Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
309/09.8TTBCL-C.P1.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CRÉDITO LABORAL
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - A reparação dos sinistros laborais tem um cunho marcadamente social e protecionista, visando dar cumprimento aos comandos constitucionais dos artigos 59.º, 1, al. f) e 63.º, 3 da CRP.
2 - Os valores devidos em virtude de acidente de trabalho, previstos na LAT, além de irrenunciáveis, são inalienáveis.
3 - Esta natureza implica que, quer em sede de PER, quer de insolvência, não possa beliscar-se estes direitos e as respetivas garantias.
4 - Contudo o credor infortunístico não está dispensado de reclamar o crédito no processo de insolvência, até por causa do direito de sub-rogação, sendo que no PER a falta de reclamação não tem efeitos preclusivos.
5 - Tratando-se de crédito infortunístico, não pode ser afectado no PER, dada a irrenunciabilidade do mesmo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Sociedade…, S.A., deduziu a presente oposição por embargos de executado contra a execução a si movida por António…, por apenso ao processo especial emergente de acidente de trabalho.
Invoca que tendo sido homologado o plano de recuperação no âmbito do PER que requereu, a sentença carece neste momento de exequibilidade. O exequente reclamou o seu crédito naqueles autos e aí foi contemplada. Invoca má-fé do exequente. À data em que foi deduzida a execução já havia sido homologado o plano.
O plano refere é meio alternativo ao modelo executório da decisão declaratória de insolvência. A sentença homologatória do PER uma vez transitada, constitui título executivo. O exequente está vinculado ao caso julgado.
Pede a procedência da oposição, absolvição do pedido e condenação do exequente nos termos do artigo 819º do CPC.
O exequente contestou alegando que nos autos principais foi acolhida, com transito em julgado, a ideia de que o artº 17-E 1 do CIRE não tem aplicação face à natureza dos direitos em causa, não estando sujeito ao plano homologado. O PER apenas atendeu aos montantes vencidos. A pensão devida não é uma simples dívida assumindo outra dimensão, estando em causa a sobrevivência do sinistrado, tratando-se de “crédito” não passível de ser negociado. O plano não pode derrogar os efeitos da sentença proferida no processo especial de acidentes de trabalho, nem as normas imperativas que regem a matéria. Sem a execução o sinistrado não poderia fazer intervir o FAT, dada a necessidade de excutir o património da sociedade.
Pede a improcedência.
*
Considerando-se habilitado o Mmº Juiz proferiu decisão julgando improcedente a oposição.
Inconformada a oponente interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
….
II. A executada instaurou processo especial de revitalização, o qual correu termos no 1.º juízo do Tribunal da Comarca de …, sob o n.º …, tendo o respetivo plano sido homologado por sentença judicial proferida a 29.04.2013 – constante de fls. 162 dos autos.
III. O exequente participou nas negociações do PER, apresentou tempestivamente a reclamação de créditos e votou no sentido desfavorável à aprovação do plano no dia 09.04.2013.
IV. Na qualidade de credor privilegiado, por força da aprovação do referido plano, o exequente receberia o pagamento de 100% do capital, após período de carência de 24 meses, posterior à data do trânsito em julgado da decisão de homologação.

VI. Tal plano, veio a ser homologado, tendo o despacho de homologação transitado em julgado, pelo que o mesmo tem força e eficácia plena.

VIII. A douta sentença recorrida decidiu ordenar o prosseguimento dos presentes autos, não acatando à suspensão dos mesmos, nos termos do disposto no art.º 17.º - I, n.º 3 do CIRE, ignorando, assim, em absoluto, o fundamento em que se encontra pendente um processo especial de recuperação relativo ao executado, ora Recorrente, a empresa … S.A., cujo processo corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, sob o número … do 1º Juízo.
IX. os presentes autos não devem prosseguir, devendo ser decretada a suspensão da instância, com base no estatuído nos termos do artigo 17.º - I, n.º 3 do CIRE. Com efeito, o artigo 17.º E do CIRE dispõe: “ A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
X. Os presentes autos dizem respeito a processos emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, destinado à efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho.
XI. Os presentes autos destinam-se à cobrança de dívidas e têm idêntica finalidade, PORQUANTO O CRÉDITO É EXISTENTE E SOBRETUDO DETERMINADO.
XII. O processo em causa nos autos, já transitou em julgado no que tange à fixação de incapacidade resultante de um ACIDENTE DE TRABALHO, com vista a definir, numa primeira fase, qual o grau de incapacidade, períodos de incapacidade e data da alta. Sendo que ultrapassada a fase declarativa, os presentes autos, assumem, como quaisquer outros a natureza de cobrança de dívidas, independentemente da origem das mesmas.
XIII. Uma vez que nos presentes autos, o Tribunal já concluiu que há lugar a uma incapacidade em consequência direta e necessária do acidente de trabalho, já apurou o grau da incapacidade, já determinou o montante devido a título de pensão vitalícia e, por fim, já apurou qual a entidade que será responsável pelo pagamento de tal pensão.
XIV. Neste momento já nada disto é questionado ou quesitado, o que se pretende é apenas a cobrança coerciva da parte tocante à patronal – empresa revitalizada – NÃO É ISTO UMA COBRANÇA DE DÍVIDA.

XVI. mesmo que estivéssemos perante um Processo de Insolvência stricto sensu, os presentes autos não deveriam prosseguir, na medida em que estamos perante uma ação de natureza estritamente patrimonial, e como tal sujeito à suspensão da instância nos termos previstos no art.º 85.º do CIRE
XVII. O Tribunal a quo, deveria decretar a suspensão da Instância, pelo que não o fazendo, está a exceder os seus poderes estabelecidos por lei, contrariando os princípios subjacentes ao direito que fundamenta a ação e desrespeitando o caráter imperativo do disposto no artigo 17.º E do CIRE.
XVIII. Demais, e no pressuposto que o Recorrido aderiu ao Plano Especial de Revitalização, sempre se dirá que o Recorrido poderá reclamar o valor junto do Fundo de Acidentes de Trabalho.
XIX. Não podendo ter, consequentemente qualquer reflexo nos bens existentes na massa Insolvente, caso a Ré estivesse efetivamente num processo de Insolvência / Revitalização – que não se compadece com tal execução, cuja improcedência ora se coloca em crise.

XXIII. Assim, ao contrário da sentença em crise e aqui recorrida, o processo deve ser suspenso.
XXIV. Decidindo, como se decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 17.º I, n.º 3, 17.º E, 85.º todos do CIRE, e artigos 119º ou 143º do C.P.T., art.º 20.º, n.º 4 e 5.º e ainda 63.º da CRP.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado. Defende-se a extemporaneidade do recurso e a impossibilidade de atribuição do efeito suspensivo.
Uma e outra das questões prévias foram apreciadas de forma correta, com elas se concordando. Considerou-se o recurso tempestivo, por se entender que a natureza urgente do processo de acidente de trabalho não é extensível aos apensos do mesmo, por não existir norma legal que o preveja. Quanto ao efeito foi fixado o devolutivo.
O Emº PGA teve vista.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
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Factualidade com interesse:
- No processo principal, por sentença de 1/6/2012, considerando-se o autor afetado de uma IPP de 31,60% e tendo em atenção o salário do autor e o salário transferido para a seguradora, proferiu-se a seguinte condenação:
“A) Pelo exposto, e sem outras considerações, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente condena-se:
1) a entidade patronal “… Lda" a pagar ao autor António…:
1.1.) a pensão anual e vitalícia de 2.649,72 €, devida desde o dia 1.02.2009;
1.2) 8386,56 € a título de diferenças na indemnização por ITA;
1.3) 521,83 € a título de diferenças na indemnização por ITP;
1.4) os legais juros de mora vencidos e vincendos;
2) a ré companhia de seguros “…. SA" a pagar ao autor:
2.1) a pensão anual e vitalícia 1.778,70 €, devida desde o dia 1.02.2009;
2.2) 8.386,56 € a título de diferenças na indemnização por ITA;
2.3) 1.778,70 a titulo de diferenças na indemnização por ITP;
…”
- A referida firma foi incorporada por fusão na embargante.
- A executada instaurou processo especial de revitalização, o qual correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …, sob o n.º …, tendo o respetivo Plano sido homologado por sentença judicial proferida em 29.04.2013 (fls. 162).
- O exequente declarou pretender participar nas negociações, conforme fls. 37, reclamando o seu crédito nos termos constantes de fls. 38 ss., concluindo nestes termos:
“requer-se a V," Ex." o crédito ora reclamado, emergente de acidente de trabalho, seja reconhecido, como privilegiado, com as consequências legais, em consonância com o que supra vai exposto, ou seja tendo por base o quantitativo atualmente em divida de € 19.187.85, acrescido dos respetivos juros monetários, considerando-se, correlativamente, o valor do caucionamento exigível para pagamento da pensão anual e vitalícia de € 2.649,72, fixando esse valor, até que seja legalmente determinado, no limite mínimo do resulta apurado até o reclamante perfaça os 65 anos idade, o que redundará num valor nunca inferior a €70.000.00, procedendo-se consequentemente à sua aprovação e pagamento.”
- As negociações no âmbito do PER concluíram com aprovação de plano de recuperação, (fls. 97 ss) por maioria (fls. 94), com votos favoráveis de 92,99% dos créditos.
- No plano prevê-se quanto aos créditos laborais, pagamento de 100% com perdão dos juros vencidos e vincendos, em 24 prestações trimestrais sucessivas e de igual valor, com um período de carência de 24 meses após trânsito do despacho de homologação do plano de recuperação.
- Do anexo A, consta como crédito do autor a quantia de € 19.177,85. Fls. 133.
- O exequente votou desfavoravelmente o plano referido, conforme fls. 93, em 19/4/2013.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A recorrente sustenta a força e eficácia do caso julgado formado pela decisão que homologou o plano de recuperação, defendendo que o processo deve ser suspenso, nos termos dos artigos art.ºs 17.º I, n.º 3, 17.º E, 85.º todos do CIRE, invocando violação ainda dos artigos 119º ou 143º do C.P.T., art.º 20.º, n.º 4 e 5.º e ainda 63.º da CRP.
Conquanto descentrado da questão da inexigibilidade colocada em primeira instância, o fundamento do recurso assenta na questão do trânsito da decisão homologatória do plano de recuperação/sua eficácia em relação ao exequente, que sustentava aquele pedido, pugnando-se agora pela suspensão. A questão do caso julgado foi colocada e deve ser apreciada.
A questão da suspensão é questão nova, não colocada em primeira instância, pelo que e em princípio não competiria apreciar a mesma. Os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, sendo em regra o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi “levantada” pelas partes na instância recorrida. Artigo 635º do CPC. Assim não acontece contudo com as questões de conhecimento oficioso. Ora a suspensão nos termos determinados pelo CIRE é de conhecimento oficioso. Apreciando o recurso:
A questão central prende-se com saber se no âmbito do PER (não será diferente no âmbito do processo de insolvência) a sentença homologatória do plano de recuperação se impõe ao credor laboral/infortunístico.
No caso dos autos o credor votou contra o plano. Este prevê não só uma moratória, como ainda o perdão de juros em relação a determinada verba do reclamado.
Não está já em causa a caraterização do acidente, a fixação da incapacidade e definição das indemnizações devidas. Está em causa uma execução tendo em vista a cobrança das indemnizações fixadas, designadamente de prestações mensais fixadas a título de pensão.
A recorrente defende que nestas circunstâncias, se trata de um crédito como outro qualquer, sujeito às normas que regulam o PER. Posição diferente sustenta o recorrido.
Importa surpreender a natureza do crédito, e vista esta verificar se em face da lei o plano aprovado no âmbito do PER se lhe aplica, implicando a impossibilidade de prosseguimento da execução (ou a sua dedução).
O crédito infortunístico assenta no “dever de segurança”, que impende sobre a entidade patronal enquanto beneficiária da força de trabalho do trabalhador. Tal dever, nos dizeres de João Nuno Calvão da Silva - Segurança e saúde no trabalho, in, http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=71981&ida=72375; “apresenta uma natureza dual: privada, pois o dever de proteção deriva de um contrato de trabalho, e pública, na medida em que a obrigação de zelar pela segurança e higiene do trabalhador é imposta e regulada por lei. “.
É a dimensão legal que mais nos importa.
A entidade patronal tem obrigação de proporcionar boas condições de trabalho, designadamente no que respeita à segurança e saúde – artigo 127º, 1, als. c), g) h), 2; 281 do CT e demais leis em vigor, que constituem concretização do direito consagrado na al. c) do nº 1 do artigo 59º da CRP.
A reparação dos sinistros laborais tem um cunho marcadamente social e protecionista, visando dar cumprimento aos comandos constitucionais dos artigos 59º, 1, al. f) e 63º, 3 da CRP. Este último normativo reporta-se designadamente à proteção na invalidez enquanto direito social (vd. epigrafe do normativo – “segurança social e solidariedade”).
Em casos de sinistro laborais, o direito é assegurado pelo sistema de seguro privado instituído pelo CT, nos termos da LAT - impõe-se à entidade patronal o dever de transferir a sua responsabilidade para entidade legalmente autorizada a realizar este seguro – artigo 283º, 5 do CT e 79 da LAT -.
Mas o cunho social impõe que se este sistema não funcionar competirá ao Estado em substituição, assegurar o direito, e é, prevenir que o sinistrado deixe de receber as prestações que lhe sejam devidas, em função das regras imperativas fixadas na LAT.
Assim é que o artigo 82 da LAT refere:
Garantia e atualização de pensões
1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.

3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.

Este cunho social tem a sua natural tradução no caráter imperativo das normas relativas aos acidentes de trabalho.
Dispõe o artigo 78º da LAT (L. 98/2009):
Inalienabilidade, impenhorabilidade, irrenunciabilidade dos créditos e garantias
Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.
O normativo reporta-se claramente a créditos, às quantias já fixadas, aos montantes devidos.
Assim o direito à reparação destes danos, além de irrenunciável é de exercício necessário.
Parece evidente em face do artigo 78º da LAT, os valores devidos em virtude de acidente de trabalho, previstos na LAT, além de irrenunciáveis (o trabalhador não pode prescindir deles), são inalienáveis (o trabalhador não pode cedê-los). Sobre a falta de eficácia de quitação dada pelo beneficiário vd. Ac. RP de 28/3/2012, www.dgsi.pt, processo nº 2083/07.3TTLSB.L1-4.
Já o artigo 12º e na mesma linha refere:
Nulidade
1 - É nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na presente lei ou com eles incompatível.
2 - São igualmente nulos os atos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei.
3 - Para efeitos do disposto do n.º 1, presume-se realizado com o fim de impedir a satisfação dos créditos provenientes do direito à reparação prevista na lei todo o ato do devedor, praticado após a data do acidente ou do diagnóstico inequívoco da doença profissional, que envolva diminuição da garantia patrimonial desses créditos.
Em face destes normativos, qualquer acordo por parte do trabalhador que de algum modo limite, diminua, constranja os direitos e garantias referidos na LAT, não nulos.
Resulta de todo o regime, designadamente da LAT que a reparação deve ocorrer nos termos da lei, mediante uma pensão, (eventualmente remível, dentro dos limites previstos naquela). Assim é porque se pretende garantir ao sinistrado, diminuído nas suas capacidades físicas com rebate profissional, a manutenção das condições materiais que tinha antes do sinistro, preservando-se a sua dignidade – artº 1 da CRP -.
Ora, as indemnizações devem ser pagas nos termos estipulados na LAT, sendo que no que tange à pensão devem ser pagas periodicamente, nos termos do artigo 72º da LAT. Periodicidade diversa da prevista só será admissível se ocorrer acordo dos interessados – nº 5 do normativo.
Eliminar o pagamento periódico da pensão previsto na decisão que a reconhece, (mediante por exemplo uma moratória) viola norma imperativa da LAT, pois se trata de uma garantia do sinistrado.
No extremo (IPA), deixaria o sinistrado sem meios de subsistência.
Note-se que a lei, tendo em vista uma rápida definição e reparação dos danos, evitando o risco de ter que aguardar durante anos, “pondo em risco a sua subsistência e a sua dignidade”, determina que “os processos onde se discutem estes direitos têm curso oficioso e natureza urgente.” Artigo 26º, nº 1, al. e) e 3º CPT, correndo igualmente de forma oficiosa a execução – artigo 90º, 2 do mesmo diploma.
Esta natureza implica que quer em sede de Per que de insolvência não possa beliscar-se estes direitos e as respetivas garantias.
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Contudo, o credor infortunístico não está dispensado de reclamar o crédito no processo de insolvência nos termos do artigo 128º do CIRE, até por causa do direito de sub-rogação previsto no artigo 82º, 3 da LAT e 5-B da D.L. 142/99. No PER não é exatamente assim, não tendo efeitos preclusivos a falta de reclamação – vd. Ac. RG de 29/1/2015, www.dgsi.pt, processo nº 5632/12.1TBBRG.G1 -, contudo o credor infortunístico tem o direito de intervir como qualquer credor.
Quanto à solicitada suspensão importa referir que não vem prevista a mesma nesta fase. Iniciado o PER, a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º–C, obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação, nos termos do artigo 17-E do CIRE. Este período de “Stand still”, durante o qual os credores não podem agir judicialmente contra o devedor, só vigora durante o período de negociações. Não vem prevista na lei a suspensão ora referida pelo recorrente.
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Quanto ao caso julgado.
O exequente não aprovou o plano, embora tenha intervindo no processo, no uso de um direito que lhe assistia (como já vimos no âmbito da insolvência a intervenção seria necessária).
Importa ver se o trânsito da decisão que homologa o plano, prevendo moratória e perdão de juros quanto ao seu crédito (a parte dele) se lhe impõe, como parece resultar do disposto no artigo 17-F, nº 6 do CIRE.
O PER (como a insolvência), devem respeitar a natureza inalienável e irrenunciável de certos direitos, a menos que da lei resulte possibilidade de assim não ser, - mesmo em relação a créditos sem aquelas caraterísticas, sempre haverá que respeitar o comando do nº 2 do artigo 192º do CIRE aplicável do forma do artigo 17-F, nº 5 -.
No caso, tratando-se de crédito infortunístico, ainda que com a vontade do credor (dada a irrenunciabilidade), o crédito não pode ser afetado. Pouco resta além da previsão do pagamento nos termos devidos, permitindo-se apenas, eventualmente, alguma alteração por acordo, na periodicidade do pagamento, dada a previsão do nº 5 do artigo 72º da LAT. O plano deve prever o pagamento de tais créditos, sem violação daquela natureza, sob pena de ineficácia.
No ac. referido na decisão recorrida (1786/12.5TBTNV.C2.S1) refere-se:
“… O que dissemos, numa perspetiva de mais lato enquadramento da questão decidenda, terá que ter em conta o que constitui a pretensão recursiva da recorrente; com efeito, apenas pede que se considere ineficaz, em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P. a eficácia do Plano que foi homologado, ou seja, que não produza quaisquer efeitos relativamente a tais credores, por não respeitar quanto a estes credores o regime previsto no DL. n°411/91 (recuperação de contribuições em dívida da Segurança Social), e na LGT relativamente aos créditos tributários, solução esta adotada no acórdão-fundamento, que foi confirmado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de maio de 2012 – Proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 – in www.dgsi.pt.
10. O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso o Plano de Recuperação da empresa que for aprovado, não é oponível ao credor ou credores que não anuíram à redução ou à modificação lato sensu dos seus créditos.”
Ms. RE de 29/1/2015, processo nº 77/14.1TBARL.E1, citando outra jurisprudência, RG de 18/6/2013, processo nº 4021/12.2TBGMR.G1; de 15/10/2013, processo nº 8604/12.2TBBRG.G1, STJ de 24/3/2015, processo nº 664/10.7TYVNG.P1.S1.
A afirmação de tal ineficácia volve-se simples nos casos em que o credor não é parte no processo. Sendo parte, deve o mesmo reagir contra a decisão homologatória, como ocorreu nos casos apreciados pelos citados acórdãos, não deixando transitar a mesma. No caso presente assim não ocorreu. O recorrido era parte naquele processo e não reagiu contra a decisão homologatória que aprovou o plano em que contra o seu voto o seu direito foi restringido.
Ainda que se refira que se trata de um negócio atípico, estamos em face de algo mais, pois o plano é sujeito a uma apreciação por parte do juiz, tendo em vista verificar precisamente do cumprimento das regras legais – artigos 215º, 216º aplicáveis por força do artº 17-F, nº 5, todos do CIRE -, ficando o plano coberto pela decisão homologatória.
Transitada a decisão, ainda que contra lei, ela impõe-se, nos precisos termos em que decide. Nos termos do artigo 621º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
No caso trata-se de sentença homologatória de um plano, que se apresenta como um contrato atípico (conforme jurisprudência citada). A decisão homologatória, utilizando a expressão do ac. RP de 9/2/00, Col. Jur. T. II, pág. 186 (relativo a transação), acaba por se apropriar das cláusulas do contrato e “em conformidade com o aí concertado pelas partes e tendo ainda por referência ineliminável a própria controvérsia litigiosa, condená-las-á ou absolvê-las-á, correspondentemente”. O Ac. STJ de 4/11/93, BMJ 431, pág. 422 (citado naquele), refere que, “pese embora não conhecer do mérito da causa, há, no entanto, que reconhecer que a sentença homologatória chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transação de que nascera”.
Porque de um contrato se trata, a homologação não toma posição quanto ao sentido e alcance do acordo consubstanciado na transação, o qual deve buscar-se na vontade das partes de acordo com os critérios estatuídos nos artigos 236.º, n.º1, do Cód. Civil. Assim, o alcance do caso julgado deve buscar-se no próprio plano.
No caso o sinistrado reclamou o crédito. Contudo verifica-se que no plano não se comtempla o pagamento da pensão. Apenas se considera o valor vencido e referido na reclamação. Assim apenas em relação a este montante se impõe a força do caso julgado, pois só ele foi objeto de previsão no “acordo” que constitui o plano. De fora estão as prestações vencidas posteriormente, ou melhor, todas as não incluídas no montante reconhecido. Tal resultaria de todo o modo do disposto no nº 1 do artigo 217º do CIRE, nos termos do qual com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência. Os créditos não atingidos mantêm-se integralmente tal qual estavam antes da decisão – Luís Fernandes e João Labareda, Cire anot., em nota ao artigo 217.
Quanto ao valor reconhecido, uma vez que o autor deixou transitar a decisão homologatória do plano de pagamento, o mesmo impõe-se-lhe. A execução pode contudo prosseguir em relação aos valores restantes, entretanto vencidos e não incluídos no valor ali considerado, porquanto quanto a eles não ocorre caso julgado, sendo o plano quanto a eles ineficaz.
Assim, procede parcialmente a apelação, devendo a execução prosseguir apena sem relação aos valores do crédito do autor não especificados no plano (seja, os valores além dos abarcados pelo montante de €19.177,85 integrado no plano transitado).
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DECISÃO:
Acordam os juizes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente em parte a apelação, declarando-se extinta a execução quanto ao valor de € 19.117,85 abrangido pelo plano, prosseguindo a execução quanto aos demais valores.
Custas pelo recorrente e recorrido na proporção de metade.
Guimarães, 25/06/2015
Antero Veiga
Manuela Fialho
Moisés Silva