Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
738/14.5T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
GARANTIA
REPARAÇÃO DA COISA
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação.
II- No caso da garantia de funcionamento prevista contratualmente o vendedor assegura, por certo período de tempo a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento da coisa, tendo o comprador direito a exigir a reparação da coisa ou, se for necessário e tiver natureza fungível, a sua substituição, independentemente de culpa do vendedor ou de erro seu.
III- A privação do uso de um veículo constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305.º do CC lhe confere de modo pleno e exclusivo, tornando-se, porém, necessário que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava, frustrando um propósito real - concreto e efetivo - de proceder à sua utilização.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. C. intentou ação com processo comum contra X, Lda., pedindo:
A) A condenação da ré a proceder, ou mandar proceder, a expensas suas, no prazo máximo de quinze dias, às necessárias e indispensáveis reparações do trator com a matrícula UU, de modo a assegurar o seu bom funcionamento, sob fiscalização do autor, ou de quem ele indicar; em caso de incumprimento da reparação do trator no prazo concedido, a condenação da ré a pagar ao autor o valor de € 9.590,10 e a entregar-lhe o trator a fim de este o reparar;
B) A pagar ao autor o montante de € 115,00 por cada dia que esteve e esteja, até à reparação integral, privado da utilização do trator;
C) A pagar o montante de € 10.000,00 por danos não patrimoniais causados ao bom nome e crédito do autor;
D - Ser a ré condenada a pagar o montante de € 280,01 pelo transporte do trator para as instalações daquela em Braga.

Alegou para tanto, em síntese, que no dia 24 de abril de 2014 adquiriu à ré, pelo valor de € 19.700,00 um trator com a matrícula UU, marca New Holland TDD 95 DT, no estado usado, o qual veio a ser utilizado sem quaisquer problemas até 13 de junho de 2014, data em que, repentina e inopinadamente, as rodas traseiras do trator bloquearam totalmente enquanto o autor manobrava o trator, em marcha traseira; perante a descrita situação, o autor tentou movimentar o trator para a frente, o que apenas conseguiu por escassos metros uma vez que o trator bloqueou totalmente, não mais se movimentando para a frente ou para trás; imediatamente após o sucedido, o autor contactou o sócio gerente da ré, o qual lhe solicitou que transportasse o trator para as suas instalações, em Braga, a fim de diagnosticar o problema, o que o autor fez através de reboque, tendo despendido nesse transporte a quantia de €280,01; após desmontagem de algumas partes do trator, a ré comunicou ao autor que não assumia a responsabilidade pelo sucedido e que só reparava o trator quando fosse pago o valor constante do orçamento de reparação que apresentou ao autor, no valor de € 9.590,10, com o argumento de que a avaria verificada se tinha ficado a dever a uma má utilização do trator, versão que o autor rejeita, antes imputando a avaria verificada a deficiente ou inexistente lubrificação de vários componentes, aliada, à fadiga e usura dos componentes, que com o tempo perderam características mecânicas, nomeadamente a sua dureza, levando à deterioração de vários componentes que culminaram na indevida deslocação da cavilha de fixação dos satélites em direção à roda de coroa, produzindo danos evidentes na roda de coroa e pinhão e provocando o bloqueio total das rodas traseiras do trator e todos os restantes danos reflexos na caixa da transmissão das rodas dianteiras. Mais alegou que o bom funcionamento do veículo foi assegurado pela ré mediante garantia prestada por esta, pelo prazo de um ano; não tem outro trator nem capacidade económica para mandar reparar a expensas suas o trator ou comprar outro pelo que desde meados de junho de 2014 que está impossibilitado de prosseguir a sua atividade de comércio por grosso de madeiras e prestação de serviços de corte e extração de madeiras a que então se dedicava com fim lucrativo, enquanto empresário em nome individual, numa altura em que contava com um ordenado mensal de cerca de € 2.500,00 descontados os custos de atividade; em função da impossibilidade de utilização do trator, está a ter um prejuízo diário de € 115,00, mais sucedendo que tal impossibilidade impediu o autor de concretizar contratos que já havia celebrado, retirando-lhe credibilidade junto de clientes, liquidando o valor de tal dano (que qualifica de não patrimonial) no montante de € 10.000,00.
A ré contestou, reconhecendo a celebração do referido contrato de compra e venda e a ocorrência da avaria descrita mas defendendo que esta se deveu à má utilização do trator por parte do autor, pelo facto de este ter tentado forçar o UU a movimentar-se após o bloqueio das rodas traseiras; pugna pela total improcedência da ação.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, que não foram objeto de reclamação.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu a ré do pedido.

Inconformado com tal decisão, o autor dela veio interpor recurso de apelação, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente procedência integral da ação. Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I – O Tribunal a quo julgou a acção totalmente improcedente.
II - Ao abrigo dos artigos 629º, 631º e 644º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C., vem o presente recurso interposto da douta sentença com a ref.ª 170943534, que julgou a acção totalmente improcedente;
III - O Recorrente impugna a decisão de facto e a decisão de Direito;
IV - No presente recurso requer-se a reapreciação da prova documental e da prova gravada.
V - O Autor impugna a decisão de facto proferida sobre o ponto j) dos factos provados e sobre os pontos b), c), h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados.
VI - Na alínea j) dos factos provados o Tribunal deu como provado o seguinte facto:
“Os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em f) e visíveis aquando da desmontagem referida em h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas”.
VII – Infirmam a decisão de facto proferida os seguintes meios de prova produzidos em audiência:
a) Não foi produzida prova documental ou testemunhal susceptivel de ajuizar que após o bloqueio do trator o Autor empenhou esforços na máquina para a colocar novamente em movimento;
b) Depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente aos 00:05:44, 00:08:20, 00:09:50 minutos;
c) Declarações de Parte do Autor, no dia 16 de Março de 2018, entre as 10:08:24 e as 10:29:39 horas, nomeadamente aos 00:13:12 minutos;
d) Relatório Pericial da autoria do Eng.º P. P., nomeadamente na sua página 18, na resposta ao quesito 20, pag. 15 do relatório resposta ao quesito 15 e pág. 18 resposta ao quesito 17;
e) Relatório de avaliação do Prof. Eng.º L. M., nomeadamente na explicitação ás fotografias número 1 e 2 e à seguinte conclusão: “Os danos ocorridos no diferencial têm como explicação a deficiente ou inexistente lubrificação, comprovada pelas fotos. Esta situação é aliada à fadiga e usura dos componentes, que com o tempo perderam características mecânicas, nomeadamente dureza. Houve “agarrar” de um dos satélites, que partiu, e obrigou a que a cavilha elástica que fixa a cavilha dos satélites a fraturar também. Por outro lado e após esforços vários e duradouros no tempo, a cavilha dos satélites deslocou-se em direcção à roda da coroa, provocando os danos evidentes na roda de coroa e pinhão, atrás bem identificados;
f) Depoimento da testemunha A. B., no dia 06 de Janeiro de 2016, entre as 11:20:36 e as 12:17:42 horas, nomeadamente 00:01:45, 00:03:40, 00:15:55, 00:29:45, 00:36:45 e 00:51:00 minutos;
g) Declarações do Perito P. P., no dia 23 de Junho de 2017, entre as 09:56:56 e as 10:25:44 horas, nomeadamente 00:01:58, 00:03:34, 00:07:03 e 00:10:33 minutos;
VII – Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiencia comum e as regras do conhecimento empírico a decisão de facto proferida sobre o ponto j) dos factos provados deve ser revogada e substituída por decisão que considere o facto provado nos seguintes termos:
O bloqueio total do UU, nos termos mencionados em f), resultou do contacto da cavilha de fixação dos satélites, que se deslocou do local originário, com a roda de coroa e pinhão de ataque, tendo provocado os danos mencionados em h).
VIII - O Tribunal a quo não considerou provado o seguinte facto (alínea b) dos factos não provados):
“Que em Maio de 2014 o A. tenha começado a prestar os serviços de corte e extração de madeira.
IX – Porém, constam dos autos meios de prova que confirmam que o Autor iniciou a prestação de serviços de extração e corte de madeira em Maio de 2014:
a) Documento n.º 4 e 5 juntos com a petição inicial;
b) Depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:05:50.
X - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão de não provado do facto constante da alínea b) dos factos não provados e o mesmo ser considerado provado nos seguintes termos:
“Em Maio de 2014 o A. começou a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira.”
XI - O Tribunal a quo também considerou não provado o seguinte facto (Alínea c) dos factos não provados):
“ Que até ao referido em 1.1 f) o UU tenha funcionado sem problemas”
XII - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:08:06.
XIII - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão de não provado do facto constante da alínea c) dos factos não provados e o mesmo ser considerado provado nos seguintes termos:
“Entre a entrega do trator pela Ré ao Autor e o momento referido em 1.1 f) o UU funcionou sem problemas”
XIV - O Tribunal a quo também considerou não provado o seguinte facto (alínea h) dos factos não provados):
“Que o A. não tivesse à sua disposição outro trator”
XV - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:01:34, 00:16:00,
b) Depoimento da testemunha P. P., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:32:06 e as 16:37:39 horas, nomeadamente 00:00:52 minutos;
c) Depoimento da testemunha P. C., no dia 23 de Junho de 2015, entre as 14:06:09 e as 14:31:40 horas, nomeadamente 00:01:29 minutos;
XVI - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão que considerou não provado o facto constante da alínea h) dos factos não provados e o mesmo ser considerado provado nos seguintes termos:
“O A. não tinha á sua disposição outro trator”
XVII - O Tribunal a quo também não considerou provado o seguinte facto (alínea i) dos factos não provados):
“Que o A. não tivesse capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro”
XVIII - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:16:13, 00:01:25 minutos;
b) Depoimento da testemunha P. C. no dia 23 de Junho de 2015, entre as 14:06:09 e as 14:31:40 horas, nomeadamente 00:05:35, 00:00:04 (instância do Sr.º Juiz), 00:00:54 (instância do Sr.º Juiz), 00:03:16 (instância do Sr.º Juiz) minutos.
XIX - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão que considerou não provado o facto constante da alínea i) dos factos não provados e o mesmo ser considerado provado nos seguintes termos:
“O Autor não tinha capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro”
XX - O Tribunal a quo também não considerou provado o seguinte facto (alínea j) dos factos não provados):
“Que o referido em 1.2 h) e i) tenham forçado o A. a cessar a actividade profissional mencionada em 1.1 b).”
XXI - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Depoimento da testemunha P. C. no dia 23 de Junho de 2015, entre as 14:06:09 e as 14:31:40 horas, nomeadamente 00:08:20, 00:11:02.
XXII - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão que julgou não provado o facto constante da alínea j) dos factos não provados e o mesmo seja considerado provado por V. Ex.ªs nos seguintes termos:
“A não disponibilidade de outro trator pelo Autor e a incapacidade financeira para mandar reparar o UU ou comprar outro trator forçaram o A. a cessar a actividade profissional mencionada na alínea b) dos factos provados.”
XXIII - O Tribunal a quo julgou não provado o seguinte facto (alínea k) dos factos não provados):
“Que no mês de arranque da actividade profissional mencionada em 1.1 b) tenha faturado cerca de € 5 860,67.”
XXIV - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Factura 4 e 5 juntas com a petição inicial;
b) Depoimento da testemunha P. C. no dia 23 de Junho de 2015, entre as 14:06:09 e as 14:31:40 horas, nomeadamente 00:05:35, 00:00:04 (instância do Sr.º Juiz), 00:00:54 (instância do Sr.º Juiz), 00:03:16 (instância do Sr.º Juiz) minutos
XXV - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão que considerou o facto não provado e ser substituída por outra que o considere provado nos seguintes termos:
“No mês de Maio, mês de arranque da actividade profissional mencionada em 1.1 b), o Autor faturou cerca de € 5 860,67.”
XXVI - O Tribunal recorrido não considerou provado o seguinte facto (alínea l) dos factos não provados):
“Que o A. tivesse trabalho programado para vários meses”
XXVII - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de Junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:16:20 e 00:20:10 minutos;
b) Depoimento da testemunha P. C. no dia 23 de Junho de 2015, entre as 14:06:09 e as 14:31:40 horas, nomeadamente 00:08:30 minutos;
XXVIII - Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico deve ser revogada a decisão proferida que considerou o facto constante da alínea l) dos factos não provados deve ser revogada e substituída por decisão que considere o facto provado nos seguintes termos:
“O Autor tinha trabalho programado para vários meses.”
XXIX - O Tribunal a quo também não considerou provado o facto constante da alínea m) dos factos não provados:
“Que o referido em 1.1 f), g), e j) acarreta um prejuízo diário para o A. de €115;”
XXX - Porém, constam dos autos meios de prova que o confirmam:
a) Decorre da prova do seguinte facto: No mês de Maio, mês de arranque da actividade profissional mencionada em 1.1 b), o Autor faturou cerca de € 5 860,67;
XXXI - Corresponde ao valor de remuneração que o Autor deixou de conseguir obter fruto da avaria do trator e da subsequente impossibilidade de prosseguir a atividade empresarial.
XXXII - Deverá, assim, ser revogada a decisão que considerou o facto não provado e deve a mesma ser substituída por uma decisão que considere o facto provado nos seguintes termos:
“Que o referido em 1.1 f), g) e j) acarreta um prejuízo diário para o Autor de € 115,00.”
XXXIII - O Tribunal a quo errou ao não considerar provado o facto alegado no art.º 74º da petição inicial:
“Desde a entrega do tractor nas instalações da Ré que o Autor está privado da sua utilização.
XXXIV - A Ré reconheceu a veracidade do facto alegado.
XXXV - Pelo que o mesmo deve ser aditado à matéria de facto provada.
XXXVI – Face o exposto deve ser a seguinte a matéria de facto a submeter à aplicação do Direito:

1. DOS FACTOS

1.1. Factos provados
a) A R. é uma empresa comercial, cuja actividade, com fim lucrativo, é a venda e reparação de máquinas agrícolas, florestais e industriais;
b) Em 10.04.2014 o A. inscreveu-se junto da AT para iniciar actividade na área do comércio por grosso de madeira e prestação de serviços de corte e extracção de madeira;
c) O A. deslocou-se às instalações da R. com a finalidade de comprar um tractor, tendo sido atendido e acompanhado pelo sócio gerente da R.;
d) Após a demonstração de vários tractores, o sócio gerente da R. demonstrou ao A. o tractor de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU, que se encontrava nas suas instalações, tendo-o aconselhado a adquiri-lo face às finalidades por si pretendidas;
e) No dia 24.04.2014 o A. comprou à R. o UU pelo preço acordado e pago de €19.700, tendo a R. prestado ao A. garantia de bom funcionamento pelo período de 1 ano;
f) No dia 13.06.2014, enquanto manobrava o tractor em marcha traseira, as rodas traseiras do UU bloquearam totalmente, tendo o A. tentado movimentar o UU para a frente, o que conseguiu por alguns metros, tendo o mesmo bloqueado totalmente, não mais se tendo movimentado;
g) O A. contactou a R. dando-lhe conhecimento da avaria descrita em f), tendo-lhe a R. solicitado que transportasse o UU para as suas instalações, sitas em Braga, a fim diagnosticar o problema, o que o A. fez, tendo o tractor sido rebocado do local onde se encontrava até às referidas instalações, de onde não mais saiu;
h) Depois de o tractor estar nas instalações da R. os colaboradores desta desmontaram-no, nomeadamente todo o sistema do diferencial, tomada de força e caixa da transmissão rodas dianteiras;
i) Um colaborador da R. apresentou ao A. um orçamento de reparação no valor de €9 590,10, comunicando-lhe que a avaria do UU advinha de uma má utilização do tractor;
j) O bloqueio total do UU, nos termos mencionados em f), resultou do contacto da cavilha de fixação dos satélites, que se deslocou do local originário, com a roda de coroa e pinhão de ataque, tendo provocado os danos mencionados em h);
k) O funcionamento do UU depende da reparação e colocação de novas peças, nomeadamente as constantes do orçamento mencionado em i);
l) No reboque mencionado em 1.1.g) o A. despendeu a quantia de €280,01.
m) Em Maio de 2014 o A. começou a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira;
n) Entre a entrega do trator pela Ré ao Autor e o momento referido em 1.1 f) o UU funcionou sem problemas;
o) O A. não tinha á sua disposição outro trator;
p) O Autor não tinha capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro;
q) A não disponibilidade de outro trator pelo Autor e a incapacidade financeira para mandar reparar o UU ou comprar outro trator forçaram o A. a cessar a actividade profissional mencionada na alínea b) dos factos provados;
r) No mês de Maio, mês de arranque da actividade profissional mencionada em 1.1 b), o Autor faturou cerca de € 5 860,67;
s) O Autor tinha trabalho programado para vários meses;
t) Que o referido em 1.1 f), g) e j) acarreta um prejuízo diário para o Autor de € 115,00
u) Desde a entrega do tractor nas instalações da Ré que o Autor está privado da sua utilização.

1.2. Factos não provados

a) Que o sócio gerente da R. no seguimento do referido em 1.1.c) e d), tenha assegurado ao A. o excelente estado de funcionamento e conservação do UU, designadamente de todo o sistema do diferencial e da tomada de força, Informando, que os mesmos haviam sido vistoriados antes de o tractor ter sido colocado à venda;
b) Que a origem da avaria mencionada em 1.1.f) tenha sido uma deficiente ou inexistente lubrificação originada pela fadiga e gasto dos componentes, que deerminaram a perda de resistência mecânica dos componentes;
c) Que o referido em 1.2.b) tenha provocado um “agarrar” de um dos satélites, que partiu, obrigando a que a cavilha elástica que fixa a cavilha dos satélites também se fracturasse, desta forma permitindo que a referida cavilha dos satélites se deslocasse em direcção à roda de coroa, danificando-a;
d) Que o referido em 1.2.b) tenha provocado a deterioração do rolamento do veio interior da tomada de força, levando ao empeno deste;
e) Que o material da caixa de transmissão das rodas dianteiras denotasse sinais de desgaste/gasto, levando à perda de resistência mecânica dos seus componentes;
n) Que o A. perdeu credibilidade que este gozava junto dos seus clientes, impossibilitando-o de retomar a actividade identificada em 1.1.b).
XXXVII - Previamente à análise do regime jurídico a aplicar aos factos nos termos que o Recorrente considera terem ficado provados, vamos analisar previamente o ónus probatório em causa nos autos.
XXXVIII – A fim de excluir a obrigação de prestar garantia a Ré na fase extrajudicial e na fase judicial alegou que os danos decorreram da má utilização do tractor pelo Autor que desenvolveu esforços para o movimentar após o bloqueio das rodas de trás.
XXXIX – A Ré não alegou qualquer outra causa de exclusão da garantia, mormente que o Autor tenha trabalhado com o tractor sem o nível de lubrificante regulamentar;
XL – O Tribunal a quo ao verter na sentença factos que não foram alegados pela Ré, sendo seu ónus, e, que não são factos acessórios ou complementares dos alegados (trata-se de uma nova causalidade) violou o disposto nos artigos 572º, 573º, 607º, n.º 4, 608º, n.º 2 in fine do CPC, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1 alínea d) do CPC, o que se requer seja declarado.
XLI – Atento o exposto e a aplicação do Direito aos factos que considerarmos terem resultado provados, deve ser reconhecida a obrigação de garantia da Ré e que a avaria do tractor UU estava coberta pela obrigação de garantia de bom funcionamento prestada pela Ré;
XLI – E que o Autor ao incumprir a obrigação de reparação do tractor UU violou o disposto nos artigos 921º, 762º, 798º e 799º do Código Civil.
XLII – Além da condenação à reparação do tractor UU a Ré deve ainda ser condenada a ressarcir o Autor de todos os prejuízos alegados em sede de petição inicial e efectivamente demonstrados nos autos.
XLIII – A análise da factualidade em discussão nos presentes autos exige uma sensibilidade especifica ao funcionamento mecânico de veículos como o UU e ao conhecimento do contexto de trabalho na indústria extractiva de corte e extraçãpo de madeira;
XLIV – A Objectividade da análise dos meios de prova é inequívoca na determinação da causa do bloqueio, que é a saída da cavilha eléstica do local originário em direcção à roda da coroa;
XLV – Este acontecimento não é atribuível a qualquer influencia do Autor;
XLVI – Nem que tenha sido qualquer acção do Autor a provocar o deslocamento da cavilha de fixação dos satélites;
XLVII – Pelo que a Ré não demonstrou qualquer causa de exclusão da garantia de bom funcionamento que prestou ao Autor e deve ser consequentemente responsabilizada;
XLVIII - Ao decidir nos termos em que decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 572º, 573º, 607º, n.º 4, 608º, n.º 2 in fine do CPC e artigos 342º, 921º, 762º, 798º e 799º do Código Civil.

Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida e julgada a acção declarativa comum totalmente procedente, por não provada.
Assim decidindo, farão V.as Ex.as Venerandos Desembargadores, a habitual, JUSTIÇA».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Nulidade da sentença recorrida;
B) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
C) Se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do Direito quanto à verificação dos requisitos legais que possam determinar a procedência das pretensões deduzidas, o que implica aferir se assiste ao apelante o direito a ver reparado pela ré o veículo; da obrigação de indemnizar.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
a) A R. é uma empresa comercial, cuja atividade, com fim lucrativo, é a venda e reparação de máquinas agrícolas, florestais e industriais.
b) Em 10-04-2014 o A. inscreveu-se junto da AT para iniciar atividade na área do comércio por grosso de madeira e prestação de serviços de corte e extração de madeira.
c) O A. deslocou-se às instalações da R. com a finalidade de comprar um trator, tendo sido atendido e acompanhado pelo sócio gerente da R.
d) Após a demonstração de vários tratores, o sócio gerente da R. demonstrou ao A. o trator de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU, que se encontrava nas suas instalações, tendo-o aconselhado a adquiri-lo face às finalidades por si pretendidas.
e) No dia 24-04-2014 o A. comprou à R. o UU pelo preço acordado e pago de €19.700, tendo a R. prestado ao A. garantia de bom funcionamento pelo período de 1 ano.
f) No dia 13-06-2014, enquanto manobrava o trator em marcha traseira, as rodas traseiras do UU bloquearam totalmente, tendo o A. tentado movimentar o UU para a frente, o que conseguiu por alguns metros, tendo o mesmo bloqueado totalmente, não mais se tendo movimentado.
g) O A. contactou a R. dando-lhe conhecimento da avaria descrita em f), tendo-lhe a R. solicitado que transportasse o UU para as suas instalações, sitas em Braga, a fim diagnosticar o problema, o que o A. fez, tendo o trator sido rebocado do local onde se encontrava até às referidas instalações, de onde não mais saiu.
h) Depois de o trator estar nas instalações da R. os colaboradores desta desmontaram-no, nomeadamente todo o sistema do diferencial, tomada de força e caixa da transmissão rodas dianteiras.
i) Um colaborador da R. apresentou ao A. um orçamento de reparação no valor de €9 590,10, comunicando-lhe que a avaria do UU advinha de uma má utilização do trator.
j) Os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em f) e visíveis aquando da desmontagem referida em h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas.
k) O funcionamento do UU depende da reparação e colocação de novas peças, nomeadamente as constantes do orçamento mencionado em i).
l) No reboque mencionado em 1.1.g) o A. despendeu a quantia de €280,01.

1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a) Que o sócio gerente da R. no seguimento do referido em 1.1.c) e d), tenha assegurado ao A. o excelente estado de funcionamento e conservação do UU, designadamente de todo o sistema do diferencial e da tomada de força, informando, que os mesmos haviam sido vistoriados antes de o trator ter sido colocado à venda.
b) Que em Maio de 2014 o A. tenha começado a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira, utilizando o UU.
c) Que até ao referido em 1.1.f) o UU tenha funcionado sem problemas.
d) Que a origem da avaria mencionada em 1.1.f) tenha sido uma deficiente ou inexistente lubrificação originada pela fadiga e gasto dos componentes, que determinaram a perda de resistência mecânica dos componentes.
e) Que o referido em 1.2. d) tenha provocado um “agarrar” de um dos satélites, que partiu, obrigando a que a cavilha elástica que fixa a cavilha dos satélites também se fraturasse, desta forma permitindo que a referida cavilha dos satélites se deslocasse em direção à roda de coroa, danificando-a.
f) Que o referido em 1.2. d) tenha provocado a deterioração do rolamento do veio interior da tomada de força, levando ao empeno deste.
g) Que o material da caixa de transmissão das rodas dianteiras denotasse sinais de desgaste/gasto, levando à perda de resistência mecânica dos seus componentes.
h) Que o A. não tivesse à sua disposição outro trator.
i) Que o A. não tivesse capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro.
j) Que o referido em 1.2.h) e i) tenham forçado o A. a cessar a atividade profissional mencionada em 1.1.b).
k) Que o A., no mês de arranque da atividade profissional mencionada em 1.1.b) tenha faturado cerca de €5.860,67.
l) Que o A. tivesse trabalho programado para vários meses.
m) Que o referido em 1.1.f), g) e j) acarrete um prejuízo diário para o A. de €115.
n) Que o referido em 1.1.f), g) e j) e 1.2. h), i) e j) tenham retirado ao A. a credibilidade que este gozava junto dos seus clientes, impossibilitando-o de retomar a atividade identificada em 1.1.b).

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Nulidade da sentença recorrida
O recorrente suscita expressamente a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al d), do CPC.
Para o efeito alega que «[o] Tribunal a quo ao verter na sentença factos que não foram alegados pela Ré, sendo seu ónus, e, que não são factos acessórios ou complementares dos alegados (trata-se de uma nova causalidade) violou o disposto nos artigos 572º, 573º, 607º, n.º 4, 608º, n.º 2 in fine do CPC, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1 alínea d) do CPC, o que se requer seja declarado».

As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, preceito nos termos do qual «é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».

Delimitando o âmbito das sentenças nulas, o Prof. Alberto dos Reis(1) pondera a hipótese de saber se devem admitir-se duas categorias de nulidades - absolutas e relativas, insanáveis e sanáveis - ou se todas as nulidades da sentença são sanáveis, caso em que, em vez de se falar de nulidade, deve falar-se de anulabilidade.
Também no regime atual, a propósito do regime previsto no artigo 615.º, n.º 1, CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre (2): «entre os fundamentos de nulidades enunciados no n.º 1, um há que merece indiscutivelmente essa qualificação: é o da alínea (falta de assinatura do juiz). Trata-se dum requisito de forma essencial. O ato nem sequer tem a aparência de sentença (…).
Também a ininteligibilidade da parte decisória da sentença, contemplada na alínea c), quando subsista após a rejeição da arguição de nulidade, pelo juiz ou pelo tribunal de recurso, ou após a falta desta arguição (ver os arts.615-4 e 617-1), merece a qualificação de nulidade. Com efeito, embora a ininteligibilidade, decorrente de ambiguidade ou obscuridade, tenha o tratamento da anulabilidade, carecendo da arguição da parte, a falta desta ou a sua rejeição tem o efeito de tornar inaproveitável a sentença, por falta de decisão compreensível (…).
Outros fundamentos de nulidade, não mencionados no n.º 1, são a falta absoluta de poder jurisdicional de quem profere a sentença (…) e a falta da parte decisória, como conteúdo mínimo essencial da sentença.
A nulidade da sentença pode ser declarada e invocada a todo o tempo».
Deste modo, «[o]s casos das alíneas b) a e) do n.º 1 excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença (…) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)», esclarecendo, a fls. 734 da obra citada, que esses vícios «carecem da arguição da parte» (3).
A nulidade invocada pelo recorrente vem prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo código, do qual consta o seguinte:
«O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
A este propósito, esclarecem ainda Lebre de Freitas-Isabel Alexandre (4), «[n]ão podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça».
Subjacente à invocada nulidade da decisão impugnada está, pois, a apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso (5).
A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC referem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (6), «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)». Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis (7), «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Em idêntico sentido, pronunciou-se o Ac. do STJ de 3-10-2017 (8), com o seguinte sumário: «(…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».
No âmbito da suscitada nulidade alega o apelante que a sentença recorrida atendeu a factos que não foram alegados nos autos, sustentando que a facticidade atinente à ocorrência do bloqueio do trator por inexistência de óleo lubrificante nunca foi alegado pela ré, nem na fase extrajudicial, nem na fase judicial, não se tratando de facto instrumental ou concretizador de matéria alegada na contestação pelo que nunca poderia ser atendido pelo Tribunal a quo como questão a apreciar, muito menos como causa de exclusão da garantia invocada pelo autor.
Porém, eventuais vícios ou omissões da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, considerando que «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)» (9).
Como tal, «o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC» (10).
Acresce que se verifica que os factos atinentes à ocorrência do bloqueio do trator unicamente por via da inexistência de óleo lubrificante não foram inseridos pelo Tribunal a quo no elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida. Com efeito, as únicas referências feitas pelo Tribunal a quo a respeito de tais circunstâncias de facto surgem a propósito da valoração dos meios probatórios relevantes para justificar ou motivar a decisão proferida sobre os factos 1.1. i) e 1.1. j) da matéria de facto provada, e 1.2 d), e), f), e g), dos factos não provados.
Deste modo, a arguição de nulidade antes enunciada revela-se manifestamente inconcludente porquanto não se alcança, nem o apelante indica, qual a decisão eventualmente a proferir em sede de matéria de facto contendo a referência à ocorrência do bloqueio do trator unicamente por via da inexistência de óleo lubrificante.
Por conseguinte, não integrando tal matéria o elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida, revela-se manifesto que a referência a tais circunstâncias no âmbito da fundamentação de direito constante da sentença recorrida apenas permite configurar a discussão de razões, motivos ou argumentos justificativos das conclusões a retirar sobre as questões efetivamente suscitadas nos autos, e que foram efetivamente decididas na decisão sob recurso, o que poderá, eventualmente, constituir erro de julgamento mas não preenche a invocada nulidade da sentença.
Deste modo, cumpre concluir que a sentença recorrida não enferma do invocado vício de excesso de pronúncia, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

O autor/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida no que concerne à alínea j) dos factos provados, o mesmo sucedendo quanto às alíneas b), c), h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados; sustenta, ainda, que o Tribunal a quo errou ao não considerar provado o facto alegado no artigo 74.º da petição inicial, nos seguintes termos:
i) pelas razões que enuncia, mediante referências aos depoimentos das testemunhas P. J., A. B., às declarações de parte do autor, aos esclarecimentos prestados pelo perito P. P. em sede de audiência final, ao relatório técnico elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada, determinado em audiência de julgamento e subscrito pelo perito nomeado nos autos - Eng.º P. P. -, bem como ao documento apresentado pela ré (designado como perícia a componentes do trator New Holland, subscrito pelo Eng.º L. M.), sustenta a alteração da redação dada ao ponto j) dos factos provados - «Os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em f) e visíveis aquando da desmontagem referida em h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas» -, no sentido de ser substituído por outro com o seguinte teor: «O bloqueio total do UU, nos termos mencionados em f), resultou do contacto da cavilha de fixação dos satélites, que se deslocou do local originário, com a roda de coroa e pinhão de ataque, tendo provocado os danos mencionados em h)» - conclusões V a VII das alegações;
ii) reportando-se à valoração do depoimento da testemunha P. J., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos do respetivo depoimento, conjugado com os documentos 4 e 5 juntos com a petição inicial, sustenta que a alínea b) dos factos não provados - «Que em Maio de 2014 o A. tenha começado a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira, utilizando o UU» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «Em Maio de 2014 o A. começou a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira» - conclusões VIII a X das alegações;
iii) pelas razões que enuncia, mediante referências ao depoimento da testemunha P. J., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos do respetivo depoimento, sustenta que a alínea c) dos factos não provados - « Que até ao referido em 1.1.f) o UU tenha funcionado sem problemas» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «Entre a entrega do trator pela Ré ao Autor e o momento referido em 1.1 f) o UU funcionou sem problemas» - conclusões XI a XIII das alegações;
iv) reportando-se à valoração dos depoimentos das testemunhas P. J., P. P., e P. C., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos dos respetivos depoimentos, sustenta que a alínea h) dos factos não provados - « Que o A. não tivesse à sua disposição outro trator» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «O A. não tinha à sua disposição outro trator» - conclusões XI a XVI das alegações;
v) pelas razões que enuncia, mediante referências à valoração dos depoimentos das testemunhas P. J. e P. C., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos dos respetivos depoimentos, sustenta que a alínea i) dos factos não provados - « Que o A. não tivesse capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «O Autor não tinha capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro» - conclusões XVII a XIX das alegações;
vi) reportando-se à valoração depoimento da testemunha P. C., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos do respetivo depoimento, sustenta que a alínea j) dos factos não provados - « Que o referido em 1.2.h) e i) tenham forçado o A. a cessar a atividade profissional mencionada em 1.1.b) » deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «A não disponibilidade de outro trator pelo Autor e a incapacidade financeira para mandar reparar o UU ou comprar outro trator forçaram o A. a cessar a atividade profissional mencionada na alínea b) dos factos provados» - conclusões XX a XXII das alegações.
vii) reportando-se à valoração do depoimento da testemunha P. C., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos do respetivo depoimento, conjugado com os documentos 4 e 5 juntos com a petição inicial, sustenta que a alínea k) dos factos não provados - « Que o A., no mês de arranque da atividade profissional mencionada em 1.1.b) tenha faturado cerca de € 5.860,67» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «No mês de Maio, mês de arranque da atividade profissional mencionada em 1.1 b), o Autor faturou cerca de € 5 860,67» - conclusões XXIII a XXV das alegações;
viii) pelas razões que enuncia, mediante referências à valoração dos depoimentos das testemunhas P. J. e P. C., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos dos respetivos depoimentos, sustenta que a alínea l) dos factos não provados - « Que o A. tivesse trabalho programado para vários meses» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «O Autor tinha trabalho programado para vários meses» - conclusões XXVII a XXVIII das alegações;
ix) pelas razões que enuncia, mediante referências ao facto que pretende ver aditado à matéria de facto provada, correspondente à alínea m) dos factos não provados, sustenta que a alínea m) dos factos não provados - « Que o referido em 1.1.f), g) e j) acarrete um prejuízo diário para o A. de €115» deverá ser considerado provado, nos seguintes termos: «Que o referido em 1.1 f), g) e j) acarreta um prejuízo diário para o Autor de € 115,00» - conclusões XXIX a XXXII das alegações;
x) requer o aditamento à matéria provada do facto alegado o facto alegado no artigo 74.º da petição inicial - « Desde a entrega do trator nas instalações da Ré que o Autor está privado da sua utilização» - alegando que a ré reconheceu a veracidade de tal matéria - conclusões XXXIII a XXXVI das alegações.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que a questão do cumprimento dos ónus impostos à recorrente deve ser apreciada em momento prévio à pretendida reapreciação da decisão proferida na vertente de facto.

O artigo 640.º do CPC prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados observa-se que o apelante indica expressamente, nas conclusões das respetivas alegações, quais os factos que considera incorretamente julgados.
Mais se verifica que o recorrente especifica suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do anteriormente enunciado.
Por último, o recorrente especifica os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação, incluindo as concretas passagens da gravação em que baseia a discordância no que concerne aos meios de prova gravados, referenciando as passagens da gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência final que considera pertinentes, o mesmo sucedendo relativamente aos factos que considera assentes e relevantes para o efeito.
Atenta a impugnação deduzida cumpre analisar previamente se a matéria que no entender do recorrente suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, ponderadas as circunstâncias do caso em apreciação.
A este propósito, refere Abrantes Geraldes (11): «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.
(…) a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem».
E tal como sublinha ainda o citado Autor (12), «[e]m qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.
Com efeito, nos termos do art. 663, nº 2, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, nº 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (…)».
Ora, conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Tal como salienta o Ac. do STJ de 28-09-2017 (13), «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito (14).
Como tal, deve sancionar-se como não escrito todo o facto que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum (15).
Densificando estes critérios, em termos que julgamos adequados na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado, refere ainda o Ac. TRP de 7-12-2018 (16), «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais».
Analisando o elenco da matéria de facto dada como não provada e que vem impugnada em sede de apelação desde logo se observa que a concreta formulação contida na alínea m) dos factos não provados - «Que o referido em 1.1 f), g) e j) acarreta um prejuízo diário para o Autor de € 115,00» - que o apelante pretende ver aditada materialidade provada constitui matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, implicando, por isso, um raciocínio jurídico e valorativo que encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente impugnação.
Trata-se de um segmento conclusivo ou de direito e, por isso, não integra os poderes de cognição do tribunal em sede de matéria de facto, devendo ser analisada em sede de fundamentação de direito.
O mesmo sucede relativamente ao segmento constante da alínea i) dos factos não provados - «[o] Autor não tinha capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro» - que o apelante pretende ver acrescentado à matéria de facto provada, posto que tal asserção constitui uma conclusão a extrair de determinadas circunstâncias, ocorrências ou eventos materiais e concretos que não constam da redação do referido ponto da matéria dada como não provada, inserindo-se no âmbito da aplicação do direito aos factos e não em sede de decisão em matéria de facto, atendendo ao objeto da presente ação.
De forma idêntica, a expressão «[d]esde a entrega do trator nas instalações da Ré que o Autor está privado da sua utilização», alegada no artigo 74.º da petição inicial, que o apelante pretende ver acrescentada à matéria de facto provada, traduz matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, encerrando parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente apelação.
Efetivamente, para além de um significado mais corrente que pode ser atribuído à enunciada asserção, a mesma configura simultaneamente uma expressão técnico-jurídica que se insere no âmbito da controvérsia, que subsiste, quanto às alegadas consequências da invocada impossibilidade de utilização do veículo trator de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU.
Tal constatação implica, desde já, a rejeição da impugnação sobre a matéria de facto reportada às concretas alíneas em referência, uma vez que as conclusões que as mesmas encerram não integram os poderes de cognição do tribunal na vertente da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, a referência vertida na alínea h) dos factos não provados, quanto à circunstância de o autor não ter outro trator à sua disposição, reveste pendor manifestamente indeterminado e vago, pressupondo a prévia determinação de circunstâncias ou ocorrências que não constam da redação proposta ou enunciada relativamente ao âmbito da disponibilidade em referência.
Note-se, a propósito, que se trata de matéria que não foi concretamente alegada com a configuração enunciada sob a alínea h) dos factos não provados. Efetivamente, o que o autor alegou em sede de petição inicial foi que «O A. não tem outro trator» (ponto 61.º da petição inicial), alegação esta que restringe claramente o âmbito de tal matéria à conceção corrente de titularidade ou posse, nos termos do direito de propriedade, unicamente sobre um veículo trator, no caso ao trator de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU não abarcando a possibilidade de poder utilizar um outro veículo com idênticas características com recurso a outros meios ou recursos, não concretamente alegados.
Contudo, entendemos ser de relegar a respetiva valoração para o momento da reapreciação do impugnado ponto da matéria de facto posto que se verifica que tal matéria pode ser corrigida, restringindo-se o seu âmbito à versão fáctica concretamente alegada em sede de petição inicial.
Perante o já enunciado a propósito das alíneas h) e i) dos factos não provados resulta manifesto que também na formulação da alínea j) dos factos não provados, designadamente no segmento em que remete para as referências vertidas em 1.2 h) e i), são utilizados juízos conclusivos baseados em elementos de facto que não constam da respetiva redação. Contudo, entendemos ser de relegar a respetiva valoração para o momento da reapreciação do correspondente ponto da matéria de facto, pelos motivos já enunciados a propósito da alínea h) dos factos não provados.
Neste enquadramento, resta concluir que a eventual discussão sobre a matéria que o Tribunal a quo integrou nas alíneas i) e m) da matéria de facto não provada, bem como o facto alegado no artigo 74.º da petição inicial, nunca assumiria qualquer relevância à luz da impugnação sobre a vertente de facto, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova que foram indicados pelo recorrente a propósito desta matéria.
Pelo exposto, decide-se rejeitar nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, declarando-se desde já como não escritos os pontos da matéria de facto que o Tribunal a quo integrou nas alíneas i) e m) da matéria de facto não provada, por traduzirem juízos conclusivos ou de direito, relevantes para a solução do litígio, que importa avaliar em função dos factos que venham a resultar provados.
Cumpre então proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à restante factualidade impugnada pelo recorrente.
O recorrente defende a alteração da matéria de facto constante da al. j) dos factos provados - «Os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em f) e visíveis aquando da desmontagem referida em h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas» -, no sentido de ser substituído por outro com o seguinte teor: «O bloqueio total do UU, nos termos mencionados em f), resultou do contacto da cavilha de fixação dos satélites, que se deslocou do local originário, com a roda de coroa e pinhão de ataque, tendo provocado os danos mencionados em h)».
Para o efeito, requer a reapreciação dos seguintes meios de prova: depoimentos das testemunhas P. J., A. B., declarações de parte do autor, esclarecimentos prestados em sede de audiência final pelo perito P. P. e relatório técnico elaborado por este ao abrigo da inspeção não judicial qualificada, bem como o documento apresentado pelo autor (designado como perícia a componentes do trator New Holland, subscrito pelo Eng.º L. M.).
Tal como decorre da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, o concreto facto impugnado, reportado às causas da avaria evidenciada em 1.1.f) dos factos provados, foi considerado provado com base no relatório técnico elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada, elaborado pelo perito Eng.º P. P. e esclarecimentos por ele prestados em sede de audiência de julgamento.
Este perito foi nomeado pelo Tribunal, ao invés de indicado por uma das partes interessadas no desfecho da lide, circunstância que, conforme consta da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, lhe confere maiores garantias de independência e imparcialidade, a que acresce a circunstância de tal perito ter tido acesso não apenas a algumas das peças danificadas mas igualmente ao trator avariado, permitindo-lhe fundamentar de forma mais cabal as conclusões a que chegou.
Neste domínio, verifica-se que o próprio recorrente não põe em causa a credibilidade e o rigor evidenciados pelo perito Eng.º P. P. no relatório em referência bem como nos esclarecimentos prestados em sede de audiência final, requerendo contudo a reapreciação destes meios de prova.
Sustenta o apelante que as conclusões do Tribunal a quo decorrem de uma errada interpretação dos relatórios periciais e das declarações das testemunhas que indica, enfatizando que da análise de todos esses meios de prova apenas resulta inequívoco que o bloqueio total do UU, nos termos mencionados em f), resultou do contacto da cavilha de fixação dos satélites, que se deslocou do local originário, com a roda de coroa e pinhão de ataque, ainda que aceite não ter ficado suficientemente demonstrado o que terá provocado o deslocamento da cavilha de fixação dos satélites em direção à roda de coroa.
Alega o apelante, no essencial, que nenhum dos elementos probatórios analisados e ponderados pelo Tribunal a quo permite concluir que no momento do bloqueio, ou no período entre a entrega do trator e a avaria, aquele tenha funcionado sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares ou que os danos verificados tenham resultado de esforços de colocação do trator em movimento, que não sucederam.
Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, e atenta a extensão da impugnação deduzida e respetivo âmbito probatório, foram revistos e analisados criticamente e de forma atenta todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final e juntos aos autos, entre os quais os documentos juntos pelas partes ao processo e o relatório técnico elaborado por perito em engenharia mecânica no âmbito da verificação não judicial qualificada determinada pelo Tribunal a quo e com o objeto delimitado no auto de 13 de janeiro de 2017.
Procedemos à audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final relativamente a todos os depoimentos/esclarecimentos prestados sobre esta matéria, incluindo os depoimentos indicados pelo recorrente em sede de alegações do presente recurso.
Após reapreciação que fizemos da globalidade da prova produzida nos autos dúvidas não restam quanto à inexistência de qualquer elemento de prova que permita consubstanciar a referência que vem impugnada pelo recorrente a propósito dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas, conclusão que resulta desde logo evidente da ponderação dos depoimentos dos únicos intervenientes reconhecidamente presentes no momento em que ocorreu a avaria enunciada em 1. f), da matéria de facto provada - concretamente, do autor J. C., que era quem manobrava o trator no momento em referência, e da testemunha P. J., que estava perto do estaleiro, tendo assistido ao momento em que o trator bloqueou - sendo certo que estes depoimentos não foram neste domínio relevantemente contraditados por outros meios de prova idóneos para o efeito.
Porém, lida atentamente a motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida afigura-se manifesto que a referência enunciada pelo Tribunal a quo aos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas terá resultado de uma ilação extraída da conduta descrita no ponto 1.1. f) dos factos provados, do qual resulta pacificamente assente que, no dia 13-06-2014, enquanto manobrava o trator em marcha traseira, as rodas traseiras do UU bloquearam totalmente, tendo o A. tentado movimentar o UU para a frente, o que conseguiu por alguns metros, tendo o mesmo bloqueado totalmente, não mais se tendo movimentado.
Sucede que a mera referência à tentativa de movimentação do UU para a frente, após bloqueio das rodas traseiras de tal veículo, não permite, em nosso entender, que se formule um juízo de probabilidade qualificada quanto à ocorrência de qualquer comportamento do autor que possa fundamentar a alusão essencialmente valorativa aos esforços de colocação do trator em movimento, considerando que em linguagem corrente e de acordo com o seu significado normal o termo esforço surge naturalmente associado à ideia de excesso de força aplicada na realização de algo ou ao sentido de se pretender fazer ceder determinada situação ou estado pelo recurso à força.
Assim, a referência aos “esforços de colocação do trator em movimento” resulta desde logo infirmada pelas declarações prestadas pelo autor J. C., que era quem manobrava o trator no momento em referência, e da testemunha P. J., também presente no local, tendo em conta as referências ou explicações avançadas por estes intervenientes e que constam das concretas passagens da gravação e das transcrições reproduzidas pelo recorrente no âmbito das alegações da presente apelação.
Além disso, a afirmação vertida no ponto 1.1. j) da sentença recorrida mostra-se claramente em contradição com o teor do relatório elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada pelo perito P. P. e esclarecimentos por ele prestados em sede de audiência de julgamento, tal como sustenta o recorrente na presente apelação.
Nos termos do disposto no artigo 494.º, n.º 1, do CPC, sempre que seja legalmente admissível a inspeção judicial, mas o juiz entenda que se não justifica, face à natureza da matéria, a perceção direta dos factos pelo tribunal, pode ser incumbido técnico ou pessoa qualificada de proceder aos atos de inspeção de coisas ou locais ou de reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores.
Ainda que o relatório previsto no n.º 1 do artigo 494.º do CPC esteja sujeito à livre apreciação do tribunal, nos termos do respetivo n.º 2, importa sublinhar que o técnico ou pessoa qualificada é, em substância, um perito, posto que este se caracteriza pela circunstância de ter sido encarregado pelo tribunal de percecionar determinado facto (17).
No âmbito dos factos agora em referência estamos indiscutivelmente perante matéria que assume natureza essencialmente técnica, exigindo conhecimentos especiais para o efeito.
Importa, por isso, atender à especial relevância que assume no caso o referido relatório elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada pelo perito P. P., que não foi impugnado pelas partes, e os esclarecimentos por este prestados.
De resto, o Tribunal a quo refere que formou o seu convencimento sobre tal matéria tendo por base o aludido relatório técnico.
Porém, já não podemos concordar com a motivação constante da sentença recorrida na parte em que, apesar de aludir ao teor do referido relatório e das explicações dadas pelo Eng.º P. P., vem a concluir, no essencial, que não obstante os danos ocorridos no diferencial foi a manutenção do trator em funcionamento que provocou a avaria que se veio a verificar. Aliás, da motivação exarada naquela sentença resulta desde logo evidente que a conduta descrita em 1.1.f) nunca poderia ser considerada a causa determinante e inicial da avaria ocorrida do UU, porquanto ali se refere o seguinte: «O perito foi seguro ao afirmar que pela análise que fez o primeiro sistema que foi danificado foi o diferencial e esses danos ocorreram ao longo do tempo, decorrentes de uma má ou insuficiente lubrificação. Os demais danos que verificou, segundo explicou, foram consequência dos danos ocorridos no diferencial, sendo que a conduta descrita em 1.1.f) é de molde a causar danos superiores aos iniciais».
Com efeito, se há facto que os elementos dos autos inequivocamente demonstram é que o trator apresenta diversos componentes danificados e que através da análise e verificação de tais componentes é possível saber que a avaria verificada teve origem no diferencial, concretamente, que a cavilha de fixação de um dos satélites, que é um dos componentes do diferencial, se deslocou indevidamente do seu local específico, entrando na engrenagem entre o pinhão e a roda de coroa numa situação em que esta engrenagem transferia carga, provocando o bloqueio instantâneo da cadeia cinemática da tração do veículo trator, levando à sua imediata imobilização.
Tal resulta desde logo claro do relatório elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada pelo perito P. P., designadamente da resposta 2) - relativa aos quesitos propostos pelo autor, no qual expressamente concluiu que «[o]s danos evidenciados na engrenagem pinhão com roda de coroa são compatíveis com uma falha em funcionamento. Isto é, resultantes da entrada na engrenagem de uma peça com elevada resistência mecânica. Estes danos são perfeitamente compatíveis com a entrada da cavilha de fixação dos satélites entre o pinhão e a roda de coroa numa situação em que esta engrenagem transferia carga. Esta situação provocou o bloqueio instantâneo da cadeia cinemática da tração do veículo trator levando à sua imediata imobilização».
Veja-se, ainda, a propósito, a resposta 17) aos quesitos propostos pela ré, onde o perito nomeado pelo Tribunal esclarece que «[o]s danos identificados indicam que o primeiro sistema danificado foi o diferencial cujos danos ocorreram ao longo do tempo. Os restantes componentes foram danificados por consequência dos danos ocorridos no diferencial que interromperam a cadeia cinemática da tração do veículo trator».
Neste sentido vão também os esclarecimentos verbais prestados pelo referido perito na audiência final, ao referir: «este pino de fixação existia e existiu enquanto o trator funcionou normalmente e o que se foi desgastando foi a superfície da cavilha em contacto com os satélites e todos os outros componentes. Isto estava fixo. Numa altura do trator, que foi na altura em que ele supostamente avariou, o binário elevado significa o trabalhar normal do trator. Um trator funciona sempre com binários supostamente elevados pois ou está a levantar ou a realizar o seu trabalho», para depois esclarecer o seguinte: «se calhar nem era preciso binários elevados. A palavra “elevado” podia ser um binário normal. Porquê? Porque já estava de tal modo o metal/metal agarrado que aconteceu isto: o pino de fixação cortou, fraturou, empenou, o que fez partir os dentes, dar cabo da engrenagem e empenar o veio. O resto foi tudo uma consequência. Mas o binário elevado pode ser o trabalhar normal do motor, o qual funciona com binários elevados».
Ainda a propósito da origem da avaria verificada no trator, refere-se no documento apresentado pelo autor, designado como perícia a componentes do trator New Holland, subscrito pelo Eng.º L. M., professor no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Minho, e no que aqui releva: «[o] danos ocorridos no diferencial têm como explicação a deficiente ou inexistente lubrificação, comprovada pelas fotos. Esta situação é aliada à fadiga e usura dos componentes, que com o tempo perdem características mecânicas, nomeadamente a sua dureza. Houve “agarrar” de um dos satélites, que partiu, e obrigou a que a cavilha elástica que fixa a cavilha dos satélites a fraturar também. Por outro lado e após esforços vários e duradouros no tempo, a cavilha dos satélites deslocou-se em direção à roda de coroa, provocando os danos evidentes na roda de coroa e pinhão, atrás bem identificados.
(…)».
Com relevo para a matéria em análise destacamos ainda o próprio depoimento da testemunha A. B. - mecânico de tratores e máquinas agrícolas, há mais de trinta anos; é funcionário da ré e desmontou o trator nas instalações da ré, após o mesmo ter “empancado” - que não teve dúvidas em afirmar que a origem da avaria do trator foi o “soltar” da cavilha do suporte dos satélites, que é presa por uma cavilha elástica, esclarecendo mesmo no decurso do seu depoimento que se trata de uma anomalia que é comum acontecer em tratores daquela gama.
Neste domínio, e após ser questionado sobre se o veio interior da tomada de força do trator em análise estava empenado, a referida testemunha esclareceu o seguinte: «[e]le empenou porque a cavilha que é alojada através de um orifício, ela começa a sair desse orifício e começa a bater. Enquanto ela não sai tanto, bate no pinhão de ataque e é o que faz partir os dentes do grupo cónico.
(…)
O orifício começa a ficar danificado. A cavilha é aço. Desapareceu a cavilha elástica, a cavilha ficou solta e o orifício começa a ficar ovalizado. É essa cavilha que vai bater nos veios que passam próximo».
(…)
«Pode empenar o veio porque a cavilha tem umas dimensões consideráveis e depois outro material que se solta, e partir os dentes do grupo cónico (….)».
Deste modo, após reapreciação que fizemos da globalidade da prova produzida, justificam-se inteiramente as seguintes considerações enunciadas pelo recorrente sobre esta matéria em sede de alegações de recurso:
«[é] certo que não ficou inequivocamente demonstrado o que terá provocado o deslocamento da cavilha de fixação dos satélites em direcção à roda de coroa.
Mas é inequívoco que foi esse acontecimento que provocou o bloqueio do trator e, consequentemente todos os danos descritos no orçamento mencionado na alínea i) dos factos provados.
Existem três teses diferentes para a causa do deslocamento da cavilha de fixação dos satélites.
A do professor Eng.º L. M. que defende que os componentes analisados apresentavam desgaste e que essa circunstância impedia a eficaz lubrificação. Tendo por consequência a gripagem de um dos satélites.
A tese do Eng.º P. P. que defende que em determinado ponto da história do trator os componentes estiveram a trabalhar sem qualquer lubrificante e isso desgastou as peças, nomeadamente os canais de lubrificação da cavilha de fixação dos satélites. Nos esclarecimentos que prestou deixou claro que não pode determinar que no momento do bloqueio inexistia óleo lubrificante, tendo declarado que se em momento anterior os componentes trabalharam sem lubrificante e desgastaram, então a lubrificação no momento do bloqueio (mesmo com a presença de óleo lubrificante) não era eficazmente realizada e podia levar, como levou, à gripagem do satélite.
Ainda a tese da testemunha A. B., mecânico com mais de 30 anos de experiência, que declarou que é comum a cavilha elástica de fixação da cavilha dos satélites partir. E, ao partir, a cavilha de fixação dos satélites deixa de estar fixada ao lugar original e vai-se deslocando em direcção à roda da coroa e pinhão de ataque.
A testemunha nunca colocou a hipótese de gripagem do satélite, porque como ele afirmou, não havia inexistência de óleo lubrificante ou qualquer fuga. Declarou que o trator possuía sessenta e tal litros de lubrificante, os quais tirou antes de desmontar a traseira do trator».
Deste modo, resulta evidente a ausência de qualquer meio relevante de prova que permita afirmar com a suficiente probabilidade exigível que a avaria no trator e os danos inerentes foram causados por determinados comportamentos do autor, nomeadamente através de eventuais “esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas” ou mediante a manutenção do trator em funcionamento.
Efetivamente, só ignorando as conclusões vertidas no relatório elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada pelo perito P. P. e os esclarecimentos por este prestados na audiência final é que se poderia dar como provado que os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em f) e visíveis aquando da desmontagem referida em h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas.
Basta atentar na resposta 18) aos quesitos propostos pela ré, em que se perguntava se as ocorrências verificadas estão relacionadas com a falta de lubrificação dos componentes do trator, afirmando o perito nomeado pelo Tribunal que «[n]os danos identificados no diferencial é possível afirmar que poderão estar relacionados com uma má ou insuficiente lubrificação.
Os danos identificados nos restantes componentes como fraturas e empenos identificados no Relatório Pericial são consequência da interrupção da cadeia cinemática da tração do veículo trator resultante dos danos verificados no diferencial».
Idêntica conclusão surge depois enunciada na resposta 10) aos quesitos propostos pelo autor, em que se perguntava o que poderá estar na origem do empeno do veio interior da tomada de força, na qual o perito nomeado pelo Tribunal afirma: «[a] causa provável deste empeno está relacionada com uma sobrecarga realizada pelo veículo trator. Esta sobrecarga poderá ter resultado de um bloqueio intempestivo da cadeia cinemática por inclusão de um objeto de elevada resistência entre os componentes da engrenagem. Neste caso o diferencial encontrava-se provavelmente a transferir potência resultante do funcionamento do motor e da utilização da tomada de força. As elevadas forças geradas na paragem súbita da cadeia cinemática justificam plenamente a severidade dos danos».
Mais concluindo no aludido relatório elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada, a propósito das causas para a fratura dos carretos (resposta 12 aos quesitos propostos pelo autor): «[a] fratura de um dente do carreto pode ter resultado de uma carga súbita resultante da paragem da cadeia cinemática. Tratando-se de uma engrenagem de dentado reto, com uma relação de engrenamento próxima de 1, uma carga súbita pode ter ocasionado a fratura de um dente e do respetivo apoio».
Depois, em resposta ao quesito 20) dos quesitos propostos pela ré, no qual se questionava expressamente se após o bloqueio, a tentativa de desbloquear o trator, movendo o trator em sentido contrário ao seu movimento poderá ter tido consequência ou um papel relevante nos danos que os componentes apresentam, esclareceu que «[t]al ação de desbloqueio poderá causar mais danos. No entanto os danos visíveis e identificados ao longo deste Relatório Pericial só poderiam existir com o motor em carga».
Aliás, o mesmo perito foi instado pelo Tribunal a responder ao quesito proposto pelo autor no qual se pretendia apurar quantos metros o trator se movimentou, admitindo aquele perito, com alguma segurança, que a imobilização do trator terá sido imediata, tendo por base apenas a avaliação dos danos existentes na roda da coroa - cf. resposta 3) ao quesito proposto pelo autor.
Mas a própria testemunha A. B. - mecânico de tratores e máquinas agrícolas, há mais de trinta anos e funcionário da ré - no depoimento prestado em audiência final, admitiu que mesmo nas situações em que a cavilha de fixação dos satélites se desloca indevidamente, ficando em contacto a zona do pinhão de ataque e da roda de coroa, e o trator bloqueia, pode este ainda andar alguns metros até “empancar” outra vez, explicando que se ele empancar numa posição para a frente e se depois recuar, o trator é capaz de desempancar caso a cavilha se mexer novamente, ainda que depois vá empancar novamente (v. gravação aos 38:56), do que decorre que a eventual movimentação do trator pode não resultar necessariamente de um eventual excesso de força aplicada perante o bloqueio inicial.
Nestes termos, entendemos que os meios de prova que foram ponderados na sentença recorrida não permitem sustentar um juízo de suficiente probabilidade da verificação das circunstâncias enunciadas no ponto 1.1. j) da matéria de facto provada, no sentido de que a avaria que provocou o bloqueio total do UU, mencionado em 1.1. f) dos factos provados resultou dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas, verificando-se que o relevo atribuído na sentença recorrida a esta causa não tem qualquer correspondência no relatório elaborado ao abrigo da inspeção não judicial qualificada pelo perito P. P., ou nos esclarecimentos verbais prestados por este em sede de audiência final, resultando mesmo infirmado por estes meios de prova.
Ao contrário do que resulta da sentença apelada, a prova produzida nos autos apenas permite concluir que globalidade dos danos que relevam no caso concreto estão todos sequencialmente interligados, integrando de forma indissociável o processo causal desencadeado pela interrupção da cadeia cinemática da tração do veículo trator resultante dos danos verificados no diferencial, como decorrência da deslocação indevida da cavilha de fixação de um dos satélites, que é um dos componentes do diferencial, entrando na engrenagem entre o pinhão e a roda de coroa numa situação em que esta engrenagem transferia carga.
Para fundamentar a sua discordância quanto à impugnação do facto agora em apreciação, reportado ao ponto 1.1. j) dos factos provados, o recorrente invoca ainda a inexistência de prova no sentido de que a má ou insuficiente lubrificação das peças do diferencial resultasse da falta de verificação regular, ou que no momento do bloqueio, ou no período entre a entrega do trator e a avaria, ele tenha funcionado sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares, sustentando que o perito - Eng.º P. P. - coloca a possibilidade de num ponto anterior à avaria o trator ter funcionado sem lubrificante e, nesse caso, as peças sofreram um desgaste que já não lhes permitiria ainda que com a presença de lubrificante fazer eficazmente a lubrificação. Alude às declarações de parte do autor em audiência final, nas quais afirmou verificar os níveis da lubrificação do diferencial todas as segundas feiras e que a própria testemunha A. B. confirmou a presença dos cerca de 60 litros de lubrificante quando desmontou a traseira do trator para aceder ao diferencial, não sendo identificada nenhuma fuga de lubrificante no trator aquando da entrega, durante o período de atividade do autor e depois na avaliação/determinação da origem da avaria. Conclui que a gripagem não decorreu de qualquer comportamento negligente do autor na utilização do trator, acrescentando que ainda que verificasse os níveis de óleo lubrificante diariamente a avaria sucederia igual, uma vez que desde que o trator lhe foi entregue o mesmo nunca teve qualquer fuga de óleo lubrificante e esteve sempre com os níveis regulamentares, o que foi atestado no momento do desmonte do trator para detetar a avaria.
Revistos e analisados todos os meios de prova produzidos, incluindo os indicados pelo apelante, julgamos assistir razão ao recorrente quando alega não ter resultado suficientemente provado que no momento do bloqueio, ou no período entre a entrega do trator e a avaria, este veículo tenha funcionado sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares, sendo certo que, como já se referiu anteriormente, o perito P. P. admitiu em sede de esclarecimentos prestados em audiência final não poder determinar que no momento do bloqueio inexistia óleo lubrificante, tendo declarado que se em momento anterior os componentes trabalharam sem lubrificante e desgastaram, então a lubrificação no momento do bloqueio (mesmo com a presença de óleo lubrificante) não era eficazmente realizada e podia levar à gripagem do satélite.
Sucede que a concreta materialidade atinente à ocorrência de um eventual bloqueio do trator unicamente por via da inexistência de óleo lubrificante ou no sentido de que a má ou insuficiente lubrificação das peças do diferencial resultasse da falta de verificação regular dos níveis de óleo não foi inserida pelo Tribunal a quo no elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida, o mesmo se verificando quanto a eventuais circunstâncias de facto relativas ao funcionamento do trator sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares no momento do bloqueio ou no período entre a entrega do trator e a avaria. Assim, as únicas referências feitas pelo Tribunal a quo a respeito de tais circunstâncias de facto surgem a propósito da valoração dos meios probatórios relevantes para justificar ou motivar a decisão proferida sobre os factos 1.1. i) e 1.1. j) da matéria de facto provada, e 1.2 d), e), f), e g), dos factos não provados e, posteriormente, em sede de enquadramento jurídico.
Mais se verifica que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo recorrente não incide sobre eventuais omissões ou pontos de facto relativos a tais circunstâncias, o que delimita necessariamente os poderes de cognição deste Tribunal na vertente da modificabilidade da decisão de facto sobre tal matéria, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Deste modo, não integrando tal matéria o elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida, a alegação dos fundamentos invocados pelo recorrente sobre tais aspetos revela-se manifestamente inconcludente porquanto não se alcança, nem o apelante indica, qual a decisão eventualmente a proferir em sede de matéria de facto contendo a referência à ocorrência do bloqueio do trator unicamente por via da inexistência de óleo lubrificante ou a eventuais circunstâncias de facto relativas ao funcionamento do trator sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares no momento do bloqueio ou no período entre a entrega do trator e a avaria.
Em face do exposto, entendemos que os concretos meios de prova indicados pelo apelante como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida, vistos entre si e devidamente complementados à luz dos restantes meios de prova produzidos ou juntos ao processo permitem infirmar relevantemente a valoração que foi feita pelo Tribunal a quo a propósito à factualidade constante do ponto 1.1. j) dos factos provados.

Em conformidade com a ponderação antes efetuada, resta julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto relativamente ao ponto 1. 1. j), da matéria de facto provada, que passará a vigorar com a seguinte redação:
1. 1. j). «O bloqueio total do UU, nos termos mencionados em 1.1. f), resultou do contacto da cavilha de fixação de um dos satélites com o pinhão e a roda de coroa, na sequência da deslocação daquela cavilha do seu local originário em direção à engrenagem pinhão com roda de coroa, os quais ficaram danificados».

Em consequência, decide-se aditar uma nova alínea aos “Factos não provados”, com a seguinte redação:
«Que os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em f) e visíveis aquando da desmontagem referida em h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas».
Impugna o recorrente, igualmente, o facto considerado não provado sob a alínea b) - «Que em Maio de 2014 o A. tenha começado a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira, utilizando o UU» -, defendendo o respetivo aditamento à matéria provada. Para o efeito requer a reapreciação dos documentos com os n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial, em conjunto com o depoimento da testemunha P. J., no dia 04 de junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:05:50.

Relativamente a esta matéria, decorre da motivação da sentença recorrida que a decisão relativa à indicada matéria de facto se baseou, no essencial, no seguinte:
«Quanto à data em que o A. iniciou a prestação dos serviços de corte, distintas foram as versões apresentadas pelos intervenientes na audiência de julgamento: se o irmão do A., a testemunha P. J. (e que foi inquirido em 04.06.2015 - menos de 1 ano após a avaria), contabilizou dois meses de trabalho com o irmão, este, em sede de declarações de parte, afirmou ter iniciado a sua actividade com este tractor em 01.04.2014, por o ter comprado em Março de 2014, contrariando desta forma a própria alegação da p.i.; já o cunhado do demandante, P. P., quantificou em “dois ou três meses” a utilização que o A. fez do UU e a esposa, a depoente P. C., iniciou a contagem da actividade no mês de Abril de 2014. Afigura-se, assim, que já em momento anterior a Maio de 2014 o A. se encontraria a prestar serviços de corte e extracção de madeiras – designadamente utilizando o UU – pelo que se deu como não assente o facto enunciado em 1.2.b) talqualmente havia sido alegado»
Ainda que se constate através da audição integral do registo de gravação do depoimento da testemunha P. J. que o âmbito material do depoimento por este prestado compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas pela apelante como sendo relevantes para a pretendida alteração certo é que do referido depoimento não resulta qualquer constatação ou elemento relevante que permita sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito do ponto da matéria de facto em referência.
Assim, a testemunha P. J. desde o início do seu depoimento afirmou não se lembrar bem durante quanto tempo trabalhou com o irmão na empresa, mas acabou por referir ter trabalhado com o irmão, ora autor, na atividade de prestação de serviço de corte e extração de madeira durante dois meses e qualquer coisa, circunstância que, por si só, afasta a modificação da decisão de facto preconizada pelo apelante.
Tal testemunha não soube indicar de forma precisa ou perentória qual a data em que o autor começou a desenvolver a atividade na área do comércio por grosso de madeira e prestação de serviços de corte e extração de madeira, revelando-se o respetivo depoimento manifestamente inconsistente e vago sobre esta matéria.
Neste domínio, revela-se normal e perfeitamente adequado que o julgador pondere sobre esta matéria os depoimentos prestados por quem não pode deixar de ter conhecimento sobre tais factos, considerando até o evidente interesse no desfecho da ação, como é o caso da testemunha P. C. - esposa do autor - que afirmou que o marido iniciou a respetiva atividade de corte e extração de madeira ainda em abril de 2014 e que a mesma foi exercida até meados de junho desse ano; admitiu inclusivamente que o marido, aqui autor, auferiu rendimentos daquela atividade logo em abril, concretamente a partir de 14 de abril de 2014, auferindo nessa parte do mês cerca de metade do valor aproximado do rendimento mensal que indicou ser o normal naquela atividade - e do autor - que, em sede de declarações de parte confirmou efetivamente ter começado a trabalhar nessa atividade em abril de 2014.
Daí que se considere que os argumentos utilizados pelo ora recorrente no sentido de desvalorizar as invocadas imprecisões, designadamente no que concerne às declarações do próprio autor - ainda que por confronto com a data em que o autor se inscreveu junto da AT para iniciar aquela atividade (10-04-2014), com a data de aquisição do trator (em 24-04-2014) e com as datas de emissão das duas únicas faturas que juntou ao processo, respetivamente de 16 de maio de 2014 e de 05 de junho de 2014 (documentos com os n.ºs 4 e 5 da petição inicial) -, não se revelam suficientemente idóneos para uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito do ponto agora impugnado, concretamente que o autor tenha iniciado a sua atividade apenas em maio de 2014.
Pelo exposto, entendemos que não existe erro de julgamento no que respeita ao facto enunciado no ponto 1.2. b) dos factos não provados.

O autor vem impugnar o facto constante do ponto 1.2. c) dos factos não provados - «Que até ao referido em 1.1.f) o UU tenha funcionado sem problemas» -, defendendo o respetivo aditamento à matéria provada, com a redação seguinte:
«Entre a entrega do trator pela Ré ao Autor e o momento referido em 1.1. f) o UU funcionou sem problemas».
Decorre da motivação da decisão recorrida que não foi produzida prova que permitisse considerar assente o facto constante da alínea c), consignando-se a propósito o seguinte: «[n]enhuma testemunha inquirida em sede de audiência de julgamento referiu a factualidade dada como não provada em 1.2.a), 1.2.c) e 1.2.m)».
O apelante discorda deste entendimento, requerendo a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha P. J., no dia 04 de junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:08:06, sustentando que este meio de prova, conjugado com todos os meios de prova produzidos e com as regras da experiência comum e do conhecimento empírico, impõe se considere provado o facto em causa.
Foi reapreciado o depoimento prestado pela testemunha invocada pelo apelante.
Do depoimento prestado pela testemunha P. J. - irmão do autor, para quem trabalhou na atividade de prestação de serviço de corte e extração de madeira, segundo referiu durante dois meses e qualquer coisa; estava perto do estaleiro, tendo assistido ao momento em que o trator bloqueou - decorre que anteriormente ao referido bloqueio nunca o trator evidenciou algum problema, o que sucedeu só daquela vez, sendo que tal relato não resulta posto em causa por qualquer dos restantes meios de prova produzidos nos autos.
Revela-se, aliás, verosímil, à luz das regras da lógica e da experiência comum, conjugadas com juízos de probabilidade, que tendo a ré prestado ao autor garantia de bom funcionamento do referido trator pelo período de 1 ano, tal como resulta pacificamente assente no ponto 1.1. e) da matéria de facto provada, o autor reportasse à ré qualquer anomalia ou problema relacionado com o trator caso o mesmo se tivesse revelado anteriormente, o que não foi referenciado por qualquer das partes.

Desta forma, impõe-se considerar procedente a impugnação deduzida quanto à al. c) dos factos não provados com a consequente eliminação do correspondente ponto da matéria de facto não provada, o qual passará a integrar a matéria de facto provada, com a seguinte redação:
1.1. m) «Entre a entrega do trator pela ré ao autor e o momento referido em 1.1. f) o UU funcionou sem problemas».
No que concerne à impugnação aludida em iv) supra, pretende o apelante que o ponto constante da alínea h) da matéria de facto dada por não provada seja acrescentado à matéria de facto provada.
Neste aspeto, o apelante centra a respetiva discordância na alegação de que constam dos autos meios de prova que confirmam o facto em referência, reportando-se para o efeito à valoração dos depoimentos das testemunhas P. J., P. P., e P. C., com indicação das respetivas passagens da gravação e transcrição de segmentos dos respetivos depoimentos.
No entanto, verificamos que um dos segmentos fácticos que o apelante pretende seja aditado à matéria provada não foi alegado por qualquer das partes, não cabendo nos poderes de cognição do Tribunal.
O que o autor alegou em sede de petição inicial foi que «[o] A. não tem outro trator» (ponto 61.º da petição inicial), alegação esta que restringe claramente o âmbito de tal matéria à conceção corrente de titularidade ou posse, nos termos do direito de propriedade, unicamente sobre um veículo trator, no caso ao trator de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU não abarcando a discussão probatória sobre a possibilidade de poder utilizar um outro veículo com idênticas características com recurso a outros meios ou recursos não concretamente alegados.
De resto, o que o recorrente sustenta em sede de alegações da presente apelação é que a prova é inequívoca em mostrar que o autor não possuía, como não possui, ou era proprietário de outro trator além do UU.

Neste domínio, há que ter em conta o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do CPC, sob a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», com a redação seguinte:
«1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - (…)».

Como já se adiantou anteriormente, a referência vertida na alínea h) dos factos não provados quanto à circunstância de o autor não ter outro trator à sua disposição, reveste pendor manifestamente indeterminado e vago, pressupondo a prévia determinação de circunstâncias ou ocorrências que não constam da redação proposta ou enunciada relativamente ao âmbito da disponibilidade em referência. Note-se, a propósito, que parte essencial da motivação aduzida pelo Tribunal a quo para dar como não provada esta matéria baseou-se na aferição dos meios de prova tendo em vista a possibilidade ou o eventual empréstimo de uma viatura de substituição pela ora ré enquanto a adquirida à sociedade se encontra em reparação, tendo por base o depoimento da testemunha J. G., para concluir ser impossível afirmar que o autor não tivesse à sua disposição outro trator, pelo menos no período de tempo imediatamente seguinte à avaria.
Ora, constatando-se que a referência vertida na alínea h) dos factos não provados, quanto à circunstância de o autor não ter outro trator à sua disposição, não foi alegada na concreta dimensão que foi vertida na fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida, sendo certo que não consiste, nem tal é invocado pelo recorrente, em factos instrumentais, factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado ou em factos notórios, ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado artigo 5.º, cumpre concluir que não se trata de factos a considerar pelo juiz, assim não integrando os poderes de cognição do Tribunal em matéria de facto.
Como tal, o âmbito da impugnação deduzida sobre o concreto ponto em apreciação ficará necessariamente circunscrito à matéria que o autor alegou em sede de petição inicial: «[o] A. não tem outro trator» (ponto 61.º da petição inicial).
Feito este enquadramento, confirma-se que o âmbito material dos depoimentos/declarações em que o recorrente baseia a discordância relativa à impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao ponto em referência - testemunhas P. J., P. P., e P. C. - compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas pela recorrente nas alegações da apelação na vertente dos factos.
Reapreciados estes meios de prova entendemos que da respetiva análise não resulta qualquer elemento que nos leve a desconsiderar as referências objetivas e circunstanciadas neles efetuadas no sentido de que o autor não possuía ou era proprietário de outro trator além do UU, revelando-se tais depoimentos suficientemente exaustivos e credíveis quanto a tais circunstâncias.
Por outro lado, atenta a restrição determinada quanto ao âmbito da impugnação deduzida sobre o concreto ponto em apreciação, julgamos que tais depoimentos não resultam credivelmente infirmados por qualquer dos restantes meios de prova produzidos nos autos.

Por conseguinte, procede parcialmente a impugnação apresentada quanto à al. h) dos factos não provados com a consequente eliminação do correspondente pontos da matéria não provada, o qual será aditado à matéria de facto provada com a seguinte redação:

1.1. n) O autor não tem outro trator.
O recorrente alega, ainda, que deverá ser julgado provado o facto, considerado não provado, que consta do ponto 1.2. j), com a redação seguinte: «Que o referido em 1.2.h) e i) tenham forçado o A. a cessar a atividade profissional mencionada em 1.1.b)».
Sustenta o apelante que a prova deste ponto de facto decorre do depoimento da testemunha P. C. - esposa do autor - cuja reapreciação requer.
Em primeiro lugar, impõe-se considerar a restrição já antes determinada na presente decisão quanto à impugnação da matéria de facto, com a eliminação do segmento constante da alínea i) dos factos não provados - «[o] Autor não tinha capacidade económica para mandar reparar o UU ou adquirir outro» - o que implica que o âmbito probatório do ponto agora em apreciação se deva circunscrever ao teor da nova redação do facto aditado sob o ponto 1.1. n) da matéria de facto provada - «O autor não tem outro trator».
Confirma-se que o âmbito material do depoimento em que o recorrente baseia a discordância relativa à impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao ponto em referência - testemunha P. C. - compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas pela recorrente nas alegações da apelação na vertente dos factos.
Reapreciado este meio de prova entendemos que da respetiva análise não decorrem motivos consistentes que imponham a alteração preconizada pelo apelante quanto ao aludido segmento controvertido da matéria de facto provada.
Efetivamente, julgamos que a simples prova do facto entretanto aditado sob o ponto 1.1. n) da matéria de facto provada, no sentido de que o autor não tem outro trator, não permite firmar um juízo de verosimilhança suficiente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas no âmbito do segmento controvertido da alínea da matéria não provada agora em apreciação, concordando-se neste ponto com a fundamentação a este respeito exposta na decisão recorrida quando refere que «[s]e a actividade de corte e extracção de madeira era efectivamente assim tão rentável como se quis fazer crer menos então se compreende que o A. não tenha insistido na concretização desse seu alegado projecto, já que, e segundo o próprio, a alta rentabilidade seguramente que lhe permitiria em pouco tempo recuperar o investimento adicional que viesse a efectuar com a reparação do UU ou aquisição de novo tractor». Note-se, ainda, que as referências feitas pela testemunha P. C. são efetivamente exíguas quanto à explicitação de ocorrências ou eventos materiais e concretos que permitam firmar a genérica afirmação quanto à alegada inexistência de meios para custear a reparação do UU ou a aquisição de novo trator, sendo por outro lado totalmente omissas as explicações apresentadas a propósito da possibilidade de utilizar um outro veículo com idênticas características com recurso a outros meios, designadamente mediante eventuais diligências junto da ré com vista à obtenção de um trator de substituição, ou o recurso a empréstimo/comodato ou mesmo ao aluguer de um veículo trator junto de terceiros, pelo menos numa fase imediata ou a título provisório.
Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto, na parte em apreciação, sem prejuízo da alteração do teor do ponto da matéria não provada em referência, atenta a restrição já antes determinada na presente decisão quanto à impugnação da matéria de facto, com a eliminação do segmento constante da alínea i) dos factos não provados e face à nova redação do facto aditado sob o ponto 1.1. n) da matéria de facto provada.

Deste modo, o ponto 1.2. j) dos “Factos não provados” passará a vigorar com a seguinte redação:
«Que o referido em 1.1. n) da matéria de facto provada tenha forçado o autor a cessar a atividade profissional mencionada em 1.1. b)».
Impugna o apelante, igualmente, o facto julgado não provado sob a alínea k) - «Que o A., no mês de arranque da atividade profissional mencionada em 1.1.b) tenha faturado cerca de € 5.860,67» -, defendendo o respetivo aditamento à matéria provada.
Requer a reapreciação dos documentos (faturas) com os n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial, em conjunto com o depoimento da testemunha P. C. - esposa do autor.
No essencial, alega que as duas faturas respeitam aos serviços prestados no mês de maio, sustentando para o efeito que a fatura n.º 3, que corresponde ao documento n.º 5, apesar de datada de 05 de junho de 2014 foi emitida pela anulação da fatura n.º 2.
Sucede que a aludida fatura n.º 2 não foi junta ao processo, desconhecendo-se, por não ter sido produzido ou apresentado qualquer outro meio de prova a propósito, se a mesma efetivamente correspondia a serviços prestados pelo autor no mês de maio de 2014, assim impedindo a necessária corroboração do que apenas em sede de recurso vem invocado pelo apelante a tal propósito.
Justifica-se, assim, inteiramente a ponderação efetuada sobre esta matéria pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, nos seguintes termos: «[q]uanto à alegação de que no mês de arranque da sua (nova) actividade profissional o demandante facturou cerca de € 5.860,67, não foram juntas quaisquer facturas que o atestem: na declaração de IRS (modelo 3) junta aos autos a fls. 71ss aparece lançada a quantia de € 6.241,72 mas sendo que a mesma reportar-se-à pelo menos aos dois meses de trabalho que o A. desenvolveu com a actividade declarada (entre 14.04.2014 e 13.06.2014) - o que faz corresponder a uma média mensal de facturação de € 3.130,86».
Atendendo então à ponderação crítica de todos os meios de prova analisados quando em confronto com os documentos juntos aos autos e de acordo com as regras gerais da experiência comum e segundo juízos de normalidade social, nos termos antes enunciados, julgamos que não decorre da referida análise um juízo de suficiente probabilidade da verificação do facto constante do facto julgado não provado sob a alínea k) - «Que o A., no mês de arranque da atividade profissional mencionada em 1.1.b) tenha faturado cerca de €5.860,67».
Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto, na parte em apreciação.
Por último, alega o apelante que deverá ser considerado provado o facto vertido na alínea l) dos “factos não provados” - «Que o A. tivesse trabalho programado para vários meses».
Quanto à discordância manifestada relativamente a esta matéria verifica-se que o recorrente alude aos depoimentos das testemunhas P. J. - irmão do autor, para quem trabalhou na atividade de prestação de serviço de corte e extração de madeira - no dia 04 de junho de 2015, entre as 16:03:23 e as 16:29:37 horas, nomeadamente 00:16:20 e 00:20:10 minutos, e P. C. - esposa do autor – no dia 23 de junho de 2015, entre as 14:06:09 e as 14:31:40 horas, nomeadamente 00:08:30 minutos, reportando-se para o efeito a excertos dos referidos depoimentos
Foram reapreciados os depoimentos em causa, deles se não extraindo qualquer elemento ou esclarecimento relevante que imponha se considere verificado o facto em apreciação.
Efetivamente, estando em causa facto que respeita ao trabalho já programado pelo autor para vários meses resulta manifesto que a respetiva prova não prescinde da referência circunstanciada aos concretos serviços ou trabalhos já planeados e/ou contratados, e respetivos valores.
Ora, tal como salientou - e bem - o Tribunal a quo na motivação da decisão recorrida, a propósito do depoimento prestado quanto a esta matéria pela testemunha P. J., «ainda que o irmão tivesse afirmado que tinham “muito trabalho, muitos clientes”, quando pedido que procedesse à identificação desses clientes referiu apenas dois: “uma empresa de Boticas” e o “Sr. P. de Fafe”, sem que concretizasse que serviços lhes tinham sido encomendados e qual a duração previsível dos mesmos». Aliás, esta testemunha revelou desconhecer em absoluto qual o valor da faturação do autor durante os meses em que exerceu a atividade.
De forma idêntica, também a testemunha P. C. limitou-se sobre esta matéria a referências genéricas a propósito do volume de trabalho do autor na referida atividade, sem evidenciar com rigor quais os trabalhos ou serviços já então previstos ou planeados.
Deste modo, não se vislumbra que tais meios de prova imponham, por si só, o pretendido aditamento.
Entendemos, assim, que os concretos meios de prova indicados pelo apelante como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida não permitem infirmar a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo a propósito à factualidade constante do ponto 1.2. l) dos factos não provados, a qual se afigura adequada à prova produzida.
Atenta a parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e considerando as alterações determinadas, são os seguintes os factos que se consideram provados e não provados, agora devidamente reordenados:

1.1. Factos provados:
a) A R. é uma empresa comercial, cuja atividade, com fim lucrativo, é a venda e reparação de máquinas agrícolas, florestais e industriais.
b) Em 10-04-2014 o A. inscreveu-se junto da AT para iniciar atividade na área do comércio por grosso de madeira e prestação de serviços de corte e extração de madeira.
c) O A. deslocou-se às instalações da R. com a finalidade de comprar um trator, tendo sido atendido e acompanhado pelo sócio gerente da R.
d) Após a demonstração de vários tratores, o sócio gerente da R. demonstrou ao A. o trator de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU, que se encontrava nas suas instalações, tendo-o aconselhado a adquiri-lo face às finalidades por si pretendidas.
e) No dia 24-04-2014 o A. comprou à R. o UU pelo preço acordado e pago de € 19.700, tendo a R. prestado ao A. garantia de bom funcionamento pelo período de 1 ano.
f) No dia 13-06-2014, enquanto manobrava o trator em marcha traseira, as rodas traseiras do UU bloquearam totalmente, tendo o A. tentado movimentar o UU para a frente, o que conseguiu por alguns metros, tendo o mesmo bloqueado totalmente, não mais se tendo movimentado.
g) O A. contactou a R. dando-lhe conhecimento da avaria descrita em f), tendo-lhe a R. solicitado que transportasse o UU para as suas instalações, sitas em Braga, a fim diagnosticar o problema, o que o A. fez, tendo o trator sido rebocado do local onde se encontrava até às referidas instalações, de onde não mais saiu.
h) Depois de o trator estar nas instalações da R. os colaboradores desta desmontaram-no, nomeadamente todo o sistema do diferencial, tomada de força e caixa da transmissão rodas dianteiras.
i) Um colaborador da R. apresentou ao A. um orçamento de reparação no valor de € 9.590,10, comunicando-lhe que a avaria do UU advinha de uma má utilização do trator.
j) O bloqueio total do UU, nos termos mencionados em 1.1. f), resultou do contacto da cavilha de fixação de um dos satélites com o pinhão e a roda de coroa, na sequência da deslocação daquela cavilha do seu local originário em direção à engrenagem pinhão com roda de coroa, os quais ficaram danificados.
k) O funcionamento do UU depende da reparação e colocação de novas peças, nomeadamente as constantes do orçamento mencionado em i).
l) No reboque mencionado em 1.1. g) o A. despendeu a quantia de € 280,01.
m) Entre a entrega do trator pela ré ao autor e o momento referido em 1.1. f) o UU funcionou sem problemas.
n) O autor não tem outro trator.

1.2. Factos não provados:
a) Que o sócio gerente da R. no seguimento do referido em 1.1.c) e d), tenha assegurado ao A. o excelente estado de funcionamento e conservação do UU, designadamente de todo o sistema do diferencial e da tomada de força, informando, que os mesmos haviam sido vistoriados antes de o trator ter sido colocado à venda.
b) Que em Maio de 2014 o A. tenha começado a prestar os primeiros serviços de corte e extração de madeira, utilizando o UU.
c) Que a origem da avaria mencionada em 1.1.f) tenha sido uma deficiente ou inexistente lubrificação originada pela fadiga e gasto dos componentes, que determinaram a perda de resistência mecânica dos componentes.
d) Que o referido em 1.2. c) tenha provocado um “agarrar” de um dos satélites, que partiu, obrigando a que a cavilha elástica que fixa a cavilha dos satélites também se fraturasse, desta forma permitindo que a referida cavilha dos satélites se deslocasse em direção à roda de coroa, danificando-a.
e) Que o referido em 1.2. c) tenha provocado a deterioração do rolamento do veio interior da tomada de força, levando ao empeno deste.
f) Que o material da caixa de transmissão das rodas dianteiras denotasse sinais de desgaste/gasto, levando à perda de resistência mecânica dos seus componentes.
g) Que o referido em 1.1. n) da matéria de facto provada tenha forçado o autor a cessar a atividade profissional mencionada em 1.1.b).
h) Que o A., no mês de arranque da atividade profissional mencionada em 1.1.b) tenha faturado cerca de € 5.860,67.
i) Que o A. tivesse trabalho programado para vários meses.
j) Que o referido em 1.1. f), g) e j) e 1.2. g) tenham retirado ao A. a credibilidade que este gozava junto dos seus clientes, impossibilitando-o de retomar a atividade identificada em 1.1. b).
k) Que os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em 1.1. f) e visíveis aquando da desmontagem referida em 1.1. h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas.

2.3. Reapreciação do mérito da causa.
Por força das alterações agora decididas em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o quadro fáctico relevante com vista à necessária subsunção jurídica é consideravelmente diferente daquele que serviu de base à prolação da sentença recorrida.
Vejamos, então, se existe qualquer desacerto da solução de direito dada ao caso sub judice, tendo por base a matéria de facto agora definitivamente dada por assente.
A decisão recorrida considerou - e bem - que entre o autor e a ré foi celebrado um contrato de compra e venda, tal como o define o artigo 874.º do Código Civil (CC), através do qual esta última transmitiu a propriedade de uma coisa, sendo que o autor se adstringiu à obrigação de pagamento do preço, obrigações interconectadas num sinalagma genético e funcional.
De facto, estando provado que no dia 24-04-2014 o autor comprou à ré um bem (trator de marca New Holland, modelo TDD 95DT com a matrícula UU) a cujo comércio esta se dedica - venda e reparação de máquinas agrícolas, florestais e industriais -, contra o pagamento do respetivo preço (€ 19.700,00), dúvidas não subsistem estarmos perante um contrato de compra e venda.
A realização deste tipo de negócio jurídico gera a obrigação do vendedor transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação do comprador de pagar o preço, nos termos que decorrem do regime previstos nos artigos 879.º, 882.º e 883.º, todos do CC, o que no caso resulta assente uma vez que se provou que o veículo UU foi entregue ao autor, que por sua vez, como também resultou provado, pagou à ré o preço acordado.
Mais entendeu a 1.ª instância ser de afastar a qualificação de tal contrato como compra e venda de um bem de consumo, atenta a qualidade do autor, não sendo de aplicar o regime previsto no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08-04 (18), nos termos do seu artigo 1.º-A, o que não vem questionado no presente recurso.
Em confronto com o regime regra previsto para venda de coisas defeituosas, tal como enunciado nos artigos 913.º e 914.º do CC, explicitou ainda o Tribunal a quo as situações em que, por convenção ou força dos usos, o vendedor está obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida.
Assim, perante um incumprimento defeituoso de quem vende a coisa, ou seja, se a coisa vendida sofrer de vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim (artigo 913.º, n.º1, do CC), a lei prevê expressamente uma obrigação de reparação: o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece (artigo 914.º, n.º1, do CC).
Porém, a par deste regime, prescreve o artigo 921.º, n.º 1, do CC, com a epígrafe “garantia de bom funcionamento” que, «se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou erro do comprador».
A propósito deste último regime, e tal como prevê ainda o citado artigo 921.º do CC, o defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido (n.º 3). Quanto ao prazo da garantia, estipula o n.º 2 do citado preceito que, no silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.
Tal como referem Pires de Lima/Antunes Varela (19), «[a] garantia importa para o vendedor uma de duas obrigações: a de reparar a coisa ou, se a reparação não for possível e a coisa for fungível, a de a substituir. Não se exige culpa do vendedor, nem se exige que o comprador esteja em erro, constituindo qualquer dos aspectos, mas sobretudo o primeiro (por se tratar do não-cumprimento de uma obrigação), traços excepcionais do regime fixado. Trata-se do cumprimento de uma obrigação assumida no contrato, ou imposta pelos usos».
Assim, no caso da garantia de funcionamento prevista contratualmente o vendedor assegura, por certo período de tempo, um determinado resultado: a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento da coisa, surgindo como um “algo mais” que acresce à proteção consagrada no artigo 913.º e seguintes, de tal modo que a responsabilidade só será afastada se o garante demonstrar e provar que o mau funcionamento ou a existência dos defeitos denunciados se ficaram a dever ao mau uso feito da coisa vendida por ação dolosa ou negligente do comprador sobre a coisa que a desvirtua ou incapacita para as suas funções (20), com reflexos no campo probatório.
Assim, conforme vem sendo amplamente entendido na jurisprudência dos tribunais superiores, «ao comprador basta fazer a prova do mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia, sem necessidade de identificar ou individualizar a causa concreta impeditiva do resultado prometido e assegurado nem de provar a sua existência no momento da entrega; ao vendedor que queira ilibar-se da responsabilidade é que cabe a prova de que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa, ilidindo assim a presunção da anterioridade ou contemporaneidade do defeito que caracteriza a garantia convencional, imputável ao comprador, a terceiro ou devida a causa fortuita» (21).
Tal como salienta o Ac. do STJ de 03-04-2003 (22), «[d]a garantia de bom funcionamento resulta, por isso, uma presunção ilidível de que o vício ou defeito que a coisa venha a revelar após a entrega já existia a essa data.
Tudo isto tem importantes reflexos na questão do ónus da prova, já que, para o exercício dos direitos cobertos pela garantia, o cliente (comprador) só terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa, durante o prazo da garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega».
No caso em análise ficou demonstrado que aquando da compra do trator UU pelo autor a ré prestou uma garantia de bom funcionamento do trator pelo prazo de 1 ano - facto 1.1. e) da matéria de facto provada - e que em 13-06-2014 (cerca de 7 semanas após a aquisição) o veículo UU avariou, visto que naquela data, enquanto o autor manobrava o trator em marcha traseira, as rodas traseiras do UU bloquearam totalmente, tendo o autor tentado movimentar o UU para a frente, o que conseguiu por alguns metros, tendo o mesmo bloqueado totalmente, não mais se tendo movimentado - ponto 1.1.f) da matéria de facto assente.
Deste modo, era sobre a ré/vendedora que recaía o ónus de provar que a causa da avaria é posterior à entrega do trator, sendo imputável ao próprio comprador, a terceiro ou sendo ainda devida a caso fortuito, tal como corretamente evidenciou a sentença recorrida.
Discorda, porém, o autor/recorrente, da decisão recorrida na parte em que entendeu que a ré logrou fazer essa prova.

A 1.ª instância, tendo considerado provado, entre outros, o facto agora aditado à matéria de facto não provada sob a al. k), concluiu que a ré logrou a elisão da presunção da contemporaneidade ou anterioridade da desconformidade detetada, com base nos seguintes argumentos:
«Ora, o facto é que a R. logrou essa prova: demonstrado ficou que os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em 1.1.f) e visíveis aquando da desmontagem referida em 1.1.h), resultaram dos esforços de colocação do tractor em movimento com as rodas traseiras bloqueadas – e sendo que se demonstrou igualmente que esse inicial bloqueio das rodas traseiras resultou de danos causados no sistema diferencial, danos esses que ocorreram ao longo do tempo e que foram provocados por uma má ou insuficiente lubrificação. Ao contrário do que alegou o A., essa má/insuficiente lubrificação não resultou de um qualquer desgaste dos componentes do UU mas sim de uma falta de verificação regular, que sobre si recaía: conforme explicou o perito nomeado pelo tribunal, o nível de óleo do diferencial deveria ser verificado regularmente (numa base diária) tendo em sede de esclarecimentos complementado que se essa verificação não fosse efectuada com tal cadência, uma utilização diária do UU levaria a que os danos ocorressem como vieram a ocorrer. Ora, o A. confessou que era apenas à 2.ª feira que verificava o nível de óleo do diferencial, pois que da experiência que tinha a periodicidade não teria de ser maior (o que, como se viu, foi desmentido pelo perito). Tal inculca que durante vários dias de cada semana o UU funcionou com níveis de lubrificação insuficientes, por não controlados pelo A., sendo essa a causa da avaria do sistema diferencial, avaria essa que, posteriormente, por insistência do A. em tentar pôr o UU em movimento com as rodas traseiras bloqueadas, provocou as demais».
Tal como decorre do antes enunciado, a decisão recorrida baseou-se em matéria de facto entretanto excluída da factualidade provada e declarada não provada.
Como se viu, ao autor apenas cabia provar a ocorrência da anomalia ou o mau funcionamento do veículo durante o prazo da garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega - o que conseguiu, nos termos pacificamente assentes em 1.1.f) e 1.1. j) -, cabendo à ré/vendedora, ora apelada, o ónus de provar o facto concreto, posterior à entrega do veículo vendido, é imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito.
Ora, o que se provou - cf. o ponto 1.1. j) - foi que o bloqueio total do UU, nos termos mencionados em 1.1. f), resultou do contacto da cavilha de fixação de um dos satélites com o pinhão e a roda de coroa, na sequência da deslocação daquela cavilha do seu local originário em direção à engrenagem pinhão com roda de coroa, os quais ficaram danificados, não se tendo demonstrado o que provocou a deslocação indevida da cavilha do seu local originário em direção à engrenagem pinhão com roda de coroa.
Com efeito, não resultou provado que os danos que levaram ao bloqueio total do UU mencionado em 1.1. f) e visíveis aquando da desmontagem referida em 1.1. h) resultaram dos esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas, desconhecendo-se a causa da deslocação indevida da cavilha do seu local originário em direção à engrenagem pinhão com roda de coroa, sendo que à ré cabia a prova de tal causa.
A sentença recorrida refere, ainda, que «se demonstrou igualmente que esse inicial bloqueio das rodas traseiras resultou de danos causados no sistema diferencial, danos esses que ocorreram ao longo do tempo e que foram provocados por uma má ou insuficiente lubrificação. Ao contrário do que alegou o A., essa má/insuficiente lubrificação não resultou de um qualquer desgaste dos componentes do UU mas sim de uma falta de verificação regular, que sobre si recaía: conforme explicou o perito nomeado pelo tribunal, o nível de óleo do diferencial deveria ser verificado regularmente (numa base diária) tendo em sede de esclarecimentos complementado que se essa verificação não fosse efectuada com tal cadência, uma utilização diária do UU levaria a que os danos ocorressem como vieram a ocorrer. Ora, o A. confessou que era apenas à 2.ª feira que verificava o nível de óleo do diferencial, pois que da experiência que tinha a periodicidade não teria de ser maior (o que, como se viu, foi desmentido pelo perito). Tal inculca que durante vários dias de cada semana o UU funcionou com níveis de lubrificação insuficientes, por não controlados pelo A., sendo essa a causa da avaria do sistema diferencial, avaria essa que, posteriormente, por insistência do A. em tentar pôr o UU em movimento com as rodas traseiras bloqueadas, provocou as demais».
Ora, quanto a estes fundamentos, cumpre constatar que o Tribunal a quo incorreu num manifesto equívoco quando refere ter sido feita prova de que durante vários dias de cada semana o UU funcionou com níveis de lubrificação insuficientes, por não controlados pelo A., sendo essa a causa da avaria do sistema diferencial, avaria essa que, posteriormente, por insistência do A. em tentar pôr o UU em movimento com as rodas traseiras bloqueadas, provocou as demais.
Como já referimos anteriormente, a concreta materialidade atinente à ocorrência de um eventual bloqueio do trator unicamente por via da inexistência de óleo lubrificante ou no sentido de que a má ou insuficiente lubrificação das peças do diferencial resultasse da falta de verificação regular dos níveis de óleo não foi inserida pelo Tribunal a quo no elenco dos factos provados (ou não provados) que constam da sentença recorrida, o mesmo se verificando quanto a eventuais circunstâncias de facto relativas ao funcionamento do trator sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares no momento do bloqueio ou no período entre a entrega do trator e a avaria.
Assim, as únicas referências feitas pelo Tribunal a quo a respeito de tais circunstâncias de facto surgem a propósito da valoração dos meios probatórios relevantes para justificar ou motivar a decisão proferida sobre os factos 1.1. i) e 1.1. j) da matéria de facto provada, e 1.2 d), e), f), e g), dos factos não provados e, posteriormente, em sede de enquadramento jurídico.
Por conseguinte, resta sufragar as conclusões enunciadas pelo recorrente quando alega que a sentença recorrida assentou em factos não alegados pela ré, ao decidir que a má ou insuficiente lubrificação resulta de uma falta de verificação regular que sobre o autor/recorrente recaia.
Deste modo, resulta manifesto que a ré não alegou e, como tal, também não provou, que durante vários dias de cada semana o veículo UU funcionou com níveis de lubrificação insuficientes, por não controlados pelo autor, sendo essa a causa da avaria do sistema diferencial.
Como tal, resulta evidente a ausência de qualquer facto provado que permita afirmar com a suficiente probabilidade exigível que a avaria no trator e os danos inerentes foram causados por determinados comportamentos do autor, nomeadamente através de eventuais “esforços de colocação do trator em movimento com as rodas traseiras bloqueadas”, mediante a manutenção do trator em funcionamento ou que o trator funcionasse sem óleo lubrificante aos níveis regulamentares no momento do bloqueio ou no período entre a entrega do trator e a avaria, por motivos apenas imputáveis ao autor.
Conforme resulta ainda da factualidade provada, o autor contactou a ré dando-lhe conhecimento da avaria descrita em f), tendo-lhe a ré solicitado que transportasse o UU para as suas instalações, sitas em Braga, a fim de diagnosticar o problema, o que o autor fez, tendo o trator sido rebocado do local onde se encontrava até às referidas instalações, de onde não mais saiu (cf. o ponto 1.1.g) dos factos provados).
Mais resulta das als. h) e i) dos factos provados que ré recusou a reparação da viatura, invocando que a causa da avaria do UU advinha de uma má utilização do trator.
Assim, provada a avaria durante o período de garantia, e não tendo a ré/vendedora logrado provar factos impeditivos do direito do autor/recorrente à reparação, resulta manifesto que a ré não pode eximir-se da obrigação reparatória reclamada pelo autor/comprador, ora apelante.
O autor tem, assim, direito à reparação do veículo trator.
Tal como sublinha Jorge Morais Carvalho (23), «[a] reparação é na sua essência uma operação material sobre a coisa, transformando-a no sentido de esta passar a estar conforme com o que foi acordado entre as partes. A reparação da coisa deve ser exigida diretamente ao vendedor. Este tem de ter a possibilidade de, num primeiro momento, confirmar o estado da coisa e a existência do vício ou falta de qualidade e, num segundo momento, proceder à sua reparação. Não tem, nomeadamente, de estar sujeito ao pagamento do preço da reparação por um terceiro, até porque pode ter meios próprios para o fazer de forma mais económica.
A resposta será diferente no caso de o comprador não ter obtido do vendedor resposta para o seu pedido. Se, nos prazos definidos, a coisa não for reparada, deve considerar-se definitivamente incumprida a obrigação, pelo que o comprador tem de ter a possibilidade de proceder à reparação com o apoio de um terceiro, exigindo o pagamento do preço ao vendedor.
(…)
Deve permitir-se ao comprador que, se assim o entender, faça a fiscalização da reparação, embora os custos dessa fiscalização não possam ser imputados ao vendedor».
Por conseguinte, é manifesto que a ré/apelada deve ser responsabilizada pela reparação do veículo, nos termos peticionados pelo autor.
Procede, assim, nesta parte, a apelação.
Restam os pedidos indemnizatórios formulados.
O autor pediu o ressarcimento de prejuízos alegadamente sofridos face à avaria verificada e subsequente recusa de reparação pela ré do referido veículo, reclamando a quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais. Pede ainda o pagamento da quantia de € 115,00 por cada dia em que esteve e esteja, até à reparação do UU, privado da respetiva utilização e o valor de € 280,01 título de reembolso da despesa suportada com o transporte do UU até às instalações da ré.
Cumulável com o direito à reparação ou substituição da coisa defeituosa, seja nos termos gerais, seja por via da obrigação da garantia a que alude o indicado artigo 921.º do CC, e paralelamente com ele, pode existir o direito a indemnização pelos danos decorrentes do mau funcionamento (24).
Também no caso de incumprimento da obrigação de reparar ou substituir a coisa, nos casos em que esta exista, assiste ao comprador direito a indemnização (artigos 910.º, 913.º e 921º, do CC).
Assim, a obrigação de indemnizar os danos resultantes do cumprimento defeituoso da obrigação pode advir da responsabilidade contratual presumidamente culposa, nos termos dos artigos 798.º e 799.º do CC (25) tendo lugar se o vendedor não provar que o incumprimento perfeito da obrigação não procede de culpa sua (26).
A obrigação de indemnizar integra tanto os danos de natureza patrimonial como os de natureza não patrimonial, desde que relativamente a estes mereçam a tutela do direito, não havendo razão para não dar relevo ao dano não patrimonial daí derivado (27).
O artigo 496.º, n.º 1, do CC prevê que na fixação da indemnização se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa (28), «[d]istingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão. Observe-se que o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies».
Neste domínio, referem ainda Pires de Lima e Antunes Varela (29), «[o] Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos», cabendo assim ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. A este propósito, enunciam ainda os autores antes citados algumas situações possivelmente relevantes, como a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, sublinhando ainda a propósito, que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, citando para o efeito vários acórdãos do STJ.
Acresce que, mesmo admitindo o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico, dentro do critério do artigo 496.º, do CC, tais danos surgem com menor frequência e intensidade (30).
Relativamente à compensação dos danos não patrimoniais o autor formulou o pedido de indemnização de € 10.000,00 invocando para o efeito um conjunto de circunstâncias que alega terem afetado o seu bom nome e a credibilidade que gozava junto dos seus clientes. Para o efeito sustenta, no essencial, que devido às constantes recusas de reparação do veículo pela ré com a inerente privação do seu uso pelo autor, e à falta de condições económicas para mandar reparar a expensas suas o trator ou comprar outro, foi obrigado a abandonar o projeto de desenvolvimento de empresa própria e teve que voltar ao trabalho por conta de outrem, impossibilitando-o de cumprir com o trabalho programado, retirando a credibilidade que gozava junto dos seus clientes e afetando irremediavelmente o crédito de que gozava.
Sucede que a resposta totalmente negativa que mereceram os factos que envolveriam tais circunstâncias, tal como vertidos nos pontos 1. 2., als. g), h), i), e j) da matéria de facto não provada conduz inevitavelmente a que não possa inferir-se qualquer perda grave e merecedora de proteção jurídica que deva ser ressarcida pela ré/apelada a título de indemnização por danos não patrimoniais, o que leva, sem mais, à improcedência da pretensão de ressarcimento desse dano ou prejuízo.
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões da apelação.
Está ainda em causa o valor de € 280,01 peticionado pelo autor a título de ressarcimento das despesas efetuadas com o transporte do trator do local onde se verificou a ocorrência da avaria aludida em 1.1.f) dos factos provados, em Murça, para as instalações da ré, em Braga.
Conforme resulta da factualidade provada, o autor contactou a ré dando-lhe conhecimento da avaria descrita em f), tendo-lhe a ré solicitado que transportasse o UU para as suas instalações, sitas em Braga, a fim diagnosticar o problema, o que o autor fez, tendo o trator sido rebocado do local onde se encontrava até às referidas instalações, de onde não mais saiu (ponto 1.1. g), mais se apurando que no reboque mencionado em 1.1.g) o autor despendeu a quantia de € 280,01 - cf. o ponto 1.1. l) dos factos provados.
Ora, tendo-se concluído já que quando o veículo UU deu entrada nas instalações da ré, na sequência da avaria ocorrida, assistia ao autor o direito a vê-lo reparado, ao abrigo da garantia de bom funcionamento convencionada, reparação que foi indevidamente recusada pela ré/vendedora, resulta manifesto que o valor suportado pelo autor com reboque do veículo, mediante solicitação da ré, a fim de diagnosticar o problema, constitui uma despesa complementar a ressarcir pela ré, por configurar um dano ou prejuízo decorrente do incumprimento verificado.
Decorre do exposto que o recorrente tem direito à peticionada indemnização no valor de € 280,00 a título de reembolso da despesa suportada com o transporte do veículo trator UU até às instalações da ré.
Procedem, assim, também nesta parte, as conclusões da apelação.
Resta apreciar se estão verificados os pressupostos do arbitramento ao autor da reclamada indemnização pela privação do uso do trator.
Sobre esta questão verifica-se que o autor/apelante peticiona a condenação da ré a pagar-lhe o montante de €115,00 por cada dia que o autor esteve e esteja privado da utilização do trator, até à sua reparação integral, alegando que desde a entrega do trator nas instalações da ré para ser reparado, não mais saiu de lá, estando privado da sua utilização e sustentando que tal situação lhe acarreta o prejuízo diário de cerca de €115,00.
Em sede de alegações de recurso, acrescenta o recorrente que o prejuízo médio diário de €115,00 corresponde ao valor de remuneração que o autor deixou de conseguir obter fruto da avaria do trator e da subsequente impossibilidade de prosseguir a atividade empresarial, partindo do pressuposto que se considera como provado que o autor faturaria em média mensalmente o valor de € 6.000,00 e que desse valor retiraria uma margem de lucro de cerca de € 2.500,00, dividindo esse valor pelos dias uteis mensais.
Relativamente a tal matéria apenas ficou provado que na sequência da avaria ocorrida a 13-06-2014, aludida no ponto 1.1.f) da matéria de facto provada, o trator foi rebocado do local onde se encontrava até às instalações da ré, sitas em Braga, a fim de diagnosticar o problema, de onde não mais saiu - cf. o ponto 1.1.g) dos factos provados - sendo certo, ainda, que o funcionamento do UU depende da reparação e colocação de novas peças, nomeadamente as constantes do orçamento mencionado em i) - cf. o ponto 1.1. k) dos factos provados - e que o autor não tem outro trator - cf. o ponto 1.1.n) dos factos provados.
Nenhuns outros factos ficaram provados, designadamente os constantes dos pontos 1. 2., als. g), h), i), e j) da matéria de facto não provada, do que resulta que o autor não demonstrou que da privação do uso do trator resultassem prejuízos, nomeadamente, que por estar privado da sua utilização tenha ficado impossibilitado de prosseguir a sua atividade empresarial e que na mesma faturaria em média mensalmente o valor de € 6.000,00 e que desse valor retiraria uma margem de lucro de cerca de € 2.500,00 ou que tenha faturado cerca de €5.860,00 no mês de arranque da atividade mencionada em 1.1. b).
Efetivamente, ainda que se admita que a matéria de facto provada é suscetível de demonstrar que o apelante sofreu a privação do uso do trator, dela não é possível extrair que existiu dano ou prejuízo concreto e, como tal, que a indemnização seja devida.
Neste domínio, cumpre assinalar que a questão de saber se a indemnização pela privação do uso de determinado bem depende da prova da existência de um dano específico ou de prejuízos concretos (31) ou se a simples privação do uso constitui, só por si, um dano indemnizável (32) mostra-se controvertida na jurisprudência.
Porém, se é certo que na generalidade dos casos a privação do uso impede o proprietário de dispor da coisa e de a usar como entender, situações poderão ocorrer em que o proprietário não tenha interesse em usá-la, não pretendendo dela retirar qualquer utilidade, caso em que não poderá considerar-se verificada qualquer alteração da respetiva situação decorrente da privação do uso, assim não existindo dano. Neste contexto, encontramos ainda uma corrente intermédia, que se afigura como maioritária na jurisprudência, que vem entendendo que a privação do uso de um veículo constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305.º do CC lhe confere de modo pleno e exclusivo, tornando-se porém necessário que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava, frustrando um propósito real - concreto e efetivo - de proceder à sua utilização (33).
No âmbito desta última posição, que entendemos de sufragar, refere o Ac. do STJ de 15-11-2011 (34): «(…) não haverá dúvidas sérias de que a privação injustificada do uso de uma coisa, pelo respectivo proprietário, pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o seu proprietário do exercício dos direitos inerentes ao domínio, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade.
Podem, porém, configurar-se situações da vida real em que o titular não tenha qualquer interesse em usar a coisa, não pretende retirar dela as utilidades ou vantagens que a coisa lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito real de propriedade), ou pura e simplesmente, não usa a coisa.
Em situações como estas, se o titular se não aproveita das utilidades que o uso normal da coisa lhe proporciona, também não poderá falar-se de prejuízo ou dano decorrente da privação ilícita do uso, visto que, na circunstância, não existe uso, e, não havendo dano, não há, evidentemente, obrigação de indemnizar.
Por isso, competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega alegar e provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário alegar e provar que usava normalmente a coisa, isto é, que dela retirava as utilidades (ou algumas delas) que lhe são próprios e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita».
Assim, em termos rigorosos, dir-se-á que a privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto (35).
No caso presente, e como se viu, apenas ficou provado que na sequência da avaria ocorrida a 13-06-2014, aludida no ponto 1.1.f) da matéria de facto provada, o trator foi rebocado do local onde se encontrava até às instalações da ré, sitas em Braga, a fim de diagnosticar o problema, de onde não mais saiu, que o funcionamento do UU depende da reparação e colocação de novas peças, nomeadamente as constantes do orçamento mencionado em i) e que o autor não tem outro trator.
Por conseguinte, em face do quadro fáctico apurado nos autos não se revela possível afirmar que a privação do trator, nos moldes referidos, causou ao autor um prejuízo patrimonial indemnizável, revelando-se tal factualidade manifestamente insuficiente para se presumir que a privação terá causado danos concretos ou a perda de uma concreta utilidade da utilização daquele trator na esfera do autor.
Termos em que a pretensão do autor terá que improceder nesta parte.
Pelo exposto, procede parcialmente a apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em apreciação, como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação).
Quantificando o respetivo decaimento à luz das concretas pretensões formuladas, decide-se fixar as custas da ação e da apelação a cargo do autor/apelante e da ré/apelada, na proporção de metade.

Síntese conclusiva:

I - A inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação.
II - No caso da garantia de funcionamento prevista contratualmente o vendedor assegura, por certo período de tempo a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento da coisa, tendo o comprador direito a exigir a reparação da coisa ou, se for necessário e tiver natureza fungível, a sua substituição, independentemente de culpa do vendedor ou de erro seu.
III - A privação do uso de um veículo constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305.º do CC lhe confere de modo pleno e exclusivo, tornando-se, porém, necessário que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava, frustrando um propósito real - concreto e efetivo - de proceder à sua utilização.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a presente apelação e, revogando na mesma medida a sentença recorrida, decidem:

Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Condenar a ré a proceder, ou mandar proceder, a expensas suas, no prazo máximo de quinze dias, às necessárias e indispensáveis reparações do trator com a matrícula UU, de modo a assegurar o seu bom funcionamento, sob fiscalização do autor, ou de quem ele indicar; caso a reparação não se mostre realizada no prazo concedido, condena-se a ré a pagar ao autor o valor de € 9.590,10 e a entregar-lhe o trator a fim de este o reparar;
B) Condenar a ré no pagamento ao autor do montante de € 280,01 pelo transporte do trator para as instalações daquela em Braga.
C) Absolver a ré do restante peticionado.
Custas da ação e da presente apelação a cargo do autor/apelante e da ré/apelada, na proporção de metade.
Guimarães, 16 de setembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, pgs. 122-123.
2. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pgs. 734 e 735.
3. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada - pgs. 734 e 735.
4. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada - p. 737.
5. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 738.
6. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - 3.ª edição - Coimbra, Almedina, 2017, p. 737.
7. Cf. Alberto dos Reis - Obra citada - p. 143.
8. Ac. do STJ de 3-10-2017 (relator: Alexandre Reis), revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
9. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Ob. cit., p. 734.
10. Cf. o Ac. do STJ de 23-03-2017 (relator: Tomé Gomes), revista n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1 – 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
11. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224-225.
12. Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - p. 226.
13. Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
14. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
15. Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
16. Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt.
17. Neste sentido, cf. Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017. p. 351.
18. Diploma que procedeu à transposição para o ordenamento jurídico português da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, elenca os direitos atribuídos ao consumidor em caso de falta de conformidade do bem com o contrato - reparação ou substituição da coisa vendida, redução do preço ou resolução do contrato (artigo 4.º, n.º 1) -, prevê um prazo de garantia - dois anos a contar da entrega do bem, no caso de bem móvel (artigo 5.º, n.º 1), podendo ser reduzido a um ano, por acordo das partes e tratando-se de coisa móvel usada - e sujeita o exercício dos direitos do consumidor a prazos de caducidade.
19. Cf., Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, pgs. 221/222.
20. Cf., por todos, o Ac. TRP de 08-03-2019 (relator: José Igreja Matos), p. 584/17.4T8FLG.P1, acessível em www.dgsi.pt.
21. Cf., o Ac. do STJ de 02-03-2010 (Relator: Urbano Dias), p. 323/05.2TBTBU.C1.S1; em idêntico sentido, cf. o Ac. do STJ de 26-04-2012 (Relator: Serra Baptista), p. 1386/06.9TBLRA.C1.S1; Ac. TRP de 08-03-2019 (relator: José Igreja Matos), acessíveis em www.dgsi.pt.
22. Relator: Quirino Soares, p. n.º 03B809, disponível em www.dgsi.pt.
23. Cf. Jorge Morais Carvalho, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 1130 e 1131, em anotação ao artigo 914.º do CC.
24. Cf., por todos, o Ac. TRL de 08-10-2009 (relatora: Catarina Arêlo Manso), p. 3359/07.5TBVD.L1-8, acessível em www.dgsi.pt.
25. Cf., por todos, o Ac. TRG de 21-02-2008 (relatora: Rosa Tching), p. 2635/07-1, acessível em www.dgsi.pt.
26. Cf., por todos, o Ac. do STJ de 24-01-2008 (relator: Pereira da Silva), p. 07B4302, acessível em www.dgsi.pt.
27. Cf., por todos, o citado Ac. do STJ de 03-04-2003.
28. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 592.
29. Cf. Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 499.
30. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa - Obra citada - pgs. 603 e 604.
31. Neste sentido, cf. entre outros, os Acs. do STJ de 12-01-2012 (relator: Fernando Bento), p. 1875/06.5TBVNO.C1.S1; de 28-10-2010 (relator: Lopes do Rego) - p. 272/06.7TBMTR.P1.S1 - 7.ª Secção; de 30-10-2008 (relator: Salvador da Costa), p. 07B2131; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
32. Neste sentido, cf. entre outros, os Acs. do STJ de 12-01-2010 (relator: Paulo Sá), p. 314/06.6TBCSC.S1 - 1.ª Secção; de 08-10-2009 (relator: Oliveira Rocha), p. n.º 1362/06.1TBVCD.S1 - 2.ª Secção; ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
33. Neste sentido, cf. entre outros, os Acs. do STJ de 14-12-2016 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), p. 2604/13.2TBBCL.G1.S1; de 10-01-2012 (relator: Nuno Cameira) p. 189/04.0TBMAI.P1.S1 - 6.ª Secção; ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
34. Relator Moreira Alves, proferido na Revista n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1 - 1.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
35. Cf. o citado Ac. do STJ de 10-01-2012.