Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
11/11.0TBCRZ.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
SOLIDARIEDADE PASSIVA
CONTRATO DE SEGURO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Constituindo obrigação do(s) operador(es) prestar o serviço objecto do contrato de transporte com segurança e qualidade, nos termos do art. 4, n.º 2, alínea g), do Decreto-Lei n.º 58/2008, de 26 de Março, até ao local de destino, violada que seja essa obrigação de resultado, tal faz aquele(s) incorrer(em) na obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade contratual.
II - No plano externo a relação entre o obrigado contratual e o obrigado civil surge sob a veste de uma solidariedade perfeita susceptível de permitir ao lesado exigir de ambos a totalidade do seu direito indemnizatório - artigos 512.º e 518º do Código Civil.

III - Assentando a obrigação de indemnizar na responsabilidade contratual e não tendo sido para a seguradora transferida tal responsabilidade, por via do seguro com ela celebrado, não cabe na sua esfera a assunção de tal risco, assim se excluindo qualquer obrigação sua de indemnizar

Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
2ª Secção Cível

Processo: 11/11.0TBCRZ
47

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


I-Relatório
C, solteira, funcionária judicial, com segurança social por via da ADSE n.º …, e, V, divorciado, reformado, com segurança social por via da ADN n.º …, ambos residentes na Rua Pedro Álvares Cabral, n.º …, na Mealhada, vieram intentar a presente acção declarativa comum, sob a forma do processo ordinário, contra:

- R (ora denominada R), com sede na Estação de Santa Apolónia, … Lisboa;

- P, com sede na Calçada do Duque, n.o…, … Lisboa;
-M, com sede na Rua D. Afonso III, Central de Camionagem, … Mirandela;
- F, motorista, residente no Bairro do Pinheiro, … Torre de Dona Chama;
- E, com sede no Parque Oficial do Norte, Rua Dr. Diniz Jacinto, n.º …, … Porto;
peticionando a condenação solidária dos réus a pagar:
- À autora C, a título de indemnização pelos danos por ela sofridos, a quantia global de €161.606,58 (cento e sessenta e um mil seiscentos e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros moratórios contabilizados à taxa legal desde a citação para os termos desta acção, sem prejuízo dos danos ainda não determináveis;
- Ao autor V, a título de indemnização pelos danos por ele sofridos, a quantia global de €30.595,81 (trinta mil quinhentos e noventa e cinco euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios contabilizados à taxa legal desde a citação para os termos desta acção, e, bem assim, as quantias que forem gastas ou julgadas necessárias para tratamento posterior;
- As custas do processo.
Em ordem a sustentar a sua pretensão alegam, em síntese, que cerca das 10.40h, num local denominado Vale de Anhos - Brunheda, na freguesia de Pinhal do Norte, do concelho de Carrazeda de Ansiães, ao Km 20,399 da linha ferroviária do Tua, deu-se um acidente ferroviário, que se traduziu no descarrilamento da unidade motora …, na qual os aqui AA. seguiam como passageiros.
Referem que em decorrência directa e necessária do sinistro resultaram para cada um deles diversos prejuízos e danos, que enumeram, contemplam e quantificam nos pedidos que respectivamente aduzem nesta lide

Acrescentam que o acidente ferroviário em questão foi provocado, em concorrência, pelo mau estado da via-férrea e pelo facto de a unidade motora interveniente no sinistro ser inadequada à via onde circulava, e, bem assim, de se encontrar imprópria para a circulação.
Entendem assim que a responsabilidade pela produção do acidente e, em consequência, pelo ressarcimento dos danos por eles respectivamente sofridos impende, de modo solidário, sobre os réus, ou seja:
- A R, enquanto responsável pela gestão das infra-estruturas respeitantes à linha do Tua ao momento do acidente;
- A P, enquanto entidade que se encontrava obrigada a garantir, ao momento do acidente, a prestação de serviços de transporte ferroviários de passageiros em linhas férreas, troços e ramais que integravam a rede ferroviária nacional, na qual se incluía a linha do Tua;
- A M, enquanto entidade responsável pela execução da prestação do serviço ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela - Tua - Mirandela, ao momento do acidente, na sequência de cedência da P, e, bem assim, na qualidade de proprietária do material circulante interveniente no sinistro;
- O réu F, enquanto condutor/maquinista da unidade motora ao momento do acidente, por determinação, ao serviço e no interesse da ré M, e, por último,
- A E, enquanto entidade que tinha por objecto, ao tempo do acidente, a manutenção, em boas condições de funcionamento, do material circulante nas linhas ferroviárias nacionais, designadamente da unidade motora interveniente no sinistro.
Concluem peticionando a procedência da acção e dos pedidos que nela aduzem.

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Efectuadas as legais citações, contestou a ré R (ora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.),excepcionando, desde logo, a incompetência absoluta do tribunal, em razão da violação das regras competência em função da matéria, pugnando, em tal raciocínio, que é a jurisdição administração a competente para apreciar e conhecer do mérito desta lide.
No mais, impugna o modo com os autores descrevem a ocorrência do acidente ferroviário que os vitimou, afastando qualquer responsabilidade da sua parte, uma vez que, segundo entende, o acidente não foi provocado por deficiências existentes na via-férrea, já que esta se encontrava em boas condições para a circulação. Além disso, sufraga o entendimento de que inexistiu da sua parte qualquer comportamento negligente enquanto entidade gestora da infra-estrutura onde se deu acidente.
Impugna, ademais, por desconhecimento, os danos alegadamente sofridos pelos autores em consequência directa e necessária do evento.
Conclui peticionado a procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, que arguiu, e, em consequência, a sua absolvição da instância, e, para o caso de assim não se entender, a improcedência da acção, no que a si diz respeito, com a sua consequente absolvição dos pedidos aduzidos pelos sujeitos activos da lide.
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Contestou também a ré C excepcionando, desde logo, a incompetência absoluta do tribunal, em razão da violação das regras competência em função da matéria, pugnando, em tal raciocínio, que é a jurisdição administrativa a competente para apreciar e conhecer do mérito desta lide.
No mais, sem prejuízo de reconhecer a verificação do acidente ferroviário, que vitimou os autores, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na petição inicial, sustenta que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada, isto porque o acidente em questão foi causado, exclusivamente, pelas deficiências existentes na via-férrea à data da sua ocorrência, sendo certo que era à ré R (e não à C) que competia diligenciar pela manutenção, renovação e gestão das infra-estruturas ferroviárias, nomeadamente da linha férrea do Tua onde se deu o sinistro. Por outro lado, também não competia à C a manutenção e conservação do material circulante, pelo que qualquer deficiência existente neste, que tenha concorrido para a produção do acidente, não é da responsabilidade da ré contestante.
A este respeito, sustenta, no entanto, que o material circulante (unidade motora interveniente no acidente) não apresentava qualquer vício ou defeito ao momento do acidente. Concretiza que ao nível das rodas da unidade motora em questão, as mesmas não apresentavam qualquer um dos parâmetros da geometria do rasto fora dos limites normais exigíveis para circular em serviço. Acrescenta que os defeitos evidenciados após o acidente foram resultado deste, o qual apenas foi provocado, exclusivamente, pelas deficiências existentes na via-férrea ao momento da sua ocorrência.
Impugna, ademais, por desconhecimento, os danos alegadamente sofridos pelos autores em consequência directa e necessária do evento.
Conclui peticionado a procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, que arguiu, e, em consequência, a sua absolvição da instância, e, para o caso de assim não se entender, a improcedência da acção, no que a si diz respeito, com a sua consequente absolvição dos pedidos aduzidos pelos sujeitos activos da lide.
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Contestou igualmente a ré E excepcionando, desde logo, também a incompetência absoluta do tribunal, em razão da violação das regras competência em função da matéria, pugnando, em tal raciocínio, que é a jurisdição administrativa a competente para apreciar e conhecer do mérito desta lide.
Ademais, sem prejuízo de reconhecer a verificação do acidente ferroviário, que vitimou os autores, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na petição inicial, sustenta que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada, já que apenas interveio na manutenção da unidade motora … n.º …, que sofreu o acidente, por incumbência da sua proprietária (M) e de harmonia com um ciclo de manutenção e um plano de qualidade (previamente aprovados) que define as instruções dos trabalhos a efectuar no material circulante para garantir a sua segurança e fiabilidade, sendo certo que cumpriu com todas as suas obrigações de cuidado e conservação do material circulante em causa, o qual não apresentava qualquer vício ou defeito ao momento do acidente.
Concretiza que ao nível das rodas da unidade motora em questão, as mesmas não apresentavam qualquer um dos parâmetros da geometria do rasto fora dos limites normais exigíveis para circular em serviço. Acrescenta que os defeitos evidenciados após o acidente foram resultado deste, o qual apenas foi provocado, exclusivamente, pelas deficiências existentes na via-férrea ao momento da sua ocorrência, e não em resultado das características, estado, desgaste ou falta de lubrificação do material circulante, que estava superiormente autorizado a circular na linha em causa e encontrava-se em perfeito estado de funcionamento e condições.
Impugna, ademais, por desconhecimento, os danos alegadamente sofridos pelos autores em consequência directa e necessária do evento.
Conclui peticionado a procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, que arguiu, e, em consequência, a sua absolvição da instância, e, para o caso de assim não se entender, a improcedência da acção, no que a si diz respeito, com a sua consequente absolvição dos pedidos aduzidos pelos sujeitos activos da lide.
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Contestou, por sua vez, a ré M impugnando, em síntese, de forma motivada, a factualidade alegada pelos autores na petição inicial.
Na verdade, num quadro de reconhecimento da verificação do acidente ferroviário, que vitimou os autores, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na petição inicial, a ré afasta qualquer responsabilidade da sua parte na produção do sinistro, invocando, para tanto, que a ocorrência do acidente se deu em consequência directa e necessária da alteração dos pressupostos funcionais do sistema ou do colapso de, pelo menos, um dos seus componentes essenciais.
Acentua a inexistência de quaisquer deficiências ou anomalias no material circulante, pelo qual é responsável, acrescentando que empregou todas as providências exigidas para evitar quaisquer danos, havendo uma cuidada conservação e um bom funcionamento de veículo interveniente no acidente.
Sustenta, assim, que o acidente foi provocado pelo mau estado da via, estando, por via disso, excluída a sua responsabilidade, já que quem assumiu o encargo da vigilância da via­ férrea onde se deu o sinistro foi a ré R (ora denominada R), entidade que estava encarregue de assegurar o bom estado de tal via. Acrescenta que entre si e os autores, não foi outorgado qualquer contrato de transporte, já que, por força de contrato de prestação de serviços que outorgou com a ré P., apenas presta serviço de transporte ferroviário de passageiros na Linha do Tua, no percurso Tua - Mirandela - Tua, revertendo a receita da venda de bilhetes, inteiramente, para P.
Impugna, ademais, por desconhecimento, os danos alegadamente sofridos pelos autores em consequência directa e necessária do evento.
Sem prejuízo, esta ré suscita a intervenção principal provocada da F, sob o fundamento de que entre ambas foi outorgado um contrato de seguro do ramo "responsabilidade civil/exploração profissional, por força do qual a responsabilidade civil da ré M pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados a terceiros, na área de exploração da actividade de transporte ferroviário no percurso onde se deu o acidente em causa nestes autos, encontrava-se transferida, ao momento do sinistro, para aquela seguradora.
Conclui peticionando a improcedência da acção, quanto a si, e a sua consequente absolvição dos pedidos aduzidos pelos autores, bem como a admissibilidade do chamamento da terceira cuja intervenção principal suscita.
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Por último, contestou o réu F, em síntese, impugnando, de forma motivada, a factualidade alegada pelos autores na petição inicial.
Neste quadro, porém, reconhece a ocorrência do acidente ferroviário, que vitimou os autores, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na petição inicial, e, bem assim, que ao momento do sinistro era o maquinista da unidade motora … n.º …, encontrando-­se no exercício da sua actividade profissional por conta, sob a autoridade e a direcção da ré "Metropolitano Ligeiro de Mirandela, S.A.".
Afasta, contudo, qualquer responsabilidade da sua parte na produção do sinistro ferroviário em causa nestes autos, alegando, para tanto, que pautou a sua condução pelo cumprimento estrito das normas de segurança rodoviária, tendo o acidente como causa exclusiva as deficientes condições da via-férrea.
Impugna, ademais, por desconhecimento, os danos alegadamente sofridos pelos autores em consequência directa e necessária do evento.
Conclui peticionando a improcedência da acção, no que a si diz respeito, e a sua consequente absolvição dos pedidos aduzidos pelos autores.
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Notificados das contestações oferecidas pelos réus, replicaram os autores, pugnando pelo indeferimento da matéria de excepção invocada pelo lado passivo da lide e concluindo como na petição inicial, ou seja, pela procedência da acção e dos pedidos que através dela aduzem.
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Findos os articulados, após audição dos autores a respeito da matéria do incidente, o tribunal admitiu a requerida intervenção principal provocada da ora denominada F, como associada da ré M
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Chamada à acção, apresentou a ora denominada F a sua própria contestação, nos termos da qual aderiu à contestação oferecida anteriormente pela ré M, salientando que o acidente ferroviário em causa nestes autos, que vitimou os autores, foi provocado por desconformidades e deficiências no assentamento da via-férrea no local do sinistro, inexistindo, assim, qualquer culpa que possa ser assacada à ré M, tomadora do seguro, na produção do evento danoso, motivo pelo qual a chamada contestante não pode ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos alegadamente sofridos pelos autores, que por desconhecimento impugna.
Conclui defendendo a sua absolvição, bem como, de antemão, da ré M, dos pedidos respectivamente aduzidos pelos autores.
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Notificados da contestação apresentada pela chamada M, vieram os autores reafirmar tudo aquilo que verteram na petição inicial e na réplica.
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Proferido despacho saneador, no âmbito do qual se fixou o valor da causa, se julgou improcedente a invocada (pelas rés CP, REFER e EMEF) excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, foi indicada a matéria de facto assente, e, bem assim, seleccionada a matéria de facto relevante para a decisão da causa que considerou controvertida, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
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Após a instrução dos autos, realizou-se a audiência final, sendo, então, proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
- Condenou as rés I, C e M, solidariamente, no pagamento ao autor V, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, da quantia €10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento;
- Condenou as rés I, P e M, solidariamente, no pagamento ao autor V, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, da quantia 837,81 (oitocentos e trinta e sete euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da citação para os termos desta acção até integral e efectivo pagamento;
- Condenou as rés I, P e M, solidariamente, no pagamento à autora C, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, da quantia €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento;
- Condenou as rés I, P e M, solidariamente, no pagamento à autora C, a título de compensação pelo dano patrimonial futuro, da quantia €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da citação para os termos desta acção até integral e efectivo pagamento;
- Condenou as rés I, P e M, solidariamente, no pagamento à autora C, a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais, a quantia de €7.471,19 (sete mil quatrocentos e setenta e um euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da citação para os termos desta acção até integral e efectivo pagamento;
- Condenou as rés I, P e M, solidariamente, no pagamento à autora C as quantias que esta venha a suportar, no futuro, com aquisição de medicamentos e com os tratamentos médicos a que terá de ser sujeita ao nível do acompanhamento médico-psiquiátrico, em consequência directa e necessária do acidente ferroviário em causa nestes autos, para debelar e/ou tratar as lesões e/ou sequelas derivadas do mesmo, relegando-se a fixação da indemnização correspondente para decisão ulterior;
- Absolveu as rés I, P, M de tudo o mais peticionado pelos autores; - Absolveu os réus F, E e FP dos pedidos contra si aduzidos pelos autores.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré M interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1-A Ré recorre da Sentença por considerar que a mesma faz uma errada interpretação de direito, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, designadamente quanto à natureza da responsabilidade da Recorrente, da confusão entre esta natureza e a qualidade de operador definida no DL 58/2008 de 26 de Março, da errada condenação solidária das Rés Metro, P e REFER e, por fim da errada absolvição da Ré F.

2- Quanto à natureza jurídica da responsabilidade da Recorrente, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que a mesma é contratual, aduzindo que " (. . .) Destarte. ainda que a ré M não tenha seja parte contratante nos contratos de transporte ferroviário firmados entre os autores, respectivamente, a ré CP. somos de considerar que a qualidade de operador, no caso vertente, pertence em conjunto e simultâneo. a ambas as rés. P e M e não apenas a uma delas em exclusivo."

3- Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal labora em erro, porquanto, há que distinguir a responsabilidade contratual e extracontratual em função do dever violado: na responsabilidade contratual o que está em causa é a violação do dever de prestar que nasce de uma relação preexistente entre as partes; na responsabilidade extracontratual está em causa a violação do dever geral de não interferir de posições absolutas, desligada de uma prévia relação existente entre lesante e lesado.

4- Aplicando esta distinção ao caso concreto, parece obvio concluir que a Recorrente não tinha para com os passageiros qualquer dever de prestar; esse dever de prestar existe apenas com a Ré CP, por força do contrato de prestação de serviços.

5- Para com os passageiros, a recorrente obriga-se a um dever geral de prevenção de perigo - enquanto prestadora de serviços à P - que, quando violado, dá lugar à sua responsabilidade extracontratual.

6- Acresce que o Tribunal confunde responsabilidade contratual com a definição de "operador' constante no artigo 2.° alínea f) do DL 58/2008 de 26 de Março.

7 - A recorrente pode ser considerada operadora no sentido em que está devidamen­te habilitada para a prestação de serviços de transporte ferroviário - conforme definido naquele normativo - mas não tem qualquer dever de prestar em relação aos passageiros.

8- Assim, mesmo que se entenda que a Ré M responde, como operadora, nos termos da 2a parte do artigo 25.odo DL 58/2008, o certo é que a responsabili­dade ali prevista não é definida como contratual, nem dele se pode retirar qualquer definição ou distinção entre responsabilidade contratual ou extracontratual.

9- Daquele normativo apenas se retira que a responsabilidade do operador é objectiva no sentido de que o operador pode ser chamado a responder sem culpa, nos casos em que os danos resultem de defeito da infra-estrutura ou avaria dos respectivos elementos.

10- No entanto, a responsabilidade objectiva do operador com direito de regressos sobre o gestor de infra-estruturas, prevista no artigo 25.° do DL 58/2008, deve ser conjugada com a responsabilidade por culpa do gestor de infra estruturas prevista no artigo 26.° do referido DL.

11- É que o legislador sentiu necessidade de autonomizar a responsabilidade do ges­tor de infra-estruturas, pelo que a melhor interpretação da conjugação de ambos os normativos será aquela que entende que a responsabilidade objectiva do operador ocorre, nos termos do artigo 25.°, quando existem culpas concorrentes entre operador e gestor de infra-estruturas: o operador responde por danos causados por sua culpa e responde sem culpa na parte que os danos ocorreram por culpa do operador de infra-estruturas.

12- Já quando a culpa é exclusiva do gestor de infra estruturas é este o único que res­ponde, nos termos do artigo 26.° do DL 58/2008 de 26 de Março.

13- No entanto, nada do que fica exposto belisca a natureza extracontratual da respon­sabilidade da Recorrente para com os passageiros, mas impõe a condenação exclusiva da Refer nos termos do artigo 26.° do DL 58/2008 de 26 de Março.

14- Na verdade, e no seguimento do entendimento supra exposto quanto à conjugação dos normativos do artigo 25.° e 26.° do DL 58/2008 de 26 de Março, é de afastar a responsabilidade objectiva do operador, quando se provou a culpa exclusiva do ges­tor de infra-estruturas, como sucedeu in casu, pois, citando a Sentença recorrida: "segundo se apurou o acidente/descarrilamento deveu-se, exclusivamente, a defei­tos existentes na infra-estrutura ferroviária, da responsabilidade (culposa) da ré R (ora denominada I).

15- Por fim, mesmo que se entenda que a Recorrente é operadora e que responde objectivamente nos termos do artigo 25.° do DL 58/2008 - desconsiderando-se o entendimento da Recorrente de que aquele normativo prevê a responsabilidade objectiva do operador apenas no caso de culpas concorrentes com o gestor de infra­estruturas, hipótese que se coloca apenas para efeitos de raciocínio, mas que não se concede - o certo é que, como já se expôs e frisou, tal responsabilidade objectiva em nada belisca a natureza extracontratual dessa responsabilidade da Recorrente para com os passageiros.

16-Assim, tendo a Recorrente celebrado o contrato de seguro com a Ré F, no caso de condenação da Recorrente, deve também a Ré F ser condenada, nos termos daquele contrato de seguro.

17- Violou, pois, a Douta sentença o disposto nos artigos 25° e 26.° do DL 58/2008 de 26 de Março, bem como o disposto no artigo 483.° do Código Civil e o artigo 1.° do DL 72/2008 de 16 de Abril.

Nestes termos, e nos melhores de direito que por V. Excelência não deixará de ser mui Doutamente supridos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se em conformidade a Sentença Recorrida, assim se fazendo a habitual, Douta e Sã JUSTIÇA.


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A Ré I, veio também recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida merece censura pois cometeu um erro notório na apreciação da prova e não fez correcta aplicação do direito à matéria de facto.
2. De acordo com a douta sentença, com interesse para a decisão, resultam provados os seguintes factos:
"1. A ré R (ora denominada I) é uma entidade pública empresarial com sede na Estação de Sta. Apolónia, em Lisboa, com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que tem por objecto principal a gestão da infra-estrutura integrante d a rede ferroviária nacional."
"2. Tem como competências atribuídas por lei a prestação de serviço público de gestão da infraestrutura integrante da rede ferroviária nacional, a construção, instalação, modernização e renovação das infraestruturas rodoviárias, o comando e controlo da circulação de toda a rede ferroviária nacional, a promoção, coordenação, desenvolvimento e controlo de todas as actividades relacionadas com a infraestrutura ferroviária. "
"3. À data de 22 de Agosto de 2008, encontravam-se transferidas para à ré R (ora denominada I) a gestão das infraestruturas anteriormente afectas à P, designadamente as respeitantes à linha do Tua."
"4. A ré P é uma empresa pública com sede na Calçada do Duque, n. ° …, em Lisboa, responsável pela prestação de serviços de transporte ferroviário nacional e internacional de passageiros, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira e constitui a actual denominação da antiga empresa pública então denominada P "
"5. A ré M é uma sociedade anónima de capitais públicos."
"6. A ré E é uma empresa pública dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, que tem como objecto a manutenção, em boas condições de funcionamento, do material circulante nas linhas ferroviárias nacionais."
"7. Entre a ora denominada F e a ré M, na qualidade de tomador, foi de facto celebrado um contrato de seguro do ramo "Responsabilidade Civil/Exploração Profissional", titulado pela apólice n.º … "
"8. A actividade do tomador, abrangida pela cobertura do contrato de seguro em causa, é a exploração de transporte no percurso Carvalhais/Mirandela/Tua, numa extensão de 58,2."
"9. No âmbito da cobertura do contrato, a ora denominada F assume o risco pela responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, directa e exclusivamente decorrentes de lesões, corporais e/ou materiais, causados a terceiros, na área de exploração da concessão no percurso Carvalhais/Mirandela/Tua, incluindo os danos causados aos proprietários das infra­estruturas e/ou aos utilizadores das composições. "
"11. Competia já à ré P 11 a exploração, em regime industrial, da rede ferroviária nacional, constituída pelas linhas férreas e ramais de interesse público, nomeadamente a prestação de serviços de transporte ferroviário de passageiros em linhas férreas, troços e ramais que integrem ou venham a integrar a rede ferroviária nacional, sendo que tal competência se transferiu para a P.
"12. A antecessora da P, por contratos de prestação de serviços celebrados, desde 1995 e sucessivamente renovados, (por isso em vigor à data de 22 de Agosto de 2008), havia cedido a realização da prestação do serviço ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela - Tua - Mirandela, à Ré da M, reservando para ela, P, a receita da bilheteira, conforme elementos documentais de fls. 449 a 497, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. "
"13. Em 22 de Agosto de 2008, a ré M, prestava serviço ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela ­Tua - Mirandela, fazendo transportar os passageiros, entre os quais se incluíam os autores da presente acção, na unidade motora … n.º …. "
"14. Sendo que tal unidade motora era propriedade daquela ré M
"16. A obrigação indicada em 6) abrangia a Unidade Motora … n.º ….”
"22. A via-férrea é diariamente inspeccionada por uma dresine ou unidade motora que, à frente da primeira circulação do dia detecta os problemas ali existentes. »
"23. O que sucedeu no dia do sinistro."
"24. São efectuadas inspecções semanais a um quarto da via-férrea, bem como inspecções mensais à mesma."

"25. O que sucedeu na semana/mês antes do sinistro."
"26. No dia 22 de Agosto de 2008, cerca das 10 horas e 40 minutos, no local denominado Vale de Anhos - Brunheda, freguesia de Pinhal do Norte, ao Km 20,399 da linha ferroviária do Tua, seguia o comboio n.º 6202 efectuado pela Unidade Motora LRV …, em sentido descendente, no troço compreendido entre Mirandela e Tua."
"27. O comboio havia partido da estação de Mirandela cerca das 9 horas e 37 minutos desse dia (22.08.08) e tinha como hora prevista para a chegada à estação de Tua cerca das 11 horas e 26 minutos. »
"28. No momento e local supra indicado em 26. º, a unidade motora LRV … começou a galgar via pela roda dianteira do lado esquerdo da referida composição."
"29. A roda dianteira do lado esquerdo da unidade motora apresentava algum desgaste."
"29. 1 As rodas dianteiras da unidade motora apresentavam falta de lubrificação do verdugo."
"30. Os carris apresentavam ligeira deformação plástica, evidenciada pela inexistência de ligeiras rebarbas na face superior do carril e de algum desgaste da mesma."
"31. A unidade motora LRV … apresentava elevada rigidez à torção, bem como rigidez das suspensões secundárias. "
“36. A respeito do acidente ferroviário em causa nestes autos, foi elaborado um relatório pela Comissão de Inquérito do Gabinete de Investigação e Segurança dos Acidentes Ferroviários (GISAF) aclarado em 22.10.08 por solicitação da Senhora Secretária de Estado dos Transportes formulada em 22.09.08, nos exactos termos constantes de tis. 692 e ss., relatório (respectiva aclaração - f1s. 54 s 63) esse cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. "
“37. Foi anexado ao relatório do GISAF, referido em 36.°, relatório elaborado pela P Frota, datado de 19.09.08, reportado ao acidente ferroviário em causa nestes autos, o qual consta de f1s. 69 e ss. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. "
"38. Sobre o acidente ferroviário em causa nestes autos, por determinação do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, foi elaborado, mediante colaboração de diversas entidades, relatório, denominado de preliminar, datado de 20. 10.2008, o qual consta de f1s. 1353 e ss. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido."
"39. A solicitação da R, EP, por entidade suíça (Schweizerische Bundesbahnen SBB), a respeito do acidente ferroviário em causa nestes autos, foi elaborado o relatório constante de tls. 953 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido."
"40. Cada um dos autores adquiriu um bilhete na bilheteira da P, em Mirandela, tendo pago o preço correspondente para o referido trajecto e circulavam no comboio já identificado, à data dos factos."
“41. Os bilhetes adquiridos pelos autores foram emitidos pela ré P»
3. A douta sentença "a quo" deu erradamente como provados os seguintes factos:
"32. A via ferroviária encontrava-se em vários sítios ao longo da linha, mas particularmente no focal onde ocorreu o acidente, empenada."
"33. Existiam travessas na via-férrea em avançado estado de degradação, a carecer de substituição, e/ou apostas irregularmente."
"34. Foram os sucessivos e alternados empenos existentes na zona de transição da curva - local do descarrilamento, que provocou a perda de contacto da roda esquerda da frente da unidade motora (roda de guiamento) com o carril, o que fez com que a sobredita roda, ao poisar, o tenha feito com o verdugo sobre a cabeça do carril, ficando sem guiamento, o que determinou o descarrilamento da unidade motora,"
"35. Que começou por fazer saltar da via o primeiro conjunto de quatro rodas até a composição sair integralmente da via, tombando sobre a sua esquerda e caindo numa ravina, ao longo da qual, em descida, foi sendo progressivamente projectada até se quedar, tombada, no fundo do vale, a uma distância da linha de sensivelmente 20 metros."
4. A testemunha F, engenheiro, no seu depoimento de 06-07-2015, das 11:18:24 às 12:00:05, referiu que o acidente aconteceu por "uma soma de situações" (aos 05:00 do seu depoimento), existiam dúvidas quanto ao "binómio roda-carril" (aos 06:20 do seu depoimento), o material circulante não era compatível com aquela via (aos 06:36 do seu depoimento). Mencionou ainda como causa do acidente o facto da composição ir "completamente lotada" (aos 07:17 do seu depoimento) e o facto de "metade das pessoas" ir "de pé" (aos 07:26 do seu depoimento), pelo que considerou uma das causas do acidente a "dinâmica da movimentação e peso das pessoas... " (aos 07:36 do seu depoimento). Explicou que "o empeno só por si não dá origem a um acidente" (aos 10:33 do seu depoimento). Esclareceu que as travessas não estavam em más condições (aos 11:00 do seu depoimento) e assegurou que fazem substituições regulares das travessas (aos 11 :21 do seu depoimento). Segundo referiu, havia "manutenção regular" da via e as juntas respeitavam os limites normais (aos 20:17 do seu depoimento). Referiu que existia dúvida sobre se o empeno já lá estava ou se resultou do próprio acidente.
5. A testemunha Raimundo Delgado, Professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), coordenador juntamente com o Professor Rui Calçada do Relatório Preliminar elaborado em conjunto pelo Centro de Saber da Ferrovia (CSF), pelo Instituto da Construção, pelo INEGI, da unidade de investigação do LAETA - Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica e pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP),e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), em 20 de Outubro de 2008, no seu depoimento de 07-07-2015, das 14:07:50 às 15:08:01, explicou que "se o material circulante fosse mais flexível, mais adequado ao tipo de via, provavelmente não teria ocorrido o acidente" (aos 09:28 do seu depoimento), que a "locomotiva não foi capaz de acomodar o empeno existente. Por isso, ocorreu o descarrilamento. .." (aos 10:15 do seu depoimento).
6. O Relatório Final de Inquérito ao acidente, de 22 de Outubro de 2008, subscrito por representantes da "R", da "P" e do "M", concluiu a fls. 29 e 30, que o acidente deveu-se a uma conjugação de factores nomeadamente "desadequadas características do material circulante, principalmente devidas à elevada rigidez à torção". E continua referindo que estes "factos são claramente observáveis na elevação da roda dianteira do lado esquerdo conforme ensaio de automotora acidentada no local". Menciona ainda que terão ainda contribuído para o acidente: O menor peso do bogie dianteiro; uma possível assimetria de cargas das rodas do mesmo; A redução de cargo vertical ao descrever a curva para a direita associada a uma maior concentração de passageiros nesse lado; A baixa velocidade a que circulava a composição; O elevado atrito no contacto roda/carril devido à rugosidade da maquinagem da roda e a possível falta de lubrificação do verdugo que impediu a descida da mesma; A flutuação da força de contacto roda-carril devida aos efeitos dinâmicos associados ao movimento da automotora; O facto das rodas posteriores serem as motoras.

7. O Relatório Preliminar elaborado em conjunto pelo Centro de Saber da Ferrovia (CSF), pelo Instituto da Construção, pelo INEGI, da unidade de investigação do LAETA - Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica e pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que são entidades independentes, elaborado em 20 de Outubro de 2008, aponta como causas do acidente desadequadas características do material circulante, principalmente devidas à elevada rigidez à torção, aspectos claramente evidenciados pela observação da elevação da roda dianteira do lado esquerdo quando a automotora foi colocada no local do acidente. Aspectos relativos ao menor peso do bogie dianteiro, uma possível assimetria na distribuição de cargas das rodas deste bogie, a redução da carga vertical ao descrever a curva para a direita associada a uma maior concentração de passageiros nesse lado, a baixa velocidade a que circulava a composição e o elevado atrito no contacto roda/carril devido à rugosidade da maquinagem da roda e a possível falta de lubrificação do verdugo, que impediu a descida da mesma, a flutuação da força de contacto roda-carril devida aos efeitos dinâmicos associados ao movimento da automotora e o facto das rodas posteriores serem as motoras terão contribuído para a criação de um cenário desfavorável conducente à ocorrência do acidente.
8. O Relatório elaborado pela entidade suíça Schweizerische Bundesbahnen SBB, entidade independente, a páginas 25/27 e 26/27 refere como conclusões (ponto 5) relativas ao veículo:
"Vehicle
• When reducing the weight by refitting the vehicle, the primary suspension was
not adapted to the new load balancing.
• The primary suspension lacks a significant attenuation.
• Wear of the flange in the leading axle in the area of 700 inclinetion.
• Very light vehicle is promoting the climb up of the wheel flanges.
• Difference in the mass of the bogies. The carrying bogie with 2950 kg was in front, the motor boogie with 3850kg behind.
• Flange lubricating device not working properly (not enough grease).
• Probably most of the passengers where on the riverside and looking out of the windows relief of weight on the wheels on the outside of the curve."
9. Quanto às possíveis medidas para reduzir o risco (ponto 6), é referido o seguinte:
"2) Make sure, that the flange lubrification is working und increase the amount of grease significantly.
5) Operation of two units with a fixed coupling. Each of lhe motor bogies in running direction.
6) Evaluate, if an adaptation of the primary and the secondary suspension can be done
in a easy way."
10. Deste modo, não se concorda com a douta sentença quando esta refere que "se conclui que a desadequação do material circulante não pode ter constituído causa direta e necessária para a produção do acidente, isto porque, não fossem os defeitos evidentes existentes na linha jamais se teria produzido o acidente ferroviário em causa nos autos. Fosse a desadequação do material circulante causa direta e necessária do descarrilamento, vários descarrilamentos já se teriam produzido desde o momento a partir do qual unidades motoras com as características daquela que interveio no acidente passaram a circular na linha do Tua."
11. De facto, tal conclusão está em total contradição com a prova testemunhal produzida e com a vasta prova documental que se encontra junto aos autos.
12. A douta sentença atribui, e bem, a obrigação de indemnizar das Rés "P" e M por responsabilidade civil contratual.
13. De facto, conforme refere a douta sentença, "as rés P e "M", enquanto operadoras, são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados aos aqui autores durante a viagem, vertidos nos factos provados, tomando em consideração, ademais, o incumprimento da obrigação principal de resultado, qual seja a da não entrega dos passageiros no loca! de destino."
14. No entanto, a obrigação de indemnizar das rés P e M não deverá decorrer apenas da responsabilidade civil contratual mas também da sua responsabilidade civil extracontratual.
15. Na verdade, como se verificou pela prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, assim como da prova documental que se encontra junto aos autos, o acidente resultou de um conjunto de factores, nomeadamente a "desadequação do material circulante".
16. "Sendo única a acção, haverá um concurso de pretensões, surgindo o dever contratual e o dever geral de não ofender direitos e bens alheios como deveres jurídicos independentes, colocados ao lado um do outro" (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.09.2012, Relatara Desembargadora Teresa Albuquerque, Proc. n.º 512/10.8TCFUN.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).
17. Deste modo, ao contrário do que refere a douta sentença "a quo", no quadro da responsabilidade civil extracontratual, perante a factualidade provada, deve ser assacada às rés P e "M" responsabilidade civil extracontratual pois conforme se apurou no presente processo, o acidente/descarrilamento deveu-se, também, como já foi referido, à desadequação do material circulante, que era responsabilidade destas entidades.

18. Além disso, conforme é considerado como facto provado na douta sentença, "No âmbito da cobertura do contrato, a ora denominada "F" assume o risco pela responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, directa e exclusivamente decorrentes de lesões, corporais e/ou materiais, causados a terceiros, na área de exploração da concessão no percurso Carvalhais/Mirandela/Tua, incluindo os danos causados aos proprietários das infra­estruturas e/ou aos utilizadores das composições."
19. Assim sendo, também a F deverá ser condenada, ao abrigo do contrato de seguro celebrado com a ré M, na qualidade de tomador, titulado pela apólice n.º 32/45966.
20. Deste modo, a obrigação de indemnizar das rés "P" e "M" deverá decorrer cumulativamente da sua responsabilidade civil contratual e da sua responsabilidade civil extracontratual.
21. E a F deverá ser condenada de acordo com do contrato de seguro celebrado.
Termos em que deve ser dado provimento à presente apelação, revogando-se, em conformidade com o presente recurso, a douta sentença recorrida.
Assim decidindo farão V. Ex.ªs a melhor JUSTIÇA!

*
Os AA. C e V, notificados das alegações de recurso da R. M, vieram interpor RECURSO SUBORDINADO (art. 633.º, n.º 2, do CPC), apresentando as seguintes conclusões:
l.º Por que, no caso vertente, a recorrente M efectuava o transporte dos AA., para o qual estava habilitada, em unidade motora própria, no seu interesse e disso auferindo proveitos, é manifesto que actua, na execução do transporte, como operadora, à luz do disposto no art.º 2.°, alínea f), do DL 58/2008 de 26 de Março;
2.a Nos termos do disposto no art.° 25.º, n.º 1, daquele referido Diploma Legal, responde pois, perante os AA., independentemente de culpa, com base no risco ou na responsabilidade objectiva, em sintonia aliás com as disposições gerais do nosso ordenamento jurídico sobre a matéria (art.º 503, n.º 1, 504, n.º 2 e 508, n.º 3, do Código Civil, preceitos aplicáveis ao transporte ferroviário, conforme decidiu o STJ em Acórdão de 16.11.06, proferido no processo n.º 05B2392, relator PIRES DA ROSA);
3.a Tal responsabilidade (objectiva) decorre directamente do disposto no art.º 25, n.º 1, do DL 58/2008 de 26 de Março, face à natureza da operação de transporte ali regulamentada, e obtém consagração independentemente de qualquer relação de comissão, não lhe sendo pois aplicáveis, ao contrário do que a douta sentença opina, as restrições do art.º 505.º do Código Civil, uma vez que tal responsabilidade só fica excluída por comportamento do passageiro e não por qualquer outro motivo (art. 25, n.º 2, do DL 58/2008);
4.a Se assim não fosse, então teria que achar-se tal responsabilidade resultante de inadimplemento contratual (art. 799.º do CC), que foi o caminho escolhido pelos Acs. da Relação do Porto de 7.04.05 e do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.13 referenciados no texto da presente alegação;
5.a E a natureza do contrato de transporte - obrigação de resultado - implica a responsabilidade de todos os intervenientes no circuito de transporte, que apenas é excluída quando haja culpa do próprio passageiro (art. 25.º, n.º 2, do DL 58/2008 de 26 de Março);
6.a A responsabilidade objectiva definida no art.º 25, n.º 1, do DL 58/2008 de 26 de Março é integral e incondicional em relação a outros eventuais culpados, sobre os quais poderá então exercer o direito de regresso (art. 507.º, n.º 2, in fine, do Código Civil);
7.ª Não tendo os AA., ora recorrentes subordinados, formulado qualquer pedido contra a interveniente F, que foi chamada pela recorrente M, como sua associada, necessariamente que não decaíram em pedido que não formularam e, consequentemente, não podem ser responsáveis por qualquer montante de custas relacionado com a absolvição daquela interveniente, pois não deram causa à intervenção da chamada F nem de tal intervenção retiraram qualquer proveito;
8.ª Deve pois a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e, consequentemente, declarar-se que a R. M responde, por via da responsabilidade objectiva ou pelo risco, por força do disposto no art.° 25, n.º 1, do DL n.º 58/2008 de 26 de Março e art.º 503.º, n.º 1, 504.º, n.º 2 e 508.º, n.º 3, do Código Civil;
9.ª E ainda que, por não terem decaído em qualquer pedido contra a interveniente F, que não foi por eles chamada aos autos e dessa intervenção não retiraram qualquer proveito, devem os AA. ora recorrentes serem isentados do pagamento de qualquer quantia a título de custas ocasionadas pela participação nos autos daquela interveniente, tudo nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1, do CPC;
10.a Violou pois a douta sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 25.º, n.º 1, do DL 58/2008 de 26 de Março e o art. 527.º, n.º 1, do CPC.
Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, se deve revogar parcialmente a douta sentença recorrida, de acordo com o disposto nas conclusões da presente alegação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
*
A recorrida P, no Recurso de Apelação interposto pela Recorrente I, veio apresentar as suas contra alegações, referindo em conclusão que:
a) A decisão recorrida fez correcta análise e apreciação da prova produzida nos autos, que subsumiu com rigor ao direito aplicável.
b) Nada havendo, contrariamente ao que pretende a Recorrente, a alterar ou corrigir de facto ou de direito.
c) Tanto mais que o Tribunal não pode, nem deve valorizar circunstâncias eventuais, meras conjecturas ou possibilidades, não confirmadas probatória ou empiricamente e, como tal, irrelevantes ­art. 607.°, n.° 5 do CP, Civil e 346.° do C. Civil.
d) Deve, assim, na improcedência da apelação ser integralmente mantida a decisão em apreço, com todas as consequências legais.
Assim decidindo, farão V. Exa a melhor Justiça.
*
A Ré M, notificada das alegações do recurso subordinado interposto pelos Autores C e V, veio apresentar, as suas contra-alegações, nelas formulando as seguintes conclusões:

1- Ao contrário da posição dos Recorrentes, entende o Metro que a R deve ser a única condenada nestes autos, ao abrigo do disposto no artigo 26.° do DL 58/2008, devendo o Metro e a CP ser absolvidos, porquanto se provou a culpa exclusiva daquela, tal como defende no recurso por si interposto.
2- O recorrido não põe em causa a natureza objectiva da responsabilidade prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 25.° do Decreto-Lei 58/2008 mas entende que, se o legislador sentiu necessidade de autonomizar a responsabilidade do gestor de infraestruturas no artigo 26.° do DL 58/2008, a melhor interpretação da conjugação de ambos os normativos é a de que a responsabilidade objectiva do operador ocorre, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 25.° daquele decreto lei, quando existem culpas concorrentes entre operador e gestor de infraestruturas: o operador responde por danos causados por sua culpa e responde sem culpa na parte em que os danos resultem de defeito da infraestrutura ou avaria dos respectivos elementos.
3- Quando os danos resultarem exclusivamente de defeito da infraestrutura ou avaria dos respectivos elementos, como resultou no provado no presente caso, então o gestor de infraestruturas responde directamente perante os passageiros nos termos do artigo 26.º do DL 58/2008, e não em sede de direito de regresso para com o operador.
4- Depois, ao contrário dos Recorrentes, entende o Recorrido que não se obriga para com os passageiros a qualquer dever de prestar consubstanciado numa obrigação de resultado, porquanto não celebrou nem celebra com os passageiros qualquer contrato de transporte, não se obrigando a, mediante um título de transporte, levar os passageiros do local de origem a um determinado destino.
5- Mas tendo contratado com a P a disponibilização das suas unidades motoras, para que a P as utilize para cumprir o contrato de transporte que, ela sim, celebrou com os passageiros, obriga-se a um dever geral de prevenção de perigo, que consiste em evitar que os passageiros sejam colocados em perigo quando utilizam as suas unidades motoras durante o transporte por aqueles contratados com a P.
6- Assim, a responsabilidade do Metro para com os passageiros, tal como definida pelo legislador no DL 58/2008, é extracontratual, e por isso, defende o Metro, aqui recorrido, que a Fidelidade - Companhia de Seguros Fidelidade não pode ser absolvida se se mantiver a sua condenação, ainda que pelo risco, - o que não se concede nem se admite mas que se coloca para efeitos de raciocínio -porquanto celebrou um contrato de seguro no âmbito do qual aquela assumiu o risco pela responsabilidade civil extracontratual.
7 - Em conclusão: não deve o Metro ser condenado por via da responsabilidade objectiva, uma vez que se provou culpa exclusiva da Ré R- e mesmo que assim não se entenda - o que não se concede nem se admite mas que se coloca para efeitos de raciocínio - e o Metro responda por responsabilidade extracontratual e objectiva, a Ré F, deve responder nos termos do contrato de seguro celebrado com o Metro.
Nestes termos, e nos melhores de direito que por V. Excelência não deixará de ser mui Doutamente supridos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo a habitual, Douta e Sã JUSTIÇA.

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Os recursos foram recebidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

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Foram colhidos os vistos legais.

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III. O objecto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Face às conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões a decidir:
- Relativamente à parte factual que a Ré I alega ter sido erradamente apreciada e respectivos vícios da sentença;
- Da natureza jurídica da responsabilidade da Ré M perante os AA. enquanto passageiros;
- Da qualidade de operador definida no DL 58/2008 e da respectiva responsabilidade aí definida;
- Da responsabilidade solidária das Rés M, P e R;
- Da decisão quanto à absolvição da Ré F;
- Da decisão quanto às custas.
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IV - Fundamentação de facto
Factos provados
1. A ré R (ora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) é uma entidade pública empresarial com sede na Estação de Sta. Apolónia, em Lisboa, com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que tem por objecto principal a gestão da infra-estrutura integrante d a rede ferroviária nacional.
2. Tem como competências atribuídas por lei a prestação de serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional, a construção, instalação, modernização e renovação das infra-estruturas rodoviárias, o comando e controlo da circulação de toda a rede ferroviária nacional, a promoção, coordenação, desenvolvimento e controlo de todas as actividades relacionadas com a infra-estrutura ferroviária.
3. À data de 22 de Agosto de 2008, encontravam-se transferidas para à ré R (ora denominada I) a gestão das infra-estruturas anteriormente afectas à P, designadamente as respeitantes à linha do Tua.
4. A ré P é uma empresa pública com sede na Calçada do Duque, n." …, em Lisboa, responsável pela prestação de serviços de transporte ferroviário nacional e internacional de passageiros, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira e constitui a actual denominação da antiga empresa pública então denominada P.
5. A ré M é uma sociedade anónima de capitais públicos.
6. A ré E é uma empresa pública dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, que tem como objecto a manutenção, em boas condições de funcionamento, do material circulante nas linhas ferroviárias nacionais.
7. Entre a ora denominada F e a ré M, na qualidade de tomador, foi de facto celebrado um contrato de seguro do ramo "Responsabilidade Civil/Exploração Profissional", titulado pela apólice n°. 32/45966.
8. A actividade do tomador, abrangida pela cobertura do contrato de seguro em causa, é a exploração de transporte no percurso Carvalhais/Mirandela/Tua, numa extensão de 58,2.
9. No âmbito da cobertura do contrato, a ora denominada F assume o risco pela responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, directa e exclusivamente decorrentes de lesões, corporais e/ou materiais, causados a terceiros, na área de exploração da concessão no percurso Carvalhais/Mirandela/Tua, incluindo os danos causados aos proprietários das infra-estruturas e/ou aos utilizadores das composições.
10. À data do acidente a autora C tinha 42 anos de idade.
11. Competia já à ré P a exploração, em regime industrial, da rede ferroviária nacional, constituída pelas linhas férreas e ramais de interesse público, nomeadamente a prestação de serviços de transporte ferroviário de passageiros em linhas férreas, troços e ramais que integrem ou venham a integrar a rede ferroviária nacional, sendo que tal competência se transferiu para a P.
12. A antecessora da P, por contratos de prestação de serviços celebrados, desde 1995 e sucessivamente renovados, (por isso em vigor à data de 22 de Agosto de 2008), havia cedido a realização da prestação do serviço ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela - Tua - Mirandela, à Ré da M, reservando para ela, CP, a receita da bilheteira, conforme elementos documentais de fls. 449 a 497, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. Em 22 de Agosto de 2008, a ré M, prestava serviço ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela - Tua ­Mirandela, fazendo transportar os passageiros, entre os quais se incluíam os autores da presente acção, na unidade motora … n." ….
14. Sendo que tal unidade motora era propriedade daquela ré M.
15. A qual, à data do acidente, era tripulada pelo seu funcionário, aqui réu, Fernando José Ferreira Pires, que conduzia aquela automotora, por determinação e a pedido da ré M, no trajecto do comboio n." ….
16. A obrigação indicada em 6) abrangia a Unidade Motora … n.º ….
17. À data do acidente cabia à R (ora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) a garantia do bom estado das infra­estruturas da via onde sucederam os factos em causa nos autos.
18. Em 12 de Fevereiro de 2007 deu-se o descarrilamento de uma carruagem propriedade da ré M, que causou a morte a três pessoas e ferimentos em outras duas.
19. Em Abril de 2008, a utilização de uma máquina pertencente à ré R (ora denominada I) causou acidente do qual resultaram dois feridos.
20. Foi elaborado relatório pericial, datado de 5.08.08, que tinha como objectivo analisar as causas do acidente ocorrido em 6.06.08, com a unidade motora … n…., que era conduzida ao momento do sinistro pelo réu F, relatório esse que concluiu pela culpa da R (ora denominada I), com base em deficiências existentes na linha, designadamente ao PK 2171, de onde resultaram as recomendações da R (ora denominada I) recolher e salvaguardar o registo de todos os aspectos que possam contribuir para apurar as causas dos acidentes e efectuar um levantamento exaustivo das condições da infra-estrutura na linha do Tua, que até a data do sinistro não se encontravam cumpridas.
21. A unidade motora supra identificada havia visitado as oficinas EMEF, S.A em 07, 18, 23, 28 e 31 de Julho de 2008 e 5, 8, 13, 19 e 21 de Agosto, onde foi sujeita a ensaios e verificações e considerada pela mesma entidade em boas condições.
22. A via-férrea é diariamente inspeccionada por uma dresine ou unidade motora que, à frente da primeira circulação do dia detecta os problemas ali existentes.
23. O que sucedeu no dia do sinistro.
24. São efectuadas inspecções semanais a um quarto da via-férrea, bem como inspecções mensais à mesma.
25. O que sucedeu na semana/mês antes do sinistro.
26. No dia 22 de Agosto de 2008, cerca das 10 horas e 40 minutos, no local denominado Vale de Anhos - Brunheda, freguesia de Pinhal do Norte, ao Km 20,399 da linha ferroviária do Tua, seguia o comboio n.º 6202 efectuado pela Unidade Motora LRV …, em sentido descendente, no troço compreendido entre Mirandela e Tua.
27. O comboio havia partido da estação de Mirandela cerca das 9 horas e 37 minutos desse dia (22.08.08) e tinha como hora prevista para a chegada à estação de Tua cerca das 11 horas e 26 minutos.
28. No momento e local supra indicado em 26.°, a unidade motora LRV 9503 começou a galgar via pela roda dianteira do lado esquerdo da referida composição.
29. A roda dianteira do lado esquerdo da unidade motora apresentava algum desgaste. 29.1 As rodas dianteiras da unidade motora apresentavam falta de lubrificação do verdugo.
30. Os carris apresentavam ligeira deformação plástica, evidenciada pela inexistência de ligeiras rebarbas na face superior do carril e de algum desgaste da mesma.
31. A unidade motora LRV … apresentava elevada rigidez à torção, bem como rigidez das suspensões secundárias.
32. A via ferroviária encontrava-se em vários sítios ao longo da linha, mas particularmente no local onde ocorreu o acidente, empenada.
33. Existiam travessas na via-férrea em avançado estado de degradação, a carecer de substituição, e/ou apostas irregularmente.
34. Foram os sucessivos e alternados empenos existentes na zona de transição da curva - local do descarrilamento, que provocou a perda de contacto da roda esquerda da frente da unidade motora (roda de guiamento) com o carril, o que fez com que a sobre dita roda, ao poisar, o tenha feito com o verdugo sobre a cabeça do carril, ficando sem guiamento, o que determinou o descarrilamento da unidade motora.
35. Que começou por fazer saltar da via o primeiro conjunto de quatro rodas até a composição sair integralmente da via, tombando sobre a sua esquerda e caindo numa ravina, ao longo da qual, em descida, foi sendo progressivamente projectada até se quedar, tombada, no fundo do vale, a uma distância da linha de sensivelmente 20 metros.
36. A respeito do acidente ferroviário em causa nestes autos, foi elaborado um relatório pela Comissão de Inquérito do Gabinete de Investigação e Segurança dos Acidentes Ferroviários (GISAF) aclarado em 22.10.08 por solicitação da Senhora Secretária de Estado dos Transportes formulada em 22.09.08, nos exactos termos constantes de fls. 692 e ss., relatório (respectiva aclaração - fls. 54 s 63) esse cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
37. Foi anexado ao relatório do GISAF, referido em 36.°, relatório elaborado pela P, datado de 19.09.08, reportado ao acidente ferroviário em causa nestes autos, o qual consta de fls. 69 e ss. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
38. Sobre o acidente ferroviário em causa nestes autos, por determinação do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, foi elaborado, mediante colaboração de diversas entidades, relatório, denominado de preliminar, datado de 20.10.2008, o qual consta de fls. 1353 e ss. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
39. A solicitação da R, por entidade suíça (Schweizerische Bundesbahnen SBB), a respeito do acidente ferroviário em causa nestes autos, foi elaborado o relatório constante de fls. 953 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
40. Cada um dos autores adquiriu um bilhete na bilheteira da CP, em Mirandela, tendo pago o preço correspondente para o referido trajecto e circulavam no comboio já identificado, à data dos factos.
41. Os bilhetes adquiridos pelos autores foram emitidos pela ré P.
42. Ao momento da ocorrência do descarrilamento, a unidade motora circulava animada a uma velocidade de cerca de 38 Km/h.
43. No local da ocorrência do sinistro ferroviário, a velocidade máxima permitida era de 35 Km/h.
44. Em consequência do sinistro a autora C foi "cuspida" pela janela, perfurando o vidro lateral e logo arrastada por uma passageira que viria a falecer, vindo finalmente a cair num pequeno vale que a convergência de taludes criou morfologicamente no fundo da ravina.
45. Tendo ficado durante cerca de cinco a dez minutos deitada num pequeno vale para escoamento das águas que ali existia no local e onde com a automotora por cima e atingida pelas descargas de gasóleo e óleo hidráulica da automotora, até que o seu companheiro a viesse socorrer.
46. Sendo que, naquele período observou a morte de uma passageira.
47. Designadamente, ouviu os funcionários da automotora gritar "Fujam, que há perigo de explosão ".
48. O que fez com que a mesma sentisse a iminência da morte.
49. Depois arrastada para um túnel que se situava por debaixo da linha e aí teve que ficar aguardando socorros durante cerca de uma hora.
50. Terminado esse período de uma hora, chegou o seu companheiro, aqui autor, que entretanto tinha ido obter contacto telefónico para a socorrer, acompanhado de mais alguns indivíduos que, a braço, a colocaram alguns metros acima, em local onde fosse possível mais tarde alguém a remover.
51. Aí se manteve durante cerca de mais uma hora, período após o qual foi removida para a linha e transportada de maca para a ambulância do INEM, situada a cerca de um quilómetro do local onde inicialmente a sinistrada se quedara.
52. Como consequência das lesões sofridas pela autora C, a mesma viu dificultada a saída do local e o transporte posterior, nesse mesmo dia, para o Serviço de Urgência do Hospital Distrital de Vila Real.
53. À entrada dessa entidade hospitalar, no referido dia 22.08.08, a autora apresentava, como consequência necessária e directa do acidente atrás descrito, as seguintes lesões: diminuição do murmúrio vesicular à esquerda, com efisema subcutâneo palpável e ferida corto-contusa no dorso da mão esquerda, bem como fractura do dente 25 e fractura da restauração do dente 47.
54. Foi ai submetida a exames imagiológicos que revelaram fractura da omoplata esquerda, fractura de três arcos costais à esquerda (3.°, 4.° e 7.°), contusão pulmonar e hemopneumotórax à esquerda.
55. Da mesma foram retirados corpos estranhos (vidros, pedras, paus e terra) que se apresentavam incrustados em várias partes do corpo, sobretudo na cabeça.
56. Posteriormente foi internada nos Serviços de Cuidados Intensivos e Cuidados Intermédios daquele Hospital, onde lhe teve que ser colocado um dreno no hemitorax esquerdo.
57. Permaneceu internada naquela unidade hospitalar de Vila Real, até ao dia 25.08.2008, altura em que foi transferida, a seu pedido e por se encontrar melhor do ponto de vista imagiológico, para os Hospitais da Universidade de Coimbra.
58. E aí permaneceu sob tratamento no Serviço de Cirurgia 1 daquela unidade hospitalar até ao dia 04.09.2008.
59. Durante esse período de internamento foi-lhe diagnosticado, do ponto de vista psiquiátrico, ansiedade e distúrbio de stress pós-traumático.
60. Em consequência do quadro em que se vira envolvida no acidente, deixou de conseguir dormir, tendo sempre que manter as luzes acesas no quarto.
61. Em 4.09.2008 foi transferida para o Hospital da Misericórdia da Mealhada, com indicação de manter imobilização do braço esquerdo durante quinze dias, após o que deveria iniciar mobilização progressiva, e bem assim, de efectuar controlo radiológico das fracturas, decorrido um mês, através do seu médico assistente. Ficou ainda orientada pelos serviços de medicina física e de reabilitação e psiquiatria.
62. Em Setembro de 2008 viu-se obrigada a efectuar um programa de reabilitação no Serviço de Fisioterapia do Hospital da Misericórdia da Mealhada, mantendo posteriormente tais tratamentos em regime ambulatório.
63. Em 14.05.09 evidenciava ainda toracalgia na face lateral da grelha costal esquerda, mais acentuada com a tosse e a inspiração; moderada omalgia à esquerda, com moderada diminuição da mobilidade articular do ombro, sobretudo a nível da abdução; cervicalgia com contractura muscular paravertebral, igualmente com compromisso das mobilidades.
64. Na sequência dos exames clínicos efectuados em 27.11.2008 no HMM teve que submeter-se a infiltração de corticóide no ombro esquerdo e ser medicada com medicação anti-álgica em regime de SOS.
65. Em 02.02.2009 foi novamente observada em consulta de Cirurgia nos HUC, mantendo as queixas anteriores, onde lhe foram recomendadas consultas de pneumologia, de psicologia e de psiquiatria.
66. Foi também aí alvo de Observação Psicológica no RMM, apresentando queixas de mudanças comportamentais e emocionais, nomeadamente associadas a situações que directa e indirectamente lhe evocam o acidente, como seja o simples facto de andar de elevador ou de entrar num comboio. A avaliação psicológica em causa confirmou o diagnóstico de Distúrbio de Stress Pós-Traumático já estabelecido nos RUC, o qual foi considerado contraproducente na sua vida social, profissional e familiar.
67. Teve que receber, até hoje, apoio psíquico e medicamentação para atenuar o stress pós-traumático de que ficou a padecer.
68. E de tal apoio continuará a necessitar no futuro.
69. Fixou-se a data de estabilização médico-legal em 1 de Março de 2010.
70. Desde aquela data a autora ficou definitivamente a padecer de aumento de sensibilidade, esquecimento, irritação e dificuldade em dormir.
71. Na verdade, a mesma tem, com frequência de pesadelos, durante o sono, representando tragédias semelhantes às que viveu na vida real em 22.08.08.
72. Até ao final do ano de 2010, a autora jamais foi capaz de entrar num comboio e entra em pânico com referência a situações relacionadas com a actividade ferroviária, inclusive túneis.
73. Deixou de poder entrar em elevadores, passou a ter vertigens e dores contínuas no hemitórax esquerdo e no ombro esquerdo.
74. Passou a ter dificuldades na respiração em períodos de alterações climatéricas.
75. Deixou de pode fazer esforços físicos (passando a ser incapaz de mudar sequer os móveis de casa), razão pela qual se viu obrigada a abandonar a prática do ginásio, da bicicleta e da natação, que constituíam actividades que exercitava regularmente.
76. Passou a ter que andar medicada diariamente até ao fim da vida, obrigada a tomar diariamente medicação vária, designadamente sertralina, sedoxil, tramal e nolotil em SOS.
77. Como consequência necessária e directa do acidente, ficou também a autora C com sequelas várias e definitivas, designadamente as seguintes:
a. Ráquis: mobilidades sem limitações; palpação dos processos espinhosos sem referência a dor; ligeira contractura a nível da musculatura para-vertebral lombar;
b. Tórax: no terço médio da face anterior do hemitorax esquerdo cicatriz linear, discreta, nacarada, com vestígios de pontos, medindo três centímetros de comprimento; na região interescapular cicatriz nacarada, linear, medindo três centímetros de comprimento; sem deformações apreciáveis das grelhas costais; dor localizada à grelha costal esquerda à compressão lateral do tórax;
c. Membro superior esquerdo: mobilidade dolorosa do ombro, com limitação nos últimos graus; no terço médio da face anterior e vertente lateral do braço, duas cicatrizes nacaradas, lineares, dispostas transversalmente, medindo a maior dois centímetros de comprimento e a outra um centímetro e meio de comprimento; no terço inferior da face lateral da mão, na região das articulações metacarpo-falângicas do 2.° e 3.° dedo, cicatrizes discretamente rosadas a maior medindo um centímetro e meio de eixo maior por cinco milímetros de eixo menor; refere diminuição da sensibilidade dos 1.°_3.° dedos da mão esquerda.
d. Membro inferior esquerdo: na metade esquerda da região lombar várias cicatrizes rosadas a maior medindo um centímetro de eixo maior por dos milímetros de eixo menor; no terço superior da face antero-lateral da perna, cicatriz nacatada, longitudinal, medindo seis centímetros de comprimento.
78. Ficou definitivamente a padecer de limitação dolorosa dos últimos graus de flexão e abdução do braço esquerdo e de dores intercostais ao nível da grelha costal esquerda.
79. Em virtude do acidente atrás descrito a autora ficou a padecer de perturbação de stress pós-traumático, com repercussão, em grau moderado a grave, na autonomia pessoal, social e profissional, num coeficiente de desvalorização de 15 pontos, o que impõe um tratamento médico regular, ao nível do acompanhamento médico-psiquiátrico, com forma de influenciar positivamente o prognóstico do caso e/ou, pelo menos, evitar o seu agravamento futuro.
80. Em razão das sequelas derivadas do acidente ferroviário, o período de défice funcional temporário total da autora foi de 30 dias.
81. O período de défice funcional temporário parcial foi de 527 dias.
82. O período de repercussão temporária na actividade profissional total foi de 214 dias.
83. E, o período de repercussão temporária na actividade profissional parcial foi de 343 dias.
84. Em consequência das sequelas derivadas do acidente ferroviário de que foi vítima, a autora ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 21 pontos, isto a partir da data da estabilização médico-legal das lesões, ocorrida em 1.03.10.
85. Tal défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, que a autora padecerá até ao fim da sua vida, apesar de compatível com o exercício da actividade profissional habitual, implica esforços suplementares da sua parte para o exercício da mesma, e afecta, irremediavelmente, a sua capacidade de fruição da vida.
86. Como consequência dos ferimentos e lesões sofridas e ainda dos tratamentos médicos a que teve que ser submetida, que foram dolorosos e de grande melindre, sofreu a autora dores, angústias e padecimentos.
87. O quantum doloris foi fixado no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
88. E o dano estético, consideradas as sequelas e cicatrizes existentes, foi avaliado pela mesma entidade no grau 3.
89. À data do acidente a autora era pessoa robusta, saudável e alegre, o que se veio a modificar após e em consequência do acidente em questão.
90. A autora é - e já era à data do acidente - técnica de justiça a prestar serviço nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de Aveiro.
91. Desde 2007 que vive na Mealhada, em situação de união de facto com o companheiro, V, também ele sinistrado no presente acidente.
92. Anteriormente à data do acidente deslocava-se do local da residência (Mealhada) para o local de trabalho (Aveiro) de comboio.
93. Mas após o acidente e face às consequências clínicas e psíquicas do mesmo resultantes e atrás referenciadas, até ao final do ano de 2010, a autora jamais conseguiu entrar num comboio, vendo-se obrigada a efectuar aquele transporte diário em automóvel.
94. As instalações do Tribunal de Trabalho de Aveiro onde a autora presta serviço encontram-se situadas num 3.° andar de um prédio urbano sito na Av. Dr. Lourenço Peixinho, servido por elevador.
95. Em consequência das lesões e incapacidades atrás descritas, a autora nunca mais conseguiu entrar num elevador, razão pela qual se vê obrigada a subir e a descer, várias vezes ao dia, as escadas de acesso ao seu local de trabalho.
96. No exercício da sua actividade profissional, à data de 22.08.08, a autora C auferia como salário/vencimento mensal o montante líquido de € 1.067,60 (mil e sessenta e sete euros e sessenta cêntimos).
97. Auferia ainda, como subsídio de alimentação, a quantia de €4,27 (quatro euros e vinte e sete dias) por dia.
98. E ainda mais a quantia mensal de €103,63 (cento e três euros e sessenta e três cêntimos) a título de suplemento por recuperação de processos.
99. Durante o período em que se encontrou com incapacidade para o trabalho (22.08.08 a 24.03.09), o Estado, através do Ministério da tutela, pagou-lhe sempre o salário base, mas já não as quantias devidas a título de subsídio de alimentação e de recuperação de processos.
100. A este título, a P, pagou à autora as quantias respeitantes ao período de 22.08.08 a 24.03.09 que a ela autora eram devidas a título de suplemento de recuperação de processos.
101. Mas já não as respeitantes aos meses de Fevereiro a Março de 2009, que ascendem ao exacto montante de €184,93 (cento e oitenta e quatro euros e noventa e três cêntimos).
102. E não pagou à autora as quantias que esta, em consequência do acidente, deixou de receber a título de subsídio de alimentação, no montante global de € 585,00 (quinhentos e oitenta e cinco euros).
103. Em despesas de farmácia ainda não reembolsadas gastou a autora a quantia de €98,14 (noventa e oito euros e catorze cêntimos).
104. E no pagamento do relatório do IML que a autora fez juntar aos presentes autos gastou a mesma a quantia de €1.385,00 (mil trezentos e oitenta e cinco euros).
105. Em virtude das lesões sofridas, ficou a autora incapacitada de andar de comboio, razão pela qual se viu obrigada a deslocar-se diariamente, da residência para o trabalho, e consequente regresso, em automóvel próprio.
106. Do local onde reside (Mealhada) até à cidade onde trabalha (Aveiro), e posterior regresso a casa, percorre a autora diariamente distância não inferior a 90 Km, o que perfaz exactamente um custo de €13,66 por dia, quando se se deslocasse de comboio não suportaria qualquer despesa, dada a isenção de que beneficiava por ser funcionária judicial.
107. De 24.03.09 a 27.07.09, a autora despendeu assim, uma quantia acrescentada de €1.147,44 (84 dias x €13,66), de 1.09.09 a 31.12.09, despendeu, ao mesmo título, uma quantia acrescentada de €1.147,44 (84 dias x €13,66) e finalmente durante o ano de 2010, despendeu uma quantia acrescentada de €2.923,24 (214 dias x €13,66).
108. O A autor V seguia também como passageiro na referida unidade motora, à data de 22.08.08, em viagem de turismo com a sua companheira, a autora C.
109. Após o descarrilamento abrupto da … n.º …, o autor foi projectado com violência de encontro ao resguardo do posto de condução da automotora e de seguida contra o tecto, o qual, em consequência do tombamento daquela, passou imediatamente a ser o chão.
110. Levantando-se e tendo dado conta que a autora C se não encontrava no veículo (ela tinha sido violentamente projectada pela janela), toma nas mãos a barra de desencarceramento e, a golpes sucessivos, com ela quebra o pára-brisas da unidade motora a fim de sair e vir prestar socorro à companheira.
111. Em consequência os embates sofridos, o autor V foi socorrido nesse próprio dia 22.08.08 e nos dias seguintes no Hospital Distrital de Vila Real.
112. Sofreu, em consequência dos embates acima descritos, traumatismo da coluna cervical e lombar, tendo em consequência desenvolvido um quadro de lombalgias pós­traumáticas incapacitantes.
113. Ao mínimo esforço que solicite o segmento lombar da coluna, sente de imediato sensação de dormência dos membros inferiores.
114. Apresentava então, em 18 de Março de 2009, rigidez dolorosa da coluna lombar baixa, contractura dos músculos das goteiras vertebrais lombo-sagradas e listes is L4- L5 co m lise ístmica bilateral de L4.
115. E foi-lhe médico-legalmente assinalada uma IPP entre 10 a 15 pontos, resultante de raquialgias pós-traumáticas e das consequentes disfunções residuais seculares.
116. Em consequência das lesões emergentes do acidente ferroviário de que foi vítima, o autor ficou com défice funcional permanente da integridade física fixável em 2 pontos.
117. O autor informou a ré P em 15.04.2009, da necessidade de ser submetido a intervenção cirúrgica, que sempre recusou custear as despesas clínicas a efectuar com aquela referida operação por, em seu entender, as lesões que exigiam tal operação não terem resultado do acidente.
118. Antes do acidente o réu praticava regularmente vários desportos, como sejam o ciclismo, o kayak, o remo fluvial, etc. sem limitação alguma.
119. Depois do acidente, em consequência das lesões nele sofridas e dos reflexos que estas provocaram no agravamento da sua situação anterior, deixou de poder praticar qualquer daquelas actividades.
120. As dores sofridas pelo autor, em consequência do embate e das lesões sofridas, foram intensas e fixáveis no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
121. O autor V é reformado da vida militar e um apaixonado pela circulação ferroviária.
122. Sofreu angústia que sentiu face ao desenvolver da tragédia na qual visionou o perecimento da vida da sua companheira.
123. Gastou em despesas médicas e medicamentosas para tratamento das lesões sofridas com o acidente, a quantia de € 837,81 (oitocentos e trinta e sete euros e oitenta e um cêntimos).
124. A circulação da unidade motora … n.º …, com a qual ocorreu o acidente ferroviário em causa nestes autos, estava autorizada pelo I.
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Factos não provados
1. O desgaste que apresentava a roda dianteira do lado esquerdo da unidade motora era excessivo e impedia o seu assentamento regular no carril, tomando-a inadequada e imprópria para a circulação.
2. O carril apresentava desgaste lateral, na face interior da cabeça, o qual determinava ângulos da tangente do ponto de contacto roda/carril.
3. Sendo que a existência do desgaste supra referenciado determinou o galgamento do carril pelos rodados.
4. A roda dianteira do lado direito da composição apresentava deformação que impedia o seu encostamento na superfície do rolamento do carril.
5. A suspensão da unidade motora LRV … encontrava-se deformada e submetida a uma elevada carga vertical.
6. Existia, ao momento do sinistro, assimetria na distribuição das cargas das primeiras quatro rodas.
7. O que provocava desequilíbrio na marcha do veículo, com especial incidência principalmente em trajecto curvo e a velocidades mais baixas.
8. As rodas dianteiras daquela unidade motora apresentavam falta de lubrificação do verdugo.
9. As travessas existentes no local do acidente não eram substituídas há mais de 18 anos, sendo que algumas foram ali colocadas há 40 anos.
10. As circunstâncias referidas em 29.0 a 31.0 e 33.0 dos factos provados, bem como as enunciadas em 1.0 a 8.0 dos factos não provados, concorreram como causa para a ocorrência do descarrilamento da unidade motora.
11. As circunstâncias enunciadas em 29.0 e 31.0 dos factos provados, verificadas na unidade motora LRV …, não existiam antes do sinistro, devendo-se, antes, ao mesmo.
12. Exista no balastro e em algumas traves existentes na via, no momento do sinistro, um óleo de lubrificação de coloração verde de diferente natureza do utilizado na manutenção. 13. Nas circunstâncias referidas no ponto 45.0 dos factos provados, a autora assistiu à iminência da morte de outras pessoas, para além da vítima que efectivamente faleceu.
14. Na chegada ao Hospital de Vila Real a autora deparou com todas as pessoas no átrio do hospital a olhar para a sua pessoa e a abanar a cabeça em sinal de despedida da vida. 15. Se não tivesse sido vítima do acidente a que os presentes autos se reportam, a autora ascenderia, em 15 de Novembro de 2008, ao terceiro escalão profissional, o que, em virtude daquela tragédia, só pôde ocorrer em 15 de Maio de 2009.
16. Em virtude de tal promoção, a autora ganharia mensalmente mais a quantia de €97,00 (noventa e sete euros), pelo que teve um prejuízo €582,00 (6 meses x €97,00), correspondente ao período (Novembro de 2008 a Maio de 2009) em que deixou de receber aquele acréscimo de rendimento.
17. Para tratamento e correcção das lesões sofridas, o autor necessitará de ser submetido a intervenção cirúrgica aí concretamente descrita, com vista a curar as dores lombares e dormência dos membros inferiores.
18. O autor V não tem disponibilidade económica para custear tal operação, que acarretará sempre um custo, a preços actuais, não inferior a € 9.758,00 (nove mil setecentos e cinquenta e oito euros).
19. Em consultas médicas de cardiologia e análises clínicas gastou a autora a quantia de €19,51 (dezanove euros e cinquenta e um cêntimos), da qual não foi ainda reembolsada.
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Quanto à 1.ª questão
Veio a Ré/Recorrente I, invocar em sede de recurso, nas conclusões do seu recurso que a sentença "a quo" deu erradamente como provados os factos dos pontos 32, 33, 34 e 35 da matéria dada como provada, e que a conclusão que aí se retira no sentido de concluir que "…a desadequação do material circulante não pode ter constituído causa direta e necessária para a produção do acidente, isto porque, não fossem os defeitos evidentes existentes na linha jamais se teria produzido o acidente ferroviário em causa nos autos. Fosse a desadequação do material circulante causa direta e necessária do descarrilamento, vários descarrilamentos já se teriam produzido desde o momento a partir do qual unidades motoras com as características daquela que interveio no acidente passaram a circular na linha do Tua" está em total contradição com a prova testemunhal produzida e com a vasta prova documental que junta aos autos, por entender que o acidente resultou de um conjunto de factores, nomeadamente a "desadequação do material circulante", pelo que deve ser assacada às rés P e "M" responsabilidade civil extracontratual.
Ora, para se concluir pela desadequação do material circulante, na óptica da recorrente, susceptível de imputar às referidas Rés a responsabilidade civil extracontratual pela ocorrência do acidente necessário seria que tivessem sido dados como provados factos que permitissem retirar essa conclusão por verificados os seus pressupostos a esse título.
Por outro lado, embora se refira terem sido os factos elencados nos mencionados pontos erradamente dados como provados, o facto é que nenhuma ilação depois retira a recorrente quanto à factualidade alegada que deveria, no seu entender, ser dada como provada, e o sentido da resposta que deveria ter sido dada àquela factualidade constante dos pontos 32, 33, 34 e 35.
Pois, como resulta do disposto no artº. 639º, nº. 2 e 640º, nºs 1 e 2 do NCPC, cabia-lhe, para além do ónus de especificação de cada um dos pontos da discórdia com a decisão recorrida, quer quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, quer quanto aos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, o de indicar a decisão que, na sua óptica, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, o que não fez.

Assim, face ao disposto no citado artº. 640º, nº. 1 do NCPC, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados [alínea a)]; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)]; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)].

Recai, assim, sobre a parte Recorrente um triplo ónus:

- primeiro, o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;

- segundo, o de fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;

- terceiro, o de enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

Relativamente a esta nova alínea c), do art. 640º, do CPC, o recorrente deve deixar “…expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”… Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 133.

Como tal, o recorrente, ao impugnar a matéria de facto, tem de especificar, de forma concreta, quais os pontos de facto impugnados, por forma a permitir que o julgador possa apurar ao certo a sua pretensão.

Como decidido na Revista n.º 212/06.3TBSBG.C2.S1, da 2.ª Secção, em que é Relator o Sr. Conselheiro Tomé Gomes, “(…) Impõe-se também ao impugnante, nos termos da al. c), do n.º 1,do art. 640.º do CPC, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. VII - O impugnante não satisfaz tais requisitos quando, como no caso vertente, omita completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova”.

Ora, nas alegações de recurso apresentadas pela recorrente, a mesma limita-se a tecer considerações sobre algumas conclusões e ilações retiradas pelo tribunal a quo na sentença proferida e valoração da prova produzida quanto a parte de alguns depoimentos prestados.

Não indica, contudo, qual o sentido da resposta a dar quanto à factualidade vertida nos pontos que refere terem sido erradamente julgados, o que obsta a que este tribunal se possa pronunciar, por falta de indicação do resultado pretendido quanto à impugnação da matéria de facto.

Assim, tem o recurso, nesse segmento, de ser rejeitado, ao abrigo do disposto no art. 640.º, n.º 1, als. a) e c), do Cód. Proc. Civil, mantendo-se, consequentemente, a decisão da matéria de facto inalterada, nessa base sendo de apreciar as demais questões colocadas, concretamente quanto ao tipo de responsabilidade a imputar às rés P e M

Como tal, face à matéria dada como provada e não provada, alicerçada na motivação nela detalhadamente elencada e fundamentada quanto à convicção formada, e o direito subsequente aplicável, com a respectiva análise das questões jurídicas que se suscitavam em relação a cada uma das partes e interveniente, conclui-se que a sentença contém tudo o que devia, quer quanto aos seus fundamentos de facto, quer de direito que conduziram à decisão proferida.

Questão diversa é a de saber se a decisão se mostra acertada ou errada, questão essa que nada tem a ver com as nulidades da sentença que a lei prevê e que será objecto de apreciação no tocante às demais questões suscitadas em sede do presente recurso.

Diferente, ainda, é ter-se outro entendimento e não se concordar com a decisão proferida.

Assim sendo, julgados inverificados quaisquer vícios, há que apreciar as demais questões supra elencadas.


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Quanto à 2.ª e 3.ª questão, entende a ré/recorrente "Metropolitano Ligeiro de Mirandela. S.A." que o Tribunal a quo laborou em erro, ao imputar-lhe a responsabilidade dos danos sofridos pelos AA., em consequência do acidente ocorrido, a título de violação contratual, porquanto considera que não tinha para com os passageiros qualquer dever de prestar, por essa incumbência caber exclusivamente à Ré P, por força do contrato de prestação de serviços celebrado entre esta e os AA.

Isto porque, de acordo com a sua perspectiva, o Tribunal confunde responsabilidade contratual com a definição de "operador' constante no artigo 2.°, alínea f), do DL 58/2008 de 26 de Março.

Defende, assim, em suma, que, para com os passageiros, apenas se obriga a um dever geral de prevenção de perigo - enquanto prestadora de serviços à P - que, quando violado, dá lugar à sua responsabilidade extracontratual.

Vejamos.

Ora, independentemente da análise dos restantes pressupostos, que aqui não tem lugar, verifica-se, antes de mais, que a responsabilidade civil pressupõe sempre um comportamento, uma conduta, enfim, uma acção, ou omissão nos casos em que houvesse um especial dever de agir ou de diligência, pessoal.

Contudo, situações há em que aquela responsabilidade tem a sua origem em facto alheio, praticado por um terceiro. Estes casos especiais de responsabilidade mediata, tradicionalmente, buscam o seu fundamento em violação de especiais deveres de diligência no exercício de actividades com repercussões sociais, ou outras considerações de natureza social. Ou seja, na sua matriz estas situações buscam o seu fundamento ainda assim, num acto pessoal culposo e, eventualmente, ilícito.

Assim, prevê o art. 500.º, n.º 1, do Código Civil, que: “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.”.

Trata-se verdadeiramente de um caso de responsabilidade por facto alheio.

Neste sentido, pode-se dizer que o responsável — o comitente — responde pela violação culposa pelo comissário de um dever que existe na esfera deste e que nada tem que ver os deveres do próprio comitente. Aliás, o dever de indemnizar, pode-se dizer, forma-se na esfera do comissário, transferindo-se depois para a pessoa do comitente.

Acontece que, embora, à data do acidente, a respectiva unidade motora onde os AA. eram transportados fosse tripulada por um seu funcionário (ponto 15, dos factos assentes), o facto é que a ele não pode ser assacada qualquer responsabilidade pela ocorrência do sinistro, por nenhum facto lhe poder ser assacado a título de culpa, face aos factos apurados, pelo que afastada fica a responsabilidade objectiva da recorrente Metropolitano como comitente, nem mesmo a título contratual ao abrigo do disposto no art. 800.º, do Cód. Civil.

Contudo, a responsabilidade objectiva, em face de novas realidades mais complexas com o advento da indústria, das máquinas, geradoras de riscos especiais e das novas estruturas organizativas que aquela indústria acarretou, também elas cada vez de maior densidade, levou a que se diluísse a responsabilidade baseada na culpa.

De uma forma natural, e dentro dos condicionalismos históricos acima descritos, a responsabilidade objectiva desenvolveu-se essencialmente no âmbito dos acidentes de trabalho e dos acidentes rodoviários, tendo estendido o seu campo de aplicação, nos últimos 50 anos, a outras áreas de actividade, como por exemplo no âmbito da responsabilidade do produtor, da instalação de redes de gás e outros, e tendo inclusive beneficiado de alguns afloramentos no âmbito da responsabilidade contratual (cfr. ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em geral, vol. I, p. 642 e ss., 8.ª Edição).

Assim, nessa perspectiva, dispõe-se no artigo 493.º, nº. 2, do mesmo diploma legal que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa, por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir”.

E, embora, a lei não defina o que deva entender-se por actividade perigosa, tem-se entendido que tais actividades são aquelas que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de causar dano; uma probabilidade maior do que a normal, derivada de outras actividades, devendo tratar-se de actividade que, mercê da sua natureza ou dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral (Acórdão do STJ de 17-6-2010, disponível em www.dgsi.pt).

A lei estabelece, neste caso, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa, o que determina uma inversão do ónus da prova; é aquele que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso (arts. 342.º e 344.º do CC).

Esta presunção de culpa assenta sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano; daí que, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.

O carácter perigoso das actividades impõe um especial dever de diligência e “afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade do responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências” – cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª ed., pág. 595.

Acresce que, pese embora o assento de 21-11-1979, tenha vindo clarificar as dúvidas que se colocavam, prescrevendo que “o disposto no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil, não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre”, o facto é que, no tocante à circulação ferroviária – assim como as principais actividades a ela ligadas – se tem entendido tratar-se de uma actividade perigosa excluída da previsão do assento, por via de uma leitura restritiva (citam-se, como exemplos, as provas de Karting, de rali, e, em geral, as provas de velocidade, cuja perigosidade não suscita controvérsia – cfr. Ac. de 5-11-1991 (Cardoso Lopes) B.M.J. 411-647 e Ac. da Relação de Évora de 29-11-2001 (Tavares Paiva) C.J.,5, pág. 253; Acs. do STJ de 9.2.2011, de 6.12.2012 e 2.6.2009; da RC de 7.5.2013; e da RL de 2.6.2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt), tendo em conta as suas concretas especificidades que exigem, para além do mais, a celebração de seguros de grandes riscos (JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, Janeiro de 1999, pág. 101).

Assim, nas situações enquadráveis na referida norma, a presunção de culpa do agente é ilidida pela demonstração de que actuou, não apenas como teria actuado o bom pai de família, pressuposto no art.º 487.º, n.º. 1, do C Civil, uma pessoa mediamente cautelosa, atenta, informada e sagaz, mas mais do que isso, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos.

Por isso se diz que o caso previsto no art.º 493.º, nº 2, do C Civil representa uma responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada, uma solução intermédia entre uma e outra, de modo tal que o responsável da lesão só fica exonerado quando tenha adoptado todos os procedimentos idóneos para evitar a eclosão dos danos.

Perante o exposto, quem tem o domínio de situações de perigo está adstrito a um “dever geral de prevenção de perigo”, cuja violação o faz incorrer na obrigação de indemnizar pelos danos sofridos por terceiros (Ac do STJ de 2-6-2009, disponível em www.dgsi.pt).

Acontece que, in casu, a causa de pedir que os AA. fundavam na inadequação da unidade motora à via, não ficou demonstrada, logrando a M e a P afastar a imputação dos factos que lhes eram imputados, dado que a inerente factualidade vertida nos autos a esse título não ficou provada, nem sequer a título de causa concorrente, antes tendo sido dada como não provada, tal como resulta dos pontos 1 a 8 e 10, desse elenco factual.

Como tal, também a esse título é de excluir a responsabilidade da referida recorrente.

Já, no tocante à responsabilidade obrigacional, o dano resulta da não realização da prestação, devendo ainda existir nexo de causalidade entre tal ato e dano. Esta pode assumir uma de três feições: mora; cumprimento defeituoso; incumprimento definitivo (cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume II – Transmissão e Extinção das Obrigações, Não Cumprimento e Garantias do Crédito, pp. 259 e seguintes).

Na esteira do defendido por Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 358, «Se, dum vínculo negocial, resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. A mesma directiva se impõe quando o facto que produz a violação do negócio jurídico – “rectius”, da relação que dele deriva – simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana».

O mesmo entendimento é perfilhado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8.05.2003, proferido no Processo n.º 03B1021, acessível em http://www.dgsi.pt, onde, citando Almeida Costa, se refere: «… perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio, o facto tem, em primeira linha, de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual. Nisto se traduz o princípio da consunção».

Assim, embora se entenda que afastada está a responsabilidade extracontratual da Recorrente M, há que apurar, com base no diploma que estabelece as condições que devem ser observadas no contrato de transporte ferroviário de passageiros e bagagens, volumes portáteis, animais de companhia, velocípedes e outros bens, se daí decorre a sua responsabilidade a título contratual como o entendeu o tribunal a quo ou não.

Ora, sob o capítulo da responsabilidade civil, dispõe-se no artigo 25.º, n.º 1, do DL 58/2008 de 26 de Março, quanto à responsabilidade do operador, cuja definição é dada pelo art. 2.º, al.f), do citado diploma, como qualquer empresa devidamente habilitada para a prestação de serviços de transporte ferroviário, que o mesmo é responsável pelos danos causados ao passageiro e a bens por este transportados durante a viagem, sem prejuízo do direito de regresso sobre o gestor da infra-estrutura ferroviária caso os danos resultem de defeito dessa infra-estrutura ou avaria dos respectivos elementos.

Por sua vez, decorre do artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma que o operador se obriga a transportar os passageiros munidos de títulos de transporte (…), cuja emissão e disponibilidade para a sua aquisição a si incumbe.

Daqui decorre que se é o operador quem presta os serviços de transporte, com ele se estabelecendo a respectiva relação contratual de transporte, é ele quem deve responder pelos danos causados aos passageiros, sem prejuízo de, sendo imputável ao gestor da infra-estrutura a culpa decorrente de tais danos, poder exercer o seu direito de regresso.

Assim, a responsabilidade que lhe é assacada é a titulo contratual, por via do citado art. 25.º, n.º1, decorrente do que expressamente aí é referido quanto à sua responsabilidade pelo transporte perante as suas concretas e específicas obrigações, e do seu posterior direito de regresso sobre o gestor da infra-estrutura em caso de responsabilidade extracontratual deste.

Só assim igualmente se entende o referido nesse preceito, dado que, de seguida, no art. 26.º, do mesmo diploma, se menciona os casos em que o gestor da infra-estrutura é responsável pelos danos causados aos passageiros e a bens por estes transportados.

Pois, se, como o entende a recorrente M, o artigo 25.° consagrasse culpas concorrentes entre operador e gestor de infra-estruturas, no sentido do operador responder por danos causados por sua culpa e sem culpa na parte em que os danos ocorreram por culpa do operador de infra-estruturas, nenhum sentido faria, então, o seu direito de regresso sobre o gestor da infra-estrutura quanto aos danos por si causados com culpa.

Isto porque, o titular do direito de regresso é um devedor com outros, nascendo o seu direito ex novo com a extinção da obrigação a que também ele estava vinculado.

Por outro lado, tal qual prescreve o n.º 2 do art. 25.° do citado Decreto-Lei n.º 58/2008, de 26 de Março, a responsabilidade das operadoras - P e "M" - apenas seria excluída se se alegasse e provasse que os autores, enquanto passageiros, não observaram os deveres e obrigações a que estavam obrigados, designadamente a aquisição do título de transporte e demais deveres relativos à segurança a respeitar relativa ao transporte, o que não sucedeu.

Pois, in casu, resulta dos factos provados, que cada um dos aqui autores outorgou com a ré P, um contrato oneroso de transporte ferroviário de passageiros, nos termos do qual a citada ré, se obrigou a prestar aos autores, enquanto passageiros e portadores de título de transporte, serviço ferroviário desde o local de origem (Estação de Mirandela) até ao local de destino (Estação do Tua), isto pela manhã do dia 22 de Agosto de 2008.

Acresce que, por cedência da ré CP, a realização da prestação do serviço ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela - Tua - Mirandela, cabia à ré/recorrente M (ponto 12 dos factos provados), ambas partilhando a prestação desse serviço de transporte ferroviário na linha do Tua, designadamente no troço onde se veio a dar o acidente ferroviário em causa nestes autos, e repartindo entre si proventos e obrigações inerentes à prestação do serviço em causa, na medida em que a M, assumiu, mediante contrapartida financeira a prestar por aquela, a execução e efectivação do transporte ferroviário de passageiros na linha do Tua, no percurso Mirandela ­Tua - Mirandela, sendo da sua propriedade a unidade motora interveniente do acidente, a qual era, também, tripulada por funcionário seu.

Assim, por via da partilha conjunta de benefícios, responsabilidades/obrigações e encargos, também da P que agora, para a apreciação deste ponto se torna inócuo elencar em pormenor, resulta evidente que ambas as rés, P e M assumiram o papel de operador, cabendo-lhes, em conjunto, assegurar a prestação do serviço de ferroviário em questão, tal como, e bem, o referiu o tribunal a quo.

Ora, entre outras, constituía obrigação do operador prestar o serviço objecto do contrato de transporte com segurança e qualidade, nos termos do art. 4, n.º 2, alínea g), do Decreto-Lei n.º 58/2008, de 26 de Março.

Por via do contrato de transporte incumbia ao transportador assegurar aos passageiros transportados, AA. na acção, o bom êxito do transporte, obrigando-se a manter a sua segurança durante toda a viagem, até chegar, nas condições contratadas, ao local de destino.

Como refere Rafael Silva, "Sobre a protecção da pessoa humana no transporte ferroviário, vol. IL Almedina, 2013, pág. 310 e ss., a prestação do serviço da operadora é uma obrigação de resultado, consubstanciada na entrega do passageiro são e salvo no local de destino, pelo que basta ao credor (passageiro) demonstrar a não verificação do resultado, ou seja, a não entrega no local e tempo acordados, para se verificar o incumprimento do devedor.

Assim, e tendo em conta que os passageiros AA. não chegaram ao seu destino, devido ao acidente ocorrido, violada foi, sem dúvida, a obrigação de resultado que as referidas Rés P e M estavam adstritas a cumprir, assim se constituindo na obrigação de indemnizar os autores, no âmbito da responsabilidade contratual, tal qual como se decidiu na 1.ª instância.

Nesta medida, não se comungando do entendimento da Ré/Recorrente Metropolitano, pelas razões e fundamentos apontados, tem o recurso de improceder nessa parte.


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Relativamente à questão seguinte, decorre do art. 512.º, n.º, do Cód. Civil, que ‘a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando um dos devedores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles’.

Ora, in casu, quer uma, quer outra das situações se verificam, na medida em que sendo vários os responsáveis pelo pagamento da indemnização fixada, ainda que a títulos diferentes, o pagamento de um libera o dos demais, e uma vez que os lesados/credores podem exigir a qualquer um a prestação integral do montante fixado a título indemnizatórios pelos danos por aqueles causados.

Acrescenta-se, ainda, no n.º 2, do citado preceito que ‘a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto dos devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente conteúdo das prestações de cada um deles (…)’.

Se assim é, então não se vê razão para diferenciar as outras situações em que os responsáveis se encontram obrigados a satisfazer uma indemnização pelos danos por si causados, ainda que a títulos diferentes, ou seja, uns, a título contratual, e, outros, a título extracontratual.

Acresce que, tal é o que resulta do disposto no art. 497.º, n.º 1 do Código Civil, ao determinar que, sendo várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

Por outro lado, essa parece ser a leitura a fazer-se do que se dispõe no art. 25.º, n.º 1, do DL 58/2008 de 26 de Março, pela atribuição de um direito de regresso do operador, enquanto obrigado contratualmente, sobre o gestor da infra-estrutura ferroviária, como responsável extracontratual, quando os danos resultem de defeito da infra-estrutura ou avaria dos respectivos elementos.

Pelo menos, no plano externo a relação entre o obrigado contratual e o obrigado civil surge sob a veste de uma solidariedade perfeita susceptível de permitir ao lesado exigir de ambos a totalidade do seu direito indemnizatório - artigos 512.º e 518º do Código Civil.

Como tal, também quanto a esse ponto tem também o recurso da Metropolitano de improceder.


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No tocante à questão da absolvição da F resulta da factualidade apurada que a ré M, na qualidade de tomador celebrou um contrato de seguro do ramo "Responsabilidade Civil/Exploração Profissional", titulado pela apólice n°. 32/45966, com a referida companhia de seguros, tendo por objecto o risco decorrente da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, fosse imputável ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, directa e exclusivamente decorrentes de lesões, corporais e/ou materiais, causados a terceiros, na área de exploração da concessão no percurso Carvalhais/Mirandela/Tua, incluindo os danos causados aos proprietários das infra-estruturas e/ou aos utilizadores das composições.

Ora, se a responsabilidade que é imputada à Metropolitano se funda em incumprimento contratual e não em responsabilidade extracontratual, dado que se provou que o acidente se verificou por culpa exclusiva da Refer, sobre esta tendo direito de regresso sobre a indemnização fixada e que venha a ser por si paga, excluída fica qualquer condenação da seguradora por não se encontrar abrangida no âmbito do seguro a responsabilidade da tomadora a um outro título, que não extracontratual.

Como tal, assentando a obrigação de indemnizar da ré M na responsabilidade contratual e não tendo sido para a ré F transferida tal responsabilidade, por via do seguro com ela celebrado, não cabe na sua esfera a assunção de tal risco, assim se excluindo qualquer obrigação sua de indemnizar.

Em conformidade com o exposto, entendemos que deve manter-se a absolvição da ré F, tal como o decidiu a 1.ª instância.


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Quanto à última questão, há que ter em conta que as custas judiciais ou processuais correspondem genericamente ao preço da prestação do serviço público de justiça nos tribunais, ou seja, em cada processo judicial. Embora a Constituição da República Portuguesa garanta acesso aos tribunais a todos os cidadãos, não afirma a gratuidade dos serviços de justiça. Só impõe que o preço a pagar não seja tão elevado, que dificulte consideravelmente esse acesso. Isto não significa, contudo, que as custas processuais correspondam ou permitam cobrir os custos reais do processo.

Relativamente aos incidentes deduzidos nos autos não têm os mesmos autonomia processual própria, na medida em que pressupõem sempre a existência de uma causa principal.

Em termos gerais, o incidente é o que surge acessoriamente no decorrer de uma questão.

Em termos processuais, poderemos afirmar que o incidente é toda e qualquer questão que pode ser levantada pelos intervenientes de um processo e que altera ou é susceptível de alterar a marcha normal do processo.

Nas doutas palavras de Alberto dos Reis incidente é “uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo” (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Pag. 563).

Assim, nos termos do nº 2, do artº 1º, do Regulamento, dispõe-se que se considera como processo autónomo, os incidentes que, corram ou não por apenso, possam dar origem a uma tributação própria.

Tais incidentes estão sujeitos ao pagamento de taxa de justiça, aquando do impulso processual, pelo valor constante da Tabela II, uns pelo valor exacto (intervenção provocada principal ou acessória de terceiros e oposição provocada, verificação do valor da causa e produção antecipada de prova).

A final, tendo em conta que a taxa de justiça corresponde ao impulso processual, no caso de haver apenas uma parte responsável por custas, esta pagará o remanescente de taxa de justiça através da imputação do valor remanescente na conta de custas.

Caso ambas as partes sejam responsáveis em virtude de ter havido decaimento (sucumbência) de cada uma, será elaborada uma conta para cada uma, na qual se imputará o valor referente ao remanescente, independentemente da proporção do decaimento, tendo em conta que o acerto dos valores será feito através do instituto de custas de parte previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e nos artigos 30.º a 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04.

Como tal, carece de qualquer fundamento a questão ora em apreço suscitada pelos AA., recorrentes subordinados, no seu recurso, tanto mais que não houve condenação em qualquer remanescente, nem os AA. foram condenados no pagamento de custas pela absolvição da interveniente por, em relação a ela, não ter deduzido qualquer pedido e pelo facto da demanda da interveniente ter por base conferir-lhe uma decisão de caso julgado em relação à seguradora, por forma a evitar uma posterior acção contra esta para o caso de vir a ser condenada e tal se enquadrar no âmbito do seguro.

Assim, a apreciação do incidente cingia-se a definir, desde logo, a situação entre tomador do seguro e seguradora para efeitos de posterior direito de regresso a que houvesse lugar.

Padece, pois, de fundamento o recurso dos AA., nessa parte.



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V. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos que anteriormente ficaram expostos, e julgar, assim, improcedentes os recursos interpostos, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes e recorridos, na proporção do decaímento.
Notifique.

v
TRG, 27.4.2017

(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)




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Maria dos Anjos S. Melo Nogueira







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José Carlos Dias Cravo





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António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida