ensinamentos:

«4. 3. 1. - Na prescrição, o prazo reflecte o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá, naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com exigibilidade, do crédito. É o que se encontra consagrado nos arts. 306º e 307º C. Civil.

Constitui um facto extintivo autónomo do direito do credor, a invocar pelo devedor interessado, facto esse que se traduz na oposição de uma não exigibilidade do crédito reclamado (recusa ou oposição ao exercício), operada pelo decurso do tempo – art. 304º-1 C. Civil.

Sendo a prescrição – diferentemente do que sucede na caducidade, em que se limita o exercício dum direito – uma limitação de exigibilidade, pode acontecer que a mesma não seja contemporânea da formação do direito, pois que apenas se verifica a partir dessa exigibilidade e, portanto, porque a exigibilidade vive associada ao vencimento da obrigação, em momento posterior à formação do direito.

Por isso se diz que a prescrição paralisa um direito exigível por insatisfeito, regendo o prazo de prescrição a exigibilidade de um direito preexistente, actuando em fase posterior ao seu nascimento, na fase ulterior do vencimento (cfr. ANÍBAL DE CASTRO, “A Caducidade”, 2ª ed., 49, 59 e 103).

Assim, o prazo prescricional deve começar a correr no momento em que o direito, exigível, pode ser exercido.

De ter presente ainda que, como, a este propósito, escreveu o Prof. VAZ SERRA, in “Prescrição e Caducidade” (BMJ 105º-190 e ss.), “o tempo legal de prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito”, não sendo de aceitar uma solução que faça “correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito”.

Em conclusão, o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objectiva, no aspecto jurídico – e não de mero facto -, das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas («impedimentos de natureza jurídica») que impeçam o exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição (cfr. A. e loc. cit., 193-194).»

No nosso caso, não se questiona que aos direitos exercitados pela Autores é aplicável, em matéria de prescrição, o disposto no art. 498º C. Civil, ou seja, estão sujeitos a extinção, pelo não exercício, “no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo, a contar do facto danoso”.

Mas não é menos certo que a A. não podia pedir indemnização pela indevida apreensão ou pelos danos originados pela omissão do dever de guarda sem estar definido que ela era proprietária do imóvel apreendido e vandalizado.

Com que fundamento se apresentaria a A. ao tribunal a demandar as RR por apreensão indevida de imóvel e a pedir indemnização por danos nele causados sem estar assente que o prédio era seu?

A pendência da acção para restituição ou separação do imóvel da massa funcionava como interrupção do prazo de prescrição, à semelhança do que acontece com o acidente de viação que originou processo crime em curso e foi muito bem explicado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.2.2014, no Processo 41/13.8T2SVV-A.P1, no seguimento de jurisprudência uniforme do STJ: (…)

A A. só viu atendida a sua pretensão de separar da massa o imóvel apreendido com a decisão da Relação de Guimarães de 10.7.2014, confirmada pelo Supremo em 25.11.2014 e em 18.2.2015, em Acórdão que desatendeu arguição de nulidade e de inconstitucionalidade daquele Acórdão de 25.11.2014 (fls. 71).

Ainda que se entenda estar a A. em condições de exercitar os seus direitos após a decisão da Relação de Guimarães por não ter o recurso para o Supremo efeito suspensivo – art. 676.º do CPC – é manifesto que entre aquela decisão de 10.7.2014 e a propositura da presente acção, em 3.8.2015, passou pouco mais de um ano. Longe, pois, dos dois anos do n.º 5 do art. 59.º do CIRE ou dos três anos do n.º 1 do art. 498.º do CC.”

A presente acção encontra-se sustentada na responsabilidade civil extracontratual, pretendendo a A. que as RR. sejam condenadas no pagamento de uma indemnização por danos alegadamente derivados da sua actuação, na sequência da apreensão indevida de um imóvel no âmbito do processo de insolvência da sociedade A. e posterior omissão dos deveres de guarda do imóvel da A. que foi alvo de furto e de actos de vandalismo, impedindo a A. de retirar dele o rendimento invocado e impondo a reparação dos danos causados.

Em face da factualidade apurada nos autos, a questão que se coloca consiste em saber se ocorreu a prescrição do alegado direito indemnizatório da Autora, atendendo a que, qualquer que seja a norma aplicável – o artº. 59º, nº. 5 do CIRE ou o artº. 498º, nº. 1 do Código Civil – decorreram mais de dois ou três anos sobre o conhecimento pela A. do direito que lhe compete, resultando dos factos assentes que tal conhecimento ocorreu na data da apreensão do imóvel, em 18/05/2009, no que concerne ao prejuízo de perda de rendas e, bem assim, ocorreu com a notícia veiculada pela imprensa, em 18/09/2009, dos actos de furto e vandalismo sobre o imóvel, no que respeita ao prejuízo pelos danos causados no imóvel.

De acordo com o disposto no artº. 59º, nº. 5 do CIRE, a responsabilidade do administrador da insolvência (como é a aqui recorrente) prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.

Em todo o caso, mesmo que se considere que o regime de responsabilidade previsto neste dispositivo legal não é aplicável “in casu”, deve aplicar-se o regime geral de responsabilidade civil previsto nos artºs 483º e segtes do Código Civil. E estando em causa a responsabilidade civil extracontratual, o direito à respectiva indemnização prescreve no prazo de três anos (artº. 498º, nº. 1 do Código Civil).

Ou seja, tanto o artº. 59º, nº. 5 do CIRE, como o artº. 498º, nº. 1 do Código Civil, estabelecem expressamente como início da contagem do respectivo prazo de prescrição o conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete.

Como vem sendo entendido pela jurisprudência, o critério estabelecido no artº. 306º, nº. 1 do Código Civil de que o prazo prescricional começa a correr quando o direito puder ser exercido, tem carácter supletivo e, como tal – ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida – não prevalece sobre os regimes especiais expressamente previstos nos mencionados artºs 59º, nº. 5 do CIRE e 498º, nº. 1 do Código Civil, no que concerne ao início da contagem do prazo prescricional.

Neste sentido veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 2/07/2009 (proc. nº. 387/08-6, acessível em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que, não obstante a A. só ter tido uma sentença favorável em 12/03/2001 que julgou ilícita a ocupação do quarto pelos RR., o prazo de prescrição do direito indemnizatório pelos danos provocados por essa mesma ocupação iniciou-se a partir do conhecimento pela A. da ilicitude da ocupação, o que ocorreu em 15/04/1997, quando a A. instaurou a acção pedindo aos RR. a entrega do quarto, referindo-se, ainda, que:

«O conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorreram por virtude de certo facto ou actuação, não necessitando o lesado de saber o quantum de indemnização a que tem direito.

O essencial é que saiba que tem direito a indemnização pela ocorrência, verificação e concretização – na sua perspectiva e independentemente da razão que lhe possa, ou não, vir a assistir – dos pressupostos fácticos que subjazem ao prejuízo e que fundamentam a responsabilidade.

Por outro e, em princípio, o prazo da prescrição inicia-se logo a partir do momento em que a infracção foi cometida».

Deste modo, no caso em apreço não é aplicável o disposto no artº. 306º, nº. 1 do Código Civil, pois sendo aplicáveis, em matéria de prescrição, os regimes especiais previstos no artº. 59º, nº. 5 do CIRE, ou no artº. 498º, nº. 1 do Código Civil, aos direitos indemnizatórios alegados pela Autora, o prazo de prescrição começa a correr a partir do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete.

Por isso, é irrelevante a data em que a A. viu reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel e atendida a sua pretensão de restituição e separação do imóvel da massa insolvente, por acórdão da Relação de Guimarães de 10/07/2014, para efeitos de início de contagem do prazo prescricional. Isto porque (i) no que concerne à alegada perda de rendimento com a apreensão do imóvel, a A. teve conhecimento do direito à indemnização em 18/05/2009; e (ii) no que respeita aos alegados danos causados no imóvel pelos actos de vandalismo, a A. teve conhecimento do direito à indemnização em 18/09/2009.

Como é sustentado no acórdão do STJ de 18/04/2002 (proc. nº. 02B950, relator Cons. Araújo de Barros, acessível em www.dgsi.pt), quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., 1989, pág. 596).

Assim, o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos.

Ainda a respeito do início da contagem do prazo de prescrição se pronunciou o acórdão do STJ de 23/06/2016, relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes (proc. nº. 54/14.2TBCMN-B, acessível em www.dgsi.pt), no qual se refere que «o lesado tem o ónus de agir judicialmente a partir da sua percepção dos pressupostos da responsabilidade civil.

Nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente. A ilicitude do agente constitui um dos diversos pressupostos do direito de indemnização e, por isso, faz todo o sentido que seja apreciado no âmbito da acção em que seja reclamado o ressarcimento dos danos imputados a uma conduta ilícita do agente.

(…)

Para que aqueles objectivos sejam alcançados, o legislador consignou que o início de contagem do prazo apenas exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a percepção da titularidade do direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu (Rev. dos Trib., ano 86º, pág. 159), reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da actuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização (Acs. do STJ de 27-11-73, BMJ 231º/162 e de 6-10-83, BMJ 330º/495).»

No caso presente, a A. logo que tomou conhecimento do seu direito à indemnização por via da ilicitude da apreensão do imóvel pela AI para a massa insolvente, no dia 18/05/2009 (data da apreensão do imóvel no processo de insolvência) e pelos danos causados no imóvel de que é proprietária, em virtude da ocorrência de actos de furto e vandalismo, conhecimento esse que lhe adveio da comunicação social em 18/09/2009, deparou-se com todos os pressupostos necessários ao exercício do direito de acção indemnizatória, posto que ainda não conhecesse a amplitude total dos danos, que a sua produção se protelasse no tempo ou que o reconhecimento do direito de indemnização exigisse a demonstração da prática de actos ilícitos por parte das Rés.

A simples eventualidade de, porventura, não vir a ser reconhecido, na acção declarativa que instaurou, o seu direito de propriedade sobre o imóvel e a entrega do mesmo à A., ou a ilicitude da actuação das RR., não permite que se conclua, como defendeu a 1ª instância, que o início do prazo prescricional foi diferido para a data do trânsito em julgado da sentença. Tal facto apenas se repercutiria na improcedência do pedido de indemnização que deveria (poderia) ter sido deduzido cumulativamente ou em acção autónoma, mas interposta dentro do prazo de 3 anos previsto no artº. 498º, nº. 1 do Código Civil, assente no pressuposto da demonstração de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

É o que sucede quotidianamente nas acções para defesa da propriedade, maxime nas acções de reivindicação ou nas acções possessórias. Perante a coexistência de factos ilícitos e causadores de danos, é comum que as pretensões para defesa da propriedade ou da posse surjam cumuladas com as pretensões indemnizatórias, sem que obviamente o exercício do direito de indemnização fique condicionado pelo reconhecimento do direito de propriedade ou da posse e, portanto, sem que o interessado possa invocar que apenas “teve conhecimento do direito de indemnização” com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito de propriedade ou a posse (cfr. acórdão do STJ de 23/06/2016, relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes supra referido).

Em suma, sendo as datas de 18/05/2009 e 18/09/2009 aquelas em que a A. tomou conhecimento da alegada situação danosa causada pela suposta actuação das RR., foi a partir dessas datas que a A. ficou em condições de exercer o seu direito de indemnização sobre as RR., não obstante a circunstância de a Autora só ter tido uma decisão favorável sobre a apreensão do imóvel em 10/07/2014.

Assim sendo, o prazo de prescrição conta-se, respectivamente e consoante os alegados danos que estejam em causa, a partir de 18/05/2009 e 18/09/2009.

Tendo a presente acção sido instaurada em 3/08/2015 (ponto 10 dos factos provados), ou seja, mais de três anos após aquelas datas em que a A. tomou conhecimento dos factos e dos direitos que invocou contra as RR., teremos de concluir que decorreu o prazo da prescrição, quer o previsto no artº. 59º, nº. 5 do CIRE, como o previsto no artº. 498º, nº. 1 do Código Civil.

Nestes termos, terá de proceder o recurso de apelação interposto pela 2ª Ré.


*

SUMÁRIO:

I) - O prazo de prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual inicia-se com o conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete (artº. 498º, nº. 1 do Código Civil).

II) - O critério estabelecido no artº. 306º, nº. 1 do Código Civil de que o prazo prescricional começa a correr quando o direito puder ser exercido, tem carácter supletivo e, como tal, não prevalece sobre os regimes especiais expressamente previstos nos mencionados artºs 59º, nº. 5 do CIRE e 498º, nº. 1 do Código Civil, no que concerne ao início da contagem do prazo prescricional.

III) - Quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento.

IV) - Assim, o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos.

V) - Nada permite concluir que a contagem do prazo prescricional pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Ré A e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando-se procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora e absolvendo-se as RR. do pedido contra elas formulado.

Sem custas.

Notifique.



Guimarães, 25 de Maio de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)



________________________________________________
(Maria Cristina Cerdeira)



________________________________________________
(Espinheira Baltar)


_____________________________________
(Eva Almeida)