Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
286/12.8TBMCD.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: PROVA PERICIAL
RECOLHA DE AUTÓGRAFOS INDEFERIDA
NULIDADE PREVISTA NO ARTº 120º
Nº 2
AL. D)
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Resultando apurado nos autos que o arguido/recorrente, ao escrever em letra maiúscula praticamente todos os escritos da recolha de autógrafos, não tornou impossível a realização de prova pericial ordenada pelo colectivo, por ter sido considerada importante para a descoberta da verdade, inexistem razões suficientes para considerar a perícia em questão, de que a nova recolha de autógrafos requerida pelo arguido constitui um ato preparatório, como inadequada, de obtenção impossível ou muito duvidosa, nem meramente dilatória, pelo que não deveria a mesma ter sido indeferida ao abrigo do disposto no artº 340º, nº 4, als. c) e d) do CPP.

II) Ao recusar a realização daquele ato preparatório e, consequentemente, da prova pericial, foi cometida a nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), traduzida na omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

III) Nulidade essa que, sendo dependente de arguição, foi tempestivamente invocada, uma vez que o arguido o fez no momento temporal previsto na al. a) do nº 3 do citado artigo, ou seja, logo que foi proferido, na sua presença, o despacho em que a mesma foi cometida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, com o NUIPC 286/12.8TBMCD, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança - J1 (anterior Secção Cível e Criminal da Instância Central - J3), na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 19-05-2017, foi proferido despacho a julgar não verificada a nulidade prevista na parte final da al. d) do n.º 2 do art. 120º do Código de Processo Penal, com fundamento na omissão de diligência que se pudesse reputar essencial para a descoberta da verdade, bem como a inconstitucionalidade por violação dos direitos de defesa, ambas invocadas pelo arguido, J. R., e relativas ao despacho antecedente, que recusou o seu requerimento a solicitar que lhe fossem recolhidos novos autógrafos e realizada a prova pericial à sua letra.
2. Entretanto, a 02-06-2015 foi proferido acórdão, depositado a 05 seguinte, a condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de três crimes de falsificação ou contrafação de documento, previstos e punidos pelos arts. 256º, n.ºs 1, al. c), e 3, e 255º, al. a), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um deles, e de três crimes de burla, previstos e punidos pelo art. 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão também por cada um, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva.
3. Não se conformando, o arguido recorreu de ambas as decisões, tendo o recurso relativo ao despacho proferido em audiência de julgamento sido admitido a subir nos próprios autos e a ser instruído e julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão que colocou termo à causa.
3.1 - O recorrente concluiu a motivação desse primeiro recurso nos termos que a seguir se transcrevem[1]:

«CONCLUSÕES:

1- O arguido foi acusado em coautoria material e sob a forma consumada de três crimes de falsificação de documento e de três crimes de burla.
2- No decurso da audiência de julgamento o tribunal determinou a realização de um exame pericial destinado a responder a questões que constituíram o objeto da perícia.
3- Em consequência, recolheram-se na secretaria do tribunal a quo, sem a presença do Mandatário ou qualquer defesa, autógrafos ao arguido J. R..
4- Veio o Laboratório de Polícia Científica da PJ informar o douto tribunal a quo da impossibilidade da realização do exame pericial solicitado.
5- Emitindo o seguinte parecer técnico: “ Em resposta ao solicitado informamos que a amostra problema, dizeres suspeitos do preenchimento e das assinaturas dos cheques junto a fls. 1135 e 1136, encontra-se traçada em minúsculas cursivas, contrariamente à amostra referência, autógrafos de J. R., que se apresenta maioritariamente em maiúsculas de imprensa, o que inviabiliza a realização de uma análise comparativa suscetível de conduzir a resultados satisfatórios quanto à autoria dos dizeres e das assinaturas questionadas, dado que não é viável o confronto de diferentes tipos de escrita, isto é, de minúsculas com maiúsculas.”.
6- Perante tal parecer, o arguido J. R., aqui ora recorrente, requereu nos autos que se procedesse a uma NOVA RECOLHA DE AUTÓGRAFOS.
7- Nos termos do art. 340, n.º1, alíneas c) e d) do Código de Processo Penal, o tribunal a quo indeferiu incompreensivelmente o requerido pelo arguido.
8- Sustentando a sua decisão no douto despacho de fls, nos seguintes moldes: “quem determinou a impossibilidade da realização do exame pericial foi o próprio arguido, que, de forma não inocente, na recolha de autógrafos, escreveu em letras maiúsculas, argumentado que aquela era a sua escrita”. Por conseguinte, “sob pena de se estar dar cobertura a um manifesto abuso de direito pelo arguido, o requerido por este não pode merecer provimento. Por outro lado, sabendo nós que o arguido vai escrever, em qualquer nova recolha de autógrafos a realizar, em letras maiúsculas, pois que essa é a sua escrita, segundo argumenta, o requerido tem finalidade meramente dilatória, pois que o exame pericial sempre resultará inviável”.
9- O arguido notificado do douto despacho do tribunal a quo não se conformou com o mesmo, até porque, a realização da prova pericial já concedida mas que infelizmente foi impossível de fazer, pois a tomada de autógrafos foi irregular conforme parecer descrito de fls. 1254.
10- No seguimento do parecer o arguido veio requerer unicamente a repetição da recolha de autógrafos, e não uma nova perícia, uma vez que a prova pericial continua autorizada pelo tribunal coletivo e o tribunal coletivo neste momento deu despacho desfavorável à recolha de autógrafos.
11- A recolha de autógrafos é a única prova que assegura verdadeiramente os direitos de defesa do arguido, isto porque, em virtude da prova testemunhal produzida a única salvaguarda do arguido para demonstrar a sua inocência é a prova pericial, pois todas as testemunhas afirmaram que viram o arguido a preencher os cheques pelo punho e letra e caso a prova pericial assim não conclua essa decisão torna-se obviamente importantíssima e imprescindível à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
12- A prova pericial pretendida ou a nova recolha de autógrafos, como prefiramos chamar-lhe não é dilatória.
13- O arguido está a cumprir o remanescente de uma pena de prisão que lhe foi determinada tendo oito anos e seis meses de prisão para cumprir.
14- Assim sendo, não se vislumbra qualquer motivo para prolongar no tempo este julgamento até porque tem muitos anos pela frente para cumprir prisão.
15- A referida prova, não é desnecessária porque é a única forma de o arguido provar a sua inocência, a única, não tem mais nenhuma.
16- Não é infundada também pela mesma razão, além de não ser ilegal nem ofensiva, pois o arguido a verdade é que escreve em letras maiúsculas, mas compromete-se perante o tribunal coletivo a tentar com calma fazer a recolha de autógrafos em letra minúscula, conforme referido no requerimento em ata.
17- O douto despacho recorrido violou o art.º 120.º, n.º2, alínea d) parte final do CPP.
18- O douto despacho recorrido viola também o art.º 32 da Constituição da República Portuguesa mormente o principio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido.
19- Com o douto despacho sobre o qual versa o presente recurso o tribunal a quo omitiu uma diligência essencial para a descoberta da verdade.
20- Com a realização de uma nova recolha de autógrafos possibilitando a realização da prova pericial doutamente ordenada a causa teria certamente um resultado diverso e contribuiria definitivamente para a descoberta da verdade material e boa decisão da mesma.
21- Com o douto despacho que se recorre, o aqui arguido está impossibilitado de poder provar (única prova ao seu dispor) que não cometeu os crimes de que vinha acusado.
22- O despacho recorrido, entende que uma nova recolha de assinaturas por parte do arguido, mais não é do que uma manobra dilatória do mesmo.
23- Perante tal posição, o arguido não poderá esclarecer de forma objetiva se a assinatura foi efetivamente falsificada pelo arguido.
24- Estamos perante a negação de um meio de prova essencial para que o tribunal pudesse concluir pela existência de indícios relativamente ao supra citado crime.
25- O aqui ora recorrente não requereu uma segunda perícia, outrossim e tão só uma nova recolha de autógrafos.
26- Verifica-se esta nulidade quando se omite a prática de atos processuais probatórios que a lei classifica como “indispensáveis” ou “necessários” no artigo 340º e “essenciais” na al. d) do art. 120º, ambos do CPP, na fase de julgamento.
27- Estabelece, o supra referido normativo uma possibilidade, extraordinária, de se proceder a uma nova recolha de autógrafos, fundando-se na estrita necessidade da requerida prova, que se mostre essencial e até mesmo indispensável à descoberta da verdade e da boa decisão da causa.
28- Quando o recorrente demonstrou, através de razões bastantes, que a recolha era necessária, era um elemento de prova indispensável e até mesmo essencial à descoberta da verdade material e não dilatória como entendeu o tribunal a quo.
29- E não o é, até porque sustentar uma manobra dilatória a um arguido que requer uma nova recolha de autógrafos e que se encontra a cumprir 8 anos e seis meses de prisão, é no mínimo incompreensível.
30- É manifesta a contradição entre a decisão de indeferir o requerimento do arguido, de recolha de novos autógrafos e uma segunda perícia, até porque tais factos, distintivos entre si, revelam que essa não recolha impossibilitou de forma irreversível a produção de prova, diga-se, única para o aqui ora recorrente, violando assim o disposto no art. 32° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no art. 340° do C. Proc. Penal.
31- O art.º 340º do Cód. Proc. Penal consagra, para a audiência, o princípio da verdade material. O que significa que o Tribunal tem o poder/dever de investigar o facto submetido a julgamento, independentemente das contribuições dos intervenientes processuais, tendo em vista a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
32- Tendo em conta o desiderato pretendido pelo recorrente com a nova recolha de autógrafos e que o despacho em causa não traduz quaisquer motivos plausíveis para a sua não recolha, mister é de concluir que a relevância de tal diligência é mais do que necessária para o apuramento da verdade.
33- Por fim, estamos perante a uma clara inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 32º, n.º 2 da C.R.P.

NESTES TERMOS
E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS
Deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando o douto despacho recorrido, substituindo- por outro que admita uma nova recolha de autógrafos por parte do aqui ora recorrente, seguindo-se os demais termos legais, como é de
DIREITO E JUSTIÇA»

3.2 - Por seu turno, da motivação do recurso relativo ao acórdão final, o recorrente extraiu as seguintes conclusões (transcrição):

«1- O arguido foi condenado como coautor material de um crime de falsificação ou contrafação de documento na pena de 2 (dois) anos de prisão; um crime de burla na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; um crime de burla na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; um crime de burla na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
2- Em cúmulo jurídico, foi condenado o arguido J. R. na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, assim como, na não suspensão da execução dessa pena e no pagamento das custas criminais (…).
3- Nos presentes autos, foi arrolada como testemunha número 8 do MP, M. S. C., conforme ata de audiência de julgamento datada de 03/02/2017.
4- A supra referida testemunha foi questionada nos termos do art. 348º nº 3 do CPP e disse conhecer o arguido, nada o impedindo de dizer a verdade.
5- Sendo advertida pelo Meritíssimo Juiz Presidente nos termos do disposto, no art. 133º nº 2 do CPP, não consentiu na prestação de depoimento na qualidade de testemunha.
6- Nessa medida, foram violados os mais elementares princípios de direito e, por isso, cometida uma nulidade nos termos, Cód. Proc. Penal.
7- Dispõe o art. 133 nº 1, al. a) e nº 2 do CPP, que estão impedidos de depor como testemunhas os arguidos e os coarguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade mas, em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.
8- A testemunha nº 8 arrolada pelo MP, foi de forma inadvertida questionada pelo tribunal a quo se consentia ou não prestar depoimento, em virtude de ter sido coarguido em processo conexo, mormente processo 31/09.5GAVNH.
9- Perante isso, a testemunha nº 8 (M.), optou por não consentir testemunhar.
10- Quando, o Tribunal a quo questionou nos termos supra referidos a testemunha n.º 8, não o deveria ter feito.
11- Pois o processo 31/09.5GAVNH, transitou em julgado em 21 de Março de 2013.
12- Tal significa que o taxativo impedimento cessou com o desaparecimento daquela condição de coarguido.
13- A qualidade de arguido cessa necessariamente com a resolução definitiva do processo em que veste tal posição, seja pela sua absolvição, seja pela sua transitada condenação, seja ainda pela eventual extinção do respetivo procedimento criminal. - Cfr. douto Acórdão da Relação do Porto, datado de 15/02/2008, no Recurso 71/07 (169/04.5TABGC), o qual acompanhamos de perto.
14- Era extremamente relevante e imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa que a testemunha M. prestasse o seu depoimento, pois detinha conhecimento geral e privilegiado dos factos em crise constantes da acusação.
15- O Tribunal a quo não verificou se a Testemunha nº 8 (M.) ainda detinha a qualidade de arguido no referido processo conexo ou se esta já havia cessado.
16- Em consequência, questionou a referida testemunha, quando não o poderia ter feito nos termos do art. 133 nº 1, al. a) e nº 2 do CPP.
17- Daí a irrelevância da posição expressa da testemunha em prestar depoimento.
18- Pelo supra exposto, a testemunha deveria estar obrigada a depor e com verdade nos presentes autos, nos termos do art. 131º do CPP.
19- Ao assim não acontecer, ocorreu uma nulidade, devendo a mesma ser procedente, seguindo-se os seus ulteriores termos.
20- O presente recurso tem por fundamento, ainda, a discordância do ora recorrente face à dosimetria da pena de prisão em que foi condenado, isto tendo em conta os valores dos bens que associados aos referidos crimes.
21- Como seja, no primeiro crime, um plasma com valor de venda ao público de 850,00 euros, no segundo crime, um colar com valor de venda ao público de 1.300,00 euros e no terceiro crime, 35 embalagens que continham diversos maços de tabaco, com valor de venda ao público de 1.134,00 euros.
22- Tal facto (valor reduzido dos bens), não foi tido em conta, muito pelo contrário, levando a que a pena do arguido fosse superior em relação a outros que igualmente foram condenados pela prática dos mesmos crimes em tribunais, onde se inclui o tribunal a quo, violando assim, entre outros, o princípio constitucional da igualdade.
23- Assim sendo, no cálculo da medida da pena deveria o tribunal a quo atender ao valor dos bens, causando-lhe ao arguido só o mal necessário, de forma a aproximá-lo dos princípios dominantes na comunidade.
24- Por tudo isto, a pena em que foi condenado em cúmulo jurídico, bem como a pena privativa da liberdade causará ao arguido um mal maior, também na sua saúde, recorde-se que sofreu recentemente um AVC.
25- A aplicação de pena privativa da liberdade, foi feita ao arrepio das modernas correntes doutrinais, que lograram acolhimento do legislador no atual código penal, segundo as quais as penas devem refletir essencialmente uma vertente preventiva e ressocializadora.
26- A pena privativa da liberdade, apenas traduziu a vertente punitiva e repressiva, impondo-se assim o respetivo abaixamento.
27- Até por uma questão de harmonização com penas aplicadas a casos análogos, as quais se situam, em penas substancialmente inferiores à aplicada ao ora recorrente.
28- A completa e correta análise e ponderação de todos os factos provados e bem assim das exigências de prevenção, deverá conduzir à aplicação em concreto, de pena não superior a 3 anos de prisão e suspensa na sua execução, não repugnado ao arguido que esta suspensão seja sujeita a condições e/ou regimes de prova, permitindo o seu regresso ao Brasil, para junto da sua esposa, filhos e amigos.
29- Deverá assim o Tribunal Superior, de quem se espera uma melhor e mais adequada aplicação de justiça, quer pela experiência, quer pelo seu reconhecimento, dar preferência fundamentada a uma pena inferior e não privativa da liberdade, pois que ela se mostra suficiente à recuperação social do arguido e satisfaz as exigências de recuperação e de prevenção do crime.
30- Considerando ainda que, nos termos do artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, as normas penais, hão de ser estritamente necessárias, devendo os limites aferir-se pela sua necessidade, cremos assim, que o recorrente deveria ser condenado em pena mais próxima do limite mínimo da norma incriminadora, como seja, igual ou inferior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.
31- A suspensão da execução da pena de prisão é um poder-dever ao qual o julgador se encontra vinculado, sendo que, sempre que aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, deverá, obrigatoriamente, ponderar a respetiva suspensão, fundamentando quer a concessão, quer a denegação da suspensão, realizando, para tal efeito, um juízo de prognose do comportamento futuro do arguido, pesando as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis ao caso.
32- Acresce ainda que deve ser dada ao Recorrente a possibilidade de não voltar a cair, aos 68 anos, no lodaçal da prisão, atendendo à filosofia que subjaz ao Código Penal, que aponta no sentido de, não se descurando o carácter sancionatório das penas, se procure humanizar o direito penal, não se esquecendo que por detrás há sempre um ser humano.
33- A pena em que foi condenado, parece-nos, com o devido respeito, desajustada à conduta dos factos puníveis, e ainda as necessidades e finalidades da pena, sendo estes os fatores fulcrais para a determinação do "quantum punitivo".
34- O Acórdão recorrido, violou assim os artigos, entre outros, os art.s 50º, 70° e 71° todos do Código Penal.

NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS

Deve dar-se provimento ao presente recurso, verificando-se a nulidade invocada, revogando-se o douto Acórdão recorrido, determinando-se o depoimento da testemunha nº 8 arrolada pelo MP (M.) nos autos, seguindo-se os demais termos legais. Caso assim não se entenda, o que não se espera, mas se acautela, por dever de patrocínio, deverá pelo demais alegado, o quantum da pena ser reduzido, suspendendo-se na sua execução, nos termos do artigo 50º do C.P., de modo a permitir a dissuasão e reintegração do arguido, tudo como é de
DIREITO E JUSTIÇA»
4. O Exmo. Procurador da República junto da primeira instância, em desenvolvida resposta conjunta aos recursos, pugnou pela improcedência de ambos, nos seguintes termos:
4.1 - Quanto ao recurso interlocutório, defendendo:
- Que não se deverá conhecer do mesmo, por não ter sido renovado o interesse na sua apreciação, uma vez que, nas alegações do recurso da decisão final, o recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no art. 412º, n.º 4, do Código do Processo Penal nem fez qualquer referência à matéria do recurso interlocutório, mormente à extração das necessárias implicações da sua procedência.
- Que as conclusões formuladas são repetitivas e demasiado extensas, não permitindo alcançar o seu desiderato, pelo que deverá o recorrente ser notificado para as reformular, sob pena de rejeição do recurso.
- Subsidiariamente, que a arguição da nulidade, na sequência imediata de pronúncia expressa do tribunal a quo sobre a requerida produção da prova em causa, sempre constitui meio processualmente impróprio, devendo antes ter sido interposto recurso desse despacho de indeferimento, o que, não tendo sucedido, acarreta o trânsito em julgado do mesmo, com a consequente manifesta improcedência do recurso ora interposto, o qual deverá ser rejeitado.
- Ainda subsidiariamente, que, por critérios de razoabilidade ou até de possibilidade, não se impunha a realização da diligência em causa, com vista à repetição da perícia da escrita, por ser evidente que a pretendida análise comparativa fica prejudicada a priori quando o autor da amostra referência assume, ele próprio, que vai tentar escrever numa caligrafia (que não é a sua) que se aproxime do estilo de escrita que consta da amostra problema, pelo que não é possível, na prática, a realização da perícia em causa com um mínimo, uma réstia, de viabilidade e utilidade probatória, que exige a espontaneidade da escrita e, mais do que isso, uma escrita verdadeiramente autógrafa.
4.2 - Relativamente ao recurso sobre a decisão final, o Exmo. Procurador da República defendeu:
- Que, também aqui as conclusões são repetitivas e demasiado extensas, não permitindo alcançar o seu desiderato, pelo que deverá o recorrente ser notificado para as reformular, sob pena de rejeição do recurso.
- Que a necessidade de consentimento da testemunha, arguido em processo conexo, para prestar depoimento se mantém para lá do trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que não foi cometido o vício invocado pelo recorrente, que, aliás, a ter ocorrido, integraria mera irregularidade e não nulidade, já sanada.
- Que é de concordar, no essencial, com a motivação da medida da pena, salientando que o recorrente omite a condenação pela prática de dois dos três crimes de falsificação de documento, o que inevitavelmente condicionou a sua valoração da questão, que o arguido não confessou os factos nem revelou atos de arrependimento e que não há condenações iguais.
- Que a suspensão da execução da pena não realiza de forma adequada as finalidades da punição, posto que o arguido é useiro e vezeiro na prática de crimes da natureza em causa, os quais produzem forte alarme social e que a sua idade lhe confere um saber e uma aparência de credibilidade e bonomia que constituem a arma essencial do burlão e do falsificador.
5. Ao abrigo do disposto no art. 414º, n.º 4, do Código de Processo Penal, o Mmº. Juiz Presidente fez consignar que o tribunal sustentava a decisão contida no despacho objeto do recurso interlocutório, mantendo-a nos seus precisos termos.
6. Nesta instância, na sequência da questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto quando teve vista do processo, foi o recorrente convidado a, querendo, completar as conclusões relativas ao recurso interposto sobre a decisão final, especificando se mantinha interesse no recurso interlocutório, sob pena de este não ser conhecido, tendo o mesmo correspondido a esse convite, indicando manter tal interesse.
7. Nessa sequência, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acolhendo o acerto jurídico e a justeza das considerações expressas na resposta aos recursos, não sem, desenvolvidamente, deixar de lhes adscrever os seguintes apontamentos:
- Em primeiro lugar, que, não discordando, em certa medida, das objeções da reposta aos recursos quanto à falta de sintetização das conclusões, o certo é que, in casu, não está verificado o aludido quadro de regularização ou de não conhecimento do objeto dos mesmos, pelo que não se impõe a adoção de qualquer uma das mencionadas atitudes restritivas ou de convite à correção.
- Quanto ao recurso interlocutório, entendendo que o mesmo ficou inutilizado, devendo ser rejeitado nos termos do art. 417º, n.º 6, al. a), do Código de Processo Penal, por o recorrente não ter impugnado, no recurso da decisão final, o julgado quanto à matéria de facto, o que seria necessário para aquele recurso ver a sua subsistência efetivamente assegurada, sob pena de se correr o risco de o tribunal ad quem apreciar num certo sentido o recurso interlocutório que afetasse a matéria de facto, mantendo, ao mesmo tempo, essa matéria na decisão final incólume por o próprio recorrente se haver conformado com a mesma, ainda que por outros motivos. No entanto, se assim não se entender, será de seguir a correta argumentação da resposta ao recurso, devendo improceder o recurso interlocutório.
- Em relação ao recurso do acórdão e ao segmento da nulidade decorrente da não inquirição da testemunha M. S. C., entendendo que o recorrente não tem legitimidade recursória, muito menos interesse em agir, o que será causa de rejeição do recurso nos termos dos arts. 417º, n.º 6, al. a), e 420º, n.º 1, als. a) e b), uma vez que, mais uma vez, não impugnou o julgamento da matéria de facto e que a testemunha foi indicada pelo Ministério Público, ciente de que a sua inquirição estava dependente do consentimento do próprio, sendo que, na sessão da audiência em que não ocorreu a inquirição, devido à recusa legítima de depoimento, o recorrente nada requereu. Em todo o caso, sempre será de improceder esse segmento do recurso.
- Quanto às penas aplicadas, defendendo que nenhuma censura merece a sua determinação concreta, uma vez que, sendo de recusar a única argumentação aduzida no recurso, pois prejuízos na ordem de um milhar de euros, na esfera de pequenos comerciantes, como é o caso, não podem, de todo, ter-se como de valor reduzido, e tendo presente o exaustivo lastro em que assentou aquela determinação, é inquestionável o acerto decisório, a acrescer a escassa produtividade do argumento da desconsideração da igualdade de posições quanto à medida da pena, forçosamente determinada por aspetos específicos de cada pessoa.
- Finalmente quanto à suspensão da execução da pena, pugnando no sentido de não se encontrarem reunidos os pressupostos substanciais a que alude o art. 50º do Código Penal, pois as exigências de prevenção nos tipos de crime em apreço são significativas e ainda não está transcorrido um ano sobre o trânsito em julgado da condenação do recorrente, pelo mesmo tipo de crime, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão em que também se não substituiu a pena.
Em suma, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o recurso do acórdão deve improceder quanto à vertente das penas, devendo ser rejeitado o outro segmento recursório, bem como o recurso interlocutório.
8. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta a esse parecer.
9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos deverem ser aí julgados, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação pelo recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso[2].
Assim, as questões a apreciar são as seguintes, elencadas de acordo com a ordem pela qual deverão ser conhecidas:
Quanto ao recurso interlocutório, saber:

a) - Se o despacho proferido em audiência de julgamento, ao indeferir o requerimento do arguido a solicitar nova recolha de autógrafos e a subsequente realização da prova pericial, se traduziu na omissão de uma diligência que pudesse reputar-se essencial para a descoberta da verdade, consubstanciando a nulidade processual prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), parte final, do Código de Processo Penal.
b) - Em caso negativo, se tal despacho viola os direitos de defesa constitucionalmente consagrados, padecendo, pois, de inconstitucionalidade.
No âmbito do recurso interposto da decisão final, a apreciar apenas em caso de improcedência desse recurso interlocutório, saber:
c) - Se o tribunal a quo cometeu alguma nulidade, ao questionar o coarguido, já julgado e condenado com trânsito em julgado em processo separado, se consentia em depor como testemunha, nos termos do 133º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
d) - Se a medida concretas das penas (parcelas e única) é excessiva.
e) - Se a pena de prisão aplicada deve ser suspensa na sua execução.

2. APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO

2.1 - Refira-se, em primeiro lugar, que não perfilhamos o entendimento defendido no parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto quanto à inutilização do recurso interlocutório por o recorrente não ter impugnado, no recurso da decisão final, a matéria de facto, o que seria necessário para aquele recurso ver a sua subsistência efetivamente assegurada.
Com efeito, o recorrente manifestou, ainda que só a convite deste Tribunal e na sequência da promoção do Ministério Público, a manutenção do seu interesse na apreciação do recurso interlocutório. Ora, a eventual procedência deste recurso invalidará todos os atos subsequentes à verificação da nulidade cuja apreciação constitui objeto do mesmo, nomeadamente a decisão sobre a matéria de facto vertida no acórdão final, o qual terá de ser substituído por outro.
Por conseguinte, afigura-se-nos que o recorrente não estava obrigado a, no recurso da decisão final que interpôs, impugnar essa matéria de facto, podendo o seu inconformismo quanto a esta ser circunscrito aos fundamentos do recurso interlocutório, pelo que a circunstância de não a ter impugnado não significa que se tenha conformado com o decidido quanto a essa matéria.
2.2 - Apreciemos, então, o recurso interlocutório, para o que importa ter presentes os seguintes desenvolvimento e ocorrências processuais que conduziram à prolação do despacho que constitui o seu objeto:
- Já em fase de julgamento, estando a audiência agendada para o dia 03-02-2017, o Ministério Público, tendo em conta que o arguido se encontrava acusado, nomeadamente, da prática de dois crimes de falsificação de documento (cheques), indiciariamente por si preenchidos e assinados, e que até ao momento não fora possível proceder a perícia sobre a escrita manual presente nesses escritos, por aquele ter estado em parte incerta e declarado contumaz, e considerando tal diligência essencial para a boa decisão da causa, com vista à oportuna requisição da mesma ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, tendo presentes, nomeadamente, os escritos de fls. 1038 e 1098 (embora em maiúsculas), promoveu, em 12-01-2017, que: - se requisitasse ao processo à ordem do qual o arguido estava preso o envio de qualquer auto de recolha de escrita do mesmo, ou qualquer outra peça manuscrita por ele, que ali constassem, para eventual uso em nova perícia sobre a escrita manual do arguido; - se requisitasse certificado de registo criminal atualizado do arguido, mormente para identificação de processo onde possa ter sido condenado por crimes de falsificação de documento, onde possam existir elementos do mesmo género; - e se deprecasse a recolha de escrita manual ao arguido, para ulterior perícia grafológica.
- Sobre essa promoção recaiu o despacho de fls. 1110 a 1111, de 16-01-2017, pelo qual o Mmº. Juiz titular do processo determinou que se procedesse «nos exatos termos promovidos pelo Ministério Público».
- Entretanto, teve início a audiência de julgamento, sendo que, no final da segunda sessão, ocorrida no dia 09-02-2017, após produção de toda a prova arrolada na acusação e não havendo meios de prova indicados pela defesa, o Mmº. Juiz Presidente fez consignar em ata o seguinte: «o tribunal entende ser importante para a descoberta da verdade material realizar uma perícia à escrita manual do arguido, com respeito aos dois primeiros cheques referidos na acusação pública, ou seja, o cheque de 850 € e o cheque de 1.300 €, a realizar pelo Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária.»
- Nessa sequência, concedida a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público e ao ilustre mandatário do arguido, por ambos foi dito nada ter a opor à realização da perícia pela entidade indicada, tendo o último manifestado interesse em que a mesma efetivamente se realizasse, o que seria por si requerido caso o tribunal não o determinasse oficiosamente.
- Perante isso, e após deliberação do coletivo de juízes, o Mmº. Juiz Presidente proferiu despacho, em que, por tal se reportar importante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 340º, n.º 1, e 151º e ss. do Código de Processo Penal, determinou a realização de uma perícia à caligrafia aposta nos cheques em causa, tendo como objeto saber se os escritos deles constantes, no lugar destinado à assinatura e nos demais campos, foram apostos pelo punho do arguido, mais tendo deferido a realização dessa perícia ao Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária, concedendo-lhe o prazo de 20 dias para o efeito, desde logo designando o dia 10-03-2017 para continuação da audiência de julgamento.
- Nesse despacho, aproveitando a presença do arguido no tribunal, foi ainda determinado que de imediato se procedesse à recolha de autógrafos, pela secretaria, o que foi feito.
- Nessa diligência, o arguido preencheu a ficha de identificação do autografado com os seus elementos identificativos, escreveu, em folha lisa e pautada, um texto que lhe foi ditado, redigiu várias vezes o seu nome, em folha lisa, folha pautada, folha lisa com divisão ao meio e folha pautada com divisão ao meio, e preencheu seis módulos de cheques, com os dizeres constantes dos títulos em causa.
- Todas as palavras desses escritos foram escritas integralmente em letra maiúscula, exceto o nome do arguido, em que a seguir à letra inicial, foram utilizadas letras minúsculas (J.), sendo que o apelido já foi todo escrito em maiúsculas (R.).
- Tal circunstância motivou o seguinte parecer técnico do LPC, junto aos autos em 31-03-2017: «Em resposta ao solicitado informamos que a amostra problema, dizeres suspeitos do preenchimento e das assinaturas dos cheques juntos a fls. 1135 e 1136, encontra-se traçada em minúsculas cursivas, contrariamente à amostra referência, autógrafos de J. R., que se apresenta maioritariamente em maiúsculas de imprensa, o que inviabiliza a realização de uma análise comparativa suscetível de conduzir a resultados satisfatórios quanto à autoria dos dizeres e das assinaturas questionadas, dado que não é viável o confronto de diferentes tipos de escrita, isto é, minúsculas com maiúsculas.»
- Perante essa informação, o Ministério Público nada promoveu, ao passo que o arguido apresentou um requerimento em que, por «(…) a prova pericial se afigurar imprescindível para a descoberta de verdade e boa decisão da causa, requer que V. Exa se digne mandar recolher novamente autógrafos e realizar prova pericial às assinaturas com os quesitos já formulados (…)», ao que o Ministério Público se opôs por entender que «a repetição da perícia, agora com recolha de escrita em letra minúscula, além de não ser essencial à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, representaria a cedência perante uma atitude claramente sub-reptícia e dilatória do arguido, que, assim, veria acolhida uma atitude de desrespeito do "venire contra factum proprium nom valet".»
- Esse requerimento foi apreciado pelo Tribunal Coletivo na sessão que veio a ser designada para continuação da audiência de julgamento (no dia 19-05-2017), mediante a prolação de despacho com o seguinte teor (transcrição):
«O arguido vem requerer a realização de um novo exame pericial, em face da frustração do anteriormente determinado pelo tribunal.
Pronunciou-se o Ministério Público no sentido de indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
No decurso da audiência de julgamento o tribunal determinou a realização de um exame pericial destinado a responder às seguintes questões que constituíram o objeto da perícia:
Para tanto, recolheram-se autógrafos ao arguido.
Veio o Laboratório de Polícia Científica da PJ informar da impossibilidade da realização do exame pericial solicitado, explicando a causa de tal circunstância.
Ora, quem determinou a impossibilidade da realização do exame pericial foi o próprio arguido, que, de forma não inocente, na recolha de autógrafos, escreveu em letras maiúsculas, argumentado que aquela era a sua escrita.
Por conseguinte, sob pena de se estar dar cobertura a um manifesto abuso de direito pelo arguido, o requerido por este não pode merecer provimento.
Por outro lado, sabendo nós que o arguido vai escrever, em qualquer nova recolha de autógrafos a realizar, em letras maiúsculas, pois que essa é a sua escrita, segundo argumenta, o requerido tem finalidade meramente dilatória, pois que o exame pericial sempre resultará inviável.
Pelo exposto, ao abrigo do art. 340, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Penal, indefere-se o requerido pelo arguido.
Notifique.»
- De imediato, o Exmo. mandatário do arguido ditou para a ata o requerimento que se transcreve:
«O arguido notificado do douto despacho do tribunal coletivo não se conforma com o mesmo:
Isto porque: a realização da prova pericial já concedida mas que infelizmente foi impossível de fazer, pois a tomada de autógrafos foi irregular conforme parecer descrito de fls. 1254. No seguimento do parecer o arguido veio requerer a repetição da recolha de autógrafos uma vez que a prova pericial continua autorizada pelo tribunal coletivo e o tribunal coletivo neste momento deu despacho desfavorável à recolha de autógrafos.
Ora, a recolha de autógrafos é a única prova que assegura verdadeiramente os direitos de defesa do arguido, isto porque em virtude da prova testemunhal produzida é a única salvaguarda do arguido para demonstrar a sua inocência é a prova pericial, pois todas as testemunhas afirmaram que viram o arguido a preencher os cheques pelo punho e letra e caso a prova pericial assim não conclua essa decisão torna-se obviamente importantíssima e imprescindível à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
A prova pericial pretendida ou a nova recolha de autógrafos, como prefiramos chamar-lhe não é dilatória, e não é dilatória porquê? Porque o arguido está a cumprir o remanescente de uma pena de prisão que lhe foi determinada e que ele violou a liberdade condicional e tem oito anos e seis meses de prisão para cumprir, portante não se vislumbra qualquer motivo para ele prolongar no tempo este julgamento até porque ele tem muitos anos pela frente para cumprir prisão. Não é desnecessária porque é a única forma de o arguido provar a sua inocência, a única, não tem mais nenhuma.
Assim, não é infundada também pela mesma razão, além de não ser ilegal nem ofensiva, pois o arguido a verdade é que escreve em letras maiúsculas, mas compromete-se perante o tribunal coletivo a tentar com calma fazer a recolha de autógrafos em letra minúscula. No despacho proferido o tribunal coletivo, na opinião do arguido violou o art.º 120.º, n.º 2, alínea d) parte final, aliás como é confirmado pelo Acórdão da Relação 1318/06.4TALLLEEI e viola também o art.º 32 da constituição da Republica Portuguesa mormente o principio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido.
Posto isto, a defesa invoca a nulidade e a inconstitucionalidade da decisão proferida pelo tribunal coletivo esperando que reconsiderem a autorização da prova pericial.»
- Em apreciação deste requerimento, o tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, do seguinte teor (transcrição):
«Pelos fundamentos já aduzidos no despacho sobre o qual é invocada a nulidade, cujo teor por brevidade processual, se dá por integralmente reproduzido, resulta que o tribunal não omitiu qualquer diligência que se pudesse reputar essencial para a descoberta da verdade.
No momento oportuno, o tribunal determinou a realização do exame pericial em causa, o qual apenas não foi conclusivo, repete-se porque o arguido o inviabilizou, pois que como reconhece a sua escrita é sempre efetuada em letras maiúsculas.
Assim sendo, a realização de um novo exame pericial teria sempre o mesmo resultado, não se podendo obrigar o arguido à realização de uma escrita diferente daquela que segundo o próprio diz, é a sua.
Não se verifica pois a nulidade prevista na parte final da al. d) do n.º2 do art.º 120.º, do C.P.P. nem tão pouco o tribunal violou os direitos de defesa do arguido ou qualquer preceito constitucional, designadamente o invocado pela defesa do arguido.
Pelo exposto, indefere a arguida nulidade e inconstitucionalidade.
Notifique.»
2.3 - Uma vez descrito o circunstancialismo que conduziu à prolação do despacho sobre que incide o recurso interlocutório, estamos agora em condições de apreciar a pretensão recursiva do arguido, o que passa por apurar se, com aquela decisão, foi cometida a nulidade processual prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), parte final, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos citados sem qualquer referência.
Este preceito sanciona com o vício da nulidade, dependente de arguição nos momentos processuais previstos no n.º 3 do mesmo preceito, para além da insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, também a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
O segmento normativo em apreço reporta-se à nulidade derivada da omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso, só podendo ser esse o sentido do adjetivo “posterior” utilizado na sua redação[3].
Em causa está o requerimento formulado pelo arguido, no sentido de o tribunal determinar que lhe fosse feita nova recolha de autógrafos, em virtude de os dizeres por si produzidos na recolha anterior se apresentarem maioritariamente escritos em letra maiúscula de imprensa, ao contrário dos dizeres suspeitos (assinatura e demais elementos dos dois cheques cujo preenchimento lhe é atribuído), que apresentam traçados em minúsculas cursivas, o que inviabilizou a realização de uma análise comparativa entre a amostra referência e a amostra problema, suscetível de conduzir a resultados satisfatórios quanto à autoria dos dizeres e das assinaturas apostas nos ditos cheques.
O tribunal coletivo indeferiu essa diligência, argumentando, em primeiro lugar, que «quem determinou a impossibilidade da realização do exame pericial foi o próprio arguido, que, de forma não inocente, na recolha de autógrafos, escreveu em letras maiúsculas, argumentando que aquela era a sua escrita.»
O carácter inusual da forma de escrever adotada pelo arguido, aliado ao seu passado criminal, traduzido nas várias condenações por crimes de falsificação de documentos e burla que figuram no respetivo certificado de registo criminal, é efetivamente suscetível de criar a suspeita de que o mesmo, na diligência de recolha de autógrafos, poderá ter propositadamente utilizado a letra maiúscula na redação dos escritos colhidos, com intenção de obstar a que o resultado da prova pericial fosse conclusivo no sentido de lhe atribuir a autoria das assinaturas e dos demais dizeres apostos nos cheques em questão.
Porém, o certo é que, já em 25-10-2016, ou seja, muito anteriormente à promoção do Ministério Público de 12-01-2017, em que primeiramente foi abordada a questão da realização da perícia, o arguido fez chegar aos autos, a fls. 1038, um requerimento a solicitar a cessação da sua situação de contumácia, manualmente redigido, ao que tudo indica por si, ocupando várias linhas e todo ele em letra maiúscula de imprensa, exceto o seu primeiro nome. O mesmo sucede com o requerimento que o arguido juntou aos autos em 05-01-2017 (fls. 1098), ocupando praticamente toda uma página de tamanho A4. Aliás, tal circunstância não passou despercebida ao Exmo. Procurador da República quando promoveu a recolha de autógrafos, com vista à oportuna realização da prova pericial, ao referir que esta poderia ser feita «tendo, nomeadamente, presentes os escritos de fls. 1038 e 1098, embora em maiúsculas».
Igualmente se constata que nas certidões de notificação, na procuração e no termo de identidade e residência juntos ao processo, todos em momento anterior a ser aflorada a realização da perícia, a assinatura do arguido se encontra aposta nos mesmos termos em que escreveu o seu nome na recolha de autógrafos, ou seja, o nome "J." em minúsculas, exceto a letra inicial, e o apelido "R." todo ele em maiúsculas. Aliás, já no boletim do certificado de registo criminal junto a fls. 1238, único que se mostra assinado pelo arguido, no ano 2000, o seu apelido foi escrito em letra maiúscula.
De acordo com tais elementos, que eram do conhecimento do tribunal a quo, o arguido usará habitualmente este tipo de letra, ainda que não exclusivamente, pelo que terá sido algo forçada a conclusão de que, na recolha de autógrafos, aquele redigiu os dizeres em letra maiúscula de forma não inocente, a não ser que se pretendesse sustentar que o mesmo já adota propositadamente essa forma de escrever para obstar à identificação da sua letra em eventuais exames de escrita.
Mas, ainda que assim fosse, por outro lado, não é correta a conclusão, igualmente expressa no aludido despacho, de que, ao escrever praticamente todos os escritos em maiúsculas, o arguido tornou impossível a realização da prova pericial.
Com efeito, perante tal constatação, o que se impunha ao tribunal a quo era diligenciar no sentido de a recolha de autógrafos ser feita com escritos em letra minúscula, por ser a utilizada nos dizeres da amostra problema e que, aliás, o arguido também usa, pelo menos ao escrever o seu nome.
É certo que, como assinala o Exmo. Desembargador Cruz Bucho[4], «o arguido não pode ser compelido à prestação de autógrafos. Por um lado, a letra e assinatura colhidas ao arguido numa recolha de autógrafos não têm a natureza de dados que existem independentemente da vontade da pessoa obrigada e que, por isso, possam ser obtidos por meios coercivos sem violação da vontade dessa pessoa. Pelo contrário, estamos perante elementos dependentes da vontade dessa pessoa, para cuja obtenção a sua colaboração se revela imprescindível» e «implica sempre uma colaboração ativa, uma ação positiva do arguido, que não se confunde com “o mero tolerar passivo da atividade de terceiro”
Porém, no caso vertente, tal não impedia, antes impunha, que o tribunal a quo, que havia reconhecido importância e, por isso, determinado oficiosamente a realização da prova pericial, bem como o ato prévio de recolha de autógrafos, ordenasse ao arguido que neste escrevesse em minúsculas.
Embora, naturalmente, tal ordem pudesse não ser acatada, ainda assim, para procurar demovê-lo dessa recusa, poderia fazer-lhe a cominação de incorrer em crime de desobediência, atenta a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2014[5].
Não tendo assim procedido, mais uma vez não se compreende que, perante a informação prestada pelo Laboratório de Polícia Científica, o tribunal a quo não tenha diligenciado no sentido de serem recolhidos novos autógrafos, agora em letra minúscula, tendo antes feito precisamente o contrário, ou seja, indeferido o requerimento do arguido para ser repetida a diligência.
Não será, pois, de concluir que este tornou impossível a realização da prova pericial, o que afasta a existência de abuso de direito ao requerer nova recolha de autógrafos, conforme foi invocado no despacho que a indeferiu.
O segundo argumento invocado pelo tribunal a quo para esse indeferimento foi saber-se que «o arguido vai escrever, em qualquer nova recolha de autógrafos a realizar, em letras maiúsculas, pois que essa é a sua escrita, segundo argumenta, o requerido tem finalidade meramente dilatória, pois que o exame pericial sempre resultará inviável.»
Contrariamente ao que se dá a entender nesse despacho, o arguido, na recolha efetuada, quando escreveu em letras maiúsculas, não argumentou ser essa a sua escrita. Ou pelo menos, se o fez, nada ficou a constar do respetivo auto, desconhecendo-se até se lhe foi solicitado pelo oficial de justiça perante quem redigiu os escritos que o fizesse em minúsculas. Aliás, nem no requerimento em que solicita a repetição da diligência, o arguido alega ser aquela a sua escrita habitual, apenas o referindo, posteriormente, ao invocar a nulidade cometida em tal despacho, dizendo que, embora escreva em letras maiúsculas, se compromete a fazer a recolha de autógrafos em letra minúscula.
Assim sendo, e uma vez que o arguido, pelo menos para escrever o seu nome, utiliza este tipo de letra, nada permitia ter como certo que na nova recolha que o mesmo estava a requerer, iria mais uma vez escrever em maiúsculas, inviabilizando a análise comparativa das escritas, e que, por isso, tal requerimento era meramente dilatório.
Não estão, pois, verificados os pressupostos em que assentou o despacho pelo qual o tribunal a quo indeferiu o requerimento do arguido e que serviram também, sem qualquer acrescento argumentativo, para indeferir a arguição da nulidade.
Não olvidamos, na linha do que assertivamente é mencionado pelo Exmo. Procurador da República na sua resposta ao recurso, que o facto de a amostra referência ser feita com uma forma de escrita que não será habitualmente a do arguido, já que este escreverá em maiúsculas, poderá condicionar a utilidade probatória da prova pericial, por tal depender da espontaneidade da escrita e de esta ser verdadeiramente autógrafa.
Na verdade, os autógrafos obtidos de modo a que, na forma de letra utlizada, se aproximem da letra da amostra problema, poderão não constituir exemplares verdadeiramente "autênticos" da escrita manual do arguido, por serem produzidos numa situação em que este irá usar um estilo de escrita que não será habitualmente o seu.
Porém, diversamente do que refere o Digno Magistrado respondente, tal situação não faz com que a realização da perícia não tenha um mínimo ou uma réstia de viabilidade e de utilidade probatória, a ponto de a tornar impossível ou, pelo menos, inadequada ao resultado que com ela se visa obter, fazendo, por isso, com que seja indeferida a repetição da prévia recolha de autógrafos.
Em primeiro lugar, pelo menos na redação do seu nome, o arguido utiliza sempre letras minúsculas, exceto a inicial, pelo que não se pode dizer que a recolha que fizer será completamente adulterada e sem nenhuma correspondência com a sua escrita normal.
Acresce que essa questão não se coloca em relação aos algarismos, também utilizados no preenchimento dos cheques em apreço, e cuja análise comparativa, ainda que não suficiente ou determinante, sempre poderá ter algum contributo para o resultado da perícia.
Por outro lado, a referida falta de “verdadeira autenticidade” também se verifica nas situações, não tão pouco frequentes quanto isso, em que o autografado procura dissimular ou disfarçar a letra, com vista a furtar-se às suas responsabilidades.
O ato de produzir genuínos e verdadeiros autógrafos traduz-se numa prestação pessoal, intimamente ligada à vontade do arguido, não sendo de todo possível, aferir e/ou controlar essa veracidade ou genuinidade no momento da sua recolha.
Daí que, por razões de maior fiabilidade do resultado da perícia, a comparação da escrita suspeita deva ser feita, preferencialmente, com recurso a documentos pré-existentes assinados e/ou redigidos pelo arguido, designadamente documentos autênticos ou particulares, que poderão ser requisitados, apreendidos ou apresentados. E, tal como resulta do disposto no art. 482º do Código de Processo Civil, só na falta deles se deverá proceder à recolha de autógrafos, a fim de se constituir uma amostra referência, para ser comparada com a amostra problema.
No entanto, neste caso existe sempre a possibilidade de o autografado simular ou disfarçar a escrita, contingência inerente a essa análise comparativa.
Porém, tal como sucede nesses casos, também na situação em apreço, que o arguido se predispõe a escrever em minúsculas, apesar de habitualmente o fazer em letra maiúscula de imprensa, não há razões para retirar à perícia todo o valor ou para a considerar inadequada para o fim em vista.
Isto porque os modernos métodos e técnicas de análise comparativa, que designadamente recorrem a características como a extensão, altura, pressão e velocidade da escrita, bem como os cuidados colocados na recolha dos autógrafos, poderão, ainda assim, permitir detetar pontos de semelhança ou de diferença entre os escritos em confronto que contribuam para a afirmação de um juízo de maior ou menor probabilidade de a escrita suspeita ser da autoria da pessoa a quem é atribuída.
Note-se que o grau de segurança tecnicamente previsto para o resultado dos exames à letra e à assinatura estabelece-se numa escala, com os seguintes graus ascendentes: “probabilidade próxima da certeza científica não”, “muito provável não”, “provável não”, “pode não ter sido”, “não é possível formular conclusão”, “pode ter sido”, “provável”, “muito provável”, “muitíssimo provável” e “possibilidade próxima de certeza científica”.
O facto de a recolha de autógrafos ser feita em letra minúscula, que alegadamente não será o estilo habitual do arguido (maiúscula), não implica que essa amostra referência deixe de ser totalmente fiável e inadequada à possibilidade de cumprimento da sua função de sustentar uma perícia que, em termos probatórios, dentro do que é cientificamente possível, possa conduzir a um maior ou menor grau de certeza, quando comparada com a escrita suspeita, a qual se encontra redigida em letra minúscula cursiva.
Aliás, se esta tiver sido da autoria do arguido, que terá preenchido os cheques em questão como meio ou instrumento dos crimes de burla, provavelmente também não o terá feito com a sua caligrafia normal, de modo a eximir-se à responsabilidade criminal derivada de tais condutas.
Assim, não se apresenta como inexorável a conclusão de que o resultado da perícia que o recorrente pretende que seja levada a cabo, após a nova recolha de autógrafos, será adulterado a ponto de ser necessariamente inconclusivo.
Como tal, não se pode concluir por uma manifesta e absoluta irrelevância desse meio de prova que, aliás, o tribunal coletivo, considerou importante para a descoberta da verdade e, por isso, tomou a iniciativa de ordenar a sua realização, já depois de, note-se, ter sido produzida toda a restante prova carreada para os autos.
Acresce a importância que este tipo de perícia tem como meio idóneo e mais fiável que é para verificar a autenticidade de uma assinatura ou letra.
Daí que, se o seu resultado não for seguro quanto à conclusão de estas pertencerem ao seu autor aparente, deverá o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal, estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível[6].
Assim, tendo o tribunal ainda ao seu dispor um meio mais idóneo e fiável para a prova do facto, como é o exame pericial à letra e assinatura, não o deverá desprezar e descartar sem mais, mesmo que disponha de outros meios probatórios, mormente de natureza testemunhal.
Isto porque esse elemento probatório, mesmo que não seja conclusivo no sentido de afirmar ou de excluir a autoria da letra e assinatura, sempre poderá contribuir, em função do maior ou menor grau de probabilidade que vier a ser determinado, para reforçar ou abalar a credibilidade que possam merecer os depoimentos testemunhais, particularmente numa situação como a dos presentes autos.
Com efeito, conforme resulta da motivação da decisão de facto, a identificação do arguido como sendo um dos agentes dos factos assentou nos depoimentos testemunhais dos funcionários e legais representantes dos estabelecimentos comerciais onde os mesmos ocorreram, que não tiveram dúvidas em o reconhecer em audiência. E embora o tribunal coletivo tenha dado como provado que os dois cheques cuja escrita constitui a amostra problema da perícia foram preenchidos e assinados pelo arguido (pontos 7 e 15 dos factos provados), porém, na respetiva motivação não é minimamente explicitado em que se baseou essa decisão de facto, contrariamente ao que sucede com o cheque relativo à 3ª situação, embora se possa inferir que também o preenchimento e assinatura daqueles dois títulos foram feitos na presença dos aludidos funcionários e legais representantes.
Porém, não devemos olvidar que estavam a depor sobre acontecimentos ocorridos há mais de oito anos e a identificar uma pessoa que não conheciam anteriormente e que não voltaram a ver, circunstâncias estas que obrigam a ter um especial cuidado na valoração dos seus depoimentos quanto a esse facto.
Embora esses elementos probatórios, só por si, possam ser suficientes para sustentar a prova dos factos incriminadores do arguido, o certo é que, no apontado quadro, maior relevância assume a realização da perícia à letra do mesmo, o qual sustenta não ter preenchido e assinado os cheques nem ter estado presente no local dos factos.
Por tudo quanto fica exposto, não se vêm razões suficientes para considerar a perícia em questão, de que a recolha de autógrafos requerida pelo arguido constitui um ato preparatório, como inadequada, de obtenção impossível ou muito duvidosa, nem meramente dilatória, pelo que não deveria a mesma ter sido indeferida ao abrigo do disposto no art. 340º, n.º 4, als. c) e d).
Ao invés, o tribunal a quo tinha razões para reputar essa diligência como essencial para a descoberta da verdade. Na verdade, uma vez realizada nos termos em que o arguido se dispõe a fazê-la, a nova recolha de autógrafos viabilizará a realização da prova pericial, cujo resultado, dependendo do grau de probabilidade que vier a ser apurado de a escrita da amostra problema ser da autoria do arguido, poderá contribuir para a boa decisão da causa.
Saliente-se que, entretanto, não se verificaram quaisquer circunstâncias suscetíveis de retirar à perícia a importância que o tribunal lhe atribuiu quando oficiosamente a ordenou, já depois de produzida toda a prova arrolada.
Assim, ao recusar a realização daquele ato preparatório e, consequentemente, da prova pericial, foi cometida a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), traduzida na omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Nulidade essa que, sendo dependente de arguição, foi tempestivamente invocada, uma vez que o arguido o fez no momento temporal previsto na al. a) do n.º 3 do citado artigo, ou seja, logo que foi proferido, na sua presença, o despacho em que a mesma foi cometida.
Ao invés do sustentado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância na sua resposta, não se impunha ao arguido que recorresse desse despacho de indeferimento, uma vez que, consubstanciando o mesmo a prática de uma nulidade, o procedimento correto foi o adotado, ou seja, arguir a nulidade perante a entidade que a cometeu e interpor recurso do despacho que não reconheceu a sua existência.
De acordo com o disposto no art. 122º, n.º 1, as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dela dependerem e aquelas puderem afetar, in casu, todos os atos processuais posteriores à prolação do despacho que indeferiu a diligência, ou seja, as alegações orais, a deliberação do coletivo e a prolação do acórdão, que deverão ser repetidos, uma vez realizada a nova recolha de autógrafos e a subsequente prova pericial.
Procede, assim, a questão em apreço, ficando, consequentemente, prejudicada a restante questão suscitada no recurso interlocutório, bem como as questões levantadas no recurso da decisão final.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interlocutório interposto pelo arguido, J. R., e, em consequência:

A) - Declarar a nulidade, por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), parte final, do Código de Processo Penal, cometida com a prolação do despacho que, na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 19-05-2017, indeferiu o requerimento do arguido no sentido de lhe ser efetuada nova recolha de autógrafos, com vista à realização da prova pericial ordenada oficiosamente pelo tribunal, o que deverá ser determinado.
B) - Considerar inválidos todos os atos processuais posteriores a esse despacho, que deverão ser repetidos, após realização das referidas recolha de autógrafos e prova pericial.
C) - Ficando, assim, prejudicada a apreciação da inconstitucionalidade invocada no recurso interlocutório e as questões suscitadas no recurso da decisão final.
*
Sem custas, atenta a procedência do recurso (art. 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
*
*
(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

*
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Guimarães, 18 de dezembro de 2017

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(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1]- Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
[2]- Como sucede, nomeadamente, nos casos previstos nos art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, e 410º, n.º 2, al.s a), b) e c), do Código de Processo Penal, e resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[3]- Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 306.
[4]- In "Sobre a recolha de autógrafos do arguido: natureza, recusa, crime de desobediência v. direito à não autoincriminação (notas de estudo)", disponível no sítio da internet deste Tribunal da Relação de Guimarães., págs. 48-49.
[5]- Publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 203, de 21-10-2014.
[6]- Cf. o acórdão do TRC de 10-02-2015 (processo n.º 927/03.8TBFND-A.C2), disponível em http://www.dgsi.pt.