Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2561/13.5TBVCT-B.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: DIVÓRCIO
ALIMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Os ex-cônjuges estão vinculados, entre si, à prestação de alimentos, independentemente do tipo de divórcio; ou seja, independentemente da responsabilidade que cada um dos cônjuges teve na extinção do vínculo conjugal.
2- Daqui não decorre, porém, que semelhante direito seja uma consequência patrimonial necessária da referida extinção. Pelo contrário, a lei estabelece o princípio da auto-suficiência, segundo o qual, por regra, após o divórcio, cada um dos cônjuges deve providenciar pela sua própria subsistência.
3- Neste contexto, o direito a alimentos de um ex-cônjuge sobre o outro só pode ser reconhecido em casos excepcionais e de manifesta necessidade.
4- Não é esse o caso quando aquele que peticiona os alimentos tem rendimentos próprios que superam o valor das suas despesas comprovadas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- Anabela R instaurou acção de divórcio contra Manuel A, pedindo, incidentalmente, que este seja condenado a pagar-lhe uma prestação de alimentos, no montante mensal mínimo de 340,00€. Isto porque tem despesas mensais fixas na ordem dos 800,00€ e só lhe resta um rendimento de 326,00€, acrescidos de 150,00€, que o R. foi condenado a entregar-lhe para os alimentos da filha de ambos, ainda menor. Por sua vez, o R. aufere mensalmente cerca de 2.420,00€.
2- O R. opôs-se sustentando que a A. aufere mais de 1.226,00€ mensais, não necessitando, por isso, da sua prestação de alimentos para sobreviver. Acresce que ele próprio tem despesas mensais superiores ao seu vencimento, na ordem dos 1.500,00€/1.600,00€, o que o impede de prestar os alimentos peticionados. Daí que peça a improcedência deste pedido.
3- Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou o pedido de alimentos improcedente e dele absolveu o R.
4- Inconformada, reagiu a A., terminando a suas alegações recursivas concluindo o seguinte:
“1- Considera a Recorrente, com o devido respeito, que a alteração da matéria de facto dada como provada, que se impõe, impunha também diversa decisão quanto aos alimentos pedidos.
2- Para decidir da não atribuição de uma pensão de alimentos à Autora, o Mmº Tribunal a quo efectua um cálculo meramente aritmético, pelo qual subtrai dos rendimentos totais mensais da Recorrente (€328,50), o total documentado de despesas aceites pelo tribunal (€ 274,28), e ainda o montante de € 30 que seriam imputáveis a despesas das filhas da Recorrente (uma maior, outra ainda menor) com água, luz e gaz, para obter um rendimento mensal disponível para a Autora, aqui Recorrente, na ordem dos € 84,22, o qual considera suficiente para vestuário e saúde.
3- Porém, não é possível fazer aquela imputação de despesas às filhas da Recorrente; antes de mais, porque mesmo que as filhas não vivessem consigo e a seu cargo (pese embora a filha mais nova, ainda menor, receba desde Janeiro de 2015 uma pensão de alimentos do Réu, aqui Recorrido), as despesas da Recorrente com água, luz e gaz não diminuiria na ordem dos valores ficcionados pelo Mmº Tribunal a quo (cerca de 1/4 do total das facturas, conforme resulta de 11c, 11e e 11 f dos factos dados como provados).
4- Por outro lado, ainda, e como o Mmº Tribunal a quo - muito bem - deu como provado em 11d, a Recorrente, “em alimentação e mercearia despende quantia mensal nunca inferiora € 58,35”, sendo este o valor mínimo que a Recorrente gastará mensalmente em alimentação e mercearia, servindo os documentos juntos aos autos - que fundamentaram tal conclusão de facto - como demonstração dos gastos efectuados numa única semana, e que são manifestamente insuficientes para alimentar três pessoas durante um mês.
5- Ademais, é facto público e notório, como tal não carecendo de prova (artigo 412º do CPC) que ninguém consegue subsistir condignamente com uma despesa média mensal de € 58,35 apenas em alimentação e mercearia.
6- Acresce que, não considerou ainda a Mmª Juiz a quo, no cálculo que vimos considerando, a - igualmente documentada - despesa com o pagamento mensal do cartão de crédito da Recorrente, por considerar que do mesmo não resulta especificado o “motivo da contracção, pela A., de divida de crédito ao consumo, via cartão de crédito, nunca tendo tal facto sido referido por qualquer das testemunhas (...).”
7- Porém integrando tal documento - na verdade, integrando todos os demais documentos - no todo probatório, aí se incluindo os depoimentos testemunhais, impossível de torna não concluir pela sua utilização apenas para acorrer às necessidades de subsistência da Recorrente e do seu agregado familiar.
8- Tanto assim é que a testemunha Patrícia A descreve, com conhecimento (tal como é reconhecido na fundamentação da douta sentença posta em crise, que considera o seu depoimento coerente, espontâneo e objectivo, não tendo suscitado quaisquer reservas ao tribunal quanto à sua credibilidade), entre os minutos 2:29 e 2:56 do seu depoimento, que a Recorrente vive em “situação económica muito chata...Porque, quando íamos sair para tomar café, ou assim, ela tinha dificuldades. Aliás, recusava-se a ir comigo...recusava-se de sair connosco por causa dessa situação.”
9- Dificuldades essas de acorrer à mais banal das despesas - o café social - que são confirmadas pela testemunha Sandra M, que respondendo à pergunta se alguma vez a Recorrente lhe tinha pedido dinheiro emprestado, respondeu entre os minutos 3:13 e 3:29 do seu depoimento, “a mim não, mas sei que ela várias vezes precisa de dinheiro, sei uma pessoa a quem ela muitas vezes pede, sei que precisa de alimentos muitas vezes, e sempre que posso - com dinheiro não, que também não tenho para mim - mas sempre que posso com algum alimento ...”,
10- Facto este que é confirmado pela testemunha Maria E que descreve como a Recorrente “pede e aceita dinheiro, para comer” (minuto 3:52 do seu depoimento), confirmando que “tenho-lhe valido muitas vezes. Tenho-lhe emprestado dinheiro” (entre os minutos 2:51 e 2:57 do seu depoimento), “quando ela precisa de alguma coisa para compras, para a farmácia, para a menina (...) para a luz, para a água” (entre minutos 4:47 e 5:02 do seu depoimento, quando contra-interrogada pela Ilustre Mandatária do Réu, aqui Recorrido).
11- Também a filha da Recorrente, Ana C, refere com sentida emoção que “houve vezes em que nem dinheiro para comprar pão havia. Isso aconteceu algumas vezes. Uma pessoa não consegue respirar, vive sempre sufocada, com as contas a cair” (entre os minutos 5:33 e 6: 12 do seu depoimento).
12- A Recorrente vive, assim, demonstradamente, com fortes dificuldades, a que vai procurando fazer face através do recurso a trabalhos de limpeza esporádicos, o que motivou a necessidade de recorrer, também, ocasionalmente, ao cartão de crédito.
13- Assim, no que concerne ao ponto onze da matéria de facto dada como provada, e com base nos depoimentos supra transcritos, deve o mesmo ser alterado por forma a incluir uma alínea g), contemplando a despesa mensal com o pagamento da prestação do cartão de crédito, no montante de € 102,79.
14- De igual modo, deve o valor constante de 11d) ser alterado de € 58,35 para um mínimo de €146,7, atento o facto de os documentos que fundamentam o valor dado como provado apenas dizerem respeito às despesas de uma semana, e o teor dos mesmos - nomeadamente no que concerne ao elenco de produtos adquiridos - permite concluir pela sua insuficiência para acorrer às necessidades alimentares de um mês completo.
15- Assim, e de acordo com as alterações indicadas, deve o ponto 11 ser alterado de forma a ler-se “A A. tem que fazer mensalmente face às seguintes despesas no montante total de € 485,42”.
16- Valor esse, superior ao rendimento mensal da Recorrente, a impor a fixação de alimentos a seu favor, a serem pagos pelo aqui Recorrido.
17- Pelo que, ao considerar parcialmente improcedente o incidente de alimentos, e ao absolver o Réu desse pedido, leva a cabo a Mmª Juiz a quo uma errada interpretação e aplicação dos artigos 412° do Código de Processo Civil, e 2003°, 2004°, 2016° e 2016°-A do Código Civil”.
Pede, assim, a procedência do presente recurso e, após ser alterada a matéria de facto dada como provada nos termos já indicados, a revogação da sentença recorrida.
5- Não consta que tivesse sido apresentada resposta.
6- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
*
II- Mérito do recurso:
1- Definição do seu objecto
O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, observando este critério no caso presente, o objecto do recurso em apreço reconduz-se às seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se deve ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pela Apelante;
b) E, em segundo lugar, decidir se o Apelado lhe deve prestar alimentos e, na afirmativa, em que montante.
*
2- Fundamentação
A- Vem estabelecida a seguinte factualidade provada:
1- A e Ré contraíram casamento católico, com convenção antenupcial e sob o regime de comunhão geral de bens, em 11/08/1991.
2- Desse casamento nasceram Ana C, em 11 de Outubro de 1994, e Ana F, em 09 de Março de 1999.
3- As responsabilidades parentais relativas à menor encontram-se reguladas pagando o progenitor a quantia de 150,00€, a título de prestação de alimentos à ora A.
4- O R. emigrou para Andorra em Setembro de 2005, deixando a A. com as duas filhas do casal (à data ainda menores) a seu cargo, tendo educado e criado sozinha, durante os últimos oito anos, as filhas do casal, que vivem consigo.
5- As visitas que o R. efectuou a Portugal, por altura das festividades de Natal e Páscoa, e nas férias de Verão, foram revelando uma progressiva degradação do relacionamento com a A.
6- Desde Agosto de 2012, o R. deixou de contactar com a A. e as filhas do casal, e não mais partilhou de cama, mesa e habitação com a A.
7- Desde Agosto de 2012, não mais o R. contribuiu com qualquer quantia para as despesas do lar e da A.
8- O R. trabalha na firma, “Construções A”, auferindo um rendimento mensal que se cifra em média em 1.600,00€.
9- A A., actualmente com 41 anos, apesar de ter formação na área da fisioterapia, encontra-se desempregada, logrando apenas trabalhos ocasionais de limpeza doméstica auferindo 5,00€ por hora.
10- Como rendimento regular, dispõe a A. da sua pensão de reforma por invalidez, no montante mensal global de 328,50€.
11- A A. tem que fazer mensalmente face às seguintes despesas no montante total de 274,28€:
a. Paga de condomínio o montante mensal de 24,19€;
b. Paga de serviço de televisão e telemóvel o montante mensal de 67,61€;
c. Com gás despende mensalmente a quantia de 29,58€;
d. Em alimentação e mercearia despende quantia mensal nunca inferior a 58,35€;
e. Suporta o pagamento mensal médio de 21,29€ com água e saneamento;
f. Para luz e electricidade, necessita mensalmente de um mínimo de 73,26€.
12- O R. reside em casa arrendada em Andorra pagando 400,00€ de renda.
13- O R. suporta 73,12€ de telefone fixo e internet e 40,00€ de electricidade.
*
B- Da pretendida modificação da matéria de facto
Estão em causa apenas duas afirmações de facto: por um lado, pretende a Apelante que se julgue demonstrado que a mesma despende 102,79€ com a prestação do cartão de crédito; e, por outro, que se julgue igualmente comprovado que ela própria também gasta, no mínimo, 146,70€ mensais em alimentação e mercearia, e não apenas 58,35€, como consta da al. d) do ponto 11, uma vez que este é tão só o valor semanal correspondente a tais despesas.
Trata-se, como é bom de ver, de pretensões diversas e, como tal, serão também objecto de análises diferenciadas.
Quanto à primeira, do que se trata de saber, no fundo, é não apenas se a Apelante gasta aquele valor, mas, antes e sobretudo, se o gasta porque teve necessidade de recorrer ao crédito “para acorrer às suas necessidades básicas, e do seu agregado familiar em momentos de maior aperto”, conforme alegara no artigo 28.º do requerimento inicial.
Na sentença recorrida respondeu-se negativamente a esta questão. Aí se argumentou que o documento junto aos autos para fazer a demonstração desse facto (fls. 132), “não especifica qual o motivo da contracção, pela A., de dívida de crédito ao consumo, via cartão de crédito, nunca tendo tal facto sido referido por qualquer das testemunhas, pelo que não pode aferir-se se se destinou a acorrer às suas necessidades básicas”.
Em rigor, a Apelante não contesta as premissas deste raciocínio. O que sustenta, ao invés, é que a referida conclusão pode e deve ser retirada daqueles meios de prova.
Mas não é assim. Efetivamente, depois de os analisar, também nós concluímos que não há forma de assegurar que o crédito contraído pela Apelante se destinou, necessariamente e apenas, ao fim pela mesma alegado. Não se escamoteia com isto que as testemunhas indicadas pela Apelante referiram em julgamento as dificuldades financeiras pela mesma vivenciadas. Mas partir dessas referências para dar como demonstrados os motivos que levaram a Apelante a contrair aquele crédito é um exercício dedutivo que não pode fazer-se sem risco de inverosimelhança. Efetivamente, aquele crédito pode ter sido contraído para acorrer às ditas necessidades, mas, à luz das regras da experiência comum, pode também ter ocorrido o processo contrário; isto é, ter o aludido crédito sido contraído para adquirir bens supérfluos e, com isso, ficar comprometida a satisfação das necessidades essenciais.
Daí que tivesse sido essencial o esclarecimento do nexo primeiramente referido. E isso não foi feito; nem por via testemunhal, nem documental. De modo que deve manter-se a solução adotada na sentença recorrida.
E também deve manter-se quanto à outra pretensão da Apelante; ou seja, quanto ao aumento para 146,70€ mensais do custo da alimentação e mercearia. Mas aqui não apenas por razões probatórias, mas também devido a limites processuais. Efetivamente, foi a Apelante quem alegou inicialmente, para sustentar o seu direito a alimentos, que “[e]m alimentação e mercearia despende quantia mensal nunca inferior a €58,35, e mesmo assim limitando-se à compra do essencial para uma alimentação minimamente saudável e condigna” (artigo 15.º). Deste modo, sendo este um facto integrador da sua causa de pedir e não podendo a mesma ser alterada ou ampliada unilateralmente fora dos casos previstos na lei (artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) – o que não sucede na situação presente – carece de fundamento jurídico a referida pretensão.
Daí que se mantenha inalterada, também neste ponto, a factualidade julgada provada na sentença recorrida.
C- Passemos, agora, à análise da questão seguinte; ou seja, saber se à Apelante assiste o direito a alimentos de que se arroga titular sobre o Apelado e, na afirmativa, em que montante
Na sentença recorrida, como já vimos, este direito foi-lhe negado. Aí se considerou, no essencial, que a Apelante não demonstrou, como era seu ónus, que tenha necessidade de receber qualquer prestação alimentar do Apelado, uma vez que, auferindo, pelo menos, uma pensão de reforma por invalidez no montante de 328,50€ e tendo despesas comprovadas de apenas 274,28€, deduzindo as despesas comuns com as filhas, no montante de 30,00€, ainda lhe sobram 84,22€ para as restantes despesas, o que foi julgado suficiente.
A Apelante, no entanto, não se conforma com esta conclusão. E, além das críticas que já analisámos em relação à selecção da factualidade provada, defende também que, mesmo que as suas filhas não estivessem a viver consigo, nunca as despesas com água, luz e gás diminuiriam na proporção indicada na sentença recorrida, visto que a maior parte dessas despesas é constituída por taxas e impostos que se mantêm inalterados. Além disso, mesmo que se considere ser de 30,00€ o valor das mesmas despesas a cargo das suas filhas, a verdade é que estas não têm rendimento para lhas pagar.
Ora, nenhuma destas críticas pode ser acolhida.
Em primeiro lugar, está por demonstrar que os diversos tributos incidentes sobre os fornecimentos de electricidade, água e gás se mantenham inalterados independentemente das quantidades consumidas.
Por outro lado, também não é verdade que, pelo facto das filhas da Apelante não terem rendimentos próprios, tenha de ser ela a suportar, em exclusivo, as referidas despesas. E, no caso concreto, até nem é. Está demonstrado que o Apelado paga à Apelante 150,00€, a título de prestação de alimentos para a filha de ambos, ainda menor. E, mesmo em relação à filha maior de idade, não está, por lei, aquele desobrigado de semelhante prestação, se a mesma filha dela necessitar (artigo 1880.º do Código Civil).
De modo que, neste contexto, não há como julgar excessiva a referida dedução. Pelo contrário, havendo vida em comum, há poupanças inerentes a esse facto que se repercutem também na esfera jurídica e patrimonial da Apelante e que não podem ser menosprezadas.
O que nesta sede importa, pois, saber é se a Apelante tem necessidade de, para si própria, obter do Apelado uma prestação alimentar.
É importante começar por ter presente o quadro legal em que nos movemos.
O artigo 2009.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, estabelece que os ex-cônjuges estão vinculados, entre si, à prestação de alimentos. E o artigo 2016.º, n.º 2, do mesmo Código, confere também esse direito, independentemente do tipo de divórcio; ou seja, independentemente da responsabilidade de cada um dos cônjuges na extinção do vínculo conjugal .
Daqui não decorre, porém, que semelhante direito esteja sempre e necessariamente associado, como consequência patrimonial, à referida extinção. Pelo contrário, o artigo 2016.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, estabeleceu o princípio da auto-suficiência, segundo o qual, após o divórcio, cada um dos cônjuges deve prover à sua própria subsistência. Só em casos excepcionais pode ser derrogado este princípio. E, ainda assim, como estipula o n.º 3 do citado artigo 2016.º do Código Civil, o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade.
Neste contexto, o direito a alimentos de um ex-cônjuge sobre o outro só pode ser reconhecido em casos excepcionais e de manifesta necessidade ; isto é, quando o titular desse direito não puder prover à sua própria subsistência, designadamente por causa das circunstâncias específicas em que se posicionou na vigência da sociedade conjugal.
Não se trata, pois, já de um direito a exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, o que a lei nega terminantemente – artigo 2016.º-A, n.º 3, do Código Civil-, mas de um direito baseado numa ideia de solidariedade pós-conjugal. Por isso mesmo, “[n]a Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.
Em todo o caso, “[o] tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge” – n.ºs 1 e 2 do artigo 2016.º-A, do Código Civil.
Foi esta, de resto, a ideia que começámos por enunciar ao cingir o direito de alimentos de que a Apelante se arroga titular à sua própria subsistência e não à das suas filhas. Para estas, de facto, existe uma solução jurídica autónoma e deve ser nesse âmbito que a questão deve ser dirimida, na parte em que ainda o não foi.
Do que se trata, pois, aqui de saber é se a Apelante tem necessidade de, para si própria, obter do Apelado uma prestação alimentar. Se não pode, no fundo, auto-sustentar-se; que é, como quem diz, providenciar pela sua própria subsistência, em termos de alimentação, vestuário e habitação – artigo 2003, n.º 1, do Código Civil.
Ora, analisando a factualidade provada, cremos que a resposta a esta questão só pode ser negativa; isto é, a Apelante, repetimos, em relação a si própria, tem não só condições objectivas para sobreviver, mas também para melhorar os seus rendimentos.
Em primeiro lugar, porque tem já um rendimento fixo que ultrapassa as suas despesas comprovadas.
Em segundo lugar, porque além desse rendimento, aufere também um outro de natureza variável em trabalhos de limpeza que realiza ocasionalmente.
E, por fim, porque, em virtude da sua formação na área da fisioterapia, tem também potencial para aumentar aquele mesmo rendimento.
Não se ignora com isto que a Apelante se encontra reformada por invalidez, nem mesmo que o contexto económico do país não é de prosperidade para a maioria daqueles que apenas têm a sua força de trabalho como única fonte de rendimento.
Mas, além de se ignorar que tipo de limitações derivam, em concreto, da referida invalidez para a Apelante (que não a impedem, por exemplo, de realizar trabalhos de limpeza doméstica por conta de outrem), a verdade é que o Apelado também não pode ser obrigado a contribuir para o pagamento de despesas que não estão comprovadas.
De resto, estamos em crer que, permanecendo as duas filhas da Apelante e Apelado a cargo daquela, a duplicação do contributo que a mesma já hoje recebe, a título de alimentos, para a filha menor (150,00€) alteraria significativamente o quadro de vida de todas elas. E isso poderá eventualmente ser conseguido, seja por contributo directo da filha mais velha, se tiver condições para isso, seja por contributo do Apelado em nome da mesma, devendo ser nessa sede que a questão deve ser solucionada.
Neste processo, repetimos, não se pode impor ao Apelado um contributo para a Apelante que não corresponda às suas despesas demonstradas. E esse é nitidamente o caso.
Daí que improceda a sua pretensão recursiva, assim se confirmando o decidido na sentença recorrida.
*
III- DECISÃO
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
*
- Porque decaiu na sua pretensão, as custas serão pagas pela Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
1 Ac. RLx, de 09/07/2015, Proc. 7409/12.5TBCSC.L1-7, consultável em www.dgsi.pt.
2 Ac. STJ de 20/02/2014, Proc. 141/10.6TMSTB.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt