Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6/19.6T8GMR-A.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: EXECUÇÃO
SUJEIÇÃO DO DEVEDOR AO PERSI
COMUNICAÇÕES PARA INTEGRAÇÃO DO DEVEDOR NO PERSI
PROVA DO ENVIO E RECEPÇÃO DAS COMUNICAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É sobre a instituição de crédito, Exequente/Embargada, que recai o ónus da prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos clientes bancários, Executados, no PERSI.
II- Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada já que, não demonstrando a instituição de crédito/exequente o prévio cumprimento dos princípios e regras imperativas estabelecidos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme decorre do disposto no artigo 17º, n.º 1, alínea b), faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão, levando, por isso, à extinção da execução instaurada.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

C. D., residente na Rua ..., nº …, Guimarães, deduziu a presente oposição à execução mediante embargos de executado, por apenso à execução n.º 6/19.6T8GMR, em que é exequente o Banco X, SA, com sede na Quinta da …, Edifício …, pedindo a extinção da execução.
Alega em síntese que a livrança dada à execução é relativa a um contrato de financiamento, não lhe foram comunicadas ou explicadas as cláusulas constantes do mesmo, não tendo as cláusulas resultando de negociação prévia entre as partes.
Alega ainda que o contrato deve ser julgado nulo, nos termos do disposto no artigo 9º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Mais alega que a Exequente não deu cumprimento ao estatuído no Decreto-Lei nº 227/12, de 25 de Outubro, não podendo recorrer à via judicial para recuperação do seu crédito, sem proceder à integração do executado no PERSI, o que não fez.
Por fim, alega que a Exequente não deu cumprimento ao protesto por falta de pagamento, perdendo o direito de acção contra os executados.
A Exequente veio apresentar contestação, impugnando parte da factualidade alegada pelo Embargante, mais alegando que foram comunicadas e explicadas pela Embargada todas as cláusulas que integram o contrato, que o Executado declarou aceitar e ter conhecimento integral das cláusulas, procedendo ao pagamento de doze prestações, agindo o Executado com abuso de direito.
Mais alega que deu cumprimento ao estatuído no Decreto-Lei nº 227/12, de 25 de Outubro, dirigindo notificações ao Executado para a morada constante do contrato, nunca o mesmo tendo apresentado qualquer resposta.
Por fim, alega que não estava obrigada a apresentar a livrança a protesto, peticionando que os embargos sejam julgados improcedentes e o executado condenado como litigante de má-fé.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador e dispensada a prolação do despacho destinado à fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: a:
“Pelo exposto, julgo a presente oposição à execução totalmente procedente, em consequência, declaro extinta a execução no que respeita ao embargante - artigo 732º, nº4, do CPC.
Custas pela exequente/embargada.
Registe e notifique.”

Inconformada, apelou a Embargada da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
CONCLUSÕES:
1. O Banco X, S.A., é uma instituição bancária, que no exercício da sua atividade em 11/05/2017 celebrou com o Embargante e com a co-executada D. R. o contrato de mútuo n.º …2 através do qual emprestou à Embargante a quantia de 14.898,48 €.
2. A quantia mutuada destinava-se à aquisição da viatura automóvel da marca BMW, modelo Serie – 3 Touring Diesel, com a matrícula MQ.
3. A referida quantia seria paga em 96 prestações mensais e sucessivas no valor de 228,00€ cada uma.
4. Sendo que cada uma das prestações, teria seu vencimento ao dia 05 (cinco) do correspondente mês.
5. O pagamento das referidas prestações tinha o seu início em 05/07/2017 e termo em 05/06/2025.
6. O Embargante e a Co-Executada, ainda que interpelados para o efeito em 13/11/2018, não liquidaram a prestação que se venceu em 05/07/2018, nem qualquer uma das que se seguiram.
7. Pelo que o Banco resolveu o contrato ora em questão, através de cartas registadas datadas de 04/12/2018, dirigidas ao Embargante e à co- Executada, para a morada que resulta do contrato.
8. Em sede de contratação do contrato de mútuo, os mutuários não só indicaram todos os dados relativos à sua situação profissional e pessoal (nome completo, número de contribuinte e Cc, identificação da morada, …), como procederam à junção de documentos, que diga-se, só os próprios poderiam ter acesso, nomeadamente cópia dos cartões de cidadão, cópia dos recibos de vencimento do devedor e cópia da declaração de irs.
9. O Embargado teria de integrar o Embargante no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) uma vez que se encontravam preenchidas as condições previstas naquele diploma.
10. Para o efeito, o Embargado remeteu ao Embargante missiva datada de 30/10/2017, a informar pelo seguinte: “Vimos por este meio informar que, na sequência do vencimento das prestações abaixo detalhadas, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeito a 30-10-2017
11. Seguida de nova notificação, esta datada de 20/11/2017, onde se informava o Embargante de que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), e da nossa carta de dia 31-10-2017, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa.”
12. Seguindo-se o envio de mais quatro notificações,
13. Uma para integração no âmbito do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), datada de 23/03/2018.
14. Seguida esta, de notificação datada de 09/04/2018, onde uma vez mais se informava o Embargante, que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PARI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento), e da nossa carta de dia 24-03-2018, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa”.
15. Uma outra notificação, datada de 25/06/2018, para nova integração em PERSI.
16. Seguida de uma última notificação datada de 16/07/2018, a dar nota do encerramento do PERSI atenta a ausência de resposta.
17. As notificações tendentes à integração em PERSI e PARI, foram todas expedidas por via postal para a morada comunicada pelo Embargante, a saber, Rua ..., n.º … Guimarães.
18. Da prova documental junta aos autos fica demonstrada integração do Embargante em PERSI, mediante carta dirigida a este.
19. Pois o Embargado procedeu ao escrupuloso cumprimento da lei na medida em que procedeu ao envio de notificação para integração e extinção [do cliente em PERSI] através de suporte duradouro (conforme regem os arts. 14/4 e 17/3), cumpre desde já precisar este conceito.
20. O próprio DL 227/2012 define “suporte duradouro” na alínea h) do art.º 3.º como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”, sendo precisamente o que o Embargado desenvolveu.
21. Na instrução do Banco de Portugal 44/2012 (a qual regulamenta o DL 227/2012) não há qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio registado.
22. Do DL 227/2012 não resulta a necessidade de envio das cartas por correio registado, pelo que, a contrário, é admissível o seu envio por correio simples (como no caso em apreço) e/ou por meios eletrónicos através de endereço de e-mail convencionado.
23. O diploma que rege o PERSI e a instrução que o regulamenta não prevêem esta forma registada, não poderá o julgador exigir tal formalidade, sob pena de violar a lei.
24. Deverá ser valorado o depoimento da testemunha I. R., contrariamente ao que promoveu o tribunal a quo.
25. Porquanto o mesmo se afigura imparcial e isento, sem contradições ou hesitações de vulto, criando assim uma prova firme, indiscutível e irrefutável, que necessariamente sustentaria a convicção que o tribunal não retirou. Devendo este servir de suporte aos elementos documentais disponíveis e carreados nos autos
26. Pois quanto à produção de prova, vigora o princípio da livre apreciação da mesma, legitimando o tribunal a formar a sua convicção atendendo a todos os meios de prova então produzidos.
27. A prova constitui o ponto central do processo e, consequentemente, do direito processual, sendo a prova testemunhal particularmente segura e estável, se da mesma constar a explicação da razão da sua ciência.
28. Pode o julgador, nos sistemas da livre apreciação da prova, formar a sua convicção sobre os factos, com base na observação e análise de toda prova que lhe é apresentada.
29. O depoimento testemunhal é hoje um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador devendo este avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição.
30. A prova testemunhal não pode deixar de ser entendida como autónoma, ou válida enquanto verdadeira.
31. Pelo que haverá de ser considerada como provada a factualidade atinente à notificação do embargante para integração deste em PERSI, atenta a prova documental e testemunhal deduzida nos autos.
32. Ainda que se entenda como provada a notificação do Embargante, o tribunal a quo, omitiu a apreciação dos factos e da prova disponíveis, quanto ao comportamento de falseamento da morada do embargante, levada a cabo por este.
33. O Embargante indicou sempre a morada Rua ..., n.º … Guimarães.
34. Para em 2019-12-23 por requerimento junto com ref.ª 9555242, vir informar os autos que tem morada na Rua ..., freguesia de ..., Guimarães.
35. Isto impõe uma prática culposa do Embargante.
36. Limita a atuação do Embargado no que respeita à capacidade de notificação do Embargante.
37. Impõe ainda que o Embargante tenha atuado com culpa, atentos o princípio da boa fé e ainda analisado à luz do critério do «bónus pater famílias».
38. A sua atuação culposa, impõe a validade da notificação, analisando-se o disposto no art.º 224.º n.º 2 do Cc.
39. Pelo que ao não se pronunciar acerca da atuação culposa do Embargante, o tribunal a quo introduz na sentença aqui recorrida um erro notório na apreciação da prova e um vício que se verifica quando da factualidade provada se extrai uma conclusão ilógica e irracional;
40. Querendo-se assim agora uma subsunção aos factos não provados do direito em causa, por omissa análise da prova disponível, interpretação e aplicação das disposições e princípios legais e por violação do preceituado nos arts. 6º, 7º, 411º, 607º, nºs 1 e 4 todos do CPC.
41. Devendo a deliberação a produzir, nomear nada mais do que a alteração da decisão recorrida, por existir manifesto erro de julgamento, quando são dados como não provados factos sobre os quais foi efetivamente deduzida a prova necessária e ainda, por não se concretizar a análise de todos os factos e prova deduzida nos autos”.
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso, e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida por outra que considere os embargos totalmente improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução.
O Embargante apresentou contra-alegações alegando que a Recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil e pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:
1 – Saber se a Recorrente deu cumprimento aos ónus de impugnação previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil;
2 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
3 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1º - O exequente é portador de um impresso uniformizado destinado a servir como livrança no valor de € 14.298,07, emitida em 04.12.2018 e com vencimento em 04.12.2018, onde figura aposta no local destinado ao subscritor a assinatura do executado C. D. e D. R..
2º - O Banco X, que é uma instituição bancária, e os executados celebraram um acordo identificado como “contrato de crédito”, datado de 11.05.2017, pelo qual o embargante e a sua mulher, co-executada, obtiveram o financiamento no valor de € 14.898,48, para aquisição de um veículo automóvel, marca BMW, modelo Série 3-Touring Diesel, com a matrícula MQ conforme documento junto a fls. 25 a 19, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
3º -A referida quantia seria paga em 96 prestações mensais e sucessivas no valor de 228,00€ cada uma.
4º - Cada uma das prestações, teria seu vencimento ao dia 05 (cinco) do correspondente mês.
5º- O pagamento das referidas prestações tinha o seu início em 05/07/2017 e termo em 05/06/2025.
6º - O embargante e a co-Executada não liquidaram a prestação que se venceu em 05/07/2018, nem qualquer uma das que se seguiu.
7º - A exequente procedeu à resolução do contrato e ao preenchimento da livrança dada à execução.
8º- As cláusulas do contrato de crédito foram comunicadas e explicadas ao embargante.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

a) O Embargado remeteu para o embargante uma missiva datada de 30/10/2017, a informar pelo seguinte: “Vimos por este meio informar que, na sequência do vencimento das prestações abaixo detalhadas, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeito a 30-10-2017.
b) Seguida de nova notificação, esta datada de 20/11/2017, onde se informava o Embargante de que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), e da nossa carta de dia 31-10-2017, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa.”.
c) Em 23/03/2018, foi dirigida pelo Embargado para o embargante nova notificação onde se referia que “no âmbito da criação do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), estamos a contactá-lo na sequência da deteção de indícios de fragilidade financeira que possam vir a pôr em causa o normal cumprimento do seu
contrato com a nossa instituição”.
d) Seguida esta, de notificação datada de 09/04/2018, onde uma vez mais se informava o Embargante, que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PARI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento), e da nossa carta de dia 24- 03-2018, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa”.
e) O Embargante recebeu uma outra notificação remetida pelo Embargado, datada de 25/06/2018, pela qual era informado de que “na sequência do vencimento das prestações abaixo detalhadas, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeito a 25-06-2018.”
f) - Notificação esta, à qual se seguiu nova notificação do Embargado, datada de 16/07/2018, onde lhe é dito, uma vez mais, que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), e da nossa carta de dia 26-06- 2018, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa.”
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3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

A)Do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil

Decorre do preceituado n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Dispõe este preceito (sob a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”) que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Resulta deste preceito que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
O Embargante nas contra-alegações que apresentou suscita a questão de não ter sido dado cumprimento pela Recorrente aos ónus impostos por este preceito, designadamente ao disposto na alínea b) do n.º 1 e nas alíneas a) e b) do n.º 2, uma vez que nas alegações de recurso não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso.
Vejamos então se deve rejeitar-se o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe obrigatoriamente a especificação dos pontos de facto incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 133) que “O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Uma das questões que a este propósito se vem suscitando é relativamente ao que deve constar obrigatoriamente das conclusões de recurso; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Conforme se lê no Acórdão desta Relação de 28/06/2018 (relator Desembargador Jorge Teixeira, disponível em www.dgsi.pt) “Deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
A este propósito pode ainda ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2017 (relator Conselheiro Tomé Gomes, também disponível em www.dgsi.pt) que são condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que “postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC”.
No mesmo sentido pode ler-se no sumário do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019 (relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt) que “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas também, e sobretudo, definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente nelas indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III – Quando o recorrente se limite nas conclusões a consignar, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil um juízo de natureza jurídica que pressupõe uma globalidade de factos, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpre o estabelecido naquele dispositivo, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte”.

Podemos então sintetizar dizendo que o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado quando se verificar alguma das seguintes situações:
- ausência de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635º n.º 4, e 641º n.º 2, alínea b);
- Falta de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640º n.º 1, alínea a);
- Falta de especificação, nas conclusões ou na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
- Falta de indicação, nas conclusões ou na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

Por outro lado, haverá ainda de distinguir, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se salienta ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
Temos também entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei e atender ao princípio da proporcionalidade (neste sentido v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, página 770, referindo que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o principio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto”).
Ora, analisadas as conclusões do recurso conclui-se que a Recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados por referência expressa às alíneas elencadas nos factos não provados; não obstante se nos afigurar pouco compreensível que, constando os factos não provados enunciados por referência a concretas alíneas, a Recorrente nas suas alegações/conclusões omita tal indicação, a verdade é que nas conclusões formuladas (cfr. conclusão 31) a Recorrente indica qual o resultado que pretende com a impugnação -que seja dada como provada a factualidade atinente à notificação do Embargante para integração no PERSI- e indica os concretos meios probatórios (documentais e declarações da testemunha I. R.) constantes do processo que em seu entender impõe tal decisão, resultando, por isso, que impugna a matéria de facto não provada respeitante às referidas notificações, em concreto as alíneas a), b), e) e f).
E, analisado o corpo das alegações verificamos que do mesmo consta que a Recorrente pretende ver julgados provados os factos constantes das referidas alíneas a), b), e) e f), e ainda das alíneas c) e d) dos factos não provados (e que se reportam às notificações para efeitos do PARI), referindo-se também a estas notificações nas suas conclusões.
Por outro lado, do corpo das alegações consta a indicação das declarações da testemunha I. R. e a sua transcrição na parte que a Recorrente entende relevante para o resultado por si pretendido.
Estando em causa apenas as declarações de uma testemunha e considerando ainda o decurso das suas declarações, a não indicação exata das passagens da gravação do depoimento nunca dificultaria, no caso concreto, o exercício do contraditório pelo Recorrido e nem o exame por este Tribunal, pelo que não justificaria, nos termos já expostos, sancionar a Recorrente com a rejeição do recurso.
De todo o exposto decorre que, não obstante a forma deficitária como a Recorrente apresenta as suas conclusões, ainda assim as mesmas apresentam-se como delimitadoras do objeto do presente recurso, pelo que iremos considerar cumpridos pela Recorrente os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do Código de Processo Civil quanto às alíneas a), b), c), d), e) e f) dos factos não provados, não sendo de rejeitar o recurso quanto à reapreciação da matéria de facto.
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B) Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto às alíneas a), b), c), d), e) e f) dos factos não provados

Analisemos então os motivos de discordância da Recorrente quanto aos factos julgados não provados, e que têm a seguinte redacção:
“a) O Embargado remeteu para o embargante uma missiva datada de 30/10/2017, a informar pelo seguinte: “Vimos por este meio informar que, na sequência do vencimento das prestações abaixo detalhadas, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeito a 30-10-2017.
b) Seguida de nova notificação, esta datada de 20/11/2017, onde se informava o Embargante de que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), e da nossa carta de dia 31-10-2017, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa.”.
c) Em 23/03/2018, foi dirigida pelo Embargado para o embargante nova notificação onde se referia que “no âmbito da criação do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), estamos a contactá-lo na sequência da deteção de indícios de fragilidade financeira que possam vir a pôr em causa o normal cumprimento do seu contrato com a nossa instituição”.
d) Seguida esta, de notificação datada de 09/04/2018, onde uma vez mais se informava o Embargante, que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PARI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento), e da nossa carta de dia 24- 03-2018, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa”.
e) O Embargante recebeu uma outra notificação remetida pelo Embargado, datada de 25/06/2018, pela qual era informado de que “na sequência do vencimento das prestações abaixo detalhadas, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeito a 25-06-2018.”
f) - Notificação esta, à qual se seguiu nova notificação do Embargado, datada de 16/07/2018, onde lhe é dito, uma vez mais, que “na sequência da adesão de V. Exa. ao PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), e da nossa carta de dia 26-06- 2018, vimos por este meio informar que o mesmo foi encerrado por ausência de resposta de V. Exa.”.

Atentemos na motivação da decisão da matéria de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem.
Assim, e para além dos factos que estão assentes por acordo das partes, nos termos do artigo 574º, nº 2, do NCPC e dos que resultaram demonstrados por documento bastante, a prova produzida relevante reconduziu-se na essência à 5 apreciação da prova documental realizada nos autos e ao depoimento prestado pela testemunha inquirida no decurso da audiência de julgamento.
Valorou-se, assim, a livrança junta aos autos de execução, o contrato de crédito celebrado entre as partes, junto a fls. 25 a 38, as missivas juntas a fls. 39 a 47 e os documentos juntos a fls. 55 a 57.
A testemunha A. V., funcionária da exequente, esclareceu o teor do contrato de crédito celebrado entre as partes, assegurando que só conseguiram contactar o executado uma vez, através de uma chamada telefónica que terá sido efectuada pelo mesmo, muito embora também tenha assegurado que não teve qualquer intervenção nos factos em causa nos autos, uma vez que iniciou as suas funções no departamento de contencioso em data posterior aos factos em causa nos autos.
Assegurou ainda que o embargante já havia celebrado outro contrato com a exequente, que tinha cumprido, e que as cartas que foram enviadas para o embargante, designadamente com o contrato, foram remetidas para a morada do embargante, que consta do contrato, não tendo sido entregues, “tendo sido devolvidas”.
Por seu turno, a testemunha I. R., assistente administrativa, assegurou que o sistema envia de forma automática as comunicações constantes em a) a f) dos factos não provados, sendo tais notificações efectuadas por carta simples, que não foram devolvidas, não tendo qualquer reacção por parte do embargante.
Por fim, a testemunha A. R., funcionária da empresa que intermediou o crédito, presou um depoimento sereno e seguro, e por isso se mostrou convincente, assegurando que o teor do contrato foi lido e explicado ao embargante, que o assinou na sua presença, tendo o embargante ficado esclarecido do teor do contrato.
Ora, considerando o teor deste depoimento o Tribunal ficou convencido que as cláusulas do contrato de crédito foram comunicadas e explicadas ao embargante.
No que respeita às comunicações constantes dos factos dados como provados, tal factualidade resultou como não provada em virtude da insuficiência de prova credível da sua verificação.
Com efeito, não obstante a exequente ter efectuado a junção de documentos com vista a demonstrar a notificação do embargante no âmbito do PERSI e do PARI, o que consistiu um indício de que a exequente procedeu a tal notificação, o certo é que não logrou demonstrar que tais documentos foram efectivamente enviados para o embargante (não podemos deixar de realçar que nenhuma testemunha foi capaz de assegurar que efectivamente tais documentos foram enviados, apenas tendo sido mencionado que o “sistema os envia automaticamente”, através de correio simples).
Não se olvida que no contrato celebrado entre as partes foi estabelecido na cláusula 19ª que as comunicações referidas no contrato se presumem válidas e eficazes se efectuadas para as moradas nele indicadas, ficando o Banco autorizado a comunicar com os intervenientes qualquer assunto relacionado com o contrato por via postal (fls. 28).
Sucede que a prova que foi realizada pelo exequente não suficiente para concluir que as notificações constantes dos factos dados como não provados foram enviadas para o embargante, nem que o mesmo as recebeu.
Finalmente, as respostas negativas relativas aos restantes factos, e para além do que já ficou dito, deveram-se à ausência e/ou insuficiência de prova sobre os mesmos, nomeadamente testemunhal ou documental”.
Vejamos.
Entendeu o Tribunal a quo que, analisando a prova documental junta aos autos e as declarações das testemunhas ouvidas, designadamente da testemunha I. R. a que a Recorrente faz apelo, não resulta dos autos prova suficiente para julgar provado que as notificações em causa foram enviadas para o Embargante.
Os factos em causa dizem respeito às notificações que a Recorrente alega ter enviado ao Embargante em cumprimento do disposto nos artigos 14º e 17º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (Estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações).
Reconhecendo a Recorrente que tinha de integrar o Embargante no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (de ora em diante apenas PERSI) resulta do referido diploma legal que se impunha a obrigação de lhe comunicar a integração e extinção em PERSI através de “suporte duradouro”.
Dispõe o artigo 14º do Decreto-Lei n.º 227/2012 que mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (n.º 1) e que no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro (n.º 4).
E, segundo preceitua o artigo 17º do mesmo diploma a instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento (n.º 3), só produzindo a extinção do PERSI efeitos após essa comunicação, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1 (n.º 4).
A alínea h) do artigo 3º define o “suporte duradouro” como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
É indiscutível que a lei exige uma determinada forma para a comunicação da inserção do cliente no PERSI, bem como para a sua extinção, não sendo também de questionar que uma carta deva ser considerada como um suporte duradouro.
Sustenta ainda a Recorrente que a lei não impõe que as comunicações referentes ao PERSI sejam enviadas por correio registado e que é admissível o seu envio por correio simples, ou por meios electrónicos, designadamente através de endereço de e-mail convencionado, não podendo o julgador exigir tal formalidade sob pena de violar a lei.
Porém, não está aqui em causa que o Tribunal a quo tenha exigido tal formalidade mas apenas que em face da prova apresentada pela Recorrente não formou convicção segura de que as comunicações foram enviadas.
O que está em causa é a prova do envio dessas comunicações, recaindo sobre a Recorrente o ónus de fazer tal prova.
Para o efeito a Recorrente juntou aos autos documentos que alegou serem as cartas enviadas ao Embargante e indicou como testemunha I. R..
Da análise dos referidos documentos resulta desde logo que não estarão em causa cartas registadas com aviso de receção, e nem sequer cartas registadas, pois que dos autos não consta qualquer talão de registo, prova de depósito ou aviso de entrega, comprovativo da sua expedição ou receção; mas apenas cartas que, a terem sido enviadas, seria por correio simples (resulta aliás da posição da Recorrente que envia as comunicações referentes ao PERSI por correio simples).
Assim, os documentos por si só não permitem concluir pelo efectivo envio das cartas.
Temos, por isso, de concluir, ao contrário do que sustenta a Recorrente, pela inexistência de prova documental demonstrativa do efetivo envio das cartas atinentes à integração no PERSI e à sua extinção, bem como para integração no Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI).
Quanto à existência de prova testemunhal a questão que se coloca em primeiro lugar é a da sua admissibilidade como prova da forma de comunicação da integração no PERSI e sua extinção, uma vez que se não podem considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova.
Acompanhamos aqui de perto a jurisprudência constante dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (Relator Desembargador Pedro Martins) e de 21/05/2020 (Relatora Desembargadora Laurinda Gemas) e da Relação de Évora de 27/04/2017 (Relatora Maria João Sousa e Faro), todos disponíveis em www.dgsi.pt, segundo a qual exigindo a lei uma determinada forma para a comunicação da integração no PERSI e da sua extinção, essa forma de comunicação, não pode, por regra, ser provada por testemunhas.

Como se escreve no referido Acórdão da Relação de Lisboa de 21/05/2020 “tendo em atenção o disposto nos artigos 364.º e 393.º, n.º 1, ambos do CC, pese embora não estejamos perante a exigência legal de uma certa forma para uma declaração negocial com o fim de fazer prova dela, mas antes perante a exigência legal de uma certa forma para comunicação de determinadas informações com o fim de fazer prova daquela, a razão de ser daqueles preceitos legais é a mesma, pelo que estes devem ser aplicados por analogia (cf. art. 10.º do CC). Isto é afirmado de forma categórica no referido acórdão da Relação de Lisboa: “se a lei exige uma forma para a [prova da] comunicação, não se pode saltar por cima da forma, provando a comunicação através de testemunhas. E não se poderia invocar aqui aquilo que em geral se diz sobre estas normas, isto é, que elas já admitem prova testemunhal quando há um começo de prova escrita, porque esse começo de prova escrita não pode ser o próprio documento cuja existência se está a averiguar.”
Também neste sentido se afirma no citado Acórdão da Relação de Évora que “exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro” ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) - cfr. artº 364º nº2 do Cód. Civil”.
E no Acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2018 considera-se ainda que “Quem se quer prevalecer de declarações receptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da recepção das declarações pelos seus destinatários (art. 224/1 do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa recepção (art. 342/1 do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (arts. 256 a 258 do CPC), mas faz-se normalmente com um aviso de recepção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta [como o exequente fez com o registo da carta doc. 8 junto pelos executados], junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras dos arts. 224 do CC).
Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. Não lembraria a ninguém que um tribunal dissesse que notificou alguém com base apenas no facto de um juiz ou de um funcionário judicial dizer que essa pessoa foi notificada. Naturalmente que existe sempre um registo dessa notificação que pode ser exibido quando necessário. O mesmo vale para as seguradoras e para os bancos, que não podem vir dizer, em questões que podem ter consequências graves para as contrapartes, que notificaram ou comunicaram fosse o que fosse, sem prova objectiva de o terem feito (…) Ou seja, quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a recepção de uma carta, pede-se ainda o aviso de recepção ou requer-se uma notificação avulsa. Ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com o depoimento de dois empregados seus que dizem tê-las enviado (o que, como se viu, nem sequer é o caso). Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração receptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa).
A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, ou o depoimento de um empregado de uma empresa – que depende dos rendimentos que lhe advém do seu trabalho nela e que para além disso está a tentar provar que fez o seu trabalho como lhe é dito, agora, que devia ter feito – no sentido de ter escrito e enviado essa carta, facto que pode ser determinante para a sorte de uma acção, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio”.
Dir-se-á, contudo que, a considerar-se como possível valorar, no caso concreto, a prova testemunhal, ainda assim se concluiria que a mesma não seria suficiente para julgar provado que as notificações em causa, constantes dos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, foram efectivamente enviadas para o Embargante.
De facto, ouvidas na íntegra as declarações prestadas pela testemunha I. R., assistente administrativa, e que se pronunciou sobre esta matéria, constatamos que a mesma se limitou a afirmar que o Embargante foi integrado de forma automática em PERSI e que o sistema emite de forma automática as comunicações, as quais são efectuadas por carta simples; esclarecendo ainda que nem sequer é a Recorrente quem procede ao efectivo envio das cartas mas sim uma entidade terceira, concretamente uma gráfica que tem protocole com a Recorrente.
Não podemos ainda deixar de referir a diferença (não explicada) de procedimento que ressalta dos documentos juntos pois que as cartas alegadamente emitidas de forma automática e enviadas aquando da integração no primeiro PERSI foram enviadas separadamente para o Embargante e D. R., residentes na mesma morada, enquanto as cartas posteriores são dirigidas a ambos (destinando-se a mesma carta aos dois), já não sendo enviadas cartas separadamente para cada um.
Não existem, por isso, elementos de prova que permitam com segurança considerar provado o envio das cartas, não se podendo afirmar a existência de erro de julgamento do tribunal a quo ao dar como provados as alíneas a) a f) dos factos não provados, não resultando fundamento para alterar a decisão recorrida no sentido pretendido pela Recorrente.
Assim, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
***
3.4. Reapreciação da decisão de mérito da acção

No que se refere à decisão jurídica propriamente dita, mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada em 1ª Instância, terá a mesma também que se manter, tanto mais que a alteração da decisão jurídica no sentido pretendido pela Recorrente pressupunha, desde logo, a alteração da decisão de facto.
Conforme decorre da posição assumida pela Recorrente não vem questionada a aplicação ao caso concreto do regime consagrado nos artigos 12º e seguintes do referido Decreto-Lei n.º 227/2012, respeitantes ao PERSI.
O PERSI é aplicável aos clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e constitui uma fase pré-judicial que tem em vista a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: a fase inicial, a fase de avaliação e proposta e a fase de negociação, conforme decorre dos artigos 14º, 15º e 16º do referido Decreto-Lei n.º 227/2012.
Aceita também a Recorrente ser sua obrigação integrar o Embargante em tal procedimento por se encontrarem preenchidas as condições previstas no referido diploma.
O que a Recorrente afirma nos presentes autos é ter procedido a tal integração e à respetiva comunicação ao Embargante; contudo, tal como decorre da matéria de facto, não logrou a Recorrente demonstrar ter procedido à referida integração e comunicação, conforme era de seu ónus.
O artigo 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012 preceitua que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual (n.º 1).
Tal como se afirma na sentença recorrida a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento; entendeu o Tribunal a quo que, não tendo a Recorrente demonstrado tal integração estamos, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância, existindo um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade.
A jurisprudência (cfr. os Acórdãos já citados, e ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 14/01/ 2020, Relatora desembargadora Ana Lucinda Cabral, e de 09/05/2019, Relatora Desembargadora Judite Pires, também disponíveis em www.dgsi.pt), que também aqui acompanhamos, tem vindo efetivamente a considerar que, não tendo a instituição de crédito diligenciado pela integração do cliente bancário no PERSI, previamente à instauração da ação executiva, se está, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, uma vez que, não estando demonstrado o cumprimento por parte da instituição de crédito dos princípios e regras imperativas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 227/2012, à mesma se encontra vedada a possibilidade de intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme dispõe o artigo 18º n.º 1, alínea b), faltando desse modo um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão.
Neste sentido se afirma no sumário do Acórdão da Relação de Évora de 28/06/2018 (Relator Desembargador Mata Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt) que “2 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.”

No caso em apreço, impõe-se concluir que a Recorrente não logrou demonstrar o cumprimento da sua obrigação de integração do Embargante no PERSI, uma vez que não logrou provar ter procedido ao envio das cartas de integração, e também de extinção, o que consubstancia incumprimento de norma imperativa e determina que lhe seja vedada a possibilidade de intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, concretamente a execução de que os presentes embargos constituem apenso.
Não merece, por isso, censura a sentença recorrida.
A Recorrente sustenta ainda que importa concluir que a conduta do Embargante é culposa ao ter impossibilitado, por sua exclusiva culpa que tenham chegado ao seu conhecimento as notificações levadas a cabo, uma vez que, falseando as informações prestadas em sede de contrato de financiamento, reside na Rua ..., n.º …, ..., Guimarães, constando do contrato como tendo residência na Rua ..., n.º ..., Guimarães e que se impunha ao Tribunal a quo que se pronunciasse no sentido de considerar eficaz a notificação do Embargante para integração em PERSI.
Não lhe assiste, contudo, razão, pois não tendo a Recorrente provado sequer o envio das comunicações, não se impunha que se apreciasse a questão da eventual não receção das mesmas por culpa do Embargante.
Improcede, por isso, integralmente o recurso.
As custas são da responsabilidade da Recorrente, atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I - É sobre a instituição de crédito, Exequente/Embargada, que recai o ónus da prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos clientes bancários, Executados, no PERSI.
II - Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada já que, não demonstrando a instituição de crédito/exequente o prévio cumprimento dos princípios e regras imperativas estabelecidos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme decorre do disposto no artigo 17º, n.º 1, alínea b), faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão, levando, por isso, à extinção da execução instaurada.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 29 de outubro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)