Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1974/13.7TBFAF.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A protecção do direito fundamental à identidade pessoal que está consagrado no art. 26º, nº 1, da Constituição – onde se inclui o direito ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico – não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade, exigindo apenas que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito de propor essa acção.
. O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO
A presente acção declarativa constitutiva, com processo comum ordinário foi intentada por C… contra M…, alegando, em síntese, que nasceu, no dia 5 de Junho de 1941. Do seu assento nunca constou a paternidade, sendo que o seu verdadeiro pai é J…. Este faleceu, a 19 de Outubro de 2000, sendo a ré a sua única filha. Para tanto, o autor alega a existência de relações sexuais entre o falecido e a sua mãe, C…, durante o período de concepção. Acresce que alega que o falecido sempre o tratou e reconheceu como filho, e o autor sempre o tratou como pai. Tal facto era até do conhecimento público.
Pede assim que se declare que o autor é filho de J….
Citada, a ré alega a caducidade da acão atento o disposto no art. 1817.º, do CC dizendo que o A. atingiu a maioridade a 5 de Junho de 1959, data a partir da qual dispunha de 10 anos para intentar a presente acção. Podia discutir-se, aliás, se o A. tinha ou não conhecimento de que J… seria seu pai e de tal forma, aproveitar-se ainda do prazo de 3 anos previsto na al. c) do nº 2 (conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação). Porém, face ao alegado, o A. há muito que teria conhecimento de quem seria o seu pai. Poderia, ainda discutir-se, se o A. ainda poderia beneficiar do prazo previsto na al. b) do nº 2 do artigo 1817º (cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai). Mais uma vez, o prazo há muito que se esgotou, pois que foi reconhecido e tratado como filho pelo pretenso pai até à morte deste. Ora, o pretenso pai faleceu a 19 de Outubro de 2000, ou seja, há mais de 13 anos. É assim óbvio que caducou o prazo para o A. intentar a presente acção. Por fim, a ré invoca a constitucionalidade do prazo legal supra mencionado e impugna os factos alegados pelo autor.

O autor responde alegando a inconstitucionalidade dos prazos previstos no art. 1817.º, do CC.
Seguiu-se a prolação de despacho saneador-sentença com o seguinte teor final
Face ao exposto, julga-se procedente a excepção peremptória da caducidade invocada pela ré e, consequentemente, absolve-se a ré do pedido.
Custas pelo autor.
Registe e notifique.

Apelou o Autor, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
1. Além do mais, a invocação pela Ré da inconstitucionalidade do prazo legal da caducidade da ação e a impugnação dos fatos alegados pelo Autor, são insuficientes, para não dizer mesmo inexistentes.
2. Contudo, o Tribunal" a quo" não só os considerou, como os valorou em favor da ré e em prejuízo do aqui recorrente.
3. O Tribunal" a quo" também não valorou não levou em consideração que a identidade da pessoa humana é um direito pessoalíssimo e intangível, enquanto direito individual da pessoa humana e que os Estados não devem beliscar, pois configura assim um direito supranacional, que não pode ser violado.
4. E salvo o devido respeito, com a fundamentação do Tribunal "a quo" que faz prevalecer os princípios de certeza e segurança jurídica sobre a verdade biológica.
5. Não valorando ainda a doutrina maioritária citada pelo Tribunal Constitucional pende hoje para a inconstitucionalidade da existência de prazos nas ações de investigação de paternidade, previstos no artigo 1817° e 1873° do C. Civil, tornando assim o regime inaplicável pelos Tribunais e devendo então o direito dos filhos poder ser exercitado a todo o tempo, durante toda a vida.
6. Assim, somos do entendimento que, o Meritíssimo Juiz" a quo" esteve mal ao decidir como decidiu.
7. Repare-se que saber quem sou exige saber de onde venho, quais são os meus antecedentes genéticos, onde estão as minhas raízes familiares, geográficas e culturais.
8. Pelo que esta faceta da pessoa - a historicidade pessoal - tinha de ser satisfeita através dos meios legais para demonstrar os vínculos biológicos e constituir as relações jurídicas correspondentes;
9. O limitar do direito de conhecimento da origem genética consagrado no mesmo preceito constitucional constitui uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
10. Salvo melhor opinião, é nosso entender que pelas razões que estiveram na origem da declaração de inconstitucionalidade dos antigos artigos em questão, também a presente Lei 14/2009 de 1 de Abril ao fixar em 10 anos o prazo de interposição da açâo de investigação é manifestamente inconstitucional.
11. Com efeito está em causa o interesse do recorrente em ver reconhecida a sua identidade pessoal e a constituição da família, sendo estes valores fundamentais que prevalecem sobre qualquer outro interesse emergente do nosso direito adjetivo.
12. E ainda implicar-se nesta discussão o "direito á não descriminação" dos filhos nascidos fora do casamento.
13. Tanto mais que o reconhecimento dos meios para estabelecer a paternidade tem de ter a maior abertura, tendencialmente, os filhos nascidos fora do casamento, não podem beneficiar de uma presunção de paternidade do marido.
14. Com o devido respeito, que é muito, não se consegue perceber qual a linha de raciocínio adotada pelo Tribunal" a quo", uma vez que a constituição da República Portuguesa acolheu de forma inderrogável e irrefragável na sua filosofia humanista e de premência dos valores do indivíduo colocado numa sociedade que se quer orientada e projetada para propinar um desenvolvimento pessoal harmonioso e arrimado a valores personalistas, não colhe a ideia de que a alguém possa ser coarctado o direito de a conhecer as suas origens familiares, fundado tão só em razões de índole formal e normativa.
15. Assim, os valores do indivíduo sobrepujam e superam razões de ordem formal, por levarem associados vetares filosófico-humanistas que a sociedades quis privilegiar e sedimentar na consciência pessoal e social.
16. Tanto mais que crê-se dever privilegiar aqueles que abonam e exornam a pessoa humana em detrimento de valores de perturbação da tranquilidade familiar, da aquisição das situações pessoais e familiares estabelecidas e estabilização das relações económicas ejou sucessórias.
17. Atento tudo o supra exposto, é notório que o Meritíssimo Juiz" a quo" deu como provada a caducidade, não tendo assim considerado, tal como é defendido no Acórdão do STJ publicado no site www.dgsi.pt.Processo n° 4j07.2TBEPS.GLSI, de 21-09-2010 que diz: "As razões que estão subjacentes à declaração de inconstitucionalidade mantêm-se inteiramente válidas; dado que estando em causa o estabelecimento da paternidade do Autor, o prazo previsto no artigo 1817 C. Civil, é também materialmente inconstitucional, na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo, o estabelecimento do mesmo(. .. ) uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber em vida de quem descende".
18. Bem como no mesmo acórdão da referência á doutrina do Dr. Jorge Miranda e do DR. Rui Medeiros para reforçar a ideia de que" A estipulação de prazo de caducidade mais alargado, constante do artigo 1817 na redação da nova lei não deixa, por isso, de constituir uma restrição do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, enquanto direito fundamental ... j)
19. E ainda no mesmo sentido diz-nos o Acórdão do STJ, in WWW.dgsi.ptprocesso n° 847 j08.5TVLSB-A, de 08-06-2010 «Tal direito fundamental, do conhecimento da ascendência biológica, por banda do investigante, é um dever personalíssimo e imprescritivel(. .. ) configurando os prazos de caducidade - sejam eles quais forem - uma restrição desproporcionada de tal citado direito á identidade pessoal ou á historicidade pessoal, violadora da Constituição da República( ... ) Sendo assim, também inconstitucional, o novo prazo de investigação estabelecido pela atual Lei 14/2009, de 1 de Abril".
20. Tudo conjugado, somos de concluir que a presente exceção de caducidade deveria ter sido julgada totalmente improcedente por provada.
21. E ao não decidir nesta conformidade, o Meritíssimo Juiz "a quo", violou além do mais, o disposto nos artigos - art 1874; 1869°,1796° n° 2; 1871 al a), b),d) e e); 1819 n° 2 ex vi 1878, todos do Código Civil, que deverá ser aplicado conforme o sentido aqui supra propugnado.
22. Desta forma, a decisão da qual ora se recorre afasta-se claramente da realização da justiça.
23. Como tal, não existe caducidade do direito de interpor a presente acção;
24. Assim, a douta sentença recorrida por erro de interpretação da lei substantiva, violou o disposto no 1817°, n.? 1 do Código Civil por força do artigo 1873 do mesmo Código e em consonância com os ditames constitucionais vertidos nos artigos 18.°, n.?s 2 e 3, 26.°, n.º 1, e 36.°, n." 1, da CRP, que o atual artigo 1817.°, n." 1, do CC, ao fixar o prazo de 10 anos posteriores à maioridade ou emancipação para a instauração da ação de investigação de maternidade/paternidade (esta, por via do art. 1873.° do CC), está ferido de inconstitucionalidade.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue improcedente a exceção da caducidade, pois, em consonância com os ditames constitucionais vertidos nos artigos 18.°, n.os 2 e 3, 26.°, n.? 1, e 36.°, n.º 1, da CRP, que o atual artigo 1817.°, n.º 1, do CC, ao fixar o prazo de 10 anos posteriores à maioridade ou emancipação para a instauração da ação de investigação de maternidade/paternidade (esta, por via do art. 1873.° do CC), está ferido de inconstitucionalidade e demais consequências legais.
Não foram apresentadas contra alegações
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Na consideração de que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso é a seguinte a questão a decidir: saber se ocorreu a caducidade do direito do autor de intentar a presente acção de investigação de paternidade.

FUNDAMENTAÇÃO
De Facto
Na 1º Instância foi considerada provada a seguinte factualidade
a) A presente acção deu entrada no Tribunal no dia 11-12-2013.
b) O teor das certidões de f. 11-14 que aqui se dá por reproduzido.
c) O autor nasceu, no dia 5 de Junho de 1941.
d) J… faleceu, a 19 de Outubro de 2000, sendo a ré a sua filha.

Do Direito
A divergência manifestada neste processo entre a decisão proferida e recorrente situa-se ao nível da aplicação ou não do prazo de caducidade previsto no artº 1817º do C. Civil .
Segundo o recorrente pelas razões que estiveram na origem da declaração de inconstitucionalidade dos antigos artigos em questão, também a presente Lei 14/2009 de 1 de Abril ao fixar em 10 anos o prazo de interposição da açâo de investigação é manifestamente inconstitucional.
Com efeito está em causa o interesse do recorrente em ver reconhecida a sua identidade pessoal e a constituição da família, sendo estes valores fundamentais que prevalecem sobre qualquer outro interesse emergente do nosso direito adjetivo. (…)
Para a decisão recorrida a inconstitucionalidade não se verifica pelo que é procedente a excepção de caducidade invocada pela ré
Retratam estas posições a controvérsia que tem existido e ainda existe sobre esta questão, quer a nível da doutrina quer da jurisprudência.
Sobre esta questão já nos pronunciamos, quer como relatora no acórdão datado de 04.03.2013 proferido no processo 337/12.6 TDVVD.G1 e como adjunta no acórdão proferido no processo 180/11TBVRM.G1 datado de 04.0/2013 (citados na contestação e na sentença recorrida).
Nos termos ali mencionados e que vamos repetir por não se ter alterado o entendimento, seguimos a orientação do Acórdão do STJ datado de 29.11.2012 e proferido no processo nº 367/10.2TBCBC-A.G1.S1 relatado pelo Sr Conselheiro Tavares de Paiva e no qual intervêm como adjuntos os Srs Conselheiros Abrantes Geraldes e Bettencourt de Faria segundo o qual
A questão de saber se a acção de investigação de maternidade ou paternidade deve ou não ser limitada no tempo sempre foi objecto de controvérsia.
São fundamentalmente duas as posições que sustentam a controvérsia:
Uma no sentido de estamos perante interesses inalienáveis da pessoa, como seja o direito á identidade pessoal, nele incluindo o direito de conhecer e ver reconhecida a sua ascendência biológica, configura um direito de índole pessoalíssimo e como tal imprescritível consagrado constitucionalmente consagrado, e daí que o estabelecimento de prazos de caducidade, sejam eles quais forem a condicionar a instauração da acção de investigação de paternidade / maternidade traduzem restrições desproporcionadas ao direito de identidade pessoal e ao direito de integridade moral violadoras da Constituição ( cfr. entre outros Ac. deste Supremo de 10.1.2012 e Acórdãos aí citados, acessíveis via www.dgsi.pt).
A outra posição no sentido do estabelecimento de prazos, estriba-se em princípios de certeza e segurança jurídicas, argumentando que a possibilidade de instauração da acção a todo tempo implica uma situação de incerteza prolongada por muito tempo sobre o pretenso pai e herdeiros, as dificuldades, perdas ou “ envelhecimentos “ das provas e a instrumentalização da acção como incentivo para “caça as fortunas”.
Mas também como já escrevemos no Acórdão datado de 18.12.2012 proferido no processo 973/11.8TBBCL.G1 im www.dgsi.pt (…) No meio de toda a controvérsia existente sobre esta questão, entende-se que os prazos são no Direito em geral uma inevitabilidade.
Apesar de traduzirem limitações aos direitos processuais das partes são necessários, pois caso não existissem os direitos das partes ficariam imersos em incerteza.
Este nosso entender vai na esteira do legislador ordinário que, como claramente resulta do exposto na lei estabeleceu limites temporais á propositura das referidas acções.
Por outro lado a caducidade enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, os quais exigem a sua rápida definição, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exerce-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção.
É verdade que também para nós o direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico cabem no âmbito de protecção quer do direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), quer do direito fundamental de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição).
De facto, o conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de auto-definição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afectiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das acções de investigação”, ob. cit., pág. 51).
Ser filho de … é algo que nos distingue e caracteriza perante os outros, pelo que o direito à identidade pessoal também compreende o direito ao estabelecimento jurídico da maternidade e da paternidade.
Por outro lado, o direito fundamental a constituir família consagrado no artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, abrange a família natural, resultante do facto biológico da geração, o qual compreende um vector de sentido ascendente que reclama a predisposição e a disponibilização pelo ordenamento de meios jurídicos que permitam estabelecer o vínculo da filiação, com realce para o exercitável pelo filho, com o inerente conhecimento das origens genéticas.
É, pois, pacífica a previsão constitucional dos direitos ao conhecimento da paternidade biológica e do estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais
Todavia seguimos o entendimento acolhido em diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional – cf. Acórdãos n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011 e 106/2012, de 11/10/2011, 11/10/2011, 12/10/2011, 16/11/2011 e 06/03/2012, respectivamente, disponíveis in www.tribunalconstitucional,pt segundo o qual “é do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos” e o meio para tutelar estes interesses atendíveis, públicos e privados (segurança para o investigado e sua família) ligados à segurança jurídica “é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo desta forma uma função compulsória, pelo que são adequados à protecção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais”.
Estes princípios são merecedores de tutela constitucional – interesse público na certeza e segurança jurídica - sempre presente em toda a regulamentação jurídica e intimamente ligado à consagração de qualquer prazo para o exercício de um direito (art.º 20 da C. R. Portuguesa).
Ou seja a protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1 da CRP, não exige a imprescritibilidade das acções de investigação e de impugnação paternidade. O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado desses direitos.
E como se diz no Acórdão do STJ datado de 29.11.2012 supra aludido:
No que concerne à salvaguarda do direito à identidade pessoal, o Acórdão nº 247/2012 de 22 /5/2012 acessível via www.tribunalconstitucional. pt posição que, aqui, também se acolhe pela sua razoabilidade e equilíbrio na ponderação dos interesses, considerou que “ o novo regime resultante da redacção introduzida pela Lei nº 14/2009 de 1 de Abril , alia a previsão do prazo previsto no nº1 – um prazo geral de 10 anos , contados a partir do facto objectivo - a maioridade do investigante-com prazos especiais, contados a partir de factos subjectivos, dependentes do conhecimento dos factos motivadores da propositura de uma acção de investigação . Esse prazo garante – na normalidade das coisas – ao pretenso filho o tempo de reflexão necessário para decidir sobre a eventual propositura da acção de investigação. Não obstante, o regime de prazos instituídos pela Lei nº 14/2009 de 1 de Abril prevê ainda prazos especiais , que apenas começam a contar a partir da data do conhecimento dos factos que possam constituir o fundamento da acção de investigação. Esses prazos de três anos, contam-se a partir da ocorrência de um dos seguintes eventos, previstos nas várias alíneas donº3 do art. 1817º.
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a paternidade ou maternidade do investigante; b)ter o investigante tido conhecimento, após decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a acção de investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso progenitor; c) em caso de inexistência de maternidade ou paternidade determinada, ter o investigante tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem a investigação.
Através da conciliação do prazo geral de dez anos com estes prazos especiais de três anos, o actual regime de prazos para a investigação da filiação mostra-se suficientemente alargado para conceder ao investigante uma real possibilidade de exercício do seu direito.
A norma impugnada não viola, enfim, o direito à identidade pessoal, previsto no art. 26 da Constituição.
Postas estas considerações, tal como na decisão recorrida,
assim se conclui, na esteira deste Acórdão do Tribunal Constitucional, que o prazo fixado no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, não é desproporcional e, por isso, não viola os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao direito a constituir família (artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da CRP)
Resulta, portanto, hoje, da conjugação dos artigos 1817.º, n.º 1 e 1873.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009 de 1/04, que a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, estabelecendo-se nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 1817.º, um conjunto de situações em que se admite a investigação para além do prazo geral de dez anos que está fixado no n.º 1.
No caso concreto, já decorreu o prazo de dez anos fixado no n.º 1, porquanto o autor tinha, à data da propositura da acção, 72 anos de idade.
Também como se refere na decisão recorrida não se verifica nenhuma das outras situações previstas na citada norma, pois o autor desde muito cedo, quando era menor já conhecia o seu pai tratando-o como tal, nos termos alegados nos arts 35º e ss da petição inicial) pelo que, caducou o seu direito a intentar ação de investigação de paternidade.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação do apelante, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Sumário:
.A protecção do direito fundamental à identidade pessoal que está consagrado no art. 26º, nº 1, da Constituição – onde se inclui o direito ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico – não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade, exigindo apenas que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito de propor essa acção.
. O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.

DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 10 de julho de 2014
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade