Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
697/16.0T8VVD.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – São características específicas dos procedimentos cautelares as suas instrumentalidade e dependência.

II – Os procedimentos cautelares visam, essencialmente, assegurar a eficácia da sentença, seja obviando a que a situação de facto, o statu quo, de tal modo se altere que impossibilite a sua reintegração, seja antecipando o direito que, com toda a probabilidade, virá a ser reconhecido ao requerente, justificando a providência cautelar a urgência na efectivação desse direito, ou, dito de outro modo, visam prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora.

III - A providência deve ser decretada desde que haja uma probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão, podendo, porém, ser recusada quando o prejuízo dela resultante exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.

IV – São requisitos do procedimento cautelar comum:

a) - não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros procedimentos cautelares (característica da subsidiariedade);
b) - a probabilidade séria da existência do direito alegadamente ameaçado;
c) - o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;
d) - a adequação da providência solicitada para evitar a lesão; e) – que o prejuízo que para o requerido resulta da providência não seja superior ao dano que se pretende evitar.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- C. A. intentou contra C. F. o presente procedimento cautelar comum, pedindo que se ordene a esta que retire todos os “artefactos” e animais que colocou no caminho público, e se abstenha de praticar actos que impeçam ou dificultem o acesso dele, Requerente, a pé, de carro ou com animais, ao prédio que lhe pertence.
Alega, para tanto, e em síntese, que é dono e legítimo proprietário do imóvel sito no Lugar P., Vila Verde, inscrito com o actual artigo matricial n. o .. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n° …, constituído por casa de dois pavimentos e um logradouro, que adquiriu por via de inventário encontrando-se registado a seu favor, imóvel esse que confronta, a nascente, com um prédio urbano semelhante pertencente à Requerida.
O acesso a ambos os prédios é assegurado por um caminho público, com o qual os prédios confrontam a Norte, Sul e Poente, sendo que a porta de acesso à habitação desemboca no referido caminho público, que ladeia aquele seu prédio, e assegura o único acesso a ele, sendo a largura do caminho variável, entre os 2 e os 3 metros.
O Requerente e os antepossuidores do prédio sempre usaram aquele caminho para aceder à habitação e logradouro a pé, em tempos idos de carro de bois, e mais recentemente com veículos motorizados, o que vêm fazendo desde tempos imemoriais, de forma continuada e permanente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com convicção de exercerem um direito próprio, no entendimento de que se trata de um caminho público.
Entretanto, desde meados do ano de 2013 que a Requerida colocou nesse caminho uma casota constituída por uma pequena vedação de arame e madeira, despejou nele alguns detritos e artefactos de variada natureza, nomeadamente pedras, lixo e até cães, que acorrenta no curso do aludido trilho, inviabilizando a livre passagem de qualquer veículo, e dificultando inclusive a circulação pedonal. Estes elementos que bloqueiam o caminho são obstáculos passíveis de criar situações de perigo, nomeadamente episódios de queda, sobretudo durante a noite.
Acresce que o Requerente é um septuagenário que para além das dificuldades de locomoção naturais da sua avançada idade tem ainda uma deficiência visual de cerca de 70%, pelo que os obstáculos constantemente colocados pela Requerida no referido trilho representam verdadeiras armadilhas que, não raras vezes, provocam a queda do Requerente para gaudio da Requerida.
A insuficiência de acesso acima descrita, decorrente da actuação livre e consciente da Requerida, é causa de inúmeros constrangimentos diariamente vivenciados pelo requerente, sendo que o acesso de automóvel assume especial preponderância, já que só assim estará assegurada uma comunicação suficiente para as necessidades normais do prédio do Requerente, como sejam as de descargas de mercearias ou outro tipo de carga.
Ora, não só é perigoso para o Requerente aceder à sua propriedade, como também o é para qualquer outra pessoa que pretenda passar por aquele caminho, como sejam, por exemplo, quaisquer visitantes, nomeadamente familiares ou amigos, que a todo o momento são surpreendidos, quer por obstáculos, quer pelas ameaças dos cães.
Para além disso, alega ainda o Requerente, pretende realizar obras na sua habitação para a instalação de um quarto de banho, uma vez que a sua casa já é antiga e carece de urgente remodelação, tencionando passar a residir ali de forma permanente, sendo que as obras requerem o transporte de vários materiais de construção para o interior da habitação. Assim, devido ao facto de o caminho estar parcialmente bloqueado, não consegue realizar as obras que pretende por lhe ser impossível transportar os materiais para o interior da sua habitação.
A Requerida deduziu oposição, impugnando os fundamentos da providência requerida e alegando, em síntese, que o acesso às portas das habitações em apreço não desemboca em caminho público, mas em logradouro, logradouro esse que por sua vez desemboca em caminho de servidão, e que se lhes pode aceder por, pelo menos, duas vias, sendo que pela Travessa J. o acesso é pedonal, por umas escadas de betão (construídas aliás, por ela, Requerida), e a outra pela Avenida PR, lado nascente, é feita por um caminho de servidão.
Esta servidão existe desde tempos imemoriais, há mais de 30 e 40 anos, sendo que os antepassados do Requerente e dela, Requerida, fizeram uso do referido caminho, para acederem a pé, nunca com carros de bois ou veículos motorizados, às habitações em apreço. É verdade que em tempos idos passavam sim, de longe a longe, carros de bois, mas apenas para aceder aos campos situados na outra extrema do prédio de que a Requerida é comproprietária, e nunca para aceder às habitações.
A cerca de 4/5 metros das habitações, o referido caminho de servidão tinha, em tempos antigos, uma cancela, cujos sinais ainda existem no muro de um outro prédio, a qual se encontrava sempre fechada e era apenas utilizada pela Requerida e antepassados do Requerente para aceder aos campos (com carros de bois) e habitações (a pé).
O prédio do Requerente confronta directamente com a via pública, designadamente com a denominada Travessa J., pelo que, querendo ele realizar obras no seu prédio, como alega, o modo de acesso adequado e mais fácil para o fazer é pela via pública e não pelo logradouro, onde nunca passaram carros de bois e menos ainda veículos motorizados, que de resto, nem cabem, atendendo às características e largura do referido logradouro;
Alega ainda que desde há mais de 30 e 40 anos que ela, Requerida, faz uso duma pequena parcela do solo, junto ao seu logradouro e encostada a um muro, para arrumação de lenha, que lhe serve de aquecimento no Inverno, o que sempre fez à vista e com conhecimento de toda a gente, sem a oposição de ninguém, e com a convicção de exercer um direito próprio, lenha essa que não dificulta, de maneira nenhuma, o acesso aos prédios, caso contrário, estaria ela, Requerida, "em maus lençóis", porque é uma idosa, com 80 anos, que vive sozinha, e sozinha se sustenta, com todas as dificuldades que o peso da idade lhe trouxe. O acesso pedonal às habitações em apreço está livre e desimpedido, quer pelas escadas em betão, quer pelo logradouro, e está como sempre esteve.
Procedeu-se à audiência final, tendo sido julgado improcedente o procedimento cautelar e indeferida a providência requerida.
Inconformado, traz o Requerente o presente recurso pretendendo que, revogada a decisão referida, se julgue procedente o procedimento cautelar e se decrete a providência cautelar requerida, “no sentido da Requerida/Recorrida retirar os obstáculos, designadamente, casota do cão e artefactos contidos no caminho de acesso à casa do Requerente/recorrente”.
Contra-alegou a Requerida propugnando para que se mantenha a decisão.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Apelante/Requerente funda o recurso nas seguintes conclusões:

1. A discordância do Apelante recai sobre o que considera ser um erro de julgamento da matéria de facto, atenta a prova produzida na audiência de julgamento deste processo para a apreciação do mérito da causa.
2. Não pode o ora recorrente conformar-se com a improcedência da Providencia Cautelar em face dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, constantes dos pontos 12 e 13 da sentença recorrida.
3. Do mesmo modo, não pode o recorrente conformar-se com o facto de o Tribunal a quo ter dado como não provados a factualidade vertida nos artigos 14°. a 25°. do Requerimento Inicial, conforme resulta dos factos dados como não provados na sentença recorrida constantes da alínea b), pois que conforme se exporá, da prova produzida em julgamento impunha-se ao Tribunal decisão diversa.
4. Entende o recorrente que foram incorrectamente julgados os factos constantes da matéria de facto dada como não provados, mormente os ali vertidos nos artigos 14° a 25.°, da providência cautelar, atento ao facto da prova produzida em audiência de julgamento impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnados, uma decisão diversa do recorrente, ou seja, deviam ter sido dados como provados.
5. O tribunal recorrido ao ter dado como não provados os factos ali vertidos nos artigos 4.° a 29.°, ainda que parcialmente, da providência cautelar, quando os deveria ter dado como provados, incorreu num erro de julgamento quanto a esses concretos pontos de facto (cfr. artigo 640.º, n.º 1, do C.P.Civil).
6. O concreto meio de prova que no entendimento do recorrente leva á alteração dos factos vertidos nos artigos 14.° a 25° do Requerimento Inicial, dados como não provados (parcialmente), assenta desde logo no depoimento da testemunha do Recorrente e Recorrida, acima referido.
Deveriam assim os factos dados como não provados constantes dos Art.° 14.° a 25°. do Requerimento Inicial serem dados como factos provados. Aliás tendo em conta os pontos 12 e 13 dos FACTOS PROVADOS, constatando-se entre si uma clara contradição.
7. O tribunal recorrido ao ter dado como não provados os factos vertidos na alínea b) da decisão recorrida incorreu num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais poderão ser alterados por este Tribunal Superior (cfr., artigo 640, n.º 1 als. a) e b) e 662°, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil), pois as aludidas provas testemunhal e documental necessariamente impunham uma decisão diversa.
8. Por isso, de acordo com o depoimento das testemunhas supra aludidas, e com o recurso às regras de experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos que deu como não provados, mormente a alínea b) da decisão recorrida.
9. Pelo que, assim sendo, o tribunal recorrido incorreu num erro de julgamento na forma como valorou os factos que deu como não provados, o qual deve ser alterado por este Tribunal Superior (cfr. artigo 640, n.º 1 als. a) e b) e 662°, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil), pois a aludida prova testemunhal e documental junta impunha que o tivesse dado como provado na sua totalidade ou parcial.
10. Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1ª instância contra decisão proferida acerca da matéria de facto, não se sana o vício da decisão, pois a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida.
11. O recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto (cfr. artigo 662.° do C.P.Civil), que haja ou não reclamação, não ficando precludido esse mesmo legítimo direito;
12. Pelo que, os recorrentes pretendem a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662°, n.º 1 do C.P.Civil ou seja,"A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
13. Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido dc fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662°, n.º 2 do C.P.Civil)
14. Pelo exposto, após analisada somente a matéria de facto que em nossa modesta opinião foi incorrectamente julgada, concretamente, os factos dados como não provados constantes da alínea b) da decisão recorrida) - ARTIGOS 14° A 25°. DO REQ. INICIAL, que devem ser dados como provados na sua totalidade ou parcialmente.
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III.- Por sua vez, a Requerida, no essencial, conclui:

- O recorrente não logrou demonstrar os factos por si invocado na petição inicial, desde logo, a utilização daquela parcela de terreno como caminho público.
- Da mesma forma, não demonstrou ter o direito de passagem com carros de bois e tractores, não se encontrando sequer demonstrada a existência de sinais visíveis e permanentes nesse sentido.
- Não demonstrou ainda que aquele fosse o único acesso que tem à sua habitação, antes pelo contrário.
- As alegações apresentadas pelo recorrente não passam de uma mera tentativa de realização de alteração da prova produzida que não lhe foi favorável, o que não é legalmente possível, pois, os factos tidos como assentes e a prova produzida não impõem, em momento algum, decisão diversa.
- A matéria de facto dada como provada e não provada pelo Meritíssimo Juiz a quo é insusceptível de qualquer tipo de censura ou alteração.
- Não existe nos factos tidos como assentes e provados, nem na prova produzida, nada que imponha decisão diversa da que foi proferida, o que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais.
- O Meritíssimo Juiz a quo decidiu correctamente e não incorreu em qualquer erro de julgamento da matéria de facto ou de direito, devendo manter-se a decisão recorrida.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, pretende o Apelante:
- que se reaprecie a decisão de facto;
- que se reaprecie a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

a) julgou provado que:

1- O Requerente tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do imóvel sito no Lugar P., Vila Verde, inscrito com o actual artigo matricial n.º .. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n° …, constituído por casa de dois pavimentos e um logradouro.
2- A Requerida e J. F. têm inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o artigo …, composto por casa de dois pavimentos, com logradouro.
3- O imóvel referido em 1 confronta com o imóvel referido em 2, a Nascente.
4- Da descrição predial referida em 1 consta que o prédio aí identificado confronta a Norte, Sul e Poente com caminho público.
5- Da descrição predial referida em 2 consta que o prédio aí identificado confronta a Norte, Sul e Poente com caminho.
6- O prédio referido em 2 consta da matriz como confrontando a Norte, Sul e Nascente com caminho de servidão.
7- O acesso aos prédios referidos em 1 e 2 é assegurado por uma parcela de terreno com a qual os prédios confrontam.
8- A porta de acesso à habitação referida em 1 desemboca na parcela de terreno referida em 7.
9- A referida parcela de terreno tem uma largura variável entre os 2 metros e 3,40 metros.
10- O Requerente e os ante-possuidores do prédio referido em 1 sempre usaram aquela parcela para aceder à habitação a pé.
11- O que fizeram de forma continuada e permanente à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.
12- A Requerida colocou nessa parcela de terreno uma casota e uma pequena vedação de arame.
13- E colocou nessa parcela um cão, que acorrentou.
14- O Requerente já tentou contactar com a Requerida, por via postal, e apresentou queixa junto do Município
15- O acesso às habitações referidas em 1 e 2 pode ser feito, desde a Travessa J., por acesso pedonal em escadas de betão.
16- O acesso às habitações referidas em 1 e 2 pode ser feito, ainda, desde a Avenida PR, do lado nascente, pela parcela de terreno referida em 7.
17- Os antepassados do Requerente e a Requerida, desde há mais de 30 e 40 anos, fizeram uso da referida parcela de terreno para aceder a pé às habitações referidas em 1 e 2.
18- Fizeram-no de forma continuada, permanente, sem oposição de ninguém, à vista e com conhecimento de todos.
19- A referida parcela de terreno, na ponta oposta à Avenida PR, forma uma bifurcação, e, do seu lado direito, dá acesso, a pé, às habitações, e, pelo seu lado esquerdo, dá acesso, a pé e de carros de bois, a vários campos.
20- O prédio referido em 1 confronta directamente com um arruamento denominado Travessa J..

b) julgou não provado o que consta dos:

Artigo 4.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 4 e 7 dos Factos Provados.
Artigo 5.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 8 dos Factos Provados.
Artigo 6.º do Requerimento Inicial.
Artigo 7.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 9 dos Factos Provados.
Artigo 8.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 10 dos Factos Provados.
Artigo 9.º do Requerimento Inicial.
Artigo 10.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
Artigo 11.º do Requerimento Inicial.
Artigo 12.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 12 dos Factos Provados.
Artigo 13.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 13 dos Factos Provados.
Artigos 14.º a 25.º do Requerimento Inicial.
Artigo 26.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 24 dos Factos Provados.
Artigo 27.º do Requerimento Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 24 dos Factos Provados.
Artigos 28.º e 29.º da Petição Inicial.
Artigo 13.º da Oposição, salvo na parte que resulta dos pontos 2, 5 e 6 dos Factos Provados.
Artigo 14º da Oposição, salvo na parte que resulta dos pontos 15 e 16 dos Factos Provados.
Artigo 15.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 8 dos Factos Provados.
Artigo 20.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 17 dos Factos Provados.
Artigo 21.º da Oposição.
Artigo 22.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 19 dos Factos Provados.
Artigos 23.º e 24.º da Oposição.
Artigo 26.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 17 dos Factos Provados.
Artigo 27.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 18 dos Factos Provados.
Artigo 28.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 18 dos Factos Provados.
Artigo 29.º da Oposição, salvo na parte que resulta dos pontos 17 e 18 dos Factos Provados.
Artigos 32.º e 33.º da Oposição, salvo na parte que resulta do ponto 20 dos Factos Provados.
Artigos 34.º a 51.º da Oposição.
Artigos 53.º a 61.º da Oposição.
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VI.- O Apelante insurge-se contra a decisão da matéria de facto, pretendendo que aos n.os 10; 17; e 19 seja acrescentado que ele, Apelante e os anteriores possuidores do prédio que é agora seu sempre usaram a parcela de terreno em causa para a ele acederem a pé, “de carro de bois e tractor”, mais pretendendo que se julgue provada a facticidade que alega nos artigos 14 a 25 do seu articulado inicial, fundamentando a sua divergência nos depoimentos das testemunhas (todas as arroladas por si e, bem assim, as arroladas pela Requerida), indicando os minutos e segundos das passagens de cada um dos depoimentos.
Destarte, cumpriu o Apelante com todos os ónus impostos pelo art.º 640.º do C.P.C., não havendo, por isso, obstáculo legal à reapreciação da decisão quanto aos pontos de facto impugnados.
2.- Na reapreciação da matéria de facto, a Relação, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, no sentido de formar a sua própria convicção.
No que se refere à prova dos factos que consubstanciam os pressupostos da providência, como salientam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o juiz não poderá exigir “o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da acção”, antes bastará a probabilidade séria da existência do direito, ou seja, o simples fumus boni iuris (in “Manual de Processo Civil” págs. 24 e 25).
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VI.- O Tribunal a quo na fundamentação da decisão de facto, depois de fazer um resumo do depoimento de cada uma das testemunhas refere, quanto à facticidade em discussão:
… a generalidade das testemunhas também relata em termos coerentes e com base em conhecimento directo a matéria vertida nos pontos 10 a 13, 17 e 18 dos Factos Provados.
A divergência que se constata reside em saber se o Requerente e antecessores também usavam a parcela de terreno em causa nos autos para aceder de carro de bois ou de tractor à habitação.
Neste particular, constata-se que a testemunha C. R. limita-se a reproduzir o que ouviu o Requerente comentar e que a testemunha S. A. refere o acesso de tractores de "marcha-atrás", não conseguindo explicar o propósito desse acesso, à excepção de uma ocasião isolada, há 20 anos atrás, para substituição de um telhado.
Mais nenhuma testemunha refere a passagem de veículos de tracção animal ou mecânica, resultando pouco plausível o que referem quanto ao estorvo da passagem a pé, resultante das construções efectuadas pela Requerida, atenta a largura disponível e constatada na inspecção ao local.
Nesta diligência foi possível constatar, para além do mais, que a presença de um cão, retratado no auto, muito dificilmente poderá constituir algum estorvo, atento o porte do mesmo e a circunstância de se encontrar preso no interior do espaço delimitado pela rede metálica colocada pela Requerida.
Constata-se, ainda, que nenhuma das testemunhas afirma o alegado nos artigos 23.º a 25.º do Requerimento Inicial, limitando-se a aludir à impossibilidade de passagem de tractores e outros veículos em resultado da colocação da rede e da casota.”.
Revisitados os depoimentos através das gravações, que proporcionam uma imediação mitigada, é certo, mas que pode ser ultrapassada por uma atenção cuidada à postura da voz, às hesitações e a eventuais contradições, assim como à colocação das perguntas e ao teor das respostas, permitem-nos concluir, com segurança, que não assiste razão ao Apelante na sua pretensão de ver alterada a decisão da matéria de facto.
Com efeito, como refere o Tribunal a quo, nenhuma das testemunhas (e as arroladas pelo Apelante são todas familiares próximos dele – noras, uma neta e um filho: respectivamente, C. S. e L. C.; A. A.; e, finalmente, S. A.) se referiu aos factos vertidos nos artigos 16 a 25 do Requerimento Inicial. Com efeito, nenhuma delas mencionou a presença de outros “elementos que bloqueiam o caminho” para além da “casota” do cão e da vedação em arame, referidos em 12 e 13, e também nenhum deles mencionou, sequer, qualquer episódio de queda do Apelante, ou, sequer, perigo de que isso aconteça. Ninguém se referiu à idade e à alegada deficiência visual do Apelante. Nenhuma das mencionadas testemunhas referiu quaisquer projectos do Apelante para a realização das invocadas obras na casa e, dizendo que ele tem a sua casa “ali próximo”, nem ao de leve referiram quaisquer planos do Apelante para ir viver para o prédio urbano referido em 1, dos “factos provados”.
Apesar de ter havido total divergência das testemunhas acima referidas e das arroladas pela Requerida: G. O.; M. F.; C. P.; Maria; e T. F., sobre a possibilidade de aceder às casas de habitação, no espaço do “logradouro”, com um veículo automóvel, defendendo estas a impossibilidade e aquelas o inverso, sobretudo fazendo a entrada de “marcha-atrás”, como lhes foi sugerido pela pergunta, houve unanimidade quanto ao facto de até esta data tal acesso nunca ter sido feito, e ainda, que até à data quem acedeu por ali a ambas as casas de habitação fê-lo a pé. Relativamente ao trânsito de carros de bois e tractores, de facto algumas testemunhas o afirmaram mas referindo-o com o destino aos campos de cultivo que ficam nas traseiras das duas casas.
A circunstância, referida em 9, de o acesso à “parcela de terreno” ou “logradouro comum” se fazer por uma “entrada” com apenas dois metros de largura diminui consideravelmente a hipótese de ali se aceder seja com um tractor, seja com um veículo automóvel, para mais que têm de manobrar para conseguir “entrar” naquele espaço.
Mantém-se, por isso, incólume a decisão de facto acima transcrita, nesta parte se recusando provimento à pretensão do Apelante.
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VII.- Como se sabe, as providências cautelares têm um carácter de instrumentalidade em relação à acção a propor ou já pendente, e visam assegurar a eficácia da sentença – cfr. art.. 2.º, n.º 2, parte final, do C.P.C. - seja obviando a que a situação de facto, o statu quo, de tal modo se altere que impossibilite a sua reintegração, seja antecipando o direito que, com toda a probabilidade, virá a ser reconhecido ao requerente, antecipação que a urgência na efectivação desse direito justifica (cfr., v. g., Prof. Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, I, pág. 131).
No essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora.
Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).
Como se alcança do disposto nos art.os 362.º e 368.º, ambos do C.P.C., são requisitos do procedimento cautelar comum:

a) - não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros procedimentos cautelares (característica da subsidiariedade);
b) - a probabilidade séria da existência do direito alegadamente ameaçado;
c) - o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;
d) - a adequação da providência solicitada para evitar a lesão; e) – que o prejuízo que para o requerido resulta da providência não seja superior ao dano que se pretende evitar.
Cumpre curar do requisito referido sob a alínea c), que corresponde ao periculum in mora, e ajuizar se os factos julgados provados consubstanciam ou não uma lesão grave do direito de propriedade do Apelante e se essa lesão é dificilmente reparável.
A propósito da dificuldade da reparação refere o Ac. desta Rel. de Guimarães de 10/10/2013, que: “No procedimento cautelar comum, para se aferir do carácter dificilmente reparável da lesão iminente, importa verificar se o risco que a situação implica é excessivo relativamente ao risco normal associado à pendência da acção definitiva, visando a composição definitiva do litígio ou a sua realização coerciva, e se o decretamento da providência implica prejuízo superior ao dano que se quer evitar”, sendo que “A prova de que o dano é de “difícil reparação”, nos casos em que estamos face a danos materiais, deve ser mais exigente, isto é, o critério da “irreparabilidade” deve ser bem mais restrito (em comparação com o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física e moral). Isto porque estes (os materiais) são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.” (ut Proc.º 246/12.9TBBCL-A.G2, Desemb. ANTERO VEIGA, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido vai o Ac. da Rel. de Coimbra de 22/11/2005, ao referir que “O critério da “irreparabilidade” deve ser mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física e moral, uma vez que, em regra, os danos materiais são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.” (ut Proc.º 3025/05, Desemb. Barateiro Martins, in www.dgsi.pt).
Também o Ac. da Rel. de Évora de 10/11/2010 decidiu pelo indeferimento liminar de uma providência cautelar “em que se peticiona a reparação de vícios de construção existentes em imóvel ou o pagamento da indemnização correspondente à reparação”, isto porque os procedimentos cautelares, seja os conservatórios, seja os antecipatórios “serão sempre e apenas uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal mas não a sua substituição” (in Colectânea Jurisprudência, ano XXXV, tomo V, págs. 260-261. Proc.º 1835/10, Desemb. Ribeiro Cardoso).
Já o Ac. da Rel. do Porto de 22/11/2011 oferece os dois critérios possíveis de avaliação da dificuldade da reparação: um critério subjectivo “que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente” e um critério objectivo, “aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar, sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo.” (ut Proc.º 1408/11.1TJPRT.P1, Desemb. M. Pinto dos Santos, com voto de vencido da Desemb.ª Ondina Carmo Alves, in www.dgsi.pt).
Para Marco Carvalho Gonçalves, a lesão será grave e dificilmente reparável “quando não seja viável a reintegração do direito de forma específica ou por equivalente no decurso de um juízo de mérito”, e cita Mário Aroso de Almeida, que defende que “o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente”.
Para o italiano Proto Pisani, citado por aquele Autor, “a “irreparabilidade deve ser analisada sob o prisma da pessoa titular de um direito e não sobre um determinado direito”, não configurando, por isso, um prejuízo irreparável “a violação ou a ameaça de violação de um direito com uma função patrimonial, exceto quando esteja em causa uma situação de perigo de insolvência” (in “Providências Cautelares”, 2.ª ed. Almedina, págs. 202-204).
Na situação sub judicio o Apelante foca o acto lesivo como afectando o seu direito de propriedade.
Contudo, e como ficou provado, a conduta da Requerida não afecta o seu direito de uso e fruição da casa por aquele, posto que a ocupação do espaço pelos dois “obstáculos” provados permite o trânsito de pessoas e, pela natureza das coisas, também de meios de transporte de pequena largura, até à porta da supramencionada casa.
Não tendo sido feita prova da violação de direitos de personalidade, estes sim de difícil reparação, a provada “restrição de trânsito” (apenas pedonal), para mais, havendo alternativas, não tem o grau de gravidade que justifique a providência antecipatória pretendida, tanto mais que se não provou o facto invocado como fundante da urgência da efectivação do direito, sendo, finalmente, certo que a facticidade apurada não permite formular um juízo seguro sobre a efectiva lesão do direito de propriedade e, consequentemente, sobre o valor da reparação.
Não há, pois, fundamento minimamente consistente para revogar a douta decisão impugnada que, por isso, se confirma e mantém, destarte se recusando provimento ao recurso.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 07/12/2017
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)