Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
424/10.5GAPTL.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
SENTENÇA PENAL
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – A leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido.
II – O tribunal tem o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.
III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lima, após julgamento, foi decidido:
a)- como autor material de um crime ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, n.º 1, 145º, n.º 1 al \a) e 132º, n.º 2 al. h) todos do C. Penal, condenar o arguido António A... na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão que se substitui por igual tempo de multa á taxa diária de 8€ o que dá a multa global o que dá a multa global de € 960,0 (novecentos e sessenta euros)
b) Julgar improcedente por não provada a acusação deduzida contra o arguido Narciso e assim decido absolvê-lo do crime de que vinha acusado bem como do pedido civil contra si formulado.
c)- condenar o arguido António A... a pagar a pagar ao ofendido Narciso a quantia global de € 2.530,00 (€ 280,00 + € 250,00 + € 2.000,00) (dois mil quinhentos e trinta euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais advindos da sua conduta, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível.

Inconformado, o arguido António A... recorre, suscitando as seguintes questões:
- nulidade do julgamento por ausência do arguido;
- erro notório na apreciação da prova; e
- excesso do quantitativo diário da multa.

Foi a seguinte a matéria de facto:
1. No dia 26 de Junho de 2010, cerca das 09H30m, no Lugar de Cima, Boalhosa, Ponte de Lima, por motivo relacionado com a limpeza de um rego de água de que ambos são consortes o ofendido Narciso M... e o arguido António A... desentenderam-se e a dada altura da discussão o arguido António munido de uma sachola desferiu uma pancada na cabeça do ofendido Narciso, atingindo-o na região do sobrolho direito.
2. Em consequência da agressão de que foi vítima o ofendido Narciso sofreu, na face, uma ferida linear com 6cm na região supraciliar direita, um hematoma na pálpebra superior direita e uma equimose em reabsorção na pálpebra inferior direito e olho vermelho e dor no ombro direito e face.
3. Tais lesões determinaram 10 (dez) dias para a cura com afectação para o trabalho profissional e geral de 7 dias.
4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de molestar o ofendido no respectivo corpo e saúde, fazendo uso de um objecto corto contuso que sabia ser idóneo a provocar as lesões efectivamente sofridas pelo ofendido, bem como apto inclusive a colocar em risco a vida ou a provocar lesões graves, bem sabendo ainda a sua conduta era proibida e punida por lei.
5. O requerente Narciso, em consequência das ilícitas agressões corporais de que foi vítima, ficou com sequelas que se traduziram, como expressam, em hemorragia conjuntival e diminuição da equidade visual direita, cefaleias, tonturas, ataxia e Síndrome Vertiginoso, com TAC CE referindo dilatações de Virchow-Robin, diagnosticadas aquando da sua submissão a internamento no Serviço de Medicina 2, na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE, em Ponte de Lima, em virtude de AVC padecido, tudo conforme melhor consta da Nota de Alta/Transferência e respectivo Relatório junto a fls. 164 a 167.
6. Aí foi submetido a vigilância, cuidados médicos e exames médicos.
7. À altura dos factos, o requerente exercia a actividade de agricultor.
8. Com supra se disse o ora requerente ficou absolutamente impossibilitado de trabalhar dada a hemorragia conjuntival, diminuição da aquidade visual direita, cefaleias e tonturas, que padeceu.
9. Prestava trabalho , no exercício da sua actividade de agricultor, por conta própria, de segunda a sábado (inclusive), auferindo, por cada dia de trabalho, vantagens patrimoniais não inferiores a 40€.
10. Era pessoa saudável, robusta e trabalhadora.
12.Vivia exclusivamente dos ganhos e proveitos auferidos do exercício daquela sua actividade que atingiam o valor diário, por cada dia de trabalho prestado, não inferior a 40,00€.
13.Tendo-se encontrado impossibilitado de prestar trabalho pelo menos durante o período de 7dias deixou de auferir as vantagens, rendimentos e proveitos que normalmente auferiria se não lhe tivessem sobrevindo as lesões e a impossibilidade de trabalho profissional que sofreu, tendo assim deixado de auferir, pelo menos, a quantia de 280,00€ a título de lucros cessantes de que ficou privado.
Porquanto: 7 dias úteis x 40,00€ 280,00€.
14. Em consequência das lesões corporais sofridas, o ora requerente sofreu dores intensas e prolongadas e um estado de intensa perturbação emocional.
15. Sentiu-se desgostoso, envergonhado, humilhado e muito abatido, sentindo-se ansioso e assolado por estados psíquicos e emocionais intensamente depressivos.
16. Na sequência das lesões sofridas, o requerente sofreu incómodos, suportou despesas de deslocações e perdas de tempo em viagens que fez ao Hospital, aos órgãos de polícia criminal e Tribunal.
17. Em 26/06/2010, foi o ora requerente submetido naquela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, a Tomografia Computorizada Crânio Encefálica,
18. O requerente em consequência directa e necessária do acto ilícito praticado pelo requerido, durante alguns momentos conviveu com o espectro da morte.
19. Em deslocações despendeu a quantia de pelo menos 250,00€.
20. O tempo de internamento hospitalar, as intensas e prolongadas dores, o desgosto, a humilhação, os sérios e graves incómodos suportados e a intensa vergonha e graves transtornos padecidos pelo ora requerente, em consequência directa e necessária da ilícita agressão de que foi vítima.
21. O arguido Narciso é casado e vive em casa própria.
22. Trabalha na agricultura com jornaleiro e quando tem trabalho aufere o salário diário de 40,00€.
23. É pessoa estimada no meio onde vive e goza de boa reputação social, tem bom comportamento anterior posterior à prática dos factos.
Encontra-se a pagar uma dívida que contraiu pagando prestação mensal de 400€.
24.O arguido António A..., encontra-se emigrado em França, tendo sido pedida a sua dispensa para estar presente em julgamento,
25. É pessoa estimada no meio onde vive quando reside em Portugal e tem bom comportamento anterior e posterior à prática dos factos.
26. Com rigor não se apurou a sua situação económica dado este residir em França onde trabalha.
Factos não provados
-A determinada altura, sem que a Assistente mulher do António A... para tal tivesse contribuído ou, entrado na conversa entre o seu marido e o arguido, viu surgir em sua direcção uma enxada, que só não lhe acertou porque, esta se desviou do trajecto da mesma.
- Em acto continuo, o Arguido Narciso agarrou em pedaços de pedra e arremessou-os sobre a Assistente, ao mesmo tempo que, dirigindo-se à sua pessoa lhe chamava “puta do soalheiro”, “andas a dar a conixa no palheiro”.
- O Arguido Narciso agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de injuriar a Assistente, de a ofender na sua honra, dignidade e consideração pessoal, o que efectivamente conseguiu, apesar de saber que a sua conduta era proibida por lei.
- Em consequência, das injúrias que lhe foram imputadas, sofreu a Assistente, um grande desgosto e comoção.
-Dado que a mesma foi ofendida duma forma ultrajante e injustificada, com as expressões que o Arguido lhe imputou.
- Sendo altamente ofensivas à sua honra e consideração social que merece, tais expressões, ocorreram num local público e na presença de várias pessoas.
- Pelo que, se sentiu gravemente ofendida e humilhada com o sucedido, situação, que ainda hoje permanece.
- Mais a mais, por o acontecido ter sido tema de conversa na freguesia, onde a Demandante é muito conhecida, nomeadamente nos cafés.
- Situação que, também, a afectou psicologicamente, uma vez que, se preza por ser uma pessoa de bem.
- Atenta a carga negativa das palavras proferidas contra a Assistente e a ofensas efectuadas, as mesmas constituem danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
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O Ministério Público, na 1ª instância, defende o julgado e, nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta entende que, na procedência da 1ª questão, deve ser declarada nula a audiência de leitura da sentença, devendo o Tribunal proceder à repetição dos actos processuais subsequentes às alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Começando pela invocada nulidade da audiência, numa ordem preclusiva, pois que a sua procedência prejudica o conhecimento do demais.
Tal como se salienta, e historia, no douto parecer que antecede, verifica-se que o julgamento designado para 13.09.2012 foi adiado, por motivo de doença e hospitalização do arguido em França, para 21.03.2013.
Nesta data, de novo foi requerido o seu adiamento pelas mesmas razões de doença e hospitalização, mas teve lugar a audiência de discussão e julgamento, que veio a ser interrompida para continuar em 18.04.2013.
Nesta sessão de 21.03.2013, o tribunal não se pronunciou sobre o requerimento de adiamento do mandatário do arguido, nem também sobre o seu requerimento para audição do mesmo na data designada para continuação a audiência, em 18.04.2013, à qual também não compareceu por motivo de doença.
Foi então designado o dia 17 de Maio para a leitura da sentença, não tendo o arguido sido notificado para o efeito -, nem comparecido (informando o defensor que se encontrava doente em França) e, só em 16.07.2013 veio a ser notificado da sentença.
Tem razão, assim, o arguido, desde logo porque em parte alguma se vê, ao contrário do dado como provado na 1ª instância, que o arguido tenha solicitado, que fosse dispensada a sua presença em audiência, mas também no tocante à questão de saber se tinha ou não que ser notificado para a leitura da sentença.
E neste aspecto, segue-se também o que invoca a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, e é jurisprudência nesta Relação –Ac. de 02.12.2013, pº 503/10.9EAPRT e Ac. de 11.07.2013, pº 2162/12.5TABRG.
Segundo este último acórdão, numa situação em tudo semelhante a que ora nos ocupa, …”parece inequívoco que a leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido.
O n° 9 do art. 113º do CPP estabelece como regra geral que as notificações que tenham de ser feitas ao arguido podem ser efectuadas na pessoa do seu defensor ou mandatário, exceptuando deste regime um certo número de actos, entre os quais se conta a designação de dia para julgamento, em relação aos quais é obrigatória, cumulativamente, a notificação pessoal ao arguido e ao causídico que patrocine a sua defesa.
Ora, verifica-se que a designação de data e hora para a continuação da audiência com a leitura da sentença (...) não foi objecto de qualquer comunicação ao arguido, ainda que por via postal registada. Assim como, nessa ocasião, não foi encetada qualquer diligência com vista a fazer comparecer o arguido no Tribunal.
O nº 2 do art. 333º do CPP confere ao Tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença física do arguido, se considerar que esta não é indispensável à descoberta da verdade material, e, no limite, de a concluir sem essa presença, mas não o isenta do dever de notificar pessoalmente o arguido da designação de data e hora para a realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente, caso a venha ter lugar, tanto mais que o arguido, nos termos do nº 3 do mesmo normativo, conserva o direito de prestar declarações, se assim o entender, até ao final da audiência e de estar presente na leitura pública da sentença.
A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença (artigos 373º, 389º A e 391º F do Código do Processo Penal) fora da presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito e sem que tenha sido tomada qualquer medida para obter a sua comparência, constitui a nulidade processual insanável tipificada na al. c) do art. 119° do Código do Processo Penal.
Esta nulidade implica necessariamente a invalidade da sessão da audiência de leitura e dos actos que dele dependem, incluindo inexoravelmente os actos subsequentes às alegações orais e a própria sentença recorrida, devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição, depois das diligências de notificação da arguida para comparecimento (artigo 122º nº 1 e nº 2 do Código do Processo Penal).
Verificada esta nulidade processual que afecta também a sentença, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso.”
Acolhendo-se este entendimento como único que salvaguarda o direito do arguido a um julgamento justo e equitativo, e concomitantemente, o inalienável direito de defesa, resta decidir em conformidade e, assim, declarar a nulidade da audiência em que se procedeu à leitura da sentença.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em se julgar o recurso parcialmente procedente, declarando-se nula a audiência da leitura da sentença, devendo o Tribunal proceder á sua repetição, precedida igualmente da repetição dos actos processuais subsequentes às alegações, com a realização das diligências da notificação do arguido.
Sem custas.
Guimarães, 10 de Julho de 2014