Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2051/17.7T8GMR.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
TABELAS FINANCEIRAS E FÓRMULAS MATEMÁTICAS
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio (com as alterações que lhe foram sendo introduzidas, designadamente pela Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho) não vincula ou limita o Tribunal na fixação dos danos.

II - Nessa fixação não se deve confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, antes devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, tendo o julgador em conta, para o efeito, as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida e da criteriosa ponderação dos factos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

M. L., na acção declarativa com processo comum que move à “Companhia de Seguros X Portugal S.A.”, veio peticionar a condenação da Ré a pagar-lhe a quantias de:

- € 3.151,20, a título de perdas salariais;
- € 1.500,00, a título de despesas com deslocações para os hospitais;
- € 150,00 de roupas e calçado;
- € 2.000,00, a título de despesas de farmácia, fraldas e artigos de higiene;
- € 10.453,66, a título de perdas patrimoniais resultantes da incapacidade para o trabalho provocada pelo acidente;
- € 646,38, pelos dias de internamento;
- € 8.870,40, a título de despesas causadas com a contratação de terceira pessoa, durante o período em que esteve imobilizada;
- € 3.000,00, a título de despesas com 3ª pessoa, pelos últimos meses de baixa médica da A.;
- € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais;
- € 3.000,00, a título de dano estético;
- correspondente aos encargos médicos e medicamentosos que se vierem a revelar necessários para o tratamento da A., no futuro e no caso de agravamento da sua situação clínica.
- juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

Alegou para o efeito que o montante peticionado corresponde aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência de acidente de viação que consistiu na colisão de veículo automóvel segurado pela Ré em veículo automóvel conduzido pela Autora, causado por culpa exclusiva de condutor do primeiro.
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A Ré contestou (fls. 28), impugnando parcialmente a versão do acidente apresentada pela Autora e o apuro dos danos alegadamente sofridos por esta.
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Citado, o “Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, IP” deduziu (fls. 61 e ss.) pedido de reembolso do montante de € 832,20 pago à Autora a título de concessão provisória de subsídio de doença, durante o período de incapacidade temporária para o exercício da actividade profissional entre 17.09.2014 e 27.12.2014.
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Elaborou-se o despacho saneador (fls. 69 e ss.) identificando o objecto do litígio, enunciando os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos meios de prova requeridos pelas partes e realização de perícia para avaliação do dano corporal à pessoa da Autora, de que foi junto relatório de fls. 111 a 113 dos autos.
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Por despacho proferido a 16.05.2018 (fls. 118), transitado em julgado, foi admitida a ampliação do pedido, formulada pela Autora a fls. 116 v.º.
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Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora, condenando a Ré a pagar-lhe a quantia total de € 24.236,38 (vinte e quatro mil, duzentos e trinta e seis euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos e vincendos sobre a quantia de € 11.736,38 (onze mil, duzentos e trinta e seis euros e trinta e oito cêntimos) desde a data da citação, e vincendos sobre a quantia de € 12.500,00 (doze mil euros) desde a presente data, em ambos os casos até efectivo e integral pagamento, no mais julgando improcedente a parte restante do pedido formulado pela Autora, nessa parte se tendo absolvido a Ré.
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II. O Recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio o A. apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

1 – O douto Tribunal “a quo”, apesar de ter referido que a medida de indemnização será dada não só pelo prejuízo causado (danos emergentes), mas também pelos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes), não o fez no caso concreto.
2 – Os factos considerados não provados em nºs 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, e 15 deviam ter sido considerados provados.
3 – E em consequência da resposta a dar aos factos acima referidos, deve alterar-se a resposta dada em nºs 14 e 15 dos factos provados, alterando os montantes aí mencionados, sendo que relativamente ao nº14 deve ser considerado o montante de € 150,00 e ao nº15 o montante de € 2.000,00.
4 – Por tudo o que se passou na audiência de julgamento, e também por toda a prova documental e testemunhal trazida aos autos, a douta decisão devia ter ido mais longe, atribuindo á recorrente montantes bem superiores àqueles que foram.
5 – Conforme a sentença admite, este acidente alterou irremediavelmente a vida da recorrente, e de todo o seu agregado familiar, lançando-a para uma cama de hospital e confinando-a a uma cama durante dois meses e ainda a um quarto durante três meses.
6 – Ao considerar provados os factos de nºs 10 a 27, dos factos provados, nunca podia ter arbitrado os montantes indemnizatórios que atribuiu.
7 – O douto Tribunal “a quo” devia ter aplicado a tabela publicada pela Portaria nº377/2008 de 26 de Março, que prevê o pagamento de montantes bem superiores àqueles que foram fixados à recorrente.
8 – Ao não aplicar a referida tabela na fixação da indemnização à recorrente, incorreu o douto tribunal em erro de julgamento.
9 – Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 646,38 referente a 21 dias de internamento hospitalar.
10 – Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 8.870,40 a título de pagamento de ajuda doméstica temporária, durante os primeiros sessenta dias, em que a recorrente necessitou de cuidados permanentes da sua irmã, calculados a € 6,16 por cada hora.
11 – Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 750,00 por cada um dos quatro meses subsequentes, em que a recorrente necessitou também dos cuidados da sua irmã, o que totaliza 3.000,00.
12 – Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 10.453,66 a título de perdas patrimoniais resultantes da incapacidade permanente para o trabalho.
13- O douto Tribunal a quo, não se pronunciou quanto ao pedido de fixação de indemnização por danos laborais, pelo que incorreu em erro de julgamento, por omissão de pronuncia.
14– Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais com a violação do direito à integridade física e psíquica, atendendo a que a recorrente possuía 39 anos de idade à data do acidente, e lhe foi fixado um grau de incapacidade geral de 5%.
15– Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 1.000,00 a título de quantum doloris, atento o grau 4.
16– Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 2.000,00 de fraldas, artigos de higiene e despesas de farmácia peticionados.
17– Devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 1.500,00 a título de despesas com deslocações para os Hospitais.
18– Ao não arbitrar à recorrente os montantes acima referidos, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento.
19– Deve substituir-se a douta sentença proferida nos doutos autos, por outra que, atribua à recorrente indemnizações nos montantes por si requeridos por serem aqueles que correspondem aos danos por esta suportados com o referido acidente de viação, os quais apenas pecam por defeito.
Assim se fazendo JUSTIÇA
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito

Como resulta do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do NCPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, compreendendo-se tal exigência, porquanto são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cf. ainda arts. 608.º, n.º 2 e 635.º, n.º. 4 do mesmo Código).
O objecto do recurso é, assim, delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608,º, n.º 2, 635.º, nº. 4 e 639.º, n.º. 1, todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, o objecto do presente recurso circunscreve-se a apurar se a indemnização fixada peca por defeito.
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Fundamentação de facto

Factos provados

1. No dia 16 do mês de Setembro de 2014, cerca das 18h25m, na Estrada Nacional n.º 14, ao Km 23,300, na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, deu-se um acidente de viação em que foram intervenientes os seguintes veículos ligeiros de passageiros que circulavam no sentido Trofa – Vila Nova de Famalicão: de marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula AV, pertencente e conduzido por P. M.; de marca Audi, modelo A3, com a matrícula AA, pertencente e conduzido por J. P.; e de marca Daewoo, modelo Matiz, com a matrícula OF, pertencente e conduzido pela Autora (artigos 1º a 5º da p.i.);
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no facto provado número 1, o OF circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o aludido sentido de marcha Trofa – Vila Nova de Famalicão, numa recta onde existia uma fila de trânsito nessa mesma direcção, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula AV circulava pela metade direita da faixa de rodagem atento o mesmo sentido de marcha (artigos 6º e 7º da p.i.);
3. O condutor do veículo de matrícula AV circulava a velocidade superior a 70 Km/hora, distraído da fila de trânsito existente e visível à sua frente, tendo embatido na parte de trás e lateral direita do veículo OF (artigos 8º, 9º, 13º e 14º da p.i.);
4. Originando que o OF, por força da colisão, fosse projectado e embatesse na parte de trás do veículo ligeiro de passageiros de matrícula AA que circulava imediatamente à sua frente e na mesma fila de trânsito (artigos 10º e 12º da p.i.);
5. No local do acidente o traçado da estrada é uma recta com mais de 200 metros de extensão (artigo 14º da p.i.);
6. Na ocasião do acidente, era fim de tarde, chuviscava e o pavimento da estrada estava molhado (artigos 11º e 14º da p.i.);
7. Após o acidente, a Autora foi socorrida, no local, por uma equipa do VMER e, posteriormente, transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Médio Ave de Vila Nova de Famalicão, onde foi atendida, observada e ficou internada durante três semanas (artigo 17º da p.i.);
8. Através dos exames aí realizados – RX e TAC pélvico – a Autora revelou os seguintes traumatismos resultantes do acidente: - fractura do sacro com comprometimento da articulação sacroilíaca; - fractura bilateral dos ramos iliopúbicos à direita, com extensão ao pilar anterior do acetábulo; - fractura do ramo isquiopúblico e tuberosidade isquiática à direita (artigo 26º da p.i.);
9. Em 30 de Julho de 2015, a Autora realizou RXs que revelaram: - esclerose de ambas as articulações sacroilíacas; e - ligeira protusão anterior dos segmentos coccígeos (cfr. artigo 35º da p.i.);
10. Em consequência das lesões sofridas no acidente a que se reportam os presentes autos, a Autora: A) Ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes: Ráquis: digitopressão dolorosa na região coccígea; Períneo: discreta redução da abdução da coxo-femural direita, com queixas de dor nos ângulos terminais, não apresentando alterações dos arcos de mobilidades na flexão. Anca dolorosa; B) Sofreu um período de Repercussão Temporária da Actividade Profissional Total de 164 dias, dos quais 55 dias de Défice Funcional Temporário Total e 109 dias de Défice Funcional Temporário Parcial, com consolidação médico-legal das lesões a 26.02.2015; C) Sofreu Quantum Doloris fixável no grau 4 de uma escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus; D) Ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, embora implicando esforços suplementares (artigos 36º a 38º, 40º e 41º da p.i.);
11. Em consequência das lesões sofridas no acidente em apreço, a Autora esteve impedida de realizar a sua actividade profissional entre 16 de Setembro de 2014 e 26.02.2015 (artigo 47º da p.i.);
12. A A. exercia, à data do acidente, a actividade de costureira, auferindo o salário mínimo nacional de € 485,00 (artigo 48º da p.i.);
13. Depois da alta hospitalar, a Autora foi acompanhada no Hospital de Santa Maria, a expensas da Ré (artigo 33º da p.i.);
14. Devido ao acidente ficaram inutilizadas as calças, a camisa e os sapatos da Autora, no valor total de € 100,00 (artigo 55º da p.i.);
15. Em despesas de farmácia, consultas médicas, fraldas e toalhetes de higiene, a A. despendeu a quantia de € 118,58 (artigo 56º da p.i.);
16. A Autora é surda-muda e depende dos seus outros sentidos para conseguir gerir o seu dia-a-dia (artigo 44º da p.i.);
17. Pelo facto de a A. ser surda-muda necessitava de ser acompanhada por terceiros nas deslocações aos hospitais (artigo 53º da p.i.);
18. Depois da alta hospitalar e durante cerca de um mês, A. esteve acamada, impedida de se movimentar, de modo a curar as lesões sofridas no acidente (artigo 29º da p.i.);
19. Durante o mês subsequente só se movimentava em cadeira de rodas, dependendo para o efeito de terceiros (artigo 30º da p.i.);
20. Após o que a Autora necessitou de ajuda de canadianas para se deslocar (artigo 32º da p.i.);
21. Durante os dois primeiros meses subsequentes à sua alta hospitalar, a Autora ficou dependente da ajuda de terceiro para realizar as necessidades básicas da sua vida quotidiana (artigos 28º e 58º da p.i.);
22. Para dela cuidar, durante o dia e durante a noite, a irmã da Autora deslocou-se para casa desta com a família (artigos 31º, 59º e 60º da p.i.);
23. Por causa das lesões sofridas no acidente, a Autora teve dores, traumatismo psicológico e perdeu noites de sono durante toda a sua recuperação (artigos 68º a 70º da p.i.);
24. O facto de ter estado totalmente imobilizada durante quase dois meses, limitada a um quarto durante quase três meses e de não poder deslocar-se à casa de banho durante o tempo em que esteve acamada, vendo-se constrangida a usar fraldas, causou à Autora sofrimento e perturbação emocional (artigos 71º e 72º da p.i.);
25. A imobilidade a que a Autora foi sujeita, impediu-a de sair, de estar com os seus amigos e de conviver em sociedade, o que fez diminuir a sua auto-estima (artigos 73º a 75º da p.i.);
26. A Autora ficou temporariamente com medo de andar na estrada (artigo 80º da p.i.);
27. As lesões que sofreu provocaram à Autora receio quanto ao seu futuro (artigo 81º da p.i.);
28. A Autora nasceu no dia ......1975 (cfr. certidão de assento de nascimento junta a fls. 76 dos autos);
29. Por contrato de seguro, válido e eficaz à data do acidente, celebrado entre P. M. e a “Companhia de Seguros X Portugal, S.A.”, titulado pela apólice n.º …, foi transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros, emergente da circulação do veículo com a matrícula AV (cfr. apólice junta a fls. 30 e ss. dos autos);
30. A Autora encontra-se inscrita como beneficiária do Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, sob o n.º …, tendo-lhe sido pago, a título de subsídio de doença no período de 17.09.2014 a 27.12.2014, o montante de 832,20, correspondendo a um montante diário de € 8,90 (cfr. certidão junta a fls. 63 dos autos).
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Factos Não Provados

1. A Autora: obteve a consolidação médico-legal das lesões sofridas, em 30 de Março de 2015; padeceu de ITA até 30 de Março de 2015, num período total de 195 dias; ficou com uma IPP de 9,7500%; apresenta como sequela, no membro superior direito, cicatriz normocrómica localizada na face látero-posterior do terço médio do braço medindo 7x1cm (artigos 36º a 38º e 40º da p.i.);
2. A A. sofre constantes dores e tem cefaleias que a impedem de levar uma vida normal (artigo 43º da p.i.);
3. Em consequência directa e necessária das lesões sofridas, a A. não possui a totalidade das capacidades que em tempos possuía, para o desempenho da sua função profissional (artigo 46º da p.i.);
4. A Autora esteve impedida de realizar qualquer actividade profissional até 30 de Março de 2015, num total de 195 dias (artigo 47º da p.i.);
5. A Autora deixou de auferir em salários, durante o período de Repercussão Temporária da Actividade Profissional Total, a quantia global de € 3.151,20 (artigo 51º da p.i.);
6. Em deslocações, de e para os Hospitais de Santa Maria e Médio Ave, a Autora despendeu a quantia de € 1.500,00 (artigo 52º da p.i.); 7. Em despesas de farmácia, consultas médicas, fraldas e toalhetes de higiene, a A. despendeu quantia não inferior a € 2.000,00 (artigo 56º da p.i.);
8. A irmã da Autora deixou de trabalhar para a acompanhar e dela cuidar (artigos 31º e 59º da p.i.);
9. Em consequência das lesões sofridas no acidente, a Autora entrou em depressão (artigo 72º da p.i.);
10. Como consequência directa, necessária e adequada das lesões sofridas no acidente, a Autora manifesta as seguintes sequelas psíquicas e psicológicas: a) Permanente irritabilidade; b) Depressão; c) Vergonha e tristeza; d) Défice de auto-estima (artigo 76º da p.i.);
11. A Autora passou a mostrar total falta de interesse pela vida e pelas coisas e passou a alhear-se a qualquer espécie de relação afectiva (artigo 77º da p.i.).
12. A Autora ainda hoje tem dificuldade em conduzir veículos automóveis (artigo 80º da p.i.);
13. A Autora viu comprometido todo o seu projecto de vida e tudo aquilo com que sempre sonhou, para si e para os seus (artigo 82º da p.i.);
14. A Autora não caminha do mesmo modo que fazia anteriormente ao acidente (artigo 85º da p.i.);
15. As cicatrizes decorrentes das cirurgias provocam à Autora dano estético (artigo 87º da p.i.).
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Fundamentação de direito

A recorrente começa por defender que os factos considerados não provados elencados nos nºs 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, e 15 deviam ter sido considerados provados, e que, em consequência, da resposta a dar a tais factos, se deveria alterar a resposta dada em nºs 14 e 15 dos factos provados, quanto aos montantes aí mencionados, por forma a que relativamente ao nº14 se considere o montante de € 150,00 e no nº15 o montante de € 2.000,00.

Aponta, para o efeito, tudo o que se passou na audiência de julgamento, e também por toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos.

No entanto, não indica, em relação a cada um dos pontos que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham uma decisão diferente, em conformidade com o que se dispõe nos artºs 639º, nº. 2 e 640º, nºs 1 e 2 do NCPC, para efeitos de reapreciação da matéria de facto.

Pois, em conformidade com o que se dispõe no citado artº. 640º, nº. 1 do NCPC, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados [alínea a)]; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)]; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)].

Recai, assim, sobre a parte Recorrente um triplo ónus:

- primeiro, o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
- segundo, o de fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
- terceiro, o de enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

Acontece que a recorrente não deu notório cumprimento ao segundo segmento, pelo que, apesar do artº 662º do mesmo diploma legal permitir a este Tribunal julgar a matéria de facto, não permite a repetição do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto (cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág.).
Como tal, considerando que as alegações da Recorrente não dão satisfação às mencionadas exigências legais, nos termos expostos, há que proceder à análise das demais questões suscitadas, tendo por base a matéria de facto seleccionada pelo tribunal a quo em conformidade com o elenco dos factos indicados.
Entende, quanto ao mais, que o tribunal a quo ao considerar provados os factos constantes dos pontos 10 a 27, dos factos provados, deveria ter arbitrado outros montantes indemnizatórios que não os por si fixados.
Refere, assim, que devia ter aplicado a tabela publicada pela Portaria n.º 377/2008 de 26 de Março, que prevê o pagamento de montantes bem superiores àqueles que foram fixados à recorrente, pelo que, ao não o ter feito, incorreu o tribunal em erro de julgamento.
Como tal entende que devia ter sido fixado à recorrente, o montante de € 646,38 referente a 21 dias de internamento hospitalar, bem como o montante de € 8.870,40, a título de pagamento de ajuda doméstica temporária, durante os primeiros sessenta dias, em que a recorrente necessitou de cuidados permanentes da sua irmã, calculados a € 6,16 por cada hora, e, ainda, o montante de € 750,00 por cada um dos quatro meses subsequentes, em que a recorrente necessitou também dos cuidados da sua irmã, o que totaliza 3.000,00.
A este respeito, resulta dos factos apurados, tal como decorre da factualidade vertida nos pontos 18 a 22, que:

-Depois da alta hospitalar e durante cerca de um mês, a A. esteve acamada, impedida de se movimentar, de modo a curar as lesões sofridas no acidente;
- Durante o mês subsequente só se movimentava em cadeira de rodas, dependendo para o efeito de terceiros;
- Após o que a Autora necessitou de ajuda de canadianas para se deslocar;
- Durante os dois primeiros meses subsequentes à sua alta hospitalar, a Autora ficou dependente da ajuda de terceiro para realizar as necessidades básicas da sua vida quotidiana;
- Para dela cuidar, durante o dia e durante a noite, a irmã da Autora deslocou-se para casa desta com a família.

Por outro lado, foi dado como não provado o alegado facto da irmã da A. ter deixado de trabalhar para a acompanhar e dela cuidar (ponto 8, dos factos dados como não provados).
Mesmo assim, quanto ao apoio de terceira pessoa, o tribunal a quo considerou que, apesar de não se ter apurado que a irmã da A. tenha sido remunerada pelo apoio prestado naquele período de necessidade da Autora, o princípio da restauração natural a cargo do responsável civil - cfr. art.º 562º do Código Civil -, fazia impender sobre a Ré o dever de prestar à Autora o auxílio de que carecia desde o início da incapacidade.
Não o tendo feito, fez operar o princípio da equivalência consagrado no art.º 566º, n.º 1 do Código Civil, como justamente acentuado pelo douto acórdão do STJ de 9 de Setembro de 2014, na medida em que aí se refere que: “O facto de serem familiares do lesado quem, conjunturalmente, prestam a este a assistência tornada imprescindível apenas em consequência do acidente, não justifica que aquele não deva ser indemnizado do correspondente dano, certo como é que, além do mais, aquela pode cessar a qualquer momento, quer por causas naturais (…) quer por esmorecimento ou apagamento do inerente afecto e solidariedade familiar, repugnando, por outro lado, ao sentimento dominante da colectividade que, em tal situação, o lesado fique privado dos meios materiais que lhe permitam retribuir, minimamente, os serviços de que beneficia” (processo n.º 654/07.7TBCBT.G1.S1, in www.dgsi.pt).
Nesta base, considerando que a incapacidade durante aquele período foi total, ficando a Autora incapaz de exercer quaisquer tarefas de cuidados pessoais e domésticas, utilizou o tribunal a quo como valor de referência o montante que seria necessário despender com a contratação de uma empregada doméstica a tempo inteiro, fixando como montante indemnizatório, por referência ao período de dois meses, a quantia de € 1.300,00 (€ 650,00 x 2).
Quanto a esta questão, e todas as demais colocadas, importa, em primeiro lugar, ter em conta que a Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio (com as alterações que lhe foram sendo introduzidas, designadamente pela Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho) não vincula ou limita o Tribunal na fixação dos danos com recurso à equidade, a que se refere o n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil. Aliás, o n.º 1 do artigo 1.º da referida Portaria esclarece que através da mesma se fixam “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável” pelo Segurador e o n.º 2 do artigo 1.º determina, inclusive, que “as disposições constantes da presente portaria não afastam (…) nem a fixação de valores superiores aos propostos”.
Aliás, a Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho, no seu anexo V, respeitante a ajuda doméstica temporária, faz referência a uma ‘tabela indicativa para proposta razoável em caso de despesas incorridas e rendimentos perdidos por incapacidade’, que não vincula o tribunal, antes representando uma mera indicação para efeito de proposta, entendida como razoável, para um eventual acordo.
De qualquer das formas, mesmo considerando o critério seguido pelo tribunal a quo como equilibrado e justo, sempre se terá de concluir que, no cálculo final, não se atendeu ao facto da A. ter ficado dependente de ajuda de uma terceira pessoa, durante os 2 meses, para realizar as necessidades básicas da sua vida quotidiana, dela cuidando, durante o dia e durante a noite.
Assim sendo, a A. necessitaria de uma pessoa a tempo inteiro para a auxiliar durante o dia e de uma outra pessoa para lhe prestar assistência durante a noite, ou, então de uma só pessoa de dia e noite, mas que, com toda a certeza importaria o pagamento de um valor bem superior, correspondente ao que se teria de pagar a duas pessoas para fazer o mesmo serviço.
Como tal, esse valor a atribuir com base no critério adoptado deve ser corrigido para o dobro e, assim, ser fixado em € 2.600,00 (€ 1.300,00 por mês x 2 meses).
Já relativamente ao período em que esteve hospitalizada, por a assistência lhe ter sido prestada pela própria instituição hospitalar e porque não resulta demonstrado que, após os referidos 2 meses, a A. tivesse ficado dependente da ajuda de terceiro, nenhum valor, a esse título, deve ser atribuído à A.
Respeitante às compensações devidas por danos morais complementares que a referida portaria fixa no seu anexo I, em que se aponta um valor de internamento por dia entre 20,52€ a 30,78€, tal terá de ser valorado quando nos referirmos aos danos morais, por forma a apurar se, no seu todo, a quantia que foi fixada é ajustada.

Entende, ainda, a A. que o tribunal a quo devia ter fixado o montante de € 10.453,66 a título de perdas patrimoniais resultantes da incapacidade permanente para o trabalho, e que omitiu, por falta de pronúncia, o pedido de fixação de indemnização por danos laborais.

No caso vertente, o tribunal a quo entendeu ser de atribuir uma indemnização que visasse ressarcir os danos futuros, através de uma quantia em dinheiro que susceptível de produzir o rendimento mensal fixo perdido, mas que, ao mesmo tempo, não propiciasse um enriquecimento injustificado à custa do lesante, calculada aquela quantia em atenção à idade limite da vida activa em Portugal – que no mínimo poderá considerar-se nos 65 anos -, bem como a esperança média de vida de 70 anos.
Assim, considerando que a Autora tinha 39 anos de idade (nasceu no dia 07.01.1975) e retirava da actividade de costureira que exercia um rendimento anual de € 6.790,00 (€ 485,00 x 14), fixou o valor indemnizatório em € 8.000,00 (oito mil euros).
A este respeito convém ter presente que, inicialmente, no quadro legal respeitante à determinação da indemnização dos danos por via da aplicação do código civil, a jurisprudência civil passou a enveredar por uma realidade que não foi pensada nem destinada a este ramo do direito, antes o sendo para o direito do trabalho, ao lançar mão da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho.
À partida, o lesado era sempre tido como “trabalhador” com o seu salário, o dano era “vertido” em incapacidade - total ou parcial, para o trabalho - e, em função desta e do salário, calculava-se a indemnização.
A partir daí, foi a jurisprudência civil “adaptando” a lei à realidade que tinha que julgar.

Mas, como o próprio legislador escreveu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10: “O que se torna hoje de todo inaceitável é que seja a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI) utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avaliação de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito em que a avaliação de incapacidades se pode suscitar, para colmatar a ausência de regulamentação específica que lhes seja directamente aplicável. Trata-se de situação que urge corrigir pelos erros periciais que implica, potencialmente geradora de significativas injustiças.”

No seguimento desta adaptação, o mencionado Decreto-Lei inclui já uma “Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” e outra destinada ao ramo laboral, mantendo-se, em qualquer caso o que já vinha de trás, ou seja, a fixação de incapacidade para o trabalho também relativamente a realidades médico-legais que não levam a qualquer prejuízo no desempenho laboral vulgar.
No mar dessas dificuldades, a jurisprudência civil, ainda que sempre com base na TNI desligou-se dos cálculos das pensões por acidente de trabalho; não aceitou – salvo casos esporádicos – tabelas de cálculo que foram surgindo e passou a ter como referência o cálculo dum capital que, de rendimento, proporcionasse o que deixou, teórica ou praticamente, de se auferir e se extinguisse no fim presumível de vida activa da pessoa visada, fazendo correcções para mais ou para menos, consoante as particularidades do caso; foi aceitando que havia lugar a indemnização, mesmo que o lesado não auferisse rendimentos do trabalho.
Nestes casos, socorria-se do vencimento previsível a curto prazo (como relativamente a estudantes que se aprestavam para acabar a formação e, depois, entrar no mercado laboral) ou, à míngua de elementos de previsibilidade, do salário mínimo nacional (agora designado retribuição mínima mensal).
Assim, no que se refere à Incapacidade Permanente Geral (IPG), este dano é hoje, assim, qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psico-física» e vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais (cfr. acórdãos do STJ de 20/05/2010, de 23/11/2010 e de 26/01/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25.º n.º 1 da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas, e no art. 70,º n,º 1 do CCivil, que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, atendendo ao corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, como um bem jurídico protegido perante terceiros.
Daí que “o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento” (Ac. do STJ de 23/11/2010, já mencionado, que cita o acórdão do STJ de Itália, n.º 7101, de 6/7/1990, publicado na “Rivista de Giurisprudenza in Tema di Circolazione e Transporto”, 1991, pg. 644; bem como, nesse mesmo sentido, o estudo de José Borges Pinto, intitulado “Notas sobre o Dano Corporal e a Perícia Médico-Legal”, de Fevereiro de 2007, disponível em Compilações Doutrinais, no site da Verbo Jurídico).
Assim, mesmo que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduza em perda efectiva do rendimento do trabalho, releva o designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará (Ac. STJ de 23.11.2006 disponível em www.dgsi.pt e Ac. STJ de 12.10.2006, Revista n.º2461/06 – 2.ª Secção).
Onde tem surgido alguma divergência é no enquadramento deste dano: enquanto uns o consideram e quantificam como dano autónomo (um «tertium genus»), outros integram-no no dano patrimonial ou no dano não patrimonial, conforme dele decorra ou não perda ou diminuição dos proventos profissionais do lesado (veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 23/11/2010 e de 17/05/2011, que defendem a autonomização daquele dano, e o Acórdão de 26/01/2012, que é contra esta autonomização).
Perfilhamos o entendimento, tal como o fez o tribunal a quo, que o dano sofrido pela A. deve ser integrado no dano patrimonial futuro, no seguimento, aliás, da maioria da jurisprudência e certa doutrina, que consideram o dano biológico como de cariz patrimonial (cf., entre outros, o Ac do STJ de 6.5.1999, de 4.10. 2007, de 10.5.2008, de 10.6. 2008 e de 19.5.2009, e ainda o Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).
Efectivamente, o dano patrimonial representa o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado; é constituído pelas despesas e prejuízos causados pelo dano real. Encara-se a integridade física e a saúde como um bem patrimonial humano valorizável – correspondente à sua capacidade física e intelectual de gerar riqueza ou outros bens com significado patrimonial. Mesmo que essa potencialidade não seja utilizada, ou não o seja na sua totalidade, ela pertence ao indivíduo como bem único que só ele pode alienar.
Acontece que, sobre a determinação do montante da indemnização, a lei civil não prevê uma fórmula rigorosa para calcular o montante da indemnização – dizendo simplesmente que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (a do encerramento da discussão da causa, em 1ª instância) e a que teria nessa data se não existissem danos (teoria da diferença, consagrada no n.º 2 do mesmo art.º 566.º).
E ante o esforço da doutrina e da jurisprudência no sentido de a encontrar, mas sempre através de fórmulas que têm variado no tempo, mesmo com resultados algo divergentes, a jurisprudência tem-se inclinado para a utilização de tabelas financeiras e fórmulas matemáticas, como base de cálculo, embora sempre com a prevenção do carácter meramente auxiliar de tal método de cálculo, bem como de qualquer outro que seja a expressão de um critério abstracto.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de uma tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo, como sejam, a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível, a melhoria expectável das condições de vida, a inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de anos, com a consequente possibilidade de rentabilização em termos financeiros.
Assim, para o efeito de determinação da indemnização desse dano há que ter em conta que a autora, à data do acidente, apesar de ter ficado a padecer de um défice da integridade físico-psíquica permanente de 5 pontos, não ficou impossibilitada de desempenhar as suas tarefas como costureira, ainda que a esse título, ou outro, tal implique para si esforços suplementares.
Assim, ponderando todos os parâmetros enunciados que há que atender, consideramos que o montante de indemnização de €10.000,00, se mostra mais ajustado, equilibrado e capaz de compensar a A., dentro do que é possível, das perdas e dificuldades inerentes à afectação que passou a sofrer em consequência do acidente.
Já quanto aos demais danos laborais que não enquadrados já no dano patrimonial futuro, o tribunal a quo teve em consideração que, em resultado das lesões decorrentes do acidente, a Autora sofreu um período de repercussão temporária da actividade profissional total de 164 dias, com consolidação médico-legal das lesões a 26.02.2015 e que, durante esse período, a Autora esteve impedida de realizar as tarefas que lhe proporcionavam o apontado rendimento anual que, na proporção dos 164 dias, corresponderiam a € 3.050,00.
Contudo, a esse valor, deduzido foi o montante que a Autora recebeu do ISS a título de subsídio de doença referente ao período de 17.09.2014 a 27.12.2014, no montante total de 832,20, razão pela qual lhe foi atribuído o direito a ser ressarcida do prejuízo restante, de € 2.217,80 (= € 3.050,00 - € 832,20).
Assim, nada havendo a apontar quanto à determinação desse dano, por nada mais haver a fixar a esse título, tem de se considerar padecer a A. de razão quando refere que o tribunal a quo omitiu, ao não se pronunciar, sobre a indemnização devida a esse título, por, na verdade, ter abordado e decidido, e bem, a questão quanto a tais danos.
Relativamente aos danos não patrimoniais, é orientação da jurisprudência que tal compensação não pode ser simbólica nem miserabilista, devendo, antes, ser significativa, mas não exorbitante nem excessiva.
Para a fixação do montante indemnizatório destes danos a lei remete para juízos de equidade (vidé o artigo 496.º, n.º 3 Código Civil), tendo em atenção os factores referidos no seu artigo 494.º (o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso).
Entre os danos merecedores da tutela do direito inclui-se necessariamente o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica: as dores físicas, ‘o pretium ou quantum doloris’ possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico; e morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações.
Na quantificação dos danos não patrimoniais, há que ter sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso, na medida em que são geralmente tais elementos que fundamentam as discrepâncias registadas, tendo em conta que a diferença dos factores a ter em consideração varia muito de um caso para o outro.
Importa, por outro lado, ter sempre presente também que, quando se trata de formular juízos equitativos, há sempre uma margem de discricionariedade, apesar da preocupação de observância do princípio da igualdade e da uniformização de critérios.
Contudo, como tem decidido pacificamente a nossa Jurisprudência, «não devendo confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, deve a mesma traduzir a “justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Acs. do STJ de 10-02-2008 in CJ/STJ, t. 1, pg. 65 e de 23.10. 2008 (Relator, Cons. Serra Baptista, P.º 08B2318 in www.dgsi.pt).
No presente caso, provou-se que em consequência do acidente, a Autora ficou a padecer de sequelas permanentes, concretamente de ráquis - digitopressão dolorosa na região coccígea, períneo - discreta redução da abdução da coxo-femural direita, com queixas de dor nos ângulos terminais, não apresentando alterações dos arcos de mobilidades na flexão, e anca dolorosa.
Sofreu um período de Repercussão Temporária da Actividade Profissional Total de 164 dias, dos quais 55 dias de Défice Funcional Temporário Total e 109 dias de Défice Funcional Temporário Parcial, com consolidação médico-legal das lesões a 26.02.2015, bem como um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, embora implicando esforços suplementares.
Quantificado foi o seu “quantum doloris” num grau 4 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 sete pontos e teve um período de convalescença superior a 5 meses desde o acidente até à consolidação médico-legal das lesões, no decurso do qual foi sujeita a várias intervenções, consultas, tratamentos e exames.
Padeceu, ainda, de dores, traumatismo psicológico e perdeu noites de sono durante toda a sua recuperação e, pelo facto de ter ficado totalmente imobilizada durante quase dois meses, limitada a um quarto durante quase três meses e de não poder deslocar-se à casa de banho durante o tempo em que esteve acamada, vendo-se constrangida a usar fraldas, padeceu de sofrimento e perturbação emocional;
Acresce que a imobilidade a que a Autora foi sujeita, impediu-a de sair, de estar com os seus amigos e de conviver em sociedade, o que fez diminuir a sua auto-estima, ficando temporariamente com medo de andar na estrada, receando o seu futuro.
Ora, tendo em conta os contornos do caso concreto em conformidade com o supra evidenciado, os critérios legais e mesmo jurisprudenciais a ter também em consideração em casos análogos, julgamos ser de manter o valor de €12.500,00 fixado a título de danos não patrimoniais que engloba, como é óbvio, a ponderação do quantum doloris de que padeceu a A.
Em relação a estes valores importa também referir que, contrariamente, ao que a recorrente defende, são bem superiores aos que resultam da aplicação da mencionada tabela.
Especificamente quanto ao valor a fixar respeitante a despesas com fraldas, artigos de higiene, despesas de farmácia e com deslocações ao hospital que a recorrente entende ser de fixar em, respectivamente, 2.000,00€ e 1.500,00€, a tabela que a recorrente entende ser de aplicar, e que se excluiu pelas razões já apontadas, apenas prevê o seu pagamento desde que devidamente comprovadas por facturas.
Ora, quanto às despesas alegadas e provadas, determinou o tribunal a quo o seu pagamento, pelo que não tendo a A./Recorrente logrado demonstrar as demais despesas por si alegadas, não podia, evidentemente, determinar-se o seu ressarcimento.
Pelo exposto, apenas em parte e, em conformidade com o exposto, procede o recurso interposto.
*
V. Dispositivo

Pelo exposto, os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso interposto parcialmente procedente, alterando, consequentemente, apenas o valor fixado, quanto ao dano patrimonial futuro, para 10.000,00€ e o valor relativo a ajudas domésticas para 2.600,00€, no mais se mantendo o decidido.
Custas em dívida a suportar pela A./Recorrente na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Registe e notifique.
TRG, 16 de Maio de 2019
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida