Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
108/12.0TCGMR.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PARTILHA
CLÁUSULA ADICIONAL
PROVA TESTEMUNHAL
CLÁUSULA CONTRÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. . Só pode ser produzida prova testemunhal para a prova de uma cláusula contrária ou adicional a um contrato, desde que haja um princípio de prova escrita.
2. . Pode ser produzida prova testemunhal para provar que uma das partes outorgantes numa partilha, pretendeu, concomitantemente, doar uma parte do valor das tornas que recebeu aos demais intervenientes, quando exista um contrato promessa outorgado entre todas as partes, onde estes estabelecem qual a verba a receber por cada uma.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
AA… e BB… residentes na Rua de Santa Justa, nº. …, Pousada de Saramagos, Vila Nova de Famalicão, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB… e outros, melhor identificados nos autos, alegando, em síntese, ser o primeiro, filho do Réu Francisco, e irmão e cunhado dos demais Réus, sendo que, em 18 de Junho de 2002, faleceu Maria …, no estado de casada com o referido Francisco …, deixando como herdeiros legitimários os seus nove filhos; mais alegam que partilha dos bens imóveis do dissolvido casal, formalizada por escritura outorgada no Cartório Notarial da Dra. Antónia Manuela F. Novais Silva, foi declarada nula – por simulação relativa – por decisão judicial, já transitada em julgada, proferida nos autos de acção sob a forma de processo sumário nº. 4609/08.6TBGMR, decisão essa que, contudo, ressalvou os efeitos decorrentes do negócio dissimulado, isto é, a seguinte forma de partilha: que a raiz ou nua propriedade dos prédios referidos em b) fossem adjudicados à 1ª R. pelo valor global de € 25.000, sendo que esta pagaria a título de tornas ao A., 2º a 8º RR., seus irmãos, e ao 9º R., € 2.500/cada; e que sobre os mencionados prédios fosse constituído, a favor do 9º R. usufruto.
Mais alegaram que o dito negócio dissimulado é anulável pelo facto da Autora mulher não ter consentido nele, nem o ter ratificado. Os Autores pugnaram também pela nulidade do dito negócio dissimulado por o mesmo ser contrário a normas imperativas na medida em que não foi respeitada a parte que obrigatoriamente teria de caber ao Réu Francisco …: os imóveis a partilhar tinham valor não inferior a € 60.000,00, sendo de € 30.000,00 a meação do referido Francisco … e € 7.500,00 o seu quinhão, pelo que considerando o valor do usufruto de € 6.000,00, aquele Francisco Oliveira sempre teria de receber a quantia de € 31.500,00 a título de tornas devidas pela primeira Ré que não recebeu.
Os Autores terminaram formulando os seguintes pedidos e por esta mesma ordem:
a). ser declarada nula e de nenhum efeito a partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por morte de Maria …;
b). caso assim não se entenda e subsidiariamente, ser declarada anulada a partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por morte de Maria Cardoso;
c). ser ordenado o cancelamento dos registos e averbamentos à inscrição da raiz ou nua propriedade a favor dos primeiros Réus e do usufruto a favor do nono Réu sobre os imóveis descritos sob os nºs. … – Vermil e … – Vermil, repondo em vigor a inscrição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de Autor e Réus.
No decurso das diligências para citação dos Réus, foi informado e devidamente documentado o óbito do Réu Francisco de Oliveira, ocorrido em 12 de Abril de 2012.
Por despacho de fls.104 e 105 foram declarados habilitados os Réus BB e Outros para prosseguirem os ulteriores termos da causa na posição processual primitivamente ocupada pelo Réu Francisco.
Regularmente citados, apenas os primeiros Réus BB e Outros contestaram a acção, alegando, por excepção, que a Autora teve perfeito conhecimento do negócio, tendo participado nas respectivas negociações, sendo certo também que já caducou o direito de requerer a anulação do negócio, dado que a Autora dele teve conhecimento há mais de seis meses e que tal negócio foi celebrado há mais de três anos. Mais alegaram que Autores e Réus fixaram, por mútuo acordo e para efeitos de partilha, o valor dos bens a partilhar em € 25.000,00, tendo ademais o Réu Francisco decidido doar a seus filhos, em acto subsequente ou simultâneo, por liberalidade e com o acordo de todos, uma parte do valor da sua meação e do seu quinhão hereditário. Ademais, os contestantes impugnaram a factualidade alegada pelos Autores e peticionaram a condenação destes como litigantes de má-fé.
Os Autores não deixaram de replicar a fls.141 e seguintes, onde pugnaram pela extemporaneidade da apresentação da contestação e defenderam a improcedência da invocada caducidade e demais excepções invocadas pelos Réus.
A fls.152 foi ainda apresentada tréplica.
A fls.158 e seguintes foi fixado em € 60.000,00 o valor da causa e foi julgada tempestivamente apresentada a contestação, tendo-se em seguida proferido despacho saneador onde se fixaram os factos assentes e elaborada a base instrutória, a qual foi reformulada no início da audiência de julgamento.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que decidiu declarar nula a partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por morte de Maria, melhor descritos em I.3 e, em consequência, determinou o cancelamento dos registos e averbamentos à inscrição da raiz ou nua propriedade a favor dos primeiros Réus, e do usufruto a favor de Francisco de Oliveira, sobre os imóveis descritos sob os nºs. …/… – Vermil e … – Vermil (respectivamente Ap. 15 de 2008/06/09, Ap. 16 de 2008/06/09 – cfr. fls.32 e 30).
Os RR. BB e Outro, não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, no qual formularam as seguintes conclusões:
A. O artigo 394º do CCivil não veda, em absoluto, a produção de prova testemunhal, designadamente quando essa prova testemunhal seja complementar e/ou coadjuvante da prova documental já existente no processo, como é, salvo o devido respeito, o caso nestes autos.
B. Ou seja, existindo, como existe, prova documental do acordo celebrado entre as partes, nada impede que seja produzida, admitida e tida em consideração, na decisão a proferir, prova testemunhal, designadamente para fixar o sentido e alcance dos documentos e/ou interpretar a vontade real das partes deles constante.
C. Neste sentido, além doutros, o Ac. STJ, 07-02-2008, Proc. 07B3934, in www.dgsi.pt, que refere, “A regra do artigo 394º do CC, que estabelece a inadmissibilidade da prova por testemunhas, se tiver por objecto convenção contrária ou adicional ao conteúdo de documento particular mencionado nos artigos 373º a 379º, não tem um valor absoluto, sendo admitida a prova testemunhal quando houver um começo ou princípio de prova por escrito, ou mesmo quando as circunstâncias do caso concreto tornam verosímil a convenção”.
D. No caso do autos não só existe prova escrita, como a prova testemunhal produzida - que poderá e deverá ser atendida - demonstra com clareza a vontade real das partes, em consonância com o teor ou conteúdo do documento escrito – contrato promessa junto a fls 191 e sgts - tornando inclusive absolutamente verosímil que o Réu Francisco de Oliveira decidiu, em ato subsequente ou simultâneo à partilha notarial, com o acordo de todos, dar aos seus filhos, em partes iguais, uma parte do seu quinhão hereditário e da sua meação, reservando para si a quantia igual à de cada um dos seus filhos, ou seja, por forma a que cada um, inclusive ele, recebesse €2.500.
E. Do depoimento da única testemunha ouvida em audiência de julgamento não resulta qualquer acordo ou convenção contrária ao vazado no aludido contrato promessa, pois, em momento algum, por tal testemunha é referida qualquer factualidade divergente, bem pelo contrário, relativo ao vazado na promessa de partilha, apenas e tão só por ela é
referida a motivação, os fundamentos, o alcance de tal contrato promessa.
F. De facto, a única testemunha ouvida - comum a AA e RR - apenas e tão só relatou ao Tribunal os preliminares ou negociações havidas entre as partes e o alcance ou vontade real que esses contraentes quiseram dar ou vazar nesse acordo ou promessa escrita que mais não seria que a redução a escrito do acordo resultante dessas negociações.
G. Assim e na verdade, tal testemunha única, ouvida em audiência de julgamento, no depoimento que prestou e que se encontra gravado em CD, dos 1 minuto e 13 segundos
até aos 4 minutos e 48 segundos relata ao Tribunal como teve conhecimento dos factos em discussão nos autos, designadamente que, não obstante ser advogado, mas a título particular e familiar colaborou com AA. e RR., concretamente com a R. Maria de Fátima Oliveira, na preparação da escritura de partilha junto do Cartório Notarial; aos 5 minutos e 45 segundos, a testemunha questionada se a A. mulher teve conhecimento do negócio dissimulado, para além de responder afirmativamente e relatar a razão de ciência para tal resposta, relatou ainda ao Tribunal o conhecimento direto das negociações ou preliminares ao acordo de partilha e a motivação e vontade real das partes nessa mesma partilha.
(Eliminou-se a transcrição do depoimento da testemunha, por não ser necessário para a compreensão do objecto do recurso).
H. Ora, perante esta prova produzida em audiência de julgamento cuja transcrição parcial supra se reproduziu conclui-se que a testemunha apenas e tão só veio explicar e complementar o conteúdo do documento, do contrato promessa pelo que, salvo o devido
respeito, entende o recorrente não existir fundamento para a sua não admissão no que à resposta ao quesito ou artigo 13º da Base Instrutória concerne.
I. Do depoimento desta única testemunha, repete-se, comum a AA. e RR., não resulta que entre as partes tenha havido qualquer outro acordo, anterior ou contemporâneo, que seja ou torne contrário ao acordo reduzido a escrito.
J. No seu depoimento, a testemunha apenas e tão se limitou a relatar ao Tribunal as negociações prévias à outorga do contrato promessa de partilha e, bem assim, a motivação, vontade real das partes na feitura dessa mesma promessa, doc. junto a fls. 191 e sgts.
K. Assim, face à prova produzida, deveria o douto tribunal recorrido, ter dado como respondido afirmativamente ao quesito ou artigo 13º da Base Instrutória, ou seja, deveria ter dado como provado que o Réu Francisco decidiu, em ato subsequente ou simultâneo ao acordo referido em I.13 a I.15, com o acordo de todos, dar aos seus filhos, em partes iguais, uma parte do valor do seu quinhão hereditário e da sua meação, reservando para si uma quantia igual à que foi distribuída pelos seus filhos.
L. E isto é aquele documento no seu integral significado.
M. Impõe-se, por isso, modificar e/ou revogar a douta decisão proferida quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, substituindo-a por outra que dê como provado o quesito 13º da Base Instrutória, ou seja:
1. Por escritura pública outorgada no dia 20 de Novembro de 2002, no Segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, exarada a folhas trinta e oito e seguintes do Livro de Escrituras Diversas numero duzentos e vinte – F, foi declarado que no dia dezoito de Junho de dois mil e dois, na freguesia de Vermil, deste concelho, faleceu, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, Maria, que, também usava o nome de Maria, no estado de casada, em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens com o nono Réu, tendo deixado como únicos herdeiros legitimários, seu marido, o aqui nono Réu, e seus nove filhos, o Autor marido e os primeiro a oitavo Réus – Cfr., o teor do documento junto a fls. 26 a 29 dos presentes autos – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.).
2. A herança aberta por óbito de Maria Cardoso era composta por depósitos em dinheiro, móveis e imóveis – alínea B. dos F.A..
3. Dentro dos imóveis era composta pelos seguintes prédios: - Um prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, sito na Travessa do Paço de Cima, da freguesia de Vermil, do concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …;
- Um prédio rústico, sito na mesma Travessa do Paço de Cima, da freguesia de Vermil, do concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … - cfr., o teor dos documentos juntos a fls. 30 a 35 dos presentes autos – alínea C. dos F.A..
4. Tais prédios encontravam-se registados em comum e sem determinação de parte ou direito a favor do Autor e dos Réus pela inscrição G – Ap. 10 de 27 de Março de 2008 –
cfr., o teor dos documentos juntos a fls. 30 a 35 dos presentes autos – alínea D. dos F.A..
5. O Autor deu entrada duma acção contra os aqui primeiros a nono Réus, pedindo fosse
declarada nula por simulação a partilha dos bens referidos em 3. e ordenado o cancelamento dos registos de propriedade a favor dos primeiros Réus e do registo do usufruto a favor do nono Réu, acção que foi distribuída ao 3.º Juízo Cível desta comarca e autuada sob o n.º 4609/08.6TBGMR – cfr., o teor do documento junto a fls. 120 a 138 dos presentes autos – alínea E. dos F.A..
6. A acção referida em 5. findou por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8.11.2011, o qual concluiu pela declaração de “(…) nulidade – por simulação relativa – da partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por óbito de Maria …, titulada pela escritura publica celebrada em 24/04/08 e respeitante aos imóveis supra identificados, ressalvando-se, por ora, os efeitos decorrentes do negócio dissimulado (que consiste na partilha da herança nos termos que constam das alíneas g) e h) da matéria de facto), sem prejuízo de qualquer decisão que, futura e eventualmente, venha a declarar a nulidade ou a anulabilidade dessa partilha dissimulada” – cfr., o teor do documento junto a fls. 120 a 138 dos presentes autos – alínea F. dos F.A..
7. Naqueles autos, da matéria de facto dada por provada, resultou das alíneas g) e h) que:
“Queriam A. e os RR., que a raiz ou nua propriedade dos prédios referidos em b) fossem adjudicados à 1ª R. pelo valor global de € 25.000, sendo que esta pagaria a título de tornas ao A., 2º a 8º RR., seus irmãos, e ao 9º R., € 2.500/cada (…); “Queriam ainda o A. e os RR., que sobre os mencionados prédios fosse constituído, a favor do 9º R. usufruto” - cfr., o teor do documento junto a fls. 120 a 138 dos presentes autos – alínea G. dos F.A..
8. O Autor marido e os aqui Réus queriam a realização da partilha dos imóveis que pertenciam à herança aberta por óbito de Maria, que também usava o nome de Maria Gomes, em termos de tais bens imóveis serem adjudicados em raiz ou nua propriedade à primeira Ré, Maria de Fátima, pelo valor global de € 25.000,00 – alínea H. dos F.A..
9. O Autor e a Autora contraíram casamento entre si, sem celebração de convenção antenupcial – cfr., o
teor do documento junto a fls. 26 a 29 dos presentes autos – alínea I. dos F.A..
10. Na partilha das contas abertas em nome de Maria na Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 52.880,50, efectuada em 03 de Julho de 2003, pelo Autor e primeira a nono Réus, recebeu o nono réu o valor de € 33.030,82 e o Autor e primeira a
oitavo Réus o valor de € 2.203,35 – alínea J. dos F.A..
11. Nem o Autor nem nenhum dos Réus repudiou a herança – alínea L. dos F.A..
12. A presente acção foi proposta em 30.03.2012 – cfr. fls. 36 dos presentes autos – alínea M. dos F.A..
13. O Autor e os primeiro a nono Réus acordaram que o valor de € 25.000,00, referido em 8., seria dividido em dez partes iguais – alínea N. dos F.A..
14. E acordaram que a primeira Ré, , pagaria a cada um dos seus irmãos, o ora Autor e a segunda a oitava Rés, o valor de € 2.500,00 – alínea O. dos F.A..
15. E acordaram que a primeira Ré, , pagaria a seu pai, o nono Réu, o valor de € 2.500, com reserva de usufruto de tais bens a favor deste – alínea P. dos F.A..
16. Os bens imóveis a partilhar atingiam o valor global de € 38.106,15 (trinta e oito mil,
cento e seis euros e quinze cêntimos) – resposta ao artigo 6º da Base Instrutória (B.I.)
17. O usufruto referido em 15. tinha o valor de € 3.810,62 – resposta ao artigo 7º da B.I.
18. A Autora mulher teve, desde sempre, conhecimento do negócio referido em 8. e de 13. A 15. – resposta ao artº. 8º da B.I..
19. A Autora mulher participou, pessoal e activamente, nas respectivas negociações ou preliminares, tendo recebido, conjuntamente com seu marido, a quantia referida em 14. – respostas aos artºs. 9 e 10º da B.I..
20. O Réu Francisco decidiu, em acto subsequente ou simultâneo ao acordo referido em I.13 a I.15, com o acordo de todos, dar aos seus filhos, em partes iguais, uma parte do valor do seu quinhão hereditário e da sua meação, reservando para si uma quantia igual à que foi distribuída pelos seus filhos – resposta ao artº. 13º da B.I..
21. Os Autores sabem ser falsas todas as afirmações que produzem na petição inicial, usando o presente processo com o intuito exclusivo de incomodar e ofender a honra e consideração de todos os Réus – respostas aos artºs. 11º e 12º da B.I.
E como não provados os seguintes factos:
1. A Autora mulher não consentiu no negócio referido em I.8 e I.13 a I.15 – resposta ao artigo 4º da B.I.
2. A Autora mulher nunca ratificou tal negócio – resposta ao artigo 5º da B.I.
N. Ora, dando-se como provado e não provado este factualismo, necessariamente outra deverá ser também a decisão de direito, isto é, deverá a ação ser julgada totalmente improcedente por não provada.
O. Ao decidir como decidiu o douto tribunal recorrido violou ou fez errada interpretação, além do mais, do disposto no artigo 394º e 2139º do CCivil.
A parte contrária contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A - Nenhum reparo merece a sentença lavrada pelo tribunal recorrido, à qual se adere sem qualquer reserva, razão pela qual terão de improceder todas as conclusões, doutas, da recorrente.
B - A matéria de facto dada por assente encontra-se devidamente fundamentada e resulta de uma correcta apreciação da prova produzida na audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência.
C – Inexiste o apontado erro de julgamento da matéria de facto apurada, pelo que devem ser mantidas as respostas positivas e negativas aos quesitos que integraram a matéria de facto controvertida.
D – Inexiste prova directa dos factos dados por não provados.
E - Em face de tal matéria assente, o tribunal tinha de concluir, como concluiu, pela absolvição dos réus do pedido.
F – As estipulações verbais anteriores, contemporâneas ou posteriores à partilha só seriam válidas se reduzidas à forma legal.
G - Mas para além da questão da validade temos a questão da prova de tais convenções verbais, que por contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico, não pode ser obtida por testemunhas.

II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

.se era possível o recurso à prova testemunhal para a prova dos factos constantes do artº 13º da base instrutória e em caso afirmativo, se a resposta “não provado” a esse artigo deve ser alterada para “provado” e, em consequência a acção ser julgada improcedente.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública outorgada no dia … 2002, no Segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, exarada a folhas … e seguintes do Livro de Escrituras Diversas numero duzentos e vinte – F, foi declarado que no dia dezoito de Junho de dois mil e dois, na freguesia de Vermil, deste concelho, faleceu, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, Maria, que, também usava o nome de Maria, no estado de casada, em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens com o nono Réu, tendo deixado como únicos herdeiros legitimários, seu marido, o aqui nono Réu, e seus nove filhos, o Autor marido e os primeiro a oitavo Réus – Cfr., o teor do documento junto a fls. 26 a 29 dos presentes autos – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.).
2. A herança aberta por óbito de Maria era composta por depósitos em dinheiro, móveis e imóveis – alínea B. dos F.A..
3. Dentro dos imóveis era composta pelos seguintes prédios:
- Um prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, sito na Travessa do Paço de Cima, da freguesia de Vermil, do concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o art. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º;
- Um prédio rústico, sito na mesma Travessa do Paço de Cima, da freguesia de Vermil, do concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … - cfr., o teor dos documentos juntos a fls. 30 a 35 dos presentes autos – alínea C. dos F.A..
4. Tais prédios encontravam-se registados em comum e sem determinação de parte ou direito a favor do Autor e dos Réus pela inscrição G – Ap. 10 de 27 de Março de 2008 – cfr., o teor dos documentos juntos a fls. 30 a 35 dos presentes autos – alínea D. dos F.A..
5. O Autor deu entrada duma acção contra os aqui primeiros a nono Réus, pedindo fosse declarada nula por simulação a partilha dos bens referidos em 3. e ordenado o cancelamento dos registos de propriedade a favor dos primeiros Réus e do registo do usufruto a favor do nono Réu, acção que foi distribuída ao 3.º Juízo Cível desta comarca e autuada sob o n.º 4609/08.6TBGMR – cfr., o teor do documento junto a fls. 120 a 138 dos presentes autos – alínea E. dos F.A..
6. A acção referida em 5. findou por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8.11.2011, o qual concluiu pela declaração de “(…) nulidade – por simulação relativa – da partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por óbito de Maria …, titulada pela escritura publica celebrada em 24/04/08 e respeitante aos imóveis supra identificados, ressalvando-se, por ora, os efeitos decorrentes do negócio dissimulado (que consiste na partilha da herança nos termos que constam das alíneas g) e h) da matéria de facto), sem prejuízo de qualquer decisão que, futura e eventualmente, venha a declarar a nulidade ou a anulabilidade dessa partilha dissimulada” – cfr., o teor do documento junto a fls. 120 a 138 dos presentes autos – alínea F. dos F.A..
7. Naqueles autos, da matéria de facto dada por provada, resultou das alíneas g) e h) que:
“Queriam A. e os RR., que a raiz ou nua propriedade dos prédios referidos em b) fossem adjudicados à 1ª R. pelo valor global de € 25.000, sendo que esta pagaria a título de tornas ao A., 2º a 8º RR., seus irmãos, e ao 9º R., € 2.500/cada (…); “Queriam ainda o A. e os RR., que sobre os mencionados prédios fosse constituído, a favor do 9º R. usufruto” - cfr., o teor do documento junto a fls. 120 a 138 dos presentes autos – alínea G. dos F.A..
8. O Autor marido e os aqui Réus queriam a realização da partilha dos imóveis que pertenciam à herança aberta por óbito de Maria Cardoso, que também usava o nome de Maria, em termos de tais bens imóveis serem adjudicados em raiz ou nua propriedade à primeira Ré, , pelo valor global de € 25.000,00 – alínea H. dos F.A..
9. O Autor e a Autora contraíram casamento entre si, sem celebração de convenção antenupcial – cfr., o teor do documento junto a fls. 26 a 29 dos presentes autos – alínea I. dos F.A..
10. Na partilha das contas abertas em nome de Maria na Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 52.880,50, efectuada em 03 de Julho de 2003, pelo Autor e primeira a nono Réus, recebeu o nono réu o valor de € 33.030,82 e o Autor e primeira a oitavo Réus o valor de € 2.203,35 – alínea J. dos F.A..
11. Nem o Autor nem nenhum dos Réus repudiou a herança – alínea L. dos F.A..
12. A presente acção foi proposta em 30.03.2012 – cfr. fls. 36 dos presentes autos – alínea M. dos F.A..
13. O Autor e os primeiro a nono Réus acordaram que o valor de € 25.000,00, referido em 8., seria dividido em dez partes iguais – alínea N. dos F.A..
14. E acordaram que a primeira Ré, , pagaria a cada um dos seus irmãos, o ora Autor e a segunda a oitava Rés, o valor de € 2.500,00 – alínea O. dos F.A..
15. E acordaram que a primeira Ré, Maria de Fátima, pagaria a seu pai, o nono Réu, o valor de € 2.500, com reserva de usufruto de tais bens a favor deste – alínea P. dos F.A..
16. Os bens imóveis a partilhar atingiam o valor global de € 38.106,15 (trinta e oito mil, cento e seis euros e quinze cêntimos) – resposta ao artigo 6º da Base Instrutória (B.I.)
17. O usufruto referido em 15. tinha o valor de € 3.810,62 – resposta ao artigo 7º da B.I.
18. A Autora mulher teve, desde sempre, conhecimento do negócio referido em 8. e de 13. a 15. – resposta ao artº. 8º da B.I..
19. A Autora mulher participou, pessoal e activamente, nas respectivas negociações ou preliminares, tendo recebido, conjuntamente com seu marido, a quantia referida em 14. – respostas aos artºs. 9 e 10º da B.I..
*
E foram julgados não provados os seguintes factos:
1. A Autora mulher não consentiu no negócio referido em I.8 e I.13 a I.15 – resposta ao artigo 4º da B.I.
2. A Autora mulher nunca ratificou tal negócio – resposta ao artigo 5º da B.I.
3. O Réu Francisco decidiu, em acto subsequente ou simultâneo ao acordo referido em I.13 a I.15, com o acordo de todos, dar aos seus filhos, em partes iguais, uma parte do seu quinhão hereditário e da sua meação, reservando para si uma quantia igual à que foi distribuída pelos seus filhos – resposta ao artº. 13º da B.I..
4. Os Autores sabem ser falsas todas as afirmações que produzem na petição inicial, usando o presente processo com o intuito exclusivo de incomodar e ofender a honra e consideração de todos os Réus – respostas aos artºs. 11º e 12º da B.I.

Da alteração da matéria de facto

Pretendem os apelantes que se dê como provados os factos constantes do ponto 3 dos factos não provados, com fundamento no depoimento da testemunha Filipe.
Antes de entrarmos na apreciação deste ponto 3 que corresponde ao artº 13º da base instrutória, há que referir o seguinte:
Os apelantes na alínea M das suas conclusões dizem que se impõe a modificação da decisão recorrida quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, substituindo-a por outra que dê como provado o artº 13º da base instrutória, mas ao transcreverem os factos provados e não provados, inserem também a matéria constante do ponto 4 dos factos não provados (que reproduz os artigos 11 e 12 da base instrutória). No entanto não pedem em momento algum a alteração deste ponto 4, nem fundamentam as razões da discordância, razão pela qual nos vamos cingir apenas à apreciação do ponto 3 dos factos não provados.
O Mmo Juiz a quo deu como não provados estes factos com o seguinte fundamento “A não prova do constante em II.3 resultou da ausência de produção de qualquer meio de prova admissível sobre tal matéria.
De facto, de todos os meios de prova produzidos, apenas o depoimento da testemunha Filipe … se debruçou sobre tal matéria, sendo certo, contudo, que estando em causa uma convenção contrária ao conteúdo de um documento particular (que é o contrato promessa de fls.191 e seguintes), o disposto no artº. 394º do C. Civil impossibilita que se faça uso da prova testemunhal para a demonstração dessa dita convenção (no caso, o acordo relativo à posterior ou contemporânea doação, aceite por todos, de parte do quinhão e da meação do cônjuge sobrevivo). Nessa medida e na ausência de melhor e admissível prova, a resposta ao artigo 13º da Base Instrutória só podia ser negativa.”
Os apelantes entendem que o artº 394º do CC não veda em absoluto a prova testemunhal quando essa prova testemunhal for complementar ou coadjuvante da prova documental já existente no processo, como é o caso nestes autos, em que foi junto um contrato promessa. Existindo como existe prova documental do acordo celebrado entre as partes, nada impede que seja produzida, admitida e tida em consideração, para a boa decisão a proferir, designadamente para fixar o sentido e alcance do documento e/ou interpretar a vontade real das partes relativa à elaboração desse documento.
Nos termos do nº 1 do artº 394º do CC é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

O fim do nº 1 do artº 394º do CC é afastar os perigos que a admissibilidade da prova testemunhal é susceptível de originar, pois quando uma das partes (ou ambas) quisesse infirmar ou frustar os efeitos do negócio, poderia sempre socorrer-se de testemunhas para demonstrar a existência de outras cláusulas para além das constantes do negócio acordado por escrito, destruindo assim, mediante uma prova muito menos segura, a eficácia do documento Conforme defendem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol I, Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p. 342..

O disposto nos nºs 1 do artº 394º do CC aplica-se ao acordo simulatório e ao acordo dissimulado, quando invocado pelos simuladores, o que é o caso dos autos, em que se pretende a declaração de nulidade do negócio dissimulado, mas não se aplica a terceiros (nºs 2 e 3 do artº 394º do CC). Esta excepção justifica-se pela grande dificuldade que os terceiros teriam de obterem documentos probatórios, justamente dada essa sua qualidade, tendo que recorrer à prova testemunhal. Contudo, a referida proibição de prova testemunhal não reveste carácter absoluto. A jurisprudência há muito que vem admitindo a prova testemunhal quando por documentos haja um princípio de prova desse acordo V.g. Acs. do STJ de 04.05.2010 e de 05.06.2012, proferidos, respectivamente, no proc. nº 2964/05 e no proc. 805/07, disponíveis em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser mencionados sem indicação de outra fonte. No mesmo sentido, Ac. do TRG de 12.11.2013, proferido no proc. 243/1999. e não só a jurisprudência , como também a doutrina.

Assim, no parecer do Prof Dr. Mota Pinto, em colaboração com o Dr. Pinto Monteiro, relativo à arguição da simulação pelos simuladores, no que se refere à prova testemunhal, constante da Colectânea de Jurisprudência Ano X, 1985, Tomo 3, páginas 9 e ss., defendeu-se que “interpretada à letra a regra enunciada no artigo 394º do Código Civil poderia ser susceptível de causar graves iniquidades, devendo admitir-se, por isso, algumas excepções, que não se oponham à sua razão de ser”.

Também Vaz Serra, sensível à necessidade de introdução de algumas restrições a esta regra, considera que as excepções formuladas nos códigos francês e italiano – arts. 1347º e 2724º do Code Civil e do Codice Civile, respetivamente – e aplaudidas pela doutrina e jurisprudência destes países parecem igualmente verdadeiras no nosso direito, apesar do silêncio do Código acerca delas, defendendo a admissibilidade da prova testemunhal nas seguintes situações excepcionais R.L.J., ano 107º, p. 311 e ss, apud Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 342 e 343. :

. quando exista um começo ou princípio de prova por escrito;

. quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita;

. em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova.

Quando há um princípio de prova escrita, o julgador não se defronta com a proibição dos nºs 1 e 2 do art.394º do CC, porque já se não trata de descobrir a convenção contrária ou adicional ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º do CC - nº1 do art.394º do CC - no depoimento de testemunhas, mas de encontrar essa prova num documento, que as testemunhas apenas ajudarão a entender no seu verdadeiro e próprio ( e querido ) significado Conforme se defende no Ac. do STJ de 1.10.2009, proferido no proc. nº 73-A/1998..

Concordamos com o entendimento que defende a admissibilidade da prova testemunhal para interpretar um documento, para a prova de que uma ou mais declarações estavam viciadas por vícios da vontade ou para a prova de convenções contrárias ou adicionais a cláusulas escritas, quando haja um princípio de prova escrito.

A primeira questão que se coloca então, antes de procedermos à audição do depoimento da testemunha Filipe, é se há um princípio de prova escrita que possa ser complementado com recurso a prova testemunhal.

O artº 13º da base instrutória que foi considerado não provado e cuja alteração da resposta é requerida pelos apelantes tem a seguinte redacção:
“ O Réu Francisco decidiu, em acto subsequente ou simultâneo ao acordo referido em I.13 a I.15, com o acordo de todos, dar aos seus filhos, em partes iguais, uma parte do seu quinhão hereditário e da sua meação, reservando para si uma quantia igual à que foi distribuída pelos seus filhos”.
Para responder se é possível enquadrar esta questão na excepção à proibição de prova testemunhal há que entender o ambiente da presente acção.
Foi celebrada em 24 de Abril de 2008 por escritura pública (junta a fls 178 e ss) a partilha de dois prédios, um urbano e um rústico, que se encontravam inscritos em comum e sem determinação de parte ou de direito a favor do A. e dos RR., tendo a nua propriedade sido adjudicada à 1ª R. e o usufruto ao 9º R., entretanto falecido, na pendência desta acção, consignando-se na aludida escritura que o valor das tornas a receber pelo 9º R. era no montante de 1.175,72 a pagar pela 1ª R., a sua filha Maria e dos demais oito RR., de 93,32 euros /cada, igualmente a suportar pela Maria de Fátima.
Por acórdão transitado em julgado proferido por este Tribunal da Relação de 8.11.2011, foi declarada a nulidade da referida partilha por simulação relativa, ressalvando-se os efeitos do negócio que se entendeu ser o dissimulado e que consistia na adjudicação da nua propriedade e do usufruto aos mesmos interessados, mas sendo mais elevado o valor atribuído aos imóveis e o valor das tornas, valor das tornas este que, diversamente do que se fez constar na escritura de 24.04.2008, era igual para todos os interessados, sendo no montante de 2.500,00 para cada um.
Este negócio dissimulado que foi o considerado querido pelas partes corresponde ao contrato-prometido celebrar mediante o contrato-promessa junto aos autos a fls 191 a 194.
É este contrato dissimulado que a sentença recorrida considerou nulo por não ter atentado nas regras imperativas do artº 2139º do CC.
Na contestação os apelantes defenderam que foi o 9º R. quem decidiu livre e conscientemente e com o acordo de todos os filhos e respectivos cônjuges que iria distribuir pelos filhos, parte do seu quinhão e meação, de forma a que ele e todos os filhos recebessem na partilha, igual quantia, no montante de 2.500,00 (artº 19º da contestação), assim antecipando a partilha (artº 20º da contestação), doando a todos os filhos, em partes iguais, uma parte do valor que lhe pertencia, reservando para si, uma parte igual à dos filhos e ainda o usufruto do imóvel (artº 24º da contestação, do qual foi retirado o artº 13º da base instrutória).
Não se nos afigura estar em causa uma convenção contrária ao conteúdo de um documento, mas sim uma convenção adicional, embora a distinção seja irrelevante para o efeito de se decidir se deve ou não ser admitida prova testemunhal. Além do negócio de partilha, pretendeu um dos subscritores do documento doar aos demais intervenientes que o aceitaram, parte das tornas a que tinha direito.
Há um princípio de prova escrita de que o que as partes pretenderam efectivamente foi adjudicar aos 1ºs RR. a nua propriedade dos dois bens imóveis, ao 9º R., o usufruto dos mesmos, e que a quantia que efectivamente o 9º R. receberia era igual à dos demais (contrato promessa junto aos autos).
E assim sendo, como é, havendo um princípio de prova do que efectivamente as partes pretenderam que o 9º R. recebesse, não se mostra vedado o recurso à prova testemunhal para aferir da existência ou não da alegada convenção de doação de parte do valor das tornas. Trata-se também, em certa medida, de interpretar a vontade das partes na produção do contrato promessa, situação em que, nos parece ser pacífico o entendimento de que, existindo já prova documental, susceptível de formar a convicção de verificação do facto alegado, é de admitir a prova de testemunhas, a fim interpretar e complementar a prova documental existente.
Sendo admissível a prova testemunhal, procedemos à sua audição.
A testemunha Filipe, em cujo depoimento os apelantes se alicerçam, é a única testemunha inquirida nestes autos, tendo sido arrolada por ambas as partes.
Disse ser advogado mas nunca ter intervido nessa qualidade. Limitou-se a auxiliar as partes na qualidade de familiar porque é casado com a filha dos RR. Maria.
Referiu que não foi o autor do contrato promessa junto aos autos.
No que à matéria do artigo 13º da base instrutória respeita, referiu que conversou várias vezes com o avô da sua mulher, o falecido 9º R., sobre a partilha. Este perguntou-lhe se podia dividir a casa pelos filhos. Já quanto ao dinheiro depositado, já não o pretendia partilhar nesses termos, mas sim nos termos que foram dados como provados no ponto 10. A testemunha mais referiu que disse ao 9º R. que devia partilhar os bens de acordo com os quinhões a que cada interessado tinha direito e depois, na prática, dividia pelos filhos a parte que lhe pertencia. Explicou ao 9º R. qual era o valor que lhe pertencia na partilha dos bens imóveis, considerando o valor de 25.000,00, valor que o 9º R. lhe disse ter sido o valor atribuído ao bens imóveis com o acordo de todos. Chegou a anotar-lhe num papel os valores a que tinha direito.
O 9º R. queria distribuir a parte que lhe cabia receber por todos os filhos e tinha consciência que lhe cabia receber mais do que os 2.500,00 euros que recebeu.
Tem ideia de que foi o próprio A. que sugeriu que o 9ºR. não abdicasse da totalidade da parte a que tinha direito, recebendo uma parte igual à dos filhos.
Estes factos eram do conhecimento de todos e todos aceitaram receber deste modo. Na sequência do acordado, a R. Maria pagou a todos os herdeiros a importância de 2.500,00, em numerário, antes da outorga da escritura.
A escritura foi feita de acordo com o que o A. pretendia.

Sobre o depoimento desta testemunha o Mmo Juiz a quo quanto ao vertido nos pontos 18 e 19 dos factos provados considerou-o desinteressado e isento, pormenorizado e esclarecedor, “merecendo total crédito do julgador, nada se tendo apurado que pudesse beliscar minimamente o seu depoimento”.
Também quanto a nós o depoimento da testemunha no que aos factos constantes do artº 13º da base instrutória se reporta, se nos afigurou credível e isento. E do depoimento da mesma testemunha resulta que foi intenção do 9º R. distribuir pelos seus filhos uma parte do valor que lhe competia receber a título de tornas, tendo até inicialmente, a sua intenção, sido a de nada receber, a não ser o direito de usufruto, com a partilha dos dois imóveis, mas acabando por aceder a receber uma quantia idêntica à que cabia a cada um dos seus filhos. O falecido Francisco sabia que tinha direito a receber quantia superior, mas quis beneficiar os seus filhos, sendo todos os factos do conhecimento de todos os interessados.
Impõe-se assim dar como provados os factos constantes do artº 13 da base instrutória, aditando-se aos factos provados, um novo número – 20 - reproduzindo esses factos.

Do Direito
A simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir um determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar. No entanto, pode ocorrer que as partes tenham celebrado um determinado negócio para ocultar um outro, o dissimulado, este sim querido pelas partes. E foi esta segunda situação que se verificou, tendo sido declarado por acórdão transitado em julgado a simulação da partilha efectuada por escritura de 24.04.2008, ressalvando-se os efeitos decorrentes do negócio dissimulado.
Pretendem agora os autores, com esta nova acção, obter a declaração de nulidade do contrato de partilha dissimulado.
Na sentença recorrida entendeu-se que este negócio era nulo porque o Francisco apenas recebeu o valor de € 5.000,00 (€ 2.500,00 correspondente ao usufruto que reservou para si e € 2.500,00 a título de tornas), sendo certo que o mesmo tinha direito a receber valores correspondentes a € 15.625,00 (ou seja, € 12.500,00 da meação, mais € 3.125,00 correspondente ao seu quinhão), pelo que essa partilha e considerando que não se provou existir uma concomitante ou posterior doação de parte desse valor de € 15.625,00 aos demais herdeiros e seus filhos, violou a norma imperativa do artº 2139º do CC.
Efectivamente e tal como bem se entendeu na sentença recorrida, as normas que regulam a sucessão legitimária são imperativas, não podendo o autor da sucessão furtar-se-lhes (artº 2027º) No sentido defendido no Ac. do STJ de 25.01.2005, proferido no proc. 04A3915.. A finalidade da lei ao instituir a legítima não é a de limitar directamente, em vida do de cujus, os seus poderes de disposição sobre os bens que lhe pertencem, mas sim, a de garantir à data da abertura da sucessão - que é a do falecimento daquele (artº 2031º) - uma certa porção de bens a determinados herdeiros, com obediência a uma ordem e a regras que o próprio legislador também dita (artº 2157º).
Ora, com a alteração da matéria de facto, não se mostra violado o disposto no artº 2139º do CC. As tornas foram pagas de acordo com um negócio concomitante, de disposição por parte do cônjuge sobrevivo de parte da sua meação, mais concretamente de parte das tornas que tinha direito a receber a favor dos seus filhos, doando-lhes parte desse valor, o que estes aceitaram, pois que tudo foi feito com o acordo de todos. O beneficiário era livre de dispor de partes do valor das tornas que lhe competia receber.
Assim, impõem-se a revogação da decisão.
O facto dos bens imóveis terem um valor superior ao valor que os herdeiros lhe atribuíram não gera a nulidade do negócio.
Por falta de prova da falta de consentimento do cônjuge, também improcede a declaração de anulabilidade da partilha, pedido formulado subsidiariamente.

Sumário:
. Só pode ser produzida prova testemunhal para a prova de uma cláusula contrária ou adicional a um contrato, desde que haja um princípio de prova escrita.
. Pode ser produzida prova testemunhal para provar que uma das partes outorgantes numa partilha, pretendeu, concomitantemente, doar uma parte do valor das tornas que recebeu aos demais intervenientes, quando exista um contrato promessa outorgado entre todas as partes, onde estes estabelecem qual a verba a receber por cada uma.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, absolvem os RR. dos pedidos.

Custas pelos apelados.

Notifique.

Guimarães, 12 de Fevereiro de 2015

Helena Melo

Heitor Gonçalves

Manso rainho