Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
734/10.1TBPRG-A.G1
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITO DE RETENÇÃO
HIPOTECA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC.»
III- Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
IV - A sentença que reconhece o direito de retenção do promitente-comprador sobre imóvel hipotecado não afecta a existência, a validade e/ou a consistência jurídica do direito do credor hipotecário; apenas afecta a consistência prática/económica deste direito, na medida em que o direito de retenção é graduado à frente da hipoteca. Sendo, assim, o credor hipotecário um terceiro juridicamente indiferente, aquela sentença faz caso julgado contra si, sendo-lhe oponível.
V - O direito de retenção decorre directamente da lei, existindo em potência a partir da tradição da coisa, mas só passa a existir, independentemente de reconhecimento em sentença proferida em acção contra o promitente vendedor, uma vez reconhecido o crédito pelo incumprimento do contrato promessa.
VI - Os contratos promessa, quer com eficácia real, quer com eficácia obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, conferem ao promitente comprador, consumidor, direito de retenção sobre as coisas objecto do contrato prometido, nos termos do art. 755º, nº1, al. f) do C. Civil, e prevalecem sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

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Por apenso à execução n.º734/10.1TBPRG, D veio reclamar um direito de crédito no valor de 94.939,18€ (noventa e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e dezoito cêntimos), reportado à data de 01/09/2013, invocando ser titular do direito de retenção sobre a fracção “J” penhorada nos referidos autos de execução.
Regularmente notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art. 789.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nem o exequente nem os executados se pronunciaram, tendo vindo apenas a B. S.A. impugnar a reclamação apresentada pela Reclamante D.
O crédito reclamado foi impugnado pela credora B., S.A. alegando desconhecer o alegado contrato promessa celebrado entre a Reclamante D. e a empresa executada E., LDA.
Mais alega que o suposto contrato não identifica a fracção autónoma objecto do mesmo, pelo que tal negócio é, desde logo, indeterminado em relação ao seu objecto, não conferindo à reclamante qualquer direito com eficácia real sobre um bem certo e determinado, sendo o mesmo nulo.
Alega também desconhecer a que título foram efectuados os supostos pagamentos por parte da Reclamante.
Alega ainda que o imóvel referido no suposto contrato promessa foi financiado pela Impugnante B, .S.A. e a sua obra ainda não se encontra concluída, não existindo qualquer documentação relativa quer à conclusão das obras, quer ao facto daquele negócio ter eventualmente incidido sobre a fracção autónoma designada pela letra ”J” da propriedade horizontal existente naquele prédio.
Também alega que a Impugnante B, S.A. não foi parte na Acção n.º701/11.8TBPRG nem se encontra vinculada àquela, o mesmo sucedendo com o Tribunal, não possuindo a Reclamante D. qualquer direito real de garantia que lhe permita reclamar créditos na presente acção, sendo a mesma extemporânea e sem cabimento processual, nos termos do disposto no art.788.º, n.º1 do CPC.
Concluiu peticionando que a impugnação à reclamação de créditos deduzida por D. seja considerada improcedente e como consequência não ser admitida aquela reclamação de créditos, por falta de legitimidade para reclamar créditos, sem beneficiar de garantia real, sobre uma fracção autónoma que não consta do titulo, contrato de promessa, invocado, o que impõe a nulidade do mesmo, bem como por a referida reclamação não se encontrar fundamentada nem provada.
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Notificada a Reclamante do teor da impugnação apresentada pela B, S.A., veio aquela alegar, em síntese, que a reclamação de créditos que apresentou nos autos tem por pressuposto o direito de retenção da respondente sobre a identificada fracção J, enquanto direito real de garantia de créditos que decorre directa e expressamente da lei – art.º 755º, al. f), do Código Civil, - surgindo este direito sem necessidade de prévia declaração nesse sentido, mas para além e independentemente disso, a aqui respondente é também titular da identificada sentença judicial, a qual enquanto titulo executivo reconheceu e declarou de forma expressa e inequívoca o reclamado crédito.
A credora “B” alega que o contrato de promessa outorgado é nulo por indeterminação do objecto, mas não lhe assiste razão pois que tal excepção é de conhecimento oficioso do Tribunal, e a mesma não foi verificada nem declarada no âmbito da sentença judicial proferida no processo judicial n.º701/11.8TBPRG, constituindo a sentença proferida título executivo da aqui respondente.
Também alega que a credora “B.” não foi interveniente no identificado processo judicial, nem o tinha de ser, sendo certo que o contrato de promessa outorgado refere expressamente que o mesmo teve por objecto “uma fracção de tipologia T4, que inclui dois lugares de garagem e um espaço destinado a arrumos, situada no último andar” de um edifício sito no Loteamento … da freguesia de ,,,, cidade de …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número … pelo que o objecto do contrato foi perfeitamente definido à data da outorga da promessa de compra e venda que ocorreu no dia 18 de Janeiro de 2006 a que acresce o facto de a constituição da propriedade horizontal com respeito ao edifício em questão apenas foi sujeita a registo predial através da apresentação registral … de 2010/03/18 e, portanto, em data muito posterior à outorga do contrato de promessa de compra e venda, altura em que o edifício em questão ainda se encontrava em fase de construção.
Mais alega que também a sentença judicial que constitui o título executivo da aqui respondente foi expressa e não teve quaisquer dúvidas em estabelecer a correspondência entre o imóvel objecto do contrato de promessa outorgado e a identificada fracção autónoma designada pela letra “J”, destinado a habitação de tipologia T4, situada no 5º andar recuado, do prédio urbano sito na …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …da freguesia de …, sendo nesta identificada fracção J que a aqui respondente habita tendo o direito legal de reter para pagamento do seu crédito declarado por Sentença judicial.
Concluiu peticionando a improcedência da impugnação.
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A B, S.A., em articulado autónomo, veio efectuar um pedido de condenação como litigante de má fé da Impugnante alegando, em síntese, que a B. concedeu empréstimos para efeitos de aquisição de fracções autónomas que integram o prédio urbano em questão e fê-lo muito antes de ter sido constituída a propriedade horizontal, bem como antes de ter sido proferida sentença judicial, transitada em julgado que sustenta o pedido de reclamação de créditos.
Mais alega que a Reclamante celebrou com a impugnante B. um contrato de financiamento de pagamento do sinal para aquisição da fracção J em causa nestes autos.
Assim, a impugnante alegou factos falsos que não poderia ignorar, omitindo conscientemente outros que trazidos a pleito se hão-de mostrar relevantes para obtenção da verdade e boa decisão da causa tendo a Impugnante usado o processo de forma manifestamente reprovável, tratando-se de uma lide dolosa e não meramente temerária.
Concluiu peticionando a condenação da Impugnante como litigante de má fé em multa e em indemnização a arbitrar à reclamante em quantia não inferior a 5.000,00€.

Produzida a prova e fixados os factos provados, a final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“DECISÃO
Pelo exposto, decido julgar procedente a reclamação de créditos apresentada nos autos por D. e, em consequência, reconheço o direito de crédito pela mesma reclamado, procedendo à sua graduação da seguinte forma no que concerne à fracção “J”:
1.º Crédito reclamado pela Reclamante D. (direito de retenção);
2.º Crédito reclamante pela B., S.A. (hipoteca)
3.º Crédito exequendo (penhora).
Improcede o pedido formulado pela Reclamante D. de condenação da Impugnante B., S.A. como litigante de má fé.
Condena-se a Reclamante D. nas custas devidas pelo incidente de litigância de má fé por ter decaído na sua retensão, fixando-se a taxa de justiça em 2UCs”.

Desta sentença apelou a B. S.A., oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1ª – O crédito reclamado e o direito de retenção alegado pela credora reclamante D. sobre a fracção J foi expressamente impugnado pela B.no apenso de reclamação de créditos;
2ª – A recorrente, credora hipotecária sobre aquela fracção, não teve qualquer tipo de intervenção no Proc. 701/11.8TBPRG, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Chaves o qual reconheceu o direito de retenção àquela credora;
3ª – A decisão proferida naquela sentença afecta também juridicamente a apelante porquanto vê um outro crédito ser colocado à sua frente com prioridade de pagamento (artigo 759-2, do C. Civil), pelo que o valor potencial da hipoteca, protegido pelo direito hipotecário, fica desde logo diminuído ou restringido com a declaração de existência do direito de retenção;
4ª – Jamais poderá o credor hipotecário ser considerado como terceiro juridicamente indiferente face ao credor reclamante assistido de direito de retenção, que entre si concorrem na graduação de créditos;
5ª – Consequentemente, o crédito peticionado por aquela credora e o direito de retenção que lhe foi reconhecido no processo identificado não constitui caso julgado (na vertente de autoridade de caso julgado) em relação à B. por força do disposto nos artigos 3º, 580º, 581, 619 e segs., todos do C P. Civil, pelo que os autos devem prosseguir os seus ulteriores com a prolação de uma outra sentença que tenha em conta a prova produzida na audiência de discussão e julgamento;
6ª - Por todo o exposto, por erro de interpretação e aplicação violou a decisão recorrida os preceitos legais supra citados.
Deverá, assim, ser dado provimento ao presente recurso e, como tal, revogada a decisão recorrida.
Assim decidindo, far-se-á JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra-alegações.

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Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigo 635 do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que a questão que é colocada à nossa apreciação é a de saber se o crédito peticionado por aquela credora e o direito de retenção que lhe foi reconhecido no processo identificado não constituem caso julgado (na vertente de autoridade de caso julgado) em relação à B.

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Foram dados como provados os seguintes factos:
Produzida a prova o Tribunal considerou como provados os seguintes factos:
1) A reclamante intentou contra a executada E., Lda a Ação com Processo Ordinário que correu termos pelo 2º Juízo deste Tribunal Judicial sob o nº 701/11.8TBPRG, e onde peticionou que se declarasse judicialmente o seguinte: A) Que a executada incumpriu de forma unilateral e culposa o contrato de promessa de compra e venda que outorgou com a aqui reclamante, condenando-se a executada a reconhecer este incumprimento contratual; B) Que na sequência da outorga do identificado contrato de promessa, a reclamante obteve da executada a posse e a tradição da fracção autónoma que dele é objecto identificado no art.º 11º do presente requerimento; C) Que se condenasse a executada a pagar à aqui reclamante uma indemnização no montante de 80.000,00€ (oitenta mil euros), correspondente ao dobro do sinal por esta pago, acrescido dos juros de mora à taxa legal até integral pagamento, contabilizados pelo menos desde 29 de Dezembro de 2008; D) Que se condenasse a executada nas custas do processo e procuradoria.
2) Por virtude do processo judicial identificado no número antecedente veio a ser proferida sentença judicial transitada em julgado em 07 de Maio de 2012, a qual declarou a plena procedência dos pedidos formulados na identificada acção, e com o seguinte teor: “I. Declara-se que a Ré E., Lda., incumpriu de forma unilateral e culposa o contrato de promessa de compra e venda que outorgou com a Autora D., identificado em 2º e 12º da petição inicial [isto é, por contrato promessa de compra e venda elaborado por escrito particular datado do dia 18 de Janeiro de 2006, com reconhecimento presencial das respectivas assinaturas, a R. prometeu vender à A. e ao seu ex-cônjuge, F., e estes prometeram comprar-lhe uma fracção de tipologia T4, que inclui dois lugares de garagem e um espaço destinado a arrumos, situada no último andar, do edifício sito no Loteamento da…, lote 1 – A, da freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de…sob o nº …, da referida freguesia, com o esclarecimento de que por virtude da legalização processada pela R. no que respeita à constituição da propriedade horizontal do edifício em questão, a fracção autónoma prometida comprar pela A. à R. identificada no art.º 2º antecedente, corresponde actualmente à fracção autónoma designada pela letra “J”, destinada a habitação de tipologia T-4, situada no 5º andar recuado, do prédio urbano sito na …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … da referida freguesia] condenando-se a Ré a reconhecer este incumprimento contratual; II. Declara-se que na sequência da outorga do contrato promessa identificado no número anterior, a Autora D, obteve da Ré E, Lda. a posse e a tradição da fracção autónoma que dele é objecto identificada em I., condenando-se a Ré a reconhecer isso mesmo; III. Condena-se a Ré F.Lda. a pagar à Autora D, uma indemnização no montante de 80.000,00 € (oitenta mil euros), correspondente ao dobro do sinal por este pago, acrescido os juros de mora à taxa legal até integral pagamento, contabilizados desde 29 de Dezembro de 2008, à taxa legal.”
3) O edifício referido no contrato-promessa celebrado entre a Reclamante D e a empresa E., Lda foi financiado pela Impugnante B,S.A., a qual financiou também o empréstimo com que a Reclamante pagou o sinal no âmbito do contrato promessa que celebrou com a Executada E., Lda.
4) A Impugnante não foi parte na Acção de processo ordinário que correu termos no 2.° Juízo desse Tribunal sob o n.º 701/11.8TBPRG.
5) No contrato promessa referido em 3) consta que o mesmo teve por objecto “uma fracção de tipologia T4, que inclui dois lugares de garagem e um espaço destinado a arrumos, situada no último andar” de um edifício sito no Loteamento da …, Lote 1A, da freguesia de … cidade de …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número ….
6) A constituição da propriedade horizontal com respeito ao edifício em questão apenas foi sujeita a registo predial através da apresentação registral … de 2010/03/18 e, portanto, em data muito posterior à outorga do contrato de promessa de compra e venda, altura em que o edifício em questão ainda se encontrava em fase de construção.
7) A Reclamante D habita na fracção “J” a que se alude em 2).
8) O edifício identificado em 5), em 2010, não estava concluído.
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Cumpre agora decidir.
Sustenta a apelante que “ o crédito reclamado e o direito de retenção alegado pela credora reclamante D. sobre a fracção J foram expressamente impugnados pela B. no apenso de reclamação de créditos, porquanto a ora apelante, credora hipotecária sobre aquela fracção, não teve qualquer tipo de intervenção no Proc. 701/11.8TBPRG, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Chaves o qual reconheceu o direito de retenção àquela credora”.
Sustenta ainda que “A decisão proferida naquela sentença afecta também juridicamente a apelante porquanto vê um outro crédito ser colocado à sua frente com prioridade de pagamento (artigo 759-2, do C. Civil), pelo que o valor potencial da hipoteca, protegido pelo direito hipotecário, fica desde logo diminuído ou restringido com a declaração de existência do direito de retenção; Jamais poderá o credor hipotecário ser considerado como terceiro juridicamente indiferente face ao credor reclamante assistido de direito de retenção, que entre si concorrem na graduação de créditos; Consequentemente, o crédito peticionado por aquela credora e o direito de retenção que lhe foi reconhecido no processo identificado não constitui caso julgado (na vertente de autoridade de caso julgado) em relação à CGD por força do disposto nos artigos 3º, 580º, 581, 619 e segs., todos do C P. Civil, pelo que os autos devem prosseguir os seus ulteriores com a prolação de uma outra sentença que tenha em conta a prova produzida na audiência de discussão e julgamento”
Alega para tanto que “tem sido erroneamente entendido que o caso julgado é extensivo a terceiros quando a sentença não lhes causa prejuízo jurídico porque deixa íntegro a consistência jurídica do seu direito, embora lhes cause prejuízo económico. Ora, pelo contrário, entendemos que a B. como credora hipotecária também tem um prejuízo jurídico, pelo que tal decisão não faz contra ela caso julgado na função de autoridade de caso julgado. Na verdade, como a B. vê um outro crédito se colocado à sua frente, o qual tem prioridade de pagamento (artigo 759-2, do C. Civil), o valor potencial da hipoteca, protegido pelo direito hipotecário, fica desde logo diminuído ou restringido com a declaração de existência do direito de retenção, o qual ficou numa situação de pagamento preferente em relação ao crédito hipotecário. No caso sub iudice, a sentença que reconheceu à reclamante Gabriela o direito de retenção sobre a fração J como que restringiu ou esvaziou o direito de crédito hipotecário da recorrente que viu ficar à frente dela um outro crédito”. Depois de citar vária jurisprudência e doutrina, termina dizendo que “dúvidas não subsistem que a douta sentença tem que ser revogada e revogada e substituída por outra”.
Vejamos
Dispõe o artº 619, nº 1, do CPC “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
Por sua vez, preceitua o artº 621º do mesmo diploma que: «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (art. 628º do CPC) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (art. 580º, nºs 1 e 2, do CPC).
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Na verdade, «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354. Cfr., e, no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pp. 49 e ss.).
A autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 581º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida [Acs. do STJ de 13.12.2007, proc. 07A3739; de 06.03.2008, proc. 08B402, e de 23.11.2011, proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.].
É entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (ver Ac. do STJ de 12.07.2011, proc. 129/07.4TBPST, in www.dgsi.pt.].
Com efeito, «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»[ Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579, citado no referido Acórdão do STJ de 12.07.2011]
Está fora de dúvida que a sentença proferida no processo n.º 701/11.8 TBPRG, transitou em julgado, constituindo, assim, caso julgado.
Importa então averiguar se ocorre ofensa à autoridade de caso julgado, que não se confunde com a excepção dilatória de caso julgado.
O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa» [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 306.].
Como se decidiu no Ac. da Relação de Coimbra de 28.09.2010, proc. 392/09.6 TBCVL.C1, na parte do sumário que se transcreve de seguida:
«I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC.»
Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/12/2013, proc. n.º 3490/08.0TBBCL.G1, Relator Manuel Bargado:
I - A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
II - Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.
III- Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
IV - A autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
V- Afirmada em decisão anterior, transitada em julgado, proferida no âmbito de uma oposição à execução, na qual foram partes os aqui autor e réus, a validade de uma transacção realizada entre o autor e o réu, não pode voltar a discutir-se nesta acção, por força da autoridade do caso julgado, a validade dessa mesma transacção”.
Como se disse no A. Rel. Porto de 13/01/2015, Proc. n.º 5729/09.5YYPRT-C.P1, Relator Pinto dos Santos, disponível em www.itij.pt, ““Neste ponto a jurisprudência encontra-se dividida.
Uma parte, entende que o credor hipotecário é um terceiro indiferente e que, por isso, a sentença que reconheceu o direito de retenção do promitente-comprador faz também caso julgado contra ele.
Outro segmento, defende, pelo contrário, que o credor hipotecário é um terceiro interessado, especificando, alguns arestos, que ele e o titular do direito de retenção são titulares de situações jurídicas incompatíveis.
A primeira corrente considera que o reconhecimento do direito de retenção e a correspondente baixa de lugar na graduação de créditos não afecta juridicamente o direito do credor hipotecário, na medida em que tal direito continua a ser o mesmo [a abranger o mesmo crédito e os mesmos acessórios], com o mesmo conteúdo [o âmbito da garantia mantém-se igual] e a mesma garantia hipotecária, sendo indiferente, para o efeito, que o crédito hipotecário fique afectado na ordem da graduação dos créditos, pois esta circunstância nada tem a ver com existência e/ou a validade do direito de hipoteca, bulindo apenas com a sua consistência prático-económica [decidiram neste sentido, i. a., os Acórdãos do STJ de 24/03/1992, in BMJ 415/622, de 16/03/1999, in BMJ 485/356 e de 03/06/2003, proc. 03A1432, disponível in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 21/10/2008, proc. 0822499 e de 26/05/2011, proc. 395/09.0TBSJM-B.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Évora de 14/06/2012, proc. 3052/10.1TBSTR-C.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre].
A segunda sustenta que a sentença que reconhece o direito de retenção sobre um determinado imóvel não se limita a esvaziar o direito do credor hipotecário sobre esse bem, por ver colocar-se-lhe à frente um outro crédito, com prioridade de pagamento, reduzindo ou extinguido, igualmente, o património do executado, afectando desta forma a própria consistência do direito do credor hipotecário [neste sentido decidiram, i. a., os Acórdãos do STJ de 14/09/2006, proc. 06B2468, de 20/05/2010, proc. 13465/06.8YYPRT-A.P1.S1, de 07/10/2010, proc. 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1 e de 20/10/2011, proc. 2313/07.1TBSTR-B.E1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 27/10/2009, proc. 13465/06.8YYPRT-A.P1 e de 02/06/2014, proc. 3508/09.9TBVNG-A.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 08/05/2007, proc. 267/04.5TBOFR-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc; na doutrina, Cláudia Madaleno, in A Vulnerabilidade das Garantias Reais – A Hipoteca face ao Direito de Retenção e ao Direito de Arrendamento, 2008, pgs. 190-193, também parece defender esta orientação].
O aqui relator subscreveu, como adjunto, um dos arestos do primeiro grupo [Acórdão desta Relação de 21/10/2008, aliás citado na douta decisão recorrida], defendendo que o credor hipotecário, que não foi parte na acção em que foi proferida sentença a reconhecer o direito de retenção do promitente-comprador, é um terceiro juridicamente indiferente e que, por isso, a referida sentença faz também caso julgado contra si [um dos aqui adjuntos também subscreveu, como adjunto, um outro acórdão que seguiu a mesma orientação: o Acórdão da Relação de Évora de 14/06/2012].
Continuamos convencidos que tal orientação é a correcta, pois a tese contrária, com o devido respeito, parece confundir afectação prática/económica com afectação jurídica, sendo certo que, como atrás se disse, só esta última poderia relevar para qualificação do credor hipotecário como terceiro juridicamente interessado e para o afastar da eficácia do caso julgado decorrente do trânsito da sentença que reconheceu ao promitente-comprador o direito de retenção sobre o imóvel prometido”.
Subscrevemos inteiramente este entendimento assim expresso.
Na verdade, e pelas razões já acima expostas, também entendemos que o credor hipotecário, que não foi parte na acção em que foi proferida sentença a reconhecer o direito de retenção do promitente-comprador, é um terceiro juridicamente indiferente e que, por isso, a referida sentença faz também caso julgado contra si.
Ora, resulta dos autos (documento de fls. 54 a 70), e foi levado aos factos provados o seguinte:
- A reclamante D, aqui apelada, intentou contra a executada F, Lda a Ação com Processo Ordinário que correu termos pelo 2º Juízo deste Tribunal Judicial sob o nº 701/11.8TBPRG, e onde peticionou que se declarasse judicialmente o seguinte: A) Que a executada incumpriu de forma unilateral e culposa o contrato de promessa de compra e venda que outorgou com a aqui reclamante, condenando-se a executada a reconhecer este incumprimento contratual; B) Que na sequência da outorga do identificado contrato de promessa, a reclamante obteve da executada a posse e a tradição da fracção autónoma que dele é objecto identificado no art.º 11º do presente requerimento; C) Que se condenasse a executada a pagar à aqui reclamante uma indemnização no montante de 80.000,00€ (oitenta mil euros), correspondente ao dobro do sinal por esta pago, acrescido dos juros de mora à taxa legal até integral pagamento, contabilizados pelo menos desde 29 de Dezembro de 2008; D) Que se condenasse a executada nas custas do processo e procuradoria.
- Por virtude do processo judicial supra identificado veio a ser proferida sentença judicial transitada em julgado em 07 de Maio de 2012, a qual declarou a plena procedência dos pedidos formulados na identificada acção, e com o seguinte teor: “I. Declara-se que a Ré F., Lda., incumpriu de forma unilateral e culposa o contrato de promessa de compra e venda que outorgou com a Autora D, identificado em 2º e 12º da petição inicial [isto é, por contrato promessa de compra e venda elaborado por escrito particular datado do dia 18 de Janeiro de 2006, com reconhecimento presencial das respectivas assinaturas, a R. prometeu vender à A. e ao seu ex-cônjuge, F., e estes prometeram comprar-lhe uma fracção de tipologia T4, que inclui dois lugares de garagem e um espaço destinado a arrumos, situada no último andar, do edifício sito no Loteamento da …, lote 1 – A, da freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o nº …, da referida freguesia, com o esclarecimento de que por virtude da legalização processada pela R. no que respeita à constituição da propriedade horizontal do edifício em questão, a fracção autónoma prometida comprar pela A. à R. identificada no art.º 2º antecedente, corresponde actualmente à fracção autónoma designada pela letra “J”, destinada a habitação de tipologia T-4, situada no 5º andar recuado, do prédio urbano sito na …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, da referida freguesia] condenando-se a Ré a reconhecer este incumprimento contratual; II. Declara-se que na sequência da outorga do contrato promessa identificado no número anterior, a Autora D, obteve da Ré F., Lda. a posse e a tradição da fracção autónoma que dele é objecto identificada em I., condenando-se a Ré a reconhecer isso mesmo; III. Condena-se a Ré F., Lda. a pagar à Autora D., uma indemnização no montante de 80.000,00 € (oitenta mil euros), correspondente ao dobro do sinal por este pago, acrescido os juros de mora à taxa legal até integral pagamento, contabilizados desde 29 de Dezembro de 2008, à taxa legal.”
- A Reclamante D. habita na fracção “J” a que se alude supra.
Ora, no art. 755º, f) do C. Civil, entendeu o legislador consagrar o direito de retenção sobre a coisa, ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que observe a tradição da coisa objecto do contrato prometido, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.
O direito de retenção decorre directamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido” (Acórdão do STJ, de 04.10.2005, disponível em www.itij.pt).
Assim, como acima se vê, tendo existido tradição do imóvel (fracção predial referida), estando o contrato-promessa resolvido (pelo incumprimento culposo da empresa Executada nos autos principais), e tendo optado a Reclamante pela devolução do sinal entregue, em dobro, e pela indemnização respectiva, a qual foi fixada na sentença condenatória que constitui título executivo para a Reclamante, tem a Reclamante, por esses valores, direito de retenção sobre a fracção em causa.
Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor (art. 758, 759 e 666 do C. Civil).
Como é sabido, o direito de retenção é um mero direito real de garantia das obrigações, e não um direito real de gozo, pelo que a sua função é a de servir de garantia do crédito em equação concursal com os direitos de demais credores sobre o bem retido, permitindo ao respectivo titular manter-se no imóvel até à fase da venda (donde provirá a importância para pagamento aos credores), mas que terá sempre de ser precedida da fase do concurso e graduação de créditos reclamados (cfr. Ac. do STJ de 2004.02.12, CJ/STJ,2004, 1.º-57).
Ora, tal direito real de garantia visa garantir o cumprimento da obrigação por parte do devedor, no caso a executada e promitente vendedora que, segundo o contrato-promessa, se obrigou à realização de uma prestação positiva, a venda do imóvel, face ao cumprimento por parte da aqui apelada que supostamente teria pago já grande parte, ou até a totalidade do preço.
Sendo assim, como é, o direito de retenção conferido à reclamante, aqui apelada, sobre a identificada fracção autónoma designada pela letra “J”, confere-lhe o direito de executar este bem imóvel retido, e de se pagar à custa do valor dele com preferência sobre os demais credores.
Como acima vimos, a apelante detém sobre o imóvel um direito real de garantia que é a hipoteca (art. 686 n.º 1 do C. Civil).
A hipoteca constitui uma garantia real que confere ao credor reclamante o direito de ser pago pelo valor do referido imóvel, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Simplesmente, nos termos do art. 759 n.º 2 do C. Civil, o direito de retenção prevalece, neste caso, sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido anteriormente registada.
Como se afirmou no recente Acórdão do STJ de 16/02/2016, Proc n.º 135/12.7TBMSF.G1.S1, Relatora Clara Sottomayor “O regime jurídico plasmado nos artigos 755.º, n.º 1 al. f) e 759.º do Código Civil, segundo o qual o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, encontra justificação na tutela dos direitos dos particulares. Tem-se entendido que as entidades bancárias cujo crédito está garantido por hipoteca voluntária têm outros instrumentos de tutela da sua posição, o que não ocorre com o promitente-comprador, a parte mais fraca do contrato e com menos acesso à informação”.
E no Ac. Uniformizador Jurisprudência n.º 4/2014 “Como em muitos outros setores do ordenamento jurídico, também aqui, ao nível do contrato promessa, o legislador no seu poder-dever de corrigir desequilíbrios e tomando em linha de conta os interesses e riscos em presença, entendeu propender para a proteção da parte mais débil, o promitente-comprador, face ao credor hipotecário, desde que aquele tivesse entregue ao outro outorgante o sinal e obtido a tradição do objeto do contrato. A acrescer ainda a estas razões, não pode igualmente esquecer-se que no momento em que a garantia hipotecária se constituiu, já estavam em vigor os artigos 755º nº 1 alínea f) e 759º nº 2 do Código Civil, o que reforça a necessidade de o credor hipotecário ter de acautelar-se contra os efeitos para eles possivelmente nefastos daquela preferência. Não se argumente pois de igual modo que os princípios da previsibilidade e segurança seriam afetados pela concessão e prevalência do direito de retenção; trata-se de mais uma escolha do legislador, à semelhança de outras – v.g. créditos de trabalhadores - que evidencia claramente uma ponderação de interesses em atenção à parte mais fraca no âmbito da relação contratual, o que implica necessariamente compressão de alguns direitos com vista à busca de uma solução mais equitativa; é o que sucede quanto à prevalência excecional do crédito emergente de contrato promessa ainda, que de natureza obrigacional, sobre a hipoteca, desde que se tenha verificado a tradição do respetivo objeto acompanhada pelo pagamento total ou parcial do preço”
Nestes termos, nada há a apontar à bem fundamentada decisão recorrida, que se mantém.

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SUMÁRIO
I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC.»
III- Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
IV - A sentença que reconhece o direito de retenção do promitente-comprador sobre imóvel hipotecado não afecta a existência, a validade e/ou a consistência jurídica do direito do credor hipotecário; apenas afecta a consistência prática/económica deste direito, na medida em que o direito de retenção é graduado à frente da hipoteca. Sendo, assim, o credor hipotecário um terceiro juridicamente indiferente, aquela sentença faz caso julgado contra si, sendo-lhe oponível.
V - O direito de retenção decorre directamente da lei, existindo em potência a partir da tradição da coisa, mas só passa a existir, independentemente de reconhecimento em sentença proferida em acção contra o promitente vendedor, uma vez reconhecido o crédito pelo incumprimento do contrato promessa.
VI - Os contratos promessa, quer com eficácia real, quer com eficácia obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, conferem ao promitente comprador, consumidor, direito de retenção sobre as coisas objecto do contrato prometido, nos termos do art. 755º, nº1, al. f) do C. Civil, e prevalecem sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente.

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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19 de Maio de 2016