Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CRAVO | ||
Descritores: | ÁGUAS PÚBLICAS PREOCUPAÇÃO DIREITO DE PROPRIEDADE ÁGUAS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/25/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I – A Lei n.º 54/2005, de 15-11, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, continua a ressalvar do domínio público do Estado ou das Regiões Autónomas as águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21-11-1868, por preocupação, doação régia ou concessão [art. 6º/1 e 4 dessa Lei e art. 1386º/1, d) do CC]. II – Assim, a preocupação, ou seja, a ocupação primeira das águas públicas, por meio de obra de represamento, constitui título hábil para adquirir o direito de presa ou direito de derivar uma certa massa de água de rio público que, uma vez entrada no prédio ou prédios a cuja irrigação se destinava, deixa de ser pública para passar a ser particular sobre ela se exercendo o direito real de propriedade sobre imóveis [cfr. actual art. 204º/1, b) e 1385º e ss. do CC]. III – Continuando a água a ser utilizada para regar e limar os terrenos, o seu não uso no moinho dos segundos réus não constitui qualquer extinção pelo abandono ou não uso. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIO D e marido M, residentes na Rua do Rio Este, n.º … Louro, Vila Nova de Famalicão e L e mulher LA, residentes na Rua do Rio Este, nº … Louro, Vila Nova de Famalicão intentaram a presente acção(1) declarativa, com processo ordinário, contra J e mulher M, residentes na Travessa do Pinheiral, s/n – … Lemenhe, Vila Nova de Famalicão, pedindo que sejam os réus condenados a: a) reconhecer que a primeira e os segundos autores são pela forma referida nos artigos 1º a 8º da p.i., donos e legítimos possuidores dos prédios descritos respectivamente nos artigos 1º e 3º da pi; b) reconhecer que os autores têm o direito de regar os seus prédios com a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, que neste é captada e conduzida para a poça existente no Campo da Levadinha, através da “Levada das Vinhas” e de aí a represar no tempo de rega e de a utilizarem como água de lima, tal como se alegou nos artigos 12º a 15º da p.i.; c) reconhecer o direito dos autores de conduzir essa água através de um rego aberto, em terra e com a largura de cerca de um metro e meio, ao longo de toda a largura do Campo da Levadinha, numa extensão superior a 80 metros, até aos prédios referidos nos artigos 1º e 3º da p.i., como se alegou nos artigos 12º a 15º da p.i.; d) a reporem a levada, a poça e o rego referidos nos artigos 12º a 15º da p.i no estado em que os mesmos se encontravam antes dos actos referidos nos artigos 25º e 26º da p.i., designadamente retirando a canalização e aterro efectuados, deixando a poça e o rego aberto e a respectiva água fluir ao ar livre; e) absterem-se da prática de qualquer acto lesivo dos aludidos direitos de propriedade e posse dos autores. Os RR. contestaram, defendendo-se por excepção e por impugnação. Em sede de excepções alegaram o assentimento dos AA. para a dita colocação pelos RR. dos tubos para condução da água em causa. Referiram ainda que existe uma servidão de presa que se extinguiu pelo não uso. Alegam ainda que o entubamento da condução de água feita pelos RR. é mais favorável aos AA. Finalmente alegam o abuso de direito. Replicaram os autores, mantendo no essencial a posição já anteriormente assumida. Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais. No final, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente, por provada e, em consequência, condenou os RR. a: a) reconhecer que a primeira e os segundos autores são pela forma referida nos pontos 1 a 6 dos factos provados, donos e legítimos possuidores dos prédios descritos respectivamente nos pontos 1 e 3 dos factos provados; b) reconhecer que os autores têm o direito de regar os seus prédios com a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, que neste é captada e conduzida para a poça existente no Campo da Levadinha, através da “Levada das Vinhas” e de aí a represar no tempo de rega e de a utilizarem como água de lima, tal como decorre dos pontos 10 a 12; c) reconhecer o direito dos autores de conduzir essa água através de um rego aberto, em terra e com a largura de cerca de um metro, ao longo de toda a largura do Campo da Levadinha, até aos prédios referidos nos pontos 1 e 3, tal como decorre dos pontos 10 a 12; d) reporem a levada, a poça e o rego referidos nos pontos 10 a 12 no estado em que os mesmo se encontravam antes dos actos referidos nos pontos 23 e 24, designadamente retirando a canalização e aterro efectuados, deixando a poça e o rego aberto e a respectiva água fluir ao ar livre; e) absterem-se da prática de qualquer acto lesivo dos aludidos direitos de propriedade e posse dos autores. Ficando as custas a cargo dos RR. * Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR. J e mulher M recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram, após convite de síntese, com a apresentação das seguintes conclusões: I – Caracterização dos Direitos dos Autores:a) – Direito às águas preocupadas: "Compropriedade" 1 À luz do disposto nos art°s. 6° e 8° da L. de Águas, L. 54/2005, de 16 de Nov., e no art°. 1386°, d), do C, Pr. Civil, não se tem dúvida de que aos autores cabe o "direito às referidas águas", "captadas", por uma "comporta", sita no dito ribeiro de Lemenhe.Mas cujo caudal só pode, como impõe o cit. artº. 1386°, n° 2, ser usado para: a) Regar os ditos prédios rústicos Campo da Levadinha (dos Réus) e Campo da Vinha (da primeira autora). b) Movimentar o Moinho (prédio dos segundos autores). 2 E, esse direito, dos Autores, e também dos Réus, (quanto a irrigar o seu prédio) "às referidas aguas" "captadas" são direitos de compropriedade, de três consortes - face aos art°s. 1386°, 1, d); 204°, 1°, b); 1398° e 1403° e sgts do C. Civil.3 E, também, cada um, só tem "direito apenas ao caudal necessário para o fim a que as mesmas se destinam" (cit. artº. 1386°, n° 2). Ou seja, a primeira autora para regar o seu Campo da Vinha. E, o segundo autor para movimentar o dito seu Moinho. E os Réus, para regar o seu Campo da Levadinha.4 Pelo que, "se" o caudal actualmente não é "necessário" (para algum desses fins, então,) - não existe sequer "actualmente" "direito" (a exercer e proteger judicialmente).O que ocorre com os segundos Réus - dado estar provado que o Moinho está encerrado há mais de 35 anos. 4.1 E, para o uso de tais direitos de servidão, e conforme provado na sentença - existindo na dita "poça" (sita no Campo da Levadinha, dos Réus), o primeiro "giro", que, divide a água pelos dias e horas que pertence quer aos Réus, quer ao Campo da Vinha (pertencente á primeira Autora) e quer ao Moinho (dos segundos autores).4.2 Por sua vez, a água que pertence ao Campo da Vinha e ao Moinho, e que pelo dito "giro" no Campo da Levadinha é "encanada", seguia em "rego, a céu aberto", por tal terreno dos Réus, até ao terreno infra, o Campo da Vinha (da primeira Autora).E, neste há um segundo registo, que divide a água remanescente, para ser subdividida para lima do Campo da Vinha (1ª Autora) e o Moinho (dos 2°s autores). Como tudo consta dos ditos n°s 12 e 13 dos factos provados. b) – Direitos quanto à "poça" e ao "rego", a céu aberto: - Servidão 5 Ora, o dito direito (de propriedade) dos Autores às referidas "águas preocupadas", não se confunde com o direito a "represá-las" (poça) nem com o "direito de condução", das mesmas. Nem com o direito aos objectos físicos da "poça" e "rego a céu aberto", (existentes no Campo da Levadinha, de propriedade dos Réus).5.1 Sendo assim, e salvo o devido respeito, é errada a assunção pela sentença recorrida de que "do que se trata é de direito de propriedade e não qualquer direito de servidão de presa ou servidão de aqueduto" - como se expressa in fine, da epígrafe "Do direito de propriedade da água do Ribeiro de Lemenhe". (págs. 11 e sgts). Pois, tal direito apenas tem por objecto a água.6 Pois, o direito de "encanar" as ditas águas por tal prédio alheio, consubstancia, na "unidade do sistema jurídico", um "direito de servidão de águas", na modalidade de "servidão legal de aqueduto" (art°. 1561° do C. C.). E, identicamente, uma "poça, com giros", o que origina é um "direito de presa" (art°. 1559°do C.C.).E, assim, a sentença errou na determinação das normas aplicáveis (propriedade - art°. 1386°). E, violou os aplicáveis artºs. 1559° e 1561° (direitos de servidão). II – Amplitude do direito dos segundos Autores (Moinho)7 Como decorre da matéria dada como provada, na sentença, nos pontos 11, 12 e 13 - relativamente aos segundos autores, as referidas águas de que são consortes destinam-se, tão só, "a movimentar o moinho" que lhes pertence. E, tais Autores, só têm direito ao "caudal necessário a tal fim" (cit. art° 1386°, 2).8 Ora, há que realçar - que tal moinho presentemente e "pelo menos desde há cerca de 30 anos (que) não labora por se encontrar em ruínas (ponto 16 da sentença na matéria de facto).8.1 Pelo que, desde logo, tais Autores, "actualmente", e "desde há pelo menos 35 anos" - que não "necessitam" de caudal nenhum das ditas águas públicas preocupadas. E não têm assim, actualmente, "nenhum direito" a caudal algum (cit. art°. 1386°). E, assim também, actualmente nenhum direito consistente têm a represá-las e conduzi-las pelo prédio dos Réus (limitando os direitos de uso e fruição destes) - dado o carácter (meramente) instrumental dos direitos de servidão (art°. 1543° do C.C.).8.2 Ou, pelo menos, tal, sempre postulará, quanto ao peticionado(1):III – a) - Abuso de direito, pelos segundos A.A.b) - Falta de "interesse processual" c) - "Princípio da proibição de excesso" 9 Na verdade, "se" tais Autores presentemente e desde há, pelo menos, 35 anos, não fazem uso de tais águas - e o "moinho" não labora por se "encontrar em ruínas", e, assim, também, não têm actualmente direito a caudal algum.10 Então, por sua vez, a reivindicação por tais autores do exercício meramente "formal" dos referidos direitos de servidão de presa e aqueduto, contra os Réus e direitos esses que nesse exercício comprimem o direito de propriedade dos Réus sobre o seu Campo da Levadinha – sempre chamam à colação a figura do abuso de direito (art°. 334° do CC.).10.1 Na verdade, no contexto factual referido (n°s 8 e 9), desde logo, o peticionado pelos segundos Autores, nomeadamente nas alin. c) e d), (PI) – excede manifestamente os limites impostos pelo fim económico do seu direito de presa e aqueduto.Como, igualmente, o seu fim social, e a boa-fé e os bons costumes. 11 Bem como tal reivindicação actual viola, por sua vez, a norma constitucional do "princípio da proibição do excesso" (art°. 2° da CR).12 Como também HÁ "FALTA de INTERESSE PROCESSUAL" actual em agir. E sobrecarga inútil dos Tribunais! Porque sem proveito, subjectivo ou social.Dado o carácter instrumental das servidões (artºs 1543°, 1559° e 1561° do C.C.). 13 ALIÀS, os Autores, na verdade, até estão hoje melhores do que ANTES!JÁ QUE, os Réus ao "atolarem" a "poça", deixaram de poder usar, a parte da água que lhes cabe, como consortes - por falta do "giro" que derivava o caudal para o seu Campo (ponto 12, da matéria dada como provada)!!! E, ASSIM, TODA A ÁGUA PREOCUPADA flui, agora, MAS ATÉ EM PROVEITO TOTAL e EXCLUSIVO dos AUTORES!!! E, 14 Também, e quanto à água conduzida, em tubos, como é facto notório (artº. 5º do CPRC) é muito mais fluente, corredia e sem desperdícios: do que correr em rego e a céu aberto. IV – Amplitude dos direitos dos 1ºs Autoresa) – Abuso de direito da 1ª Autora b) – Falta de interesse em agir c) – "Princípio da proibição de excesso" 15 Dá-se aqui, por brevidade, reproduzido o alegado antes nos artºs. 5 e 6, quanto aos ditos direitos de presa e aqueduto dos segundos Autores, como (meros) "direitos de servidão".16 ORA, a mudança feita pelos Réus quer na "poça" (eliminando os "giros"), quer no "rego a céu aberto", por onde essas águas corriam, substituindo o rego em parte do Campo da Levadinha (cerca de 40 metros), por tubos, em nada prejudica interesses relevantes da A. e satisfaz interesses não-despiciendos dos Réus, de fruição do seu Campo da Levadinha (art°. 1305° do C. Civil).17 Na verdade não ficou provado, como alegado pelos autores, qualquer obstrução do corredio das águas ou diminuição do seu fluxo, com a colocação da tubagem.18 E, por sua vez, como referido antes, ao aterrar a "poça, com giros", no Campo dos Réus, o que daí resulta é que, então os Réus, não usam a parte da água que lhes pertence, como seus "consortes".E, assim, até toda a água, que provem do Ribeiro de Lemenhe e da Levada das Vinhas, flui, pela encanação em tubos, em direcção ao Campo da Vinha, da primeira Autora: e em seu único proveito. 19 E, por sua vez, a condução em tubos não se provou que obstruísse o fluxo da água. E até como é facto notório, permite uma mais fluidez da água e uma menor possibilidade de entulho com desperdícios e uma menos perda de água - do que a condução por "rego, a céu aberto na terra" (art°s. 5° e 412° do C.Pr.C.).20 Assim, pois, é óbvio, in casu, que o exercício do direito da primeira A., ao pretender a procedência dos referidos pedidos formulados na P.I. alíneas c) e d) consubstancia um manifesto abuso de direito (artº. 344° do C.C.). Por exceder manifestamente os limites impostos pelos fins económico ou social de tais direitos - e, igualmente, excedendo a boa-fé e os bons costumes.E, até, estando tais primeiros Autores melhor agora, do que antes (n° 13)! 21 E, infringindo, também o referido normativo constitucional do "princípio da proibição do excesso" (ínsito no artº. 2° da C.R.).21.1 E, até agindo, assim, a 1ª A. sequer sem "interesse processual".Numa reivindicação meramente oca, vazia de conteúdo, formal e egoísta. V – Inconstitucionalidade22 Nos artºs. 2º e 20º, nº 4 da C.R. está ínsito "o princípio da proibição de excesso".23 ORA, o "direito de propriedade" (art. 1305° do CC), ou o "direito de servidão", do prédio dominante (art°. 1543° do C. Civil) assumidos na sentença com um sentido normativo-objectivo como se refere no "corpo das alegações" (nºs 18 e 19) é inconstitucional - por ofensa desse "princípio", e, assim, de revogar.VI – Rectificação de inexactidões da sentença:- Alíneas b), d) e e) da decisão de Direito 24 Na alínea b) da "decisão" (penúltima página da sentença) condena-se os réus a "reconhecer que os autores têm o direito de regar os seus prédios com a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe ... e de a utilizarem como água de lima como decorre dos pontos 10 a 12".ORA, os segundos autores apenas têm o direito de usar do caudal da referida água-preocupada "para a laboração do Moinho" (ponto 12). 25 Na alínea d), da decisão, (última página da sentença), condena-se os Réus a reporem "a levada", e "no estado em que (a mesma) se encontrava antes dos actos referidos nos pontos 23 e 24".ORA, a referida "levada", denominada "levada das Vinhas", não foi destruída ou aterrada - pois que fica antes do Campo da Levadinha. 26 Por sua vez, também a procedência do pedido da alínea e), é na extensão ampla da sua formulação, carecida de razão ou, sem "interesse processual".VII – NORMAS VIOLADAS27 a)- ASSIM, a sentença recorrida viola o artº. 1386°, 1 d) (por exorbitância) e os artºs 1543º, 1559º e 1561º (positivamente) do C. Civil ao considerar que os direitos dos A.A. à dita "poça" e "rego a céu aberto", no prédio dos Réus são "direitos de propriedade" e não "direitos de servidão", de "presa" e de "aqueduto".b)- Bem como, viola o artº. 334º do C.C. e os artºs. 2º e 20º, nº 4, da C.R., ao não julgar que os pedidos dos A.A. das alíneas c) e d), consubstanciam, in casu, "abuso de direito", violação do "princípio constitucional da proibição de excesso", e falta de "interesse processual em agir" - e, como tal, decidindo a sua procedência. TERMOS EM QUE DEVE PROCEDER O RECURSO a)- Incluindo os referidos pedidos de rectificação da sentença, quanto à dita parte do decidido nas alíneas b), d) e e) da sentença recorrida. E, b)- Devendo, ser julgados improcedentes, e deles serem os Réus absolvidos, os pedidos formulados pelos "segundos Autores", nas alíneas b), c), d) e e) da P.I., e, nessa parte se revogando a sentença recorrida. E, c)- Devendo ser julgados improcedentes, e deles serem os Réus absolvidos, os pedidos formulados pela "primeira Autora", nas alíneas b) (quanto à "poça"), c), d) e e) da P.I., e, nessa parte se revogando a sentença recorrida. d)- E com absolvição dos Réus das custas do processo, ou, em repartição proporcional entre as partes, conforme respectivos decaimentos. Com o que se Fará JUSTIÇA. * Foram apresentadas contra-alegações, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões: 1. Vieram os Recorrentes recorrer da sentença do Tribunal de 1.ª instância no que toca ao decidido na supra referida al. b), na parte que refere: “…e de aí represar no tempo de rega e de a utilizarem como água de lima, tal como se alegou nos artigos 12.º a 15.º da p.i.”, e ao decidido ainda nas restantes alíneas c), d) e e). 2. Em primeiro lugar, deve desde logo o presente recurso ser rejeitado, uma vez que, lidas as alegações apresentadas pelos Recorrentes verifica-se que os mesmos não apresentaram conclusões e o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso (v. a este respeito art.º 639.º do C.P.C. Prof. Alberto dos Reis expressa no Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 359 e 361 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 14217/02.0TDLSB-AM.L1, de 21-02-2013, disponível em www.dgsi.pt). 3. Sem conceder, quanto às alegações apresentadas pelos Recorrentes, vêm os mesmos, grosso modo, dizer que: 1) a sentença peca por erro quando refere que “do que se trata é de direito de propriedade e não qualquer direito de servidão de presa ou servidão de aqueduto”; 2) o moinho dos 2.ºs Autores não funciona há mais de 30 anos, pelo que tal substancia em abuso de direito, violação do princípio constitucional da proibição do excesso e falta de interesse processual e 3) há abuso de direito por parte dos 1.ºs Autores – “Principio da Proibição do Excesso” e “Falta de interesse em agir”. 4. Quanto à primeira questão, diz-se que constitui um direito de propriedade ou de compropriedade quando se adquire o poder de dispor livremente da água que nasce em prédio alheio, ou o direito de a captar subterraneamente. Já não será assim se qualquer destes direitos estiver limitado às necessidades de um outro prédio. 5. Daqui não resulta qualquer dúvida quanto à dimensão do direito dos Recorridos, já que os atos praticados pelos mesmos envolveram um poder de livre disposição e utilização da água, que corresponde ao direito de propriedade sobre as águas e não apenas de uma servidão. 6. No auto de inspeção judicial ao local (auto de inspeção de 18-05-2016, onde constam 3 fotografias, que mostram a receção da água no rego no prédio dos autores – é visível a saída do tubo colocado no prédio dos Recorrentes), verificou-se estar-se perante um direito de propriedade, pois que, os Recorridos não têm os seus direitos limitados às necessidades de qualquer outro prédio, nomeadamente o dos Recorrentes. 7. Aliás, a este respeito existem diversas decisões dos Tribunais da Relação que reafirmam a posição assumida pelo tribunal a quo (vd. a este respeito Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 750/03.0TCGMR.G1.S1, datado de 28-10-2014, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 2529/05.5TBGRD.C1, datado de 13-04-2010 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, sob o Processo n.º 76/09.5TBMLG.G1, datado de 22-02-2011, disponíveis em www.dgsi.). 8. Estatui o n.º 1 do art.º 1390.º do C. Civil que se considera justo título de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. E é precisamente à usucapião que se refere o n.º 2 daquele art.º 1390.º, ao estabelecer que esta “só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova.” 9. Resultou provado que a água em discussão é conduzida para o prédio dos autores através de regos a céu aberto (ponto 11 da matéria de facto provada), os quais atravessam o prédio rústico dos Recorrentes – Campo da Levadinha – o que, neste prédio se faz por rego a céu aberto, e no sentido nascente-poente (cfr. decorre do doc. 9 junto à p.i.), para com elas irrigarem os seus prédios rústicos, o que sempre também fizeram à vista de toda a gente, sem qualquer interrupção e sem qualquer oposição fosse de quem fosse, designadamente dos Recorrentes; pelo que não se verifica em concreto que o tribunal a quo devesse ter decidido de outra forma que não aquele como decidiu. 10. Já relativamente à segunda questão apresentada pelos Recorrentes, de facto, ficou provado que os 2.ºs Recorridos não usam o moinho há mais de 30 anos, no entanto, nessa parte a dita sentença não se escusou de fundamentar a sua decisão, pois que, refere-se na mesma, a fls. 16, que: “Também não se provou qualquer extinção pelo não uso, porquanto a água continua a ser utilizada para regar e limar os terrenos, apenas não é usada no moinho dos segundos réus, o que não constitui qualquer extinção pelo abandono ou não uso porque continua a ser usada na rega ou lima.” (cfr. decorre do doc. 10 junto à p.i. e ponto 13 dos factos provados). 11. Assim, nesta parte também não assiste qualquer razão aos Recorrentes quando estes dizem que, se o caudal atualmente não é necessário para tal fim, referindo-se aqui ao moinho dos segundos Recorridos, nem sequer existe direito; porque tal como supra referido, não se provou qualquer extinção pelo não uso por aqueles, e nesta medida torna-se indiscutível a inexistência de qualquer abuso de direito ou falta de interesse em agir por parte dos segundos Recorridos. 12. De resto, a verdade é que os Recorrentes não recorrem da matéria de facto dada como provada, pelo que se presume que a aceitaram. 13. Por fim, quanto à terceira questão apresentada pelos Recorrentes, vêm os mesmos afirmar que a mudança por si feita na “poça” e “rego a céu aberto”, substituindo-os por tubos, em nada prejudica interesses relevantes dos 1.ºs autores por não ter ficado provado que: a) Os tubos de canalização ficam sistematicamente obstruídos, atenta a constante retenção de entulho, ervas, terra e lama, que se concentram no seu interior, sobretudo no Inverno; b) Devido à insuficiente espessura dos canos, o fluxo de água tem vindo a reduzir-se à medida que o tempo vai decorrendo, pelo que se antevê que dentro de pouco tempo a água deixa completamente de fluir. 14. Porém, ficou provado que: “23. Em 2010, os réus, sem o conhecimento ou consentimento dos autores canalizaram a água em toda a largura do Campo da Levadinha (que lhes pertence) e de seguida aterraram a poça e o rego referidos nos pontos 10 a 12. 24. Em consequência das obras de canalização do rego e do aterro da poça, acima referidos, a água deixou de ser retida e distribuída na poça, de acordo com os giros dos prédios referidos”. (pontos 23 e 24 dos factos provados a fls. 8 da sentença). 15. Portanto, também nesta parte se torna indiscutível a inexistência da proibição do excesso e falta de interesse em agir por parte dos 1.ºs autores. 16. Assim, face a tudo o exposto, deve manter-se a douta decisão recorrida sem qualquer alteração ou censura. TERMOS em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes/Réus J e M, mantendo-se a decisão recorrida, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a devida JUSTIÇA. * A Exmª Juíz a quo indeferiu o pedido de rectificação, por se ter esgotado o poder jurisdicional. Posteriormente, foi proferido despacho a admitir o recurso interposto, tendo sido providenciado pela sua subida. * Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, entendendo-se o pedido de rectificação subsumido no pedido de reapreciação do mérito, estes pretendem que se reaprecie a decisão de mérito da acção, porquanto: 1) a sentença peca por erro quando refere que “do que se trata é de direito de propriedade e não qualquer direito de servidão de presa ou servidão de aqueduto”; 2) o moinho dos 2.ºs Autores não funciona há mais de 30 anos, pelo que tal substancia em abuso de direito, violação do princípio constitucional da proibição do excesso e falta de interesse processual; 3) há abuso de direito por parte dos 1.ºs Autores – “Principio da Proibição do Excesso” e “Falta de interesse em agir”. * 3 – OS FACTOS Factos Provados: 1. A primeira A. é dona e legítima possuidora de um prédio rústico, denominado por “Campo da Vinha”, composto por terreno de cultivo, com a área de 13.000m2, sito no Lugar de Pinheiral, freguesia de Lemenhe, deste concelho e comarca, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … (outrora correspondente aos n.º … e …) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo … rústico (outrora correspondente aos arts.º 204º e 205º). 2. A primeira autora adquiriu a propriedade desse prédio através de doação feita pelos seus pais, Lino Cunha Araújo Campos e mulher Laurentina dos Santos Ferreira, negócio esse titulado por escritura pública, lavrada no dia 06 de Fevereiro de 1997, exarada a fls. n.º 97 verso a 99, do livro de notas para escrituras diversas n.º 43 B, celebrada na Secretaria Notarial de Barcelos. 3. Por sua vez, os segundos autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, também denominado por “Moinho”, composto por casa térrea de moinho com uma roda, sita no Lugar de Pinheiral, freguesia de Lemenhe, deste concelho e comarca, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo … (outrora correspondente ao art.º … urbano). 4. Os segundos autores adquiriram a propriedade desse prédio através de permuta celebrada com a “Solouro – Sociedade Agrícola do Louro, SARL”, negócio esse titulado por escritura pública, lavrada no dia 06 de Dezembro de 1966, exarada a fls. n.º 42 verso, do livro de notas n.º C-33, do 1º Cartório da secretaria Notarial de V. N. de Famalicão. 5. Os prédios acima referidos estão registados na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Famalicão respectivamente a favor da primeira e dos segundos autores. 6. A primeira e os segundos autores por si, ante possuidores e ante proprietários nos prédios descritos nos números 1 e 3 fazem obras e melhoramentos, arroteando os terrenos, usufruindo frutos e rendimentos, zelando pela sua conservação, nomeadamente agricultando-os, fazendo suas as respectivas colheitas, de tudo pagando as contribuições devidas, o que dura há mais de 10, 15, 20, 30, 100 e mais anos, agindo como seus donos e na convicção de ter essa qualidade e de não lesar direito alheio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém. 7. O prédio da primeira autora confronta a norte com o caminho, a sul com o prédio dos segundos autores, descrito no ponto 3, a poente com o ribeiro de Lemenhe e a nascente com um prédio misto denominado Campo da Levadinha, pertencente aos réus descrito na Conservatória do Registo Predial … (outrora correspondente ao n.º …) e inscrito na matriz rústica sob o artigo … e na matriz urbana sob o artigo …. 8. O prédio dos réus (Campo da Levadinha) era constituído por duas partes, que eram separadas pelo rego que transportava a água da Poça da Levadinha para os prédios dos autores, atrás referidos, sendo o acesso de uma para a outra parte efectuado através de uma pequeno passadiço, com cerca de dois metros de largura, existente sobre o rego. 9. A nascente deste Campo da Levadinha, pertencente aos réus (do outro lado da via férrea) existe um outro prédio rústico conhecido por Campo da Junqueira (descrito na CRP sob o n.º …), que confronta com o dito ribeiro de Lemenhe. 10. Desde muito antes de 1867, que os proprietários dos mencionados Campos da Vinha, do Moinho, Campo da Levadinha e Campo da Junqueira, através de uma comporta, com cerca de 80 cm de comprimento, que se apoiava em duas pedras de granito (uma de cada lado do ribeiro), ali colocadas para o efeito, captavam a água deste ribeiro de Lemenhe e conduziam-na para uma poça, com cerca de 3 metros de largura e 3 metros de comprimento, existente no Campo da Levadinha (prédio dos réus), através de uma levada denominada “Levada das Vinhas”, que se estende desde o ribeiro até à poça atravessando o Campo da Junqueira e passando sob a via férrea da Linha do Minho. 11. Recolhida a água nesta poça, era depois conduzida através de um rego aberto, em terra e com a largura de cerca de um metro, que atravessava o Campo da Levadinha (no sentido nascente – poente), pertencente aos réus, até aos prédios referidos nos pontos 1º e 3º (Campos da Vinha propriedade da primeira autora e o Moinho, propriedade dos segundos autores), para regar os primeiros e fazer movimentar o moinho dos segundos. 12. Tal como decorre do doc. 10 junto com a p.i. (fls. 39 a 60) a propósito do prédio propriedade da primeira autora (9058º) “A água que este prédio tem é a do ribeiro de Lemenhe, descrito sobre o número nove mil e cinquenta e quatro, e que da Levada das Vinhas sita no prédio constante da descrição número nove mil e cinquenta e cinco vem para a poça situada no Campo da Levadinha descrito sobre o numero nove mil e cinquenta e seis e segue da poça em rego aberto pelo mesmo campo da Levadinha até entrar no Campo da Vinha precedentemente descrito com o número nove mil e cinquenta e sete, donde passa por um rego aberto para o prédio que agora aqui se descreve. Na água da referida levada tem consórcio os mencionados Campos da Levadinha e o da vinha já descritos sobre o número nove mil e cinquenta e seis e nove mil e cinquenta e sete e o prédio descrito no presente extracto; e serve a dita água para a lima e rega de todas essas propriedades e para a laboração do moinho existente no prédio numero nove mil e cinquenta e sete. A água de lima é dividida entre os consortes por meio de registos. O registo para a água do prédio aqui descrito está colocado no prédio nove mil e cinquenta e sete e tem a largura de sessenta e seis centímetros cumprindo notar que esse registo pode ser tapado se a água for necessária para mover o referido moinho que trabalha com uma só roda, e somente de sol a sol e no tempo da lima podendo todavia funcionar depois desse tempo até a água ser necessária para as regas. A água de rega é dividida entre os consortes por giros de doze em doze horas aliás dias e no campo aqui descrito que é o segundo dos giros pertencem ainda a catorze horas. Se antes do dia em que principia a rega o dono do prédio aqui descrito quiser regar legumes nele cultivados ou meter no prédio água para molhar o lavrado poderá fazê-lo uma vez que com isso não prejudique a laboração do moinho, direito este que respectivamente tem os demais consortes da água.” 13. Do mesmo modo e a propósito do outro prédio da primeira autora e do Moinho dos segundos autores (9057º) refere o cit. doc. 10 (fls. 45 a 47): “A água que este prédio tem é a do ribeiro de Lemenhe, descrito sobre o número nove mil e cinquenta e quatro, e que da Levada das Vinhas sita no prédio constante da descrição número nove mil e cinquenta e cinco bem para a poça situada no Campo da Levadinha precedentemente descrito sobre o número nove mil e cinquenta e seis e da poça segue em rego aberto pelo mesmo campo da Levadinha até entrar no Campo da Vinha agora aqui descrito. Neste Campo da Vinha há uma levada e ao fim dela um moinho que é comum ao dono do mesmo campo actualmente Luiz Carvalho Martins de Araújo e a Teresa Maria Gomes, viúva da freguesia do Louro, possuidora do campo da Vinha que vai descrito em seguida. Na água da referida levada tem consórcio o mencionado Campo da Levadinha, o prédio aqui descrito e o que vai descrever-se sobre o número nove mil e cinquenta e oito e serve a dita água para a lima e rega de cada uma dessas propriedades e para a laboração do moinho já indicado. A água de lima é dividida entre os consortes por meio de registos. Neste Campo da Vinha há dois registos para subdividir a água entre o mesmo campo e o campo da vinha de T constante da seguinte descrição predial. O registo do primeiro campo tem a largura de cinquenta e seis centímetros e a do último de sessenta e seis centímetros. No campo aqui descrito há ainda um rego aberto que conduz a água desde o registo ultimamente indicado até ao dito capo de T. A água de rega é dividida entre os consortes por giros de doze em doze dias, e ao campo aqui descrito que é o primeiro nos giros cento e dezasseis meias horas. O mencionado moinho trabalha e somente de sol a sol e no tempo da lima podendo também funcionar depois desse tempo até a água ser necessária para as regas, então trabalha de dia e de noite. A água vai da levada para o moinho por uma cale com a largura na boca de entrada de cinquenta e dois centímetros por vinte e quatro centímetros de altura tendo na boca da saída a altura de vinte e seis centímetros por nove de largura. Quando a água não for bastante para mover a roda do mencionado moinho podem os donos deles tapar os seus registos e se ainda assim não for suficiente poderão tapar também o registo para a água do campo da Levadinha descrito sobre o número nove mil e cinquenta e seis. Além disto se antes do dia em que principia a rega o dono do prédio aqui descrito quiser regar os legumes nele cavados ou meter no prédio água para molhar o lavrado poderá fazê-lo sem prejuízo da laboração do moinho direito que respectivamente tem os demais consortes da água. 14. Relativamente à Poça da Levadinha e ao registo das águas, que aí desembocavam, aquela tinha uma altura de um metro e um registo do lado sul, com vinte e seis centímetros de largura, para regar o prédio dos réus e outro registo no lado poente, com um metro de largura, por onde iam as águas para o Moinho e os prédios dos autores – tudo como consta da descrição 9.056 (Campo da Levadinha - doc. 10), onde pode ler-se: “O registo para a água deste prédio tem a largura de vinte e seis centímetros, o poente da sobredita poça está em registo de um metro de altura, aliás largura por onde vão as águas para os outros dois prédios do consórcio.”. 15. A captação da água e a sua utilização através da levada, poça e rego referidos sempre se mantiveram ao longo dos anos e actualmente ainda se mantêm nos termos expostos, com excepção do moinho que existia no Campo do Moinho, o qual, pelo menos há cerca de 30 anos, não labora por se encontrar em ruinas. 16. Como se referiu, sempre os proprietários dos Campos da Vinha, do Moinho, do Campo da Levadinha e do Campo da Junqueira aproveitaram essa água de rega e lima, nos moldes referidos, em público, sem que qualquer dos interessados ou outras pessoas ou entidades a isso se tenham oposto, com excepção do moinho que existia no Campo do Moinho, o qual, pelo menos há cerca de 30 anos, não labora por se encontrar em ruinas. 17. Nunca qualquer dos réus se opôs ou levantou problemas à captação e utilização da água da forma descrita ou à sua condução pelo rego referido. 18. Quer os autores quer os ante possuidores dos prédios referidos nos anteriores pontos 1 e 3, desde o início da captação da água que a têm conduzido para a referida poça, onde era retida e daqui pelo rego que atravessa o Campo da Levadinha, nos termos descritos nos anteriores pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12 convictos de que, ao fazê-lo, exercem um direito próprio. 19. Nunca qualquer dos réus se opôs à retenção da água na poça e à sua passagem pelo rego ou à sua captação. 20. Sempre a limpeza da poça e do rego tem sido feita pelos autores e seus antecessores, pelos proprietários e possuidores do Campo da Levadinha, de comum acordo, e sempre os proprietários e possuidores deste último prédio aproveitaram para o seu campo a terra e ervas que são tiradas da poça e rego, aquando da limpeza dos mesmos. 21. A autora e os seus pais (aqui segundos autores) por si, ante proprietários e ante possuidores, desde tempos imemoriais, seguramente desde muito antes de 1867, logo há mais de 150, 200 e mais anos, que sempre utilizaram em proveito dos referidos Campos da Vinha, Moinho e Campo da Levadinha e Campo da Junqueira a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, nos termos expostos, represando, captando, conduzindo e fazendo derivar as águas que daí decorrem, no tempo e modo referidos no artigos anteriores, de modo exclusivo à vista de toda a gente, ininterruptamente, como seus verdadeiros donos e sem oposição de quem quer que seja, incluindo dos réus, sendo certo que o moinho que existia no Campo do Moinho, pelo menos há cerca de 30 anos, não labora por se encontrar em ruinas. 22. Estas águas provêm de um rio não navegável, 23. Em 2010, os réus, sem o conhecimento ou consentimento dos autores canalizaram a água em toda a largura do Campo da Levadinha (que lhes pertence) e de seguida aterraram a poça e o rego referidos nos pontos 10 a 12. 24. Em consequência das obras de canalização do rego e do aterro da poça, acima referidos, a água deixou de ser retida e distribuída na poça, de acordo com os giros dos prédios referidos. *** Factos Não Provados: a) O rego mencionado em 11 tinha cerca de metro e meio. b) Os tubos de canalização ficam sistematicamente obstruídos, atenta a constante retenção de entulho, ervas, terra e lama, que se concentram no seu interior, sobretudo no Inverno. c) Devido à insuficiente espessura dos canos, o fluxo de água tem vindo a reduzir-se à medida que o tempo vai decorrendo, pelo que se antevê que dentro de pouco tempo a água deixe completamente de fluir. d) O entulhamento da Poça no Campo da Levadinha e a colocação pelos Réus de tubos para condução da água em causa, no percurso do dito Campo da Levadinha foi feito com prévio conhecimento e assentimento dos Autores, e) Desde há mais de vinte anos, nem os autores, nem os Réus, nem terceiros limpavam, represavam ou usavam e executavam os respectivos “giros”; f) Correndo a água, naturalmente, e sem intervenção do homem no rego antecedente, passando pela poça e seguindo no rego subsequente. g) Desde há mais de 20/25 anos, no Inverno a água corre a jorros, a transbordar e todos os beneficiários podem “limar” os terrenos sem necessidade de qualquer “represamento ou derivação de águas”. h) Na época de rega, de Junho a Setembro, também a poça esteve abandonada porque o Ribeiro de Lemenhe, donde deriva a água, desde há mais de 20/25 anos que seca nesse período de “regas”. i) Os tubos foram colocados em cerca de 40 metros de extensão, com 60 cms de diâmetro, j) O rego anterior tinha cerca de 40/50 metros de diâmetro, k) O rego condutor desde o Ribeiro de Lemenhe até ao início do prédio dos Réus, sob a linha férrea, só tem cerca de 40 cms de diâmetro e numa extensão de 100 mts. *** Motivação:A prova da factualidade constante dos números 1 a 10 resultou do acordo das partes. A formação da convicção do tribunal, no que respeita à matéria de facto provada e não provada, resultou da consideração conjugada de todos os documentos juntos aos autos, com a apreciação crítica dos depoimentos prestados por todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência, os quais se encontram gravados, bem como, com os elementos recolhidos no decurso da inspecção judicial ao local onde se constatou a localização e características dos prédios dos autores e dos réus, designadamente a configuração do rego em apreço nos autos – ver auto de inspecção de 18-05-2016, onde constam 3 fotografias, que mostram a recepção da água no rego no prédio dos autores (é visível a saída do tubo colocado no prédios dos RR.). A prova da largura do rego referido em 11 resultou da inspecção judicial realizada pelo tribunal (actualmente o referido rego só é visível no prédio dos autores), a qual foi decisiva para verificar tal factualidade, conjugada com os depoimentos das testemunhas M, MA, C, J e L que confirmaram tal factualidade tal como se deu por provada, de forma que se revelou crível e isenta. Todas as referidas testemunhas disseram que o rego tinha um metro de largura no que se refere ao seu leito e meio metro de beira/combro. O próprio autor M disse que o rego tem um metro de largura, havendo partes que terá mais do que um metro. Acresce que do documento junto de fls. 251 a 297 (que consiste na cópia dos articulados e termo de transacção referentes ao processo n.º 89/77, que os aqui segundos autores, em 01-10-1077, intentaram contra A, J, H e A e JM, pai e irmãos do réu marido, que teve por objecto o direito à água, sua utilização através da poça e rego em discussão nos autos) consta a referência de que o rego em apreço teria uma largura superior a meio metro. Para dar como provada a factualidade constante dos pontos 12 a 14 teve-se em conta a certidão de fls. 39 a 60, que contem uma escritura publica de transacção, celebrada pelos ante proprietários dos prédios aqui em questão, lavrada no dia 27/03/1875, exarada a fls. n.º 79v, do livro 41, celebrada pelo Tabelião Daniel Augusto dos Santos, arquivada no arquivo histórico da Universidade do Minho, bem como pela certidão predial emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29/10/77 (sendo certo que os réus não impugnaram o seu teor, sendo que os referidos escritos fazem referência ao uso da água). Para dar como provada a factualidade constante dos pontos 15 a 24 o tribunal teve em consideração a conjugação dos depoimentos das testemunhas M, MA, C, J e L, que confirmaram tal factualidade tal como se deu por provada, de forma que se revelou crível e isenta. Interessaram ainda as plantas juntas a fls. 181 verso e fls. 197 e as fotografias juntas de fls. 185 a 194. Teve-se em conta as fotografias do local ao longo dos anos (desde 2003 até 2011) obtidas através do Google Earth, juntas de fls. 286 a 290, onde é possível verificar a alteração da configuração da poça e rego em discussão nos autos. Foi importante a cópia dos articulados e termo de transacção referentes ao processo n.º 89/77, que os aqui segundos autores, em 01-10-1077, intentaram contra A, J, H e A e JM pai e irmãos do réu marido, que teve por objecto o direito à água, sua utilização através da poça e rego em discussão nos autos. A testemunha J, refere que meteu os tubos no prédio dos RR.. Esta testemunha demonstrou não ter conhecimento dos factos antes de ter procedido à canalização em discussão nos autos. As respostas negativas resultaram da ausência de prova produzida em relação à mesma. [transcrição de fls. 298vº a 303]. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Não tendo os apelantes recorrido da matéria de facto, passemos de imediato à reapreciação da decisão de mérito da acção, seguindo a ordem elencada supra nas questões a decidir: 1) a sentença peca por erro quando refere que “do que se trata é de direito de propriedade e não qualquer direito de servidão de presa ou servidão de aqueduto” Quanto ao "direito às referidas águas", "captadas", por uma "comporta", sita no dito ribeiro de Lemenhe, entendem os apelantes que esse caudal só pode ser usado para: a) Regar os ditos prédios rústicos Campo da Levadinha (dos Réus) e Campo da Vinha (da primeira autora). b) Movimentar o Moinho (prédio dos segundos autores). E que esse direito, dos Autores, e também dos Réus, (quanto a irrigar o seu prédio) "às referidas aguas" "captadas" são direitos de compropriedade, de três consortes. Sendo que, também, cada um, só tem "direito apenas ao caudal necessário para o fim a que as mesmas se destinam". Ou seja, a primeira autora para regar o seu Campo da Vinha. E, o segundo autor para movimentar o dito seu Moinho. E os Réus para regar o seu Campo da Levadinha. Pelo que, "se" o caudal actualmente não é "necessário" (para algum desses fins, então) - não existe sequer "actualmente" "direito" (a exercer e proteger judicialmente). O que ocorre com os segundos Réus - dado estar provado que o Moinho está encerrado há mais de 35 anos. Entendendo que o direito (de propriedade) dos Autores às referidas "águas preocupadas", não se confunde com o direito a "represá-las" (poça) nem com o "direito de condução", das mesmas. Nem com o direito aos objectos físicos da "poça" e "rego a céu aberto", (existentes no Campo da Levadinha, de propriedade dos Réus). Pelo que é errada a assunção pela sentença recorrida de que "do que se trata é de direito de propriedade e não qualquer direito de servidão de presa ou servidão de aqueduto" - como se expressa in fine, da epígrafe "Do direito de propriedade da água do Ribeiro de Lemenhe". (págs. 11 e sgts). Pois, tal direito apenas tem por objecto a água. Isto, pois, o direito de "encanar" as ditas águas por tal prédio alheio, consubstancia, na "unidade do sistema jurídico", um "direito de servidão de águas", na modalidade de "servidão legal de aqueduto" (art°. 1561° do C. C.). E, identicamente, uma "poça, com giros", o que origina é um "direito de presa". Entendendo os recorridos não assistir razão aos recorrentes, pois constitui um direito de propriedade ou de compropriedade quando se adquire o poder de dispor livremente da água que nasce em prédio alheio, ou o direito de a captar subterraneamente. Já não será assim se qualquer destes direitos estiver limitado às necessidades de um outro prédio. Daqui não resulta qualquer dúvida quanto à dimensão do direito dos Recorridos, já que os atos praticados pelos mesmos envolveram um poder de livre disposição e utilização da água, que corresponde ao direito de propriedade sobre as águas e não apenas de uma servidão. Quid iuris? Trata-se da questão de saber se estamos perante um direito de propriedade ou de servidão (de presa ou de aqueduto) sobre a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe. A questão foi extensa e proficuamente desenvolvida na sentença, que concluiu estarmos, in casu, perante um direito de propriedade e não de servidão. Com o que não concordam os apelantes, defendendo posição contrária. Os autores intentaram a presente acção pretendendo a condenação dos RR. a: a) reconhecer que a primeira e os segundos autores são pela forma referida nos artigos 1º a 8º da p.i., donos e legítimos possuidores dos prédios descritos respectivamente nos artigos 1º e 3º da pi; b) reconhecer que os autores têm o direito de regar os seus prédios com a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, que neste é captada e conduzida para a poça existente no Campo da Levadinha, através da “Levada das Vinhas” e de aí a represar no tempo de rega e de a utilizarem como água de lima, tal como se alegou nos artigos 12º a 15º da p.i.; c) reconhecer o direito dos autores de conduzir essa água através de um rego aberto, em terra e com a largura de cerca de um metro e meio, ao longo de toda a largura do Campo da Levadinha, numa extensão superior a 80 metros, até aos prédios referidos nos artigos 1º e 3º da p.i., como se alegou nos artigos 12º a 15º da p.i.; d) a reporem a levada, a poça e o rego referidos nos artigos 12º a 15º da p.i no estado em que os mesmos se encontravam antes dos actos referidos nos artigos 25º e 26º da p.i., designadamente retirando a canalização e aterro efectuados, deixando a poça e o rego aberto e a respectiva água fluir ao ar livre; (…) Sendo consensual o reconhecimento pretendido em a), sobre a água do Ribeiro de Lemenhe apurou-se que: 10. Desde muito antes de 1867, que os proprietários dos mencionados Campos da Vinha(2), do Moinho(3), Campo da Levadinha(4) e Campo da Junqueira, através de uma comporta, com cerca de 80 cm de comprimento, que se apoiava em duas pedras de granito (uma de cada lado do ribeiro), ali colocadas para o efeito, captavam a água deste ribeiro de Lemenhe e conduziam-na para uma poça, com cerca de 3 metros de largura e 3 metros de comprimento, existente no Campo da Levadinha (prédio dos réus), através de uma levada denominada “Levada das Vinhas”, que se estende desde o ribeiro até à poça atravessando o Campo da Junqueira e passando sob a via férrea da Linha do Minho. 11. Recolhida a água nesta poça, era depois conduzida através de um rego aberto, em terra e com a largura de cerca de um metro, que atravessava o Campo da Levadinha (no sentido nascente – poente), pertencente aos réus, até aos prédios referidos nos pontos 1º e 3º (Campos da Vinha propriedade da primeira autora e o Moinho, propriedade dos segundos autores), para regar os primeiros e fazer movimentar o moinho dos segundos. 12. Tal como decorre do doc. 10 junto com a p.i. (fls. 39 a 60) a propósito do prédio propriedade da primeira autora (9058º) “A água que este prédio tem é a do ribeiro de Lemenhe, descrito sobre o número nove mil e cinquenta e quatro, e que da Levada das Vinhas sita no prédio constante da descrição número nove mil e cinquenta e cinco vem para a poça situada no Campo da Levadinha descrito sobre o numero nove mil e cinquenta e seis e segue da poça em rego aberto pelo mesmo campo da Levadinha até entrar no Campo da Vinha precedentemente descrito com o número nove mil e cinquenta e sete, donde passa por um rego aberto para o prédio que agora aqui se descreve. Na água da referida levada tem consórcio os mencionados Campos da Levadinha e o da vinha já descritos sobre o número nove mil e cinquenta e seis e nove mil e cinquenta e sete e o prédio descrito no presente extracto; e serve a dita água para a lima e rega de todas essas propriedades e para a laboração do moinho existente no prédio numero nove mil e cinquenta e sete. A água de lima é dividida entre os consortes por meio de registos. O registo para a água do prédio aqui descrito está colocado no prédio nove mil e cinquenta e sete e tem a largura de sessenta e seis centímetros cumprindo notar que esse registo pode ser tapado se a água for necessária para move o referido moinho que trabalha com uma só roda, e somente de sol a sol e no tempo da lima podendo todavia funcionar depois desse tempo até a água ser necessária para as regas. A água de rega é dividida entre os consortes por giros de doze em doze horas aliás dias e no campo aqui descrito que é o segundo dos giros pertencem ainda a catorze horas. Se antes do dia em que principia a rega o dono do prédio aqui descrito quiser regar legumes nele cultivados ou meter no prédio água para molhar o lavrado poderá fazê-lo uma vez que com isso não prejudique a laboração do moinho, direito este que respectivamente tem os demais consortes da água.” 13. Do mesmo modo e a propósito do outro prédio da primeira autora e do Moinho dos segundos autores (9057º) refere o cit. doc. 10 (fls. 45 a 47): “A água que este prédio tem é a do ribeiro de Lemenhe, descrito sobre o número nove mil e cinquenta e quatro, e que da Levada das Vinhas sita no prédio constante da descrição número nove mil e cinquenta e cinco bem para a poça situada no Campo da Levadinha precedentemente descrito sobre o número nove mil e cinquenta e seis e da poça segue em rego aberto pelo mesmo campo da Levadinha até entrar no Campo da Vinha agora aqui descrito. Neste Campo da Vinha há uma levada e ao fim dela um moinho que é comum ao dono do mesmo campo actualmente L e a T, viúva da freguesia do Louro, possuidora do campo da Vinha que vai descrito em seguida. Na água da referida levada tem consórcio o mencionado Campo da Levadinha, o prédio aqui descrito e o que vai descrever-se sobre o número nove mil e cinquenta e oito e serve a dita água para a lima e rega de cada uma dessas propriedades e para a laboração do moinho já indicado. A água de lima é dividida entre os consortes por meio de registos. Neste Campo da Vinha há dois registos para subdividir a água entre o mesmo campo e o campo da vinha de Teresa Maria Gomes constante da seguinte descrição predial. O registo do primeiro campo tem a largura de cinquenta e seis centímetros e a do último de sessenta e seis centímetros. No campo aqui descrito há ainda um rego aberto que conduz a água desde o registo ultimamente indicado até ao dito capo de T. A água de rega é dividida entre os consortes por giros de doze em doze dias, e ao campo aqui descrito que é o primeiro nos giros cento e dezasseis meias horas. O mencionado moinho trabalha e somente de sol a sol e no tempo da lima podendo também funcionar depois desse tempo até a água ser necessária para as regas, então trabalha de dia e de noite. A água vai da levada para o moinho por uma cale com a largura na boca de entrada de cinquenta e dois centímetros por vinte e quatro centímetros de altura tendo na boca da saída a altura de vinte e seis centímetros por nove de largura. Quando a água não for bastante para mover a roda do mencionado moinho podem os donos deles tapar os seus registos e se ainda assim não for suficiente poderão tapar também o registo para a água do campo da Levadinha descrito sobre o número nove mil e cinquenta e seis. Além disto se antes do dia em que principia a rega o dono do prédio aqui descrito quiser regar os legumes nele cavados ou meter no prédio água para molhar o lavrado poderá fazê-lo sem prejuízo da laboração do moinho direito que respectivamente tem os demais consortes da água. 14. Relativamente à Poça da Levadinha e ao registo das águas, que aí desembocavam, aquela tinha uma altura de um metro e um registo do lado sul, com vinte e seis centímetros de largura, para regar o prédio dos réus e outro registo no lado poente, com um metro de largura, por onde iam as águas para o Moinho e os prédios dos autores – tudo como consta da descrição 9.056 (Campo da Levadinha - doc. 10), onde pode ler-se: “O registo para a água deste prédio tem a largura de vinte e seis centímetros, o poente da sobredita poça está em registo de um metro de altura, aliás largura por onde vão as águas para os outros dois prédios do consórcio.”. 15. A captação da água e a sua utilização através da levada, poça e rego referidos sempre se mantiveram ao longo dos anos e actualmente ainda se mantêm nos termos expostos, com excepção do moinho que existia no Campo do Moinho, o qual, pelo menos há cerca de 30 anos, não labora por se encontrar em ruinas. 16. Como se referiu, sempre os proprietários dos Campos da Vinha, do Moinho, do Campo da Levadinha e do Campo da Junqueira aproveitaram essa água de rega e lima, nos moldes referidos, em público, sem que qualquer dos interessados ou outras pessoas ou entidades a isso se tenham oposto, com excepção do moinho que existia no Campo do Moinho, o qual, pelo menos há cerca de 30 anos, não labora por se encontrar em ruinas. 17. Nunca qualquer dos réus se opôs ou levantou problemas à captação e utilização da água da forma descrita ou à sua condução pelo rego referido. 18. Quer os autores quer os ante possuidores dos prédios referidos nos anteriores pontos 1 e 3, desde o início da captação da água que a têm conduzido para a referida poça, onde era retida e daqui pelo rego que atravessa o Campo da Levadinha, nos termos descritos nos anteriores pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12 convictos de que, ao fazê-lo, exercem um direito próprio. 19. Nunca qualquer dos réus se opôs à retenção da água na poça e à sua passagem pelo rego ou à sua captação. 20. Sempre a limpeza da poça e do rego tem sido feita pelos autores e seus antecessores, pelos proprietários e possuidores do Campo da Levadinha, de comum acordo, e sempre os proprietários e possuidores deste último prédio aproveitaram para o seu campo a terra e ervas que são tiradas da poça e rego, aquando da limpeza dos mesmos. 21. A autora e os seus pais (aqui segundos autores) por si, ante proprietários e ante possuidores, desde tempos imemoriais, seguramente desde muito antes de 1867, logo há mais de 150, 200 e mais anos, que sempre utilizaram em proveito dos referidos Campos da Vinha, Moinho e Campo da Levadinha e Campo da Junqueira a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, nos termos expostos, represando, captando, conduzindo e fazendo derivar as águas que daí decorrem, no tempo e modo referidos no artigos anteriores, de modo exclusivo à vista de toda a gente, ininterruptamente, como seus verdadeiros donos e sem oposição de quem quer que seja, incluindo dos réus, sendo certo que o moinho que existia no Campo do Moinho, pelo menos há cerca de 30 anos, não labora por se encontrar em ruinas. 22. Estas águas provêm de um rio não navegável, 23. Em 2010, os réus, sem o conhecimento ou consentimento dos autores canalizaram a água em toda a largura do Campo da Levadinha (que lhes pertence) e de seguida aterraram a poça e o rego referidos nos pontos 10 a 12. 24. Em consequência das obras de canalização do rego e do aterro da poça, acima referidos, a água deixou de ser retida e distribuída na poça, de acordo com os giros dos prédios referidos. E quanto ao direito de propriedade da água do Ribeiro de Lemanhe, seguindo o sentido do Ac. do STJ de 18-12-2012, proferido no Proc. nº 205/07.3TBOFR.C1.S1, da 6ª Secção e em que foi relator o Ilustre Conselheiro Salazar Casanova, in www.dgsi.pt, o tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos: “Pedem os autores que os RR. sejam condenados a reconhecer que os autores têm o direito de regar os seus prédios com a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, que neste é captada e conduzida para a poça existente no Campo da Levadinha, através da “Levada das Vinhas” e de aí a represar no tempo de rega e de a utilizarem como água de lima, tal como alegado nos artigos 12º a 15º da p.i.. Para tanto alegaram que os proprietários dos Campos da Vinha, Moinho, Levadinha e Junqueira (autores e réus) adquiriram por preocupação a água do ribeiro de Lemenhe e conduziam-na para uma poça, com cerca de 3 metros de largura e 3 metros de comprimento, existente no Campo da Levadinha (prédio dos réus), através de uma levada denominada “Levada das Vinhas”, que se estende desde o ribeiro até à poça atravessando o Campo da Junqueira e passando sob a via férrea da Linha do Minho. Recolhida a água nesta poça, era depois conduzida através de um rego aberto, em terra e com a largura de cerca de um metro, que atravessava o Campo da Levadinha (no sentido nascente – poente), pertencente aos réus, numa extensão superior a 80 metros, até aos prédios referidos nos pontos 1º e 3º (Campos da Vinha propriedade da primeira autora e o Moinho, propriedade dos segundos autores), para regar os primeiros e fazer movimentar o moinho dos segundos. A água proveniente do ribeiro de Lemenhe, sendo pública, não deixa de ser apropriável pelos particulares, na medida em que, por obras de captação, represamento e conduta, venham a entrar nos prédios a cuja irrigação se destinam, como o fizeram os AA. e seus consortes. O regime das águas públicas era regulado, fundamentalmente, pelo Decreto n. 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919. No domínio do direito anterior ao Código Civil de Seabra, mais precisamente até 21 de Março de 1868, era lícito a qualquer particular, se outro o não tivesse feito antes, apropriar-se para fins agrícolas ou fabris das águas de uma corrente não navegável ou flutuável, mediante a construção de obras permanentes de captação e derivação (direito de preocupação); na medida dessa apropriação, verificava-se uma desafectação do uso público das águas apropriadas, tornando-se estas particulares, tendo os direitos resultantes da preocupação sido salvaguardados, sucessivamente, pelo Código Civil de Seabra (art. 438º), Decreto nº 5787-IIII (art. 33º) e Código Civil em vigor (art. 1386º-nº1- d), inclusivamente por qualquer negócio jurídico translativo daquela ou de usucapião, nos termos gerais. Com efeito, a preocupação traduz-se sempre na ocupação de coisas da Coroa, da Nação ou do Estado, ou seja de águas públicas; por outro lado, à derivação da água da corrente não navegável nem flutuável para fins particulares chamava-se presa. E, como ensina Guilherme Moreira, em As Águas no Direito Civil Português de Guilherme Moreira, Livro I, 2ª edição, 1960, a presa de água, juridicamente pode representar ou não uma servidão, conforme a derivação da água é feita ou não em prédio alheio e em proveito de outro prédio; deve considerar-se a presa como o próprio facto da derivação, e relacionando-se esta derivação com o uso da água que, sem solução de continuidade, é conduzida para o prédio ou local em que se aproveita. No entanto, o artigo 6.º/4 da referida Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro que revogou o artigo 1.º do Decreto n. 5787-IIII, de 18 de maio de 1919 e os capítulos I e II do decreto-lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, prescreve o seguinte: Artigo 6.º Titularidade do domínio público lacustre e fluvial 1 — O domínio público lacustre e fluvial pertence ao Estado ou, nas Regiões Autónomas, à respectiva Região, salvo nos casos previstos nos números seguintes. […] 4 — O disposto nos números anteriores deve entender-se sem prejuízo dos direitos reconhecidos nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 1386.º e no artigo 1387.º do Código Civil. O artigo 1386.º/1, alínea d) do Código Civil prescreve que são particulares " as águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocupação, doação régia ou concessão. A preocupação, ou seja, a ocupação primeira das águas públicas constituía título hábil para adquirir o direito de presa e, citando Lobão, lê-se na obra As Águas no Direito Civil Português de Guilherme Moreira, Livro I, 2ª edição, 1960, pág. 107/108 que ' diz-se tê-las preocupado aquele que primeiro designou o lugar para a obra, que preparou os materiais para ela, que de alguma maneira lhe deu princípio, que declarou e protestou judicialmente fazê-la, ou ainda extrajudicialmente por alguma convenção ou ajuste. E para preferir a outro basta que a tenha principiado primeiro por alguns dos ditos modos ou semelhantes, ainda que outro primeiro a conclua […]. O direito de preocupação estende-se a tudo aquilo que vem em necessária consequência e sem o que ficaria inútil o mesmo direito. E daqui vem que, se alguém preocupou toda a água de um rio, e toda ela é necessária para a obra, ou rega de prédios, o seu direito se estende a toda ela, ainda que a posse fosse tão somente em parte'. Logo a seguir a esta citação de Lobão, refere Guilherme Moreira que " adquirido o direito de presa ou de derivar uma certa massa de água do rio público, essa água logo que entrasse no prédio a cuja irrigação se destinava ou em que era aproveitado como motor, ou no canal ou aqueduto que a conduzia para o fim a que era destinada, deixava de ser pública. Era uma água que havia sido apropriada por preocupação, uma água particular". E assim, " apropriadas as águas públicas pelo direito de presa, as que por este meio eram derivadas ficavam sendo particulares e sujeitas aos princípios gerais relativos à aquisição, conservação e extinção dos direitos reais imobiliários e às normas especiais estabelecida por usos e costumes locais". Assim, a preocupação, que constituía título legítimo de aquisição de águas públicas no domínio da legislação anterior ao Código Civil de 1867, só é possível reconhecer-se actualmente, desde que seja anterior a 21 de Março de 1868 e se revele por obras permanentes de captação e derivação de águas construídas até essa data. A aquisição por preocupação, apenas se aplica à aquisição de águas públicas, isto é, à transformação de águas públicas em particulares, que depois de entrarem no comércio jurídico privado aplicam-se as regras gerais do direito civil, enquanto se mantiverem os fundamentos da aquisição por preocupação (Ac. STJ. 29 de Maio de 1973, BMJ 227/159). Considerando a factualidade provada nos pontos 10 a 14 podemos concluir que será de reconhecer a aquisição da água do ribeiro de Lemenhe por parte dos autores por preocupação, pois que o aproveitamento da água foi acompanhado de obras permanentes de captação e derivação, construídas até 21 de Março de 1868. Assim, dúvidas não existem de que a água em apreço entrou no domínio privado. E do que se trata nos autos é da aquisição do direito de propriedade (no caso compropriedade) sobre as referidas águas e não um mero direito de servidão. Como refere o Prof. ANTUNES VARELA, sobre uma água existente ou nascida em prédio alheio podem constituir-se dois tipos distintos de situações: o direito de propriedade, sempre que, desintegrada a água da propriedade superficiária, o seu titular pode usá-la, fruí-la e dispor dela livremente; o direito de servidão, quando, continuando a água a pertencer ao dono do solo ou de um outro prédio, se concede a terceiro a possibilidade de aproveitá-la, em função das necessidades de um prédio diferente (Cfr. anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.01.81, na RLJ, ano 115º, pág. 219) Trata-se, no fundo, da mesma ideia expressa pelo Prof. PIRES DE LIMA: Se se adquire o poder de dispor livremente da água que nasce em prédio alheio, ou o direito de a captar subterraneamente, constitui-se um direito de propriedade ou de compropriedade. Se qualquer desses direitos está limitado às necessidades ou a certas necessidades de um outro prédio (dominante), a figura será a de servidão (Servidões Prediais, (separata do BMJ, 64, Lisboa, 1957, pág. 10). Ainda de acordo com A. VARELA, existe, porém, entre estes dois direitos reais uma profunda diferença, tanto no seu conteúdo como na sua dimensão ou extensão: no primeiro caso, há um direito pleno e, em princípio, ilimitado sobre a coisa, que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o segundo confere ao seu titular apenas a possibilidade de efectuar o tipo de aproveitamento da água previsto no título constitutivo e na estrita medida das necessidades do prédio dominante (Loc. cit., pág. 220). Como já ficou referido, o direito à água pode ser – conforme o título da sua constituição – um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, ou seja, um direito de propriedade; e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes às necessidades deste, isto é, um direito de servidão. Ora, no caso que vimos apreciando, decorre da matéria de facto assente (pontos 15 a 22) que os autores vêm exercendo, pois, sobre a água, uma posse em termos de direito de propriedade. De facto, a autora e os seus pais (aqui segundos autores) por si, ante proprietários e ante possuidores, desde tempos imemoriais, seguramente desde muito antes de 1867, logo há mais de 150, 200 e mais anos, que estão na posse e sempre utilizaram em proveito dos referidos Campos da Vinha, Moinho e Campo da Levadinha e Campo da Junqueira a água proveniente do Ribeiro de Lemenhe, nos termos expostos, represando, captando, conduzindo e fazendo derivar as águas que daí decorrem, no tempo e modo referidos nos artigos anteriores, de modo exclusivo à vista de toda a gente, ininterruptamente, como seus verdadeiros donos e sem oposição de quem quer que seja. Sendo tudo revelado por sinais bem visíveis e permanentes, existentes nos referidos Campos da Vinha, pelo Moinho e Campo da Levadinha e Campo da Junqueira, nomeadamente pela poça e pelo rego acima referidos, com os respectivos registos, tudo realizado por obra do homem, nomeadamente pelos autores, réus e seus ante proprietários e ante possuidores, de forma contínua e permanente, retendo a água na poça, abrindo e limpando o rego, sempre que necessário, por forma a captar, distribuir e usufruir da água. Assim, do que se trata é de direito de propriedade e não qualquer direito de servidão de presa ou servidão de aqueduto. Também não se provou qualquer extinção pelo não uso, porquanto a água continua a ser utilizada para regar e limar os terrenos, apenas não é usada no moinho dos segundos réus, o que não constitui qualquer extinção pelo abandono ou não uso porque continua a ser usada na rega ou lima.” Com o que se concorda e subscreve integralmente, inexistindo o apontado erro(5). A construção jurídica defendida pelos recorrentes não passa de uma ficção, que a ser aceite põe em causa relativamente aos AA. a reconhecida compropriedade das captadas águas pelos três consortes, passando a ser diferenciados os direitos dos comproprietários relativamente à água em questão, já que a dos RR. estaria condicionada por um direito de servidão. O que não é aceitável, já que iria criar ruptura com a situação que tem vigorado até agora. Como assim, improcede este fundamento do recurso. * 2) o moinho dos 2.ºs Autores não funciona há mais de 30 anos, pelo que tal substancia um abuso de direito, violação do princípio constitucional da proibição do excesso e falta de interesse processual Quanto a esta questão, não funcionando o moinho dos 2ºs AA. há mais de 30 anos, entendem os apelantes que o pedido dos AA. das als. b), c) e d) configura “abuso de direito”, violação da norma constitucional do “princípio da proibição do excesso” e a falta de “interesse em agir”. Tendo-se a sentença recorrida pronunciado negativamente quanto a este entendimento, aludindo quanto ao abuso de direito o seguinte: “O instituto do abuso de direito, consagrado no artigo 334º do C.Civil, é uma cláusula geral, que tem por finalidade última temperar o exercício dos direitos subjectivos. Deve intervir em situações excepcionais, quando, do exercício de qualquer direito, sejam ultrapassados, de forma intolerável, inadmissível, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Que seja ferida a consciência jurídica, os valores fundamentais da ordem jurídica, socialmente dominantes. Dispõe o artigo 334º do CC que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito". Ora, o caso dos autos não se verifica qualquer situação de excesso de limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”. Entendendo os recorridos não assistir razão aos recorrentes “(…) quando estes dizem que, se o caudal actualmente não é necessário para tal fim, referindo-se aqui ao moinho dos segundos Recorridos, nem sequer existe direito; porque tal como supra referido, não se provou qualquer extinção pelo não uso por aqueles. Na verdade, ao contrário do que pugnam os Recorrentes, não ficou provado que, as referidas águas se destinassem tão só a movimentar o moinho que lhes pertence. E nesta medida, também não estamos naturalmente perante qualquer abuso de direito ou falta de interesse em agir por parte dos segundos Recorridos, pelos motivos já supra expostos; já que, ao que nos parece, os Recorrentes fixaram-se no mero facto de que ficou provado que o moinho se encontrava em ruinas, tendo olvidado que se deu também como provado que, não obstante essa situação, usam a água para outros fins (cfr. decorre do doc. 10 junto à p.i. e ponto 13 dos factos provados). E neste sentido, pouco mais diremos sobre o instituto do abuso do direito e do princípio constitucional da proibição do excesso, já que os Recorrentes partiram de pressupostos absolutamente errados para os aplicarem. Isto é, em termos de direito, nada temos a apontar quanto ao que é referido relativamente a esses institutos – do abuso de direito e do princípio constitucional da proibição do excesso – sucede que, no presente caso, os mesmos carecem de qualquer sentido/aplicação práticos, pois não são de modo algum aplicáveis.”. Quid iuris? Atenta a factualidade apurada (cfr. pontos 16. e 17.) lembramos que a sentença concluiu não se ter provado (…) qualquer extinção pelo não uso, porquanto a água continua a ser utilizada para regar e limar os terrenos, apenas não é usada no moinho dos segundos réus, o que não constitui qualquer extinção pelo abandono ou não uso porque continua a ser usada na rega ou lima. Ora, continuando, como apurado, a água a ser usada na rega ou lima, não é defensável dizer que existe abuso de direito e falta de interesse em agir por parte dos recorridos. Não se verificando uma das premissas da sua argumentação. Sendo correcto que se apurou que o moinho dos 2.ºs AA. não funciona há mais de 30 anos, isso não quer dizer que se tenha apurado que os recorridos não usem a referida água. A perspectiva redutora e individualizável que os apelantes fazem, não é sustentável perante a factualidade alegada pelos AA. e dada como provada pelo Tribunal a quo. Ficando igualmente prejudicada a sua argumentação de violação do princípio constitucional da proibição do excesso, já que a água continua a ser usada pelos recorridos, como apurado, na rega ou lima. Assim, improcede igualmente este fundamento do recurso. * 3) há abuso de direito por parte dos 1.ºs Autores – “Principio da Proibição do Excesso” e “Falta de interesse em agir” Entendem os apelantes que a mudança unilateral por eles efectuada, quer na poça (eliminando os “giros”), quer no “rego a céu aberto”, substituindo o rego por tubos, o que não obstrui o fluxo da água, em nada prejudica interesses relevantes da 1ª A. e satisfaz interesses não-despiciendos dos RR. havendo, assim, abuso de direito na sua reacção, agindo mesmo sem interesse processual. Com o que discordam os recorridos, face ao apurado nos pontos 23. e 24., isto é, não se tendo provado que “o fluxo de água tem vindo a reduzir-se à medida que o tempo vai decorrendo, pelo que se antevê que dentro de pouco tempo a água deixa completamente de fluir”, apurou-se que em virtude dos Recorrentes terem aterrado a poça e rego referidos nos pontos 10 a 12, “a água deixou de ser retida e distribuída na poça, de acordo com os giros dos prédios referidos”. Assim, não tendo ficado provado “o menos, ficou o mais”. Que dizer? É defensável o raciocínio que se as obras unilateralmente levadas a cabo pelos RR. não obstruem o fluxo da água, as mesmas não prejudicam interesses relevantes dos AA. Todavia, face à matéria apurada, se relativamente à substituição do rego por tubos não foi possível apurar que tal diminuiu o fluxo da água, já quanto ao aterro da poça e eliminação dos giros tal não resultou inequivocamente demonstrado, isto é, perante estas obras dos RR. - aterrar a poça e eliminar os giros - não é possível afirmar que isso não obstrui o fluxo da água. É que isso só seria assim em condições ideais de fluxo contínuo e permanente de água, independentemente de factores aleatórios associados à natureza. Logo, inexistindo a premissa obrigatória de não obstrução do fluxo de água para não haver prejuízo de interesses relevantes dos AA., fica prejudicada a argumentação dos recorrentes da falta de interesse em agir, do abuso de direito e da violação do princípio da Proibição do Excesso. Como assim, adere-se à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Não merece, pois, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo. Assim, improcedendo os fundamentos do recurso, é de manter a sentença recorrida. Os recorrentes sucumbem no recurso. Devem por essa razão, satisfazer as custas dele (art. 527º/1 e 2 do CPC). * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – A Lei n.º 54/2005, de 15-11, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, continua a ressalvar do domínio público do Estado ou das Regiões Autónomas as águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21-11-1868, por preocupação, doação régia ou concessão [art. 6º/1 e 4 dessa Lei e art. 1386º/1, d) do CC]. II – Assim, a preocupação, ou seja, a ocupação primeira das águas públicas, por meio de obra de represamento, constitui título hábil para adquirir o direito de presa ou direito de derivar uma certa massa de água de rio público que, uma vez entrada no prédio ou prédios a cuja irrigação se destinava, deixa de ser pública para passar a ser particular sobre ela se exercendo o direito real de propriedade sobre imóveis [cfr. actual art. 204º/1, b) e 1385º e ss. do CC]. III – Continuando a água a ser utilizada para regar e limar os terrenos, o seu não uso no moinho dos segundos réus não constitui qualquer extinção pelo abandono ou não uso. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. Notifique. * Guimarães, 25-05-2017 _______________________ (José Cravo) _______________________ (António Figueiredo de Almeida) _______________________ (Maria Cristina Cerdeira) 1- E se eventualmente, no futuro, "o moinho em ruínas", for "reconstruído", e posto a funcionar - então, "nessa altura", os A.A. que exerçam os seus direitos. Mas o Tribunal não decide, no presente, meras eventuais hipóteses de futuro (falta de "interesse processual"). E, muito menos, e nem sequer está alegada e provada tal factualidade (art°. 5° do C. Pr. C.). 2- Actualmente da 1ª A. 3- Actualmente dos 2ºs AA. 4- Actualmente dos RR. 5- A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não seja desintegrado do domínio, por lei ou negócio jurídico - art. 1344º/1 do CC. Assim, "enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou negócio jurídico, as águas são partes componentes dos respectivos prédios, tal como a terra, as pedras, etc. Quando desintegradas, adquirem autonomia e são consideradas, de per si, imóveis" (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 196). Se, por exemplo, um proprietário vender um veio de água existente num seu prédio desintegra da propriedade superficiária esses elementos, por um negócio jurídico, obra da sua vontade. Consequentemente, as águas são coisas imóveis, quando desintegradas da propriedade superficiária - art. 204º/1, b) do CC. Podem ser públicas ou particulares - arts. 1385º do CC. Entre outras, são particulares as águas originalmente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocupação, doação régia ou concessão - art. 1386º/1, d) do CC. Não estando fixado o volume das águas referidas nas alíneas d), e) e f) do número anterior, entender-se-á que há direito apenas ao caudal necessário para o fim a que as mesmas se destinam - art. 1386º/2 do CC. As águas referidas nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do art. 1386º são inseparáveis dos prédios a que se destinam, e o direito sobre elas caduca, revertendo as águas ao domínio público, se forem abandonadas, ou não se fizer delas um uso proveitoso correspondente ao fim a que eram destinadas ou para que foram concedidas - art. 1397º do CC. |