Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1093/17.7T8VRL.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
EFEITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
“Verifica-se o caso julgado, na vertente da autoridade do caso julgado, na medida em que a questão dos autos já foi objeto de decisão transitada em julgado, vinculando o tribunal recorrido”.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

José demandou M. M. Lda formulando os seguintes pedidos:

a. Ser a R. condenada no pagamento ao A. da quantia de 46.750€ correspondente ao valor da pedra/granito suportada pelo A. e cuja aquisição e pagamento competia contratualmente à R. que do A. recebeu o respetivo preço.
b. Ser a R. condenada no pagamento ao A. da quantia de 13.606€, correspondente ao valor global do material e mão de obra necessários à substituição da pedra deficientemente aplicada e da pedra com defeito.
c. Ser a R. condenada no pagamento dos juros sobre todas as especificadas importâncias desde a citação até integral pagamento.
d. Ser a R. condenada nas custas.

Alegou, em síntese, que no âmbito de um contrato de empreitada que celebrara com a ré, no ano de 2002, para a construção de uma moradia, pelo preço global de 311.748,68€, pagou a quantia de 46.785€ pela aquisição da pedra que fazia parte do preço da empreitada, que a ré não suportou, e debitou ao autor e no cumprimento defeituoso do contrato no que tange à aplicação da pedra e à substituição da que se apresentou com defeito, cujo custo ronda os 13.606€.

A R. defendeu-se por exceção dilatória de caso julgado por haver identidade de sujeitos, causa de pedir e pedidos entre a presente ação e a que correu termos sob o n.º 831/04.2TBAMT, que transitou em julgado por decisão do STJ., de litispendência traduzida na oposição deduzida pelo autor na ação executiva que lhe moveu, em que alega a mesma facticidade com vista a frustrar a execução e ainda por impugnação, suscitando a litigância de má-fé.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória de litispendência e procedente a de caso julgado, absolvendo a ré da instância nos termos dos artigos 576 n.º 1 e 2, 577 al. i) e 578 do CPC.

Inconformado com o decidido, o A. interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

1- Com o devido respeito, que muito é, não se verifica a exceção de caso julgado, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo.
2- O efeito pretendido na presente ação, nomeadamente através do pedido formulado sob a al. a), visa a condenação da R. no pagamento ao A. da quantia de 46.750,00 Eur, correspondente ao valor da pedra/granito suportada pelo A. e cuja aquisição e pagamento competia contratualmente à R., que do A. recebeu o respetivo preço.
3- Este pedido apesar de emergir do contrato de empreitada em discussão na referenciada ação ordinária Nº. 831/04.2 TBAMT, trata-se de um pedido novo não formalizado nessa ação anterior e, como tal, não foi objeto de discussão e apreciação.
4- Não ocorrendo, pelo menos quanto a este pedido, identidade de pedidos, bem assim identidade de causas de pedir nas duas ações.
5- Na P.I., nomeadamente nos arts. 23º e segs., o A. refere expressamente que o peticionado na presente ação, apesar de ter origem no mesmo contrato de empreitada, reporta-se prejuízos por si sofridos, diversos dos que foram alegados ou considerados na referida ação ordinária.
6- No tocante a esta questão, o A. alegou que no âmbito do contrato de empreitada celebrado competia à R. adquirir todo o granito a aplicar em obra, nomeadamente nos trabalhos descritos no orçamento junto sob o doc. nº. 1, tendo referido que o custo deste granito estava já previsto no orçamento e contrato de empreitada celebrados.
7- Apesar desse convénio, todo o granito gasto na obra acabou por ser adquirido e pago pelo A. diretamente junto do fornecedor, no montante global de 46.785,00 Eur.
8- Não tendo a R. suportado o preço da aquisição do granito e, apesar disso, tendo recebido o preço da obra, nele incluído o valor de granito nela incorporado, tem o A. direito a ser reembolsado desse valor, o que reclama por via da presente ação,
9- Salvo melhor opinião, os factos sucintamente descritos, apesar de assentarem num direito de crédito emergente do mesmo contrato de empreitada, mostra-se inequívoco que o pedido não é igual, sob o ponto de vista intrínseco.
11- O Tribunal Recorrido decidiu sem ter analisado as causas de pedir e pedidos formulados em ambas as ações, limitou-se a considerar que fundando-se ambas as ações no mesmo contrato de empreitada e não tendo o A. alegado na primeira ação todos os factos atinentes àquele contrato, ficou vedado ao A. alegar agora na presente ação factos que deveria ter alegado na antedita ação.
12- No nosso modesto discernir não andou bem o Tribunal Recorrido, pois que, se o caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, fundando-se a proteção a essa segurança jurídica, relativamente a atas jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior, no caso dos autos tal ocorre.
13 - O facto das duas ações emergirem do mesmo contrato de empreitada, a causa de pedir dos autos não se esgota, simplesmente, no dito contrato de empreitada, nem os limites do caso julgado da referenciada ação impedem a alegação e apreciação nos presentes autos desta nova questão relacionada com o fornecimento e pagamento do granito.
14-Nem o prosseguimento da presente causa, ainda que somente para apreciação do pedido formulado sob a al. a), põe em causa a segurança jurídica, não implicando a duplicação de decisões sobre idêntico objeto processual, ou uma decisão contrária à decisão anterior.
15-Assim não tendo decidido, a decisão recorrida violou, entre outros normativos, os artigos 573, 576, 577, 578, 580, 581, 619º, 621º e 628º do C.P. Civil.

Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo a decisão recorrida ser revogada e, em sua substituição, ser proferida outra decisão que ordene o prosseguimento dos autos, com vista a apreciação sobre o pedido formulado sob a alínea a) da Petição Inicial, assim fazendo-se a acostumada
JUSTIÇA!”

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se se verificam os pressupostos do caso julgado no que tange ao pedido formulado na al. a).

Para além do acima relatado, vamos elencar factos relevantes para o conhecimento do recurso:

1. A 29/04/2004 M. M. Lda demandou José, que deu origem ao processo 813/04.2TBAMT, que correu termos pela Comarca de Amarante, pedindo-lhe a quantia de 131.942,38€, emergente do incumprimento do contrato de empreitada que outorgaram em Março de 2002, executado, parcialmente, pela autora, e resolvido pelo réu.
2. O réu, na sua contestação, alegou, nos respetivos artigos o seguinte:
“24. Além disso, porque, a determinada altura, se apercebeu que a obra não desenvolvia por falta de pedra de granito em virtude de o respetivo fornecedor se recusar a fornecê-la por falta de pagamento da A., o R. viu-se obrigado a garantir-lhe esse pagamento para assegurar o normal desenvolvimento dos trabalhos.
25. No cumprimento desse compromisso, o A. teve que pagar ao referido fornecedor a quantia global de 46.785€ correspondente ao custo global de todos os fornecimentos (51.285€) menos 4.500€, única importância paga pelo A.
26. Tratando-se de material necessário para a construção objeto da empreitada, era à A. que competia o seu pagamento, razão pela qual, essa importância, deve ser levada à conta do preço contratado.
27. O que significa que, ao todo, para ser imputado ao preço do contrato, o R. pagou à A. 261.328,18€, (189.543,18€ prestações pagas + 25.000€ - art. 10 da p.i. + 46.785€ - pedra).
28. Do que resulta que faltava apenas a quantia de 50.420,50€ para perfazer a totalidade do preço contratado”.
3. Deduziu pedido reconvencional no montante de 62.266,6€, alegando o seguinte:
“48. Dá-se aqui por reproduzido tudo quanto se acaba de expor, contido nos artigos 37 a 46.
49. Do que resulta que deve a A. ser condenada a pagar ao R. a quantia de 62.266,60€ correspondente à diferença entre o custo dos trabalhos já executados e pagos pelo R., uns que não tinham sido executados pela A. e outros de rectificação de trabalhos mal executados pela demandante (89.784€ de mão-de-obra e 22.903,10€ de materiais), conforme alegado nos artigos 39,40 e 41 e a parte do preço do contrato por pagar 50.420,50€ (v.art. 28).
50. Além disso, deve a A. ser condenada a pagar ao R. o custo dos trabalhos ainda não executados e referidos supra no art. 42, 43, 44, no montante que se apurar por liquidação em execução de sentença.”
4. A matéria fáctica alegada nos artigos 24 a 27 da contestação foi levada à base instrutória sendo consignada nos artigos 12 a 14, que tiveram respostas, negativas no respetivo despacho, proferido a 23/10/2007.
5. Foi proferida sentença a 2/01/2008, que julgou parcialmente procedente a ação, condenando o réu a pagar à autora a quantia que se liquidar em execução de sentença relativos aos trabalhos extra contrato constantes da resposta dada ao artigo 4º a 6º da BI, não podendo a condenação e, consequentemente, a liquidação ultrapassar o montante de 17.867,4€. Mais condenamos o réu a pagar à autora a quantia que se liquidar em execução de sentença relativa à diferença entre o preço já pago pela empreitada contratada (no montante de 189.534,18€ como assente em F) e o valor da obra efetivamente realizada pela autora, não podendo a condenação e consequente liquidação ultrapassar o montante de 59.831,71€.
6. A 2 de outubro de 2008 o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão recorrida tendo sido negada a revista para o STJ por acórdão de 29 de setembro de 2009.
7. A 1 de outubro de 2015 foi proferida sentença no apenso A do processo 831/04.2TBAMT, onde se discutia a liquidação da sentença proferida no processo 831/04.2TBAMT, já transitada em julgado, tendo sido julgada parcialmente procedente e condenado o réu a satisfazer à autora a quantia de 17.867,40€ a título do preço dos trabalhos extracontrato constantes das respostas ao artigo 4º a 6º da BI e a satisfazer a quantia de 35.535,78€ nos termos do demais segmento condenatório da decisão liquidanda.
8. Esta sentença veio a ser confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de maio de 2016, que não foi objeto de recurso.
9. A 22 de junho de 2017 José demandou M. M. Lda, cuja ação deu origem ao processo 1093/17.7T8VRL formulando os pedidos especificados no relatório.
10. E fundamentou os pedidos, alegando, entre outros, os seguintes factos:
“24 Sucede, porém, que o A. sofreu outros prejuízos causados pela R. e decorrente do cumprimento defeituoso pela R. do contrato de empreitada em mérito.
25. Prejuízos esses que não foram alegados ou considerados na ação ou na douta sentença referidas.
26. Desde logo, de acordo com o contrato de empreitada competia à R. adquirir todo o granito em obra nos trabalhos descritos no orçamento junto sob o documento nº 1.
27. Granito esse cujo custo estava já contemplado no orçamento e contrato de empreitada celebrados.
28. Sucedeu que todo o granito aplicado pela R. na obra acabou por ser adquirido e pago diretamente pelo A. ao fornecedor.
29. Tendo o seu custo global ascendido ao montante de 46.785€ (doc. 5 a 9).
30. O que significa que a R. não suportou o preço da aquisição do granito da obra e, ainda assim, recebeu do A. o preço do granito (até à fase em que terminaram os trabalhos) como se tivesse suportado esse custo.
32. Acresce que a R. não procedeu à substituição da pedra mal aplicada/desalinhada nem à substituição da pedra defeituosa (por diferente coloração e manchas negras).
33. Do que o A. insistentemente reclamou da R. tanto verbalmente como por escrito (doc. fls. 10).
34. O custo que representa essa substituição de pedra e rectificação da sua aplicação foi fixado o montante global de 13.606€, conforme discriminação (material e mão de obra) que consta do documento n.º 11, aqui reproduzido.
35 Donde resulta a substituição de 6 pilares: 250x27x27 = 135=2.025€; 17m corridos de propianho a 85 = 1.445€; mão-de-obra= 8.000€; IVA: 2186€.”

Vamos conhecer da questão enunciada.

A questão a decidir traduz-se em saber se se verificam os pressupostos do caso julgado no que tange ao pedido formulado na al. a).

O apelante defende que não se verificam os pressupostos do caso julgado porque não há identidade de causa de pedir e pedidos formulados neste ação e na que transitou em julgado (proc. 831/04.2TBAMT), porque não foram alegados e apreciados pelo tribunal os factos que fundamentam o pedido da presente ação.

O tribunal recorrido considera a ocorrência do caso julgado porque se verifica a tríplice identidade entre as duas ações (sujeitos, causa de pedir e pedido), para além da preclusão do direito de alegar factos que podia e devia ter invocado na ação com sentença transitada em julgado, em obediência ao princípio da concentração, no sentido de que toda a defesa deve ser realizada na contestação.

“A excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, sobre a mesma realidade - o caso julgado. Na vertente negativa impede-se que se repita uma nova acção. Na positiva impõe-se ao tribunal que não decida e aceite ou se vincule à decisão anterior.

O certo é que cada uma das vertentes assenta na força do caso julgado, isto é, no seu fundamento – economia processual (evitar repetição de decisões) e segurança nas decisões jurisdicionais (evitar contradições de julgados). E este princípio está consagrado no artigo 619 n.º 1 do CPC “ Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580 e 581, sem prejuízo do disposto nos artigos 696 a 702”.

Este princípio, aqui consagrado legalmente, conexiona-se com os limites do caso julgado, isto é, com a sua eficácia ou extensão. Questiona-se a quem vincula e até onde, quais os elementos materiais da decisão transitada que se impõem.

No plano subjectivo, a decisão transitada em julgado impõe-se às partes intervenientes ou legalmente citadas, com oportunidade para deduzirem o contraditório. Estamos no domínio da eficácia relativa do caso julgado, que consubstancia o princípio do contraditório, fundamental no sistema jurídico-processual português, que está patente em todo o processo - artigo 3.º n.º 3 do CPC.

O que quer dizer que as decisões transitadas não vinculam terceiros juridicamente afectados por elas, isto é, que vejam os seus direitos a ser negados, diminuídos ou destruídos. Só se impõem a terceiros indiferentes, que não são prejudicados juridicamente, podendo-o ser economicamente.

No plano objectivo, as decisões apenas se impõem na parte em que houve decisão de uma ou várias questões em que haja identidade do objecto da decisão, em conexão com os fundamentos de facto que a sustentaram, como resulta do artigo 621 do CPC., na medida em que a parte dispositiva da decisão tem que assentar em factos que lhe deram suporte, que farão parte da mesma, como um todo.

Na vertente da exceção de caso julgado exige-se a identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, enquanto na de autoridade de caso julgado não é exigível a tríplice identidade, bastando-se com a existência de uma decisão transitada que seja causa prejudicial à decisão futura, que deve impor-se ao tribunal.

No caso em apreço estamos perante uma ação em que o autor formula pedidos fundados em factos que alegou na contestação da ação com o número 831/04.2TBAMT, como exceção perentória, mais concretamente o da alínea a), que consignamos nos pontos de facto provados 2 e 3 e que foram levados à BI e tiveram respostas negativas, como resulta do ponto de facto 4 da matéria de facto provada. E ainda factos conexos com o cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, que foram objeto de decisão no respetivo processo que transitou em julgado.

E no apenso A. deste processo, que se debruçou sobre a liquidação do decidido na ação principal, o aqui autor insistiu na alegação dos mesmos factos, cuja decisão lhe foi desfavorável, com trânsito em julgado, tendo em conta o âmbito da sentença a liquidar (pontos de facto 7 e 8).

Por todo o exposto temos a concluir que o objeto desta ação já foi discutido no processo 831/04.2TBAMT, que transitou em julgado, vinculando o tribunal recorrido, na medida em que a decisão se lhe impõe como questão prejudicial face à autoridade de caso julgado.

Daí que a decisão recorrida não mereça censura.

Concluindo: 1. Verifica-se o caso julgado, na vertente da autoridade do caso julgado, na medida em que a questão dos autos já foi objeto de decisão transitada em julgado, vinculando o tribunal recorrido.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante.
Guimarães,

Relator: Espinheira Baltar
1.ª Adjunta: Eva Almeida
2.º Adjunto: Beça Pereira