Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7091/15.8T8VNF-B.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: EXECUÇÃO ORDINÁRIA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
APROVEITAMENTO DOS ATOS PRATICADOS
GARANTIAS DE DEFESA DO EXECUTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Reconhecida a existência de erro na forma do processo, condição de aproveitamento dos atos praticados é, como decorre diretamente do art. 193º, nº 2, do Código Processo Civil, a de que desse aproveitamento não resulte uma diminuição de garantias do réu;

II - Este critério diz respeito às garantias asseguradas, em abstrato, na defesa dos direitos do réu (no caso, executado) em cada uma das formas de processo em confronto e não à comparação, em concreto, da defesa usada pelo réu ou pelo executado com a defesa pelo mesmo pretendida usar e inviabilizada pelo processo escolhido;

III - Na execução ordinária, pretendendo o exequente requerer que a penhora seja efetuada sem a citação prévia do executado deve alegar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e oferecer de imediato os meios de prova, sendo a citação dispensada quando se mostre justificado o alegado receio (art. 727º, nºs 1 e 2, do CPC), a tudo isto escapando, num resultado que configuraria uma fraude à lei, o exequente que, usando de um processo executivo inadequado e com menores garantias para o executado, não obstante decisão reconhecedora do erro na forma escolhida, visse serem aproveitados todos os atos de penhora realizados antes da citação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Inconformada com a decisão da primeira instância que, no despacho saneador, julgou improcedente a oposição, por embargos de executado, à execução contra a mesma instaurada por Banco A, S.A., a Executada/Opoente AB, S.A. interpôs o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Meritíssima Juiz da Comarca de Braga – Juízo de Execução de V. N. Famalicão – Juiz 2, a qual julgou improcedente a oposição à execução por embargos de executado.
II. A sentença proferida incorre em erro de julgamento, quer quanto à aplicação de direito, quer quanto à apreciação sumária dos factos carreados para os autos, tratando ainda de uma verdadeira decisão surpresa, por isso nula.
III. A decisão proferida nos presentes autos viola o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, na dimensão normativa aí estatuída que impede que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, acione o contraditório, destinando-se este a proteger o exercício do direito de ação e de defesa.
IV. In casu, o incumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que a Mm.ª Juiz a quo entendeu aplicar, nem à interpretação que delas fez, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
V. Veja-se que, foram agendadas audiências prévias e, em momento algum, foi equacionada a possibilidade de ser proferida decisão antes da produção da prova.
VI. Acerca da produção de prova, a embargante alegou diversos factos que, apenas com a prova testemunhal, os poderia provar – vide art.ºs 33 a 35, 38 e 40 a 47 da petição inicial, para além dos factos carreados no pedido reconvencional que não foi admitido.
VII. O Tribunal pronunciou-se sobre uma questão não versada nem pelos autores nem pelos réus, pelo que deveria, prévia a uma decisão, convidar as partes a pronunciarem-se ou a exprimirem a sua posição quanto à questão que tinha intenção de vir a emitir.
VIII. Não o fazendo, o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição supra partes constitucionalmente atribuído ao Julgador.
IX. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art.º 201º, nº 1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva.
X. A decisão recorrida, sem a produção de prova, não era ser previsível para qualquer dos pleiteantes, ignorando a mesma factos essenciais alegados pelas partes nos seus articulados.
XI. A decisão em crise, da forma como foi proferida, sem conhecimento prévio das partes, constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório, devendo ser revogada, por ser nula.
XII. Acerca da inexequibilidade do título, julgou a Mm.ª Juiz improcedente a excepção invocada de inexistência ou falta de título executivo, bem como a excepção de ilegitimidade passiva (art. 576º, n.º1 e 2, 577º, e), 578º e 732º, n.º2, CPC), declarando, do mesmo passo, embargante executada e embargado exequente partes legítimas.
XIII. Entende a Mm.ª Juiz a quo que, servem de base à execução o título executivo bancário n.º153/2012/DNG do dia 8 de Outubro de 2012 (fls. 15 a 21 dos autos principais) e o título executivo bancário n.º156/2012/DNG do dia 8 de Outubro de 2012 (fls. 21v a 27 dos autos principais), emitidos pelo Banco A, S.A. contra AB, S.A..
XIV. Ou seja, segundo esta tese, o título executivo são os títulos bancários, aos quais foi conferida executoriedade.
XV. Contudo, conforme se referiu no requerimento inicial de embargos, atento o requerimento executivo, tal conclusão não corresponde à verdade.
XVI. O presente processo é uma execução de sentença, sendo o título uma “execução judicial condenatória”.
XVII. Se estamos no âmbito de uma execução de sentença e o título é a decisão proferida, é a ela que temos de atender e não a quaisquer outros elementos!
XVIII. Foi com base nesse título que foi apresentada defesa. Mas então se o titulo é outro, como pode a recorrente defender-se?
XIX. A ser procedente a tese proferida na sentença, o que não se concede nem concebe, sempre será nula a sentença por violação do princípio do contraditório, o que se requer.
XX. Vejamos que, o Recorrente BANCO A, S.A., em 2013 deu entrada, no Tribunal Distrital Gdansk-Polnoc, em Gdansk, Polónia, de duas ações por forma a ser aposta fórmula executória a dois títulos bancários (n.º 153/2012/DNG e 156/2012/DNG), por via dos contratos de linha de garantias bancárias n.º 1745311.. e contrato de crédito em conta corrente n.º …/10/400/04.
XXI. Essa decisão do Tribunal Polaco tem um caráter meramente formal, inexistindo qualquer contraditório ou juízo sobre a questão material subjacente à emissão do respetivo título.
XXII. O Tribunal Distrital Gdansk-Polnoc, nas suas decisões conferiu, pura e simplesmente, força executiva aos títulos bancários n.ºs …/2012/DNG e …/2012/DNG, não tendo decidido quanto ao mérito da causa, nem tão pouco foi a Recorrente parte naqueles processos.
XXIII. Fruto dessas decisões, a Recorrida, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e ss. do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, veio requerer o reconhecimento de executoriedade em Portugal das decisões proferidas pelo Tribunal Distrital Gdansk-Polnoc.
XXIV. O Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Instância Central – 1.ª Secção Cível – J5 declarou, sem audição da Embargante, a executoriedade, desses títulos.
XXV. Os supostos Títulos Executivos de que a Exequente supostamente dispõe contra a Embargante são os títulos bancários n.ºs …/2012/DNG e …/2012/DNG aos quais o Tribunal Distrital Gdansk-Polnoc conferiu força executiva, reconhecida em Portugal.
XXVI. Sucede porém que, a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Instância Central – 1.ª Secção Cível – J5, é que se encontra a ser executada, e não os aludidos títulos bancários.
XXVII.
XXVIII. A sentença dada à execução não configura título executivo porquanto se trata apenas de uma sentença declarativa de reconhecimento desses títulos no ordenamento jurídico Português e não uma sentença condenatória.
XXIX. In casu, estamos perante um Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória, quando a Embargante não foi condenada ao que quer que fosse!
XXX. A Exequente encontra-se neste momento a executar uma sentença de reconhecimento de executoriedade dos títulos executivos e não os títulos em si.
XXXI. Pelo que a Exequente teria de executar esses títulos acompanhados da referida sentença, e não a sentença que reconhece a executoriedade dos mesmos.
XXXII. Pelo que, não resta senão concluir pela inexequibilidade do título executivo nos presentes autos.
XXXIII. Isto porque, o título executivo é o documento em que se corporiza a obrigação exequenda, é a condição probatória, necessária e suficiente para a possibilidade de recurso imediato à acção executiva, enquanto base da presunção da existência do correspondente direito.
XXXIV. É pois forçosa a conclusão de que os documentos dados à execução – decisão judicial condenatória - não configuram título executivo válido.
XXXV. Acresce que, apesar de a Recorrida ter invocado nestes embargos a existência de outros documentos – títulos bancários -, o certo é que o Tribunal não os podia considerar como integrantes do título executivo, não sendo lícito à exequente que altere ou acrescente documentos como título executivo em sede de embargos de executado, pois tal configuraria uma alteração da causa de pedir fora dos casos consentidos por lei (arts. 264.º e 265.º do NCPC), como se decidiu no Ac. RP de 02.02.2015 (proc. 5901/13.3YYPRT, em www.dgsi.pt).
XXXVI. A não ser assim, isto é, a considerar-se que afinal não estamos no âmbito de uma execução sumária em que o título é a sentença judicial condenatória, então existiria erro na forma do processo.
XXXVII. Considerou a Mm.ª Juiz a quo que existe erro na forma do processo executivo convolando-o em ordinário em vez de sumário, contudo, decidiu aproveitar todos os atos praticados, ao invés de extinguir a instância executiva, por ser procedente a exceção dilatória arguida.
XXXVIII. Esclareça-se que, entende a Recorrente que não existe qualquer erro na forma de processo, tratando-se de execução de sentença, a forma de processo é o sumário.
XXXIX. Contudo, não sendo assim, o que por mera cautela de patrocínio se alegou, então sempre se verificaria erro na forma do processo, o que veio a ser julgado procedente pela Mm.ª Juiz a quo, mas que, mais uma vez, acabou por decidir mal quanto aos efeitos do mesmo.
XL. Assim, negando-se provimento à questão da inexistência de título, sempre teria de se apurar a forma de processo.
XLI. É certo que, verificando-se o erro na forma de processo, o juiz deve, em princípio, convolar a forma de processo que foi adotada para a que devia ter sido utilizada e só deve anular os atos que não puderem, ou não deverem, ser aproveitados.
XLII. Desse aproveitamento não pode resultar, em caso algum, uma diminuição das garantias da Recorrente.
XLIII. A forma de processo sumária e ordinária obedece a requisitos e tramitações diferentes, todas elas relacionadas com os meios de defesa do Réu.
XLIV. Atente-se que, com a forma de processo sumária adotada, viu a Requerente, sem o seu conhecimento, os seus bens penhorados, designadamente contas bancárias. Se fosse adotada a forma de processo correta, a Recorrente seria citada antes de ser penhorada e poderia, desde logo, ter prestado caução, evitando os danos que lhe foram causados pelas penhoras.
XLV. Por outro lado, a forma de processo ordinária obrigava a que, o requerimento executivo fosse, antes de qualquer diligência, concluso ao Juiz para que este procede-se a uma análise prévia do mesmo (art.º 726.º, n.º2 do C.P.Civ.) e só após essa confirmação, seria a Recorrente citada para contestar e querendo, prestar caução e só depois poderiam existir diligências de penhora.
XLVI. A forma de processo sumária foi atribuída porquanto a presente execução se trata de uma “execução de sentença judicial condenatória” e, quando assim é, os meios de defesa ao dispor da recorrente limitaram-se aos descritos no art.º 729.º do C.P.Civ..
XLVII. Ora, se tivesse sido atribuída a forma de processo ordinária, por se tratarem de outros títulos (bancários) para além dos dados à execução (sentença) poderia a Recorrente ter apresentados outros meios de defesa, tal como estatuído no art.º 731.º do C.P.Civ., que estatui que “além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”.
XLVIII. Face a esta factualidade, facilmente concluímos que, de forma clamorosa, os meios de defesa concedidos à Recorrente foram claramente diminuídos, o que não se pode, em caso algum aceitar.
XLIX. Tendo a recorrente ficado impedida de alegar factos pertinentes para a descoberta da verdade e demonstrar a sua versão dos factos porque, os mesmos não poderiam ser atendíveis no âmbito de uma execução de decisão judicial condenatória.
L. A violação dos meios de defesa da recorrente não podem ser sanados e como tal, não podem aproveitar-se quaisquer atos do processo, mas antes, deve ser julgada procedente a exceção de erro na forma de processo, absolvendo-se a Recorrente da instância.
LI. Por fim, uma breve referência aos factos considerados como assentes na sentença recorrida, sem a produção de prova testemunhal e sem o acordo quanto à mesma.
LII. Relembre-se que a Recorrente referiu expressamente no seu articulado que não conhece os títulos dados à execução.
LIII. Atentos os referidos títulos bancários (docs. 8 e 9 juntos com a contestação), desde logo podemos observar que o número de contribuinte da recorrente está errado, tendo sido aposto o NIPC ….
LIV. Estranhe-se que, os documentos juntos, certificados por notária, ao contrário do que é obrigatório, não fazem qualquer menção a rasuras/emendas/alterações ao documento.
LV. E agora, surgem em ambos os documentos, rasuras escritas à mão, onde oportunamente se faz referência ao NIPC da recorrente, por forma a lhe imputar responsabilidades.
LVI. Mais se refira ainda que o documento não se encontra assinado com a certificação dos poderes dos outorgantes para vincular as sociedades, nem é feita qualquer referência a uma ata ou procuração a atribuir poderes para o efeito.
LVII. Refira-se ainda que as rasuras que oportunamente surgiram, são desconhecidas dos outorgantes e efetuadas à revelia destes!
LVIII. Para além disso, o capital social da recorrente nesses contratos, também não se encontra correto.
LIX. Na verdade, nada se encontra correto nos títulos, motivo pelo qual foram impugnados, assim como o seu conhecimento.
LX. Contudo, tudo foi ignorado na sentença recorrida que decidiu sem produzir prova necessária ao cabal esclarecimento dos factos.
LXI. Assim, não se alcança como foi possível dar como provados os pontos 2 e 4!!!
LXII. Quanto à questão de direito acerca da nulidade da fiança, a mesma baseia-se no alegado facto de a recorrente deter posição dominante sobre a sociedade UC SGPS, S.A., que por sua vez detém uma posição dominante sobre a sociedade afiançada.
LXIII. Acontece que, dos factos (5 e 6) atinentes a essa factualidade, resultam de documentos juntos na contestação e cuja prova testemunhal sobre os mesmos não foi produzida.
LXIV. A tais documentos, não lhes é atribuída força probatória plena, pelo que, per si, não são suscetíveis de provarem o que quer que seja.
LXV. Assim, mal andou a sentença recorrida em decidir a presente demanda sem a produção de prova sobre os factos essenciais e instrumentais arrolados para os autos, pelo que deve a mesma ser revogada e ordenada a produção de prova.
Termina pedindo seja dado integral provimento ao recurso.
O Exequente apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do decidido.
1. Sempre que o recurso verse sobre matéria de direito impende sobre a Recorrente o ónus de indicar as normas jurídicas violadas, o sentido em que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas e, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que deveria ter sido aplicada.
2. A Recorrente alega que a Decisão Recorrida é nula porquanto viola o disposto no n.º 3 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 201.º, ambos do Código de Processo Civil, contudo, o invocado não tem cabimento nas várias causas de nulidade da Sentença previstas no artigo 615.º do mesmo diploma.
3. Pelo que, são manifestamente improcedentes as Conclusões I a XII das Doutas Alegações da Recorrente.
Se assim não se entender e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá,
4. Conforme referido em sede de Alegações, a Decisão Recorrida não viola o princípio do contraditório, pois foi dada às partes, em sede de Articulados, a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do processo, tendo o Tribunal a quo entendido, e bem, que estava em posição de conhecer do mérito dos Autos.
5. O Tribunal a quo limitou-se a dar cumprimento aos preceitos legais aplicáveis, pois, conforme decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 13 de Novembro de 2012, no âmbito do processo n.º 572/11.4TBCND.C1, “a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito”.
6. O conceito de “decisão-surpresa” não respeita à marcha processual, mas sim à aplicação do direito em sede apreciação do mérito da causa.
7. Os factos alegados pela Recorrente e que esta pretende apenas poderem ser provados por prova testemunhal encontram-se demonstrados por documentos, o que possibilita o conhecimento do mérito da causa em sede de Despacho Saneador.
8. O título executivo em causa nos Autos é um título complexo e exequível, tendo a sua exequibilidade sido já declarada judicialmente.
9. Conforme decorre do referido em sede de Alegações, o título executivo encontra-se junto aos Autos – aos Autos de Processo Principal e não apenas aos de Apenso, conforme decorre da consulta dos mesmos – sendo incompreensível em que medida a Recorrente entende ter ocorrido uma alteração da causa de pedir.
10. Não se verifica, conforme decorre do exposto em sede de Alegações, qualquer erro na forma de processo.
11. É entendimento do Recorrido que os presentes Autos sempre deveriam ter seguido a forma de processo sumária, no entanto, ainda que assim não se entenda, bem andou, neste particular, o Aresto Recorrido ao aproveitar os actos praticados.
12. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por dever de ofício, sempre se dirá que nunca tal situação determinaria a absolvição da instância, conforme melhor detalhado em sede de Alegações.
13. A Recorrente não alega quaisquer prejuízos atendíveis decorrentes da tramitação processual adoptada, limitando-se a esgrimir um conjunto de argumentos vazios, de mau pagador e que contradizem a postura processual por si adoptada nos Autos,
14. A Recorrente, na Oposição à Execução apresentada, esgotou os seus meios de defesa, indo além daqueles que lhe seriam permitidos pelo artigo 729.º do CPC e entrando pelo escopo do artigo 731.º do mesmo Diploma, pelo que prejuízo algum lhe foi causado.
15. Pretende a Recorrente, por fim, alegar não lhe ter sido admitido provar os factos que alegou (embora afirme também que não lhe foi permitido alegar factos…).
16. A Recorrente não impugnou os documentos juntos aos Autos pelo Recorrido e, igualmente, não produziu qualquer prova documental.
17. Entendeu o Tribunal a quo – e bem – ser desnecessário ouvir as testemunhas arroladas pela Recorrente, formando a sua convicção com base nos documentos juntos aos Autos e que não foram impugnados pela Recorrente – como poderia ter feito, ainda que movida pela mais profunda má-fé e com a impugnação votada ao insucesso.
18. Pretende o Recorrente suprir a ausência da impugnação dos documentos efectuando-a de forma abusiva, extemporânea e ostensivamente falsa nas Alegações de Recurso, o que não poderá proceder.
19. Está vedado ao Tribunal de recurso a apreciação de questões que não tenham sido suscitadas e apreciadas anteriormente.
20. Não assiste razão à Recorrente na impugnação efectuada, conforme melhor detalhado em sede de Alegações.
21. No que toca à nulidade da fiança, não se compreende a alegação efectuada, uma vez que os documentos em causa consistem em certidões do Registo Comercial referentes às sociedades em causa, pelo que só se compreende o alegado pela Recorrente à luz de uma completa distracção…
22. O Recurso apresentado pela Recorrente é, conforme decorre do vertido em sede de Alegações, totalmente improcedente.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, as questões a decidir que relevam das conclusões recursórias são as seguintes:
- Saber se existe erro na forma do processo e se, a existir tal erro, é ou não possível aproveitar a totalidade dos atos praticados;
- Saber se a decisão de mérito é nula por configurar uma decisão-surpresa;
- Saber se o estado dos autos não autorizava o imediato conhecimento do mérito da causa na fase do saneador.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

Factos a considerar

1. O Banco A intentou contra a ora Recorrente execução nos próprios autos, apresentando “requerimento de execução de decisão judicial condenatória” correspondente, segundo a mesma, à sentença proferida no âmbito do processo n.º 1040/14.8TBBCL (fls. 7 e 8 dos autos principais), confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Julho de 2015, que declarou a executoriedade em Portugal das sentenças de, respetivamente, 27 de Maio de 2013 e de 8 de Abril de 2013, do Tribunal Distrital Gdansk-Polnoc, em Gdansk, Polónia, que, por sua vez, declararam executórios os títulos executivos bancários n.º153/2012/DNG do dia 8 de Outubro de 2012 e n.º156/2012/DNG do dia 8 de Outubro de 2012, emitidos pelo Banco A, S.A. contra AB, S.A..
2. A Executada/Recorrente foi citada em 17.09.2015.
3. Em 23.09.2015 foi requerida, pela Exequente, no âmbito da Execução, “a junção aos Autos dos títulos executivos bancários n.º 153/2012/DNG, de 8 de Outubro de 2012, e n.º 156/2012/DNG, de 8 de Outubro de 2012 declarados executivos pela Sentença em que se funda a presente execução”.
4. A decisão recorrida considerou provada a seguinte factualidade:

1. No dia 2 de Dezembro de 2010, entre a A – F POLSKA, representada por MD e GB, e o Banco A, S.A. foi ajustado o acordo, denominado “Contrato de crédito na conta corrente – n.º1889/10/400/04”, junto com a respectiva tradução a fls. 64v a 71 e cujo teor se dá por reproduzido.
2. No dia 2 de Dezembro de 2010, a AB, SGPS, S.A., representada GB, declarou conceder ao exequente embargado fiança pelas obrigações da A-F POLSKA decorrentes do acordo referido em 1. – fls. 82 a 89 cujo teor se dá por reproduzido.
3. No dia 2 de Dezembro de 2010, entre a A – F POLSKA, representada por MD e GB, e o Banco A, S.A. foi ajustado o acordo, denominado “Contrato para série das garantias bancárias n.º 174531169”, junto com a respectiva tradução a fls. 74v a 81 e cujo teor se dá por reproduzido.
4. No dia 2 de Dezembro de 2010, a AB, SGPS, S.A., representada GB, declarou conceder ao exequente embargado fiança pelas obrigações da A-F POLSKA decorrentes do acordo referido em 3. – fls. 85 a 87 cujo teor se dá por reproduzido.
5. A A – F POLSKA tem como único sócio a UC SGPS, S.A., integrando a administração GB e MD, este último na qualidade de presidente – fls. 88 a 91 e 149 a 159 cujo teor se dá por reproduzido.
6. No dia 5 de Junho de 2007, foi ajustado um acordo, denominado “Contrato de Sociedade”, entre os accionistas F – Investimentos e Participações SGPS, S.A., representada por MD, com o montante de €24.998,00, F – SGPS S.A. com o montante de €1,00, AB, SGPS, S.A., representada por GB, com o montante de €24.999,00, MD com o montante de €1,00 e GB com o montante de €1,00, nos termos do qual constituíram a UC – SGPS, S.A., com o capital social de €50.000, tendo como objecto “… a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas.”, sendo o conselho de administração integrado por MD, presidente, GB, MB e JO, vogais – fls. 92 a 101 e 121 a 124, cujo teor se dá por reproduzido.
7. No dia 2 de Dezembro de 2011 venceram-se os créditos relativos aos acordos referidos nos pontos 1 e 3., não tendo sido efectuado o respectivo pagamento.
8. O que se manteve não obstante as interpelações que resultam de fls. 124v a 133, cujo teor se dá por reproduzido, dirigidas à A – F POLSKA, na pessoa de MD e GB.
9. E datada de 11 de Julho de 2012, o exequente embargado dirigiu à executada embargante, que a recebeu, a carta que resulta de fls. 134 a 137, e cujo teor se dá por reproduzido, nos termos da qual a interpela para proceder ao pagamento das quantias em dívida a que se alude no ponto 7 até ao dia 16 de Julho de 2012.
10. Face à falta de pagamento, em conformidade com a garantia a que se alude nos pontos 3 e 4, a embargada exequente emitiu os títulos executivos bancários, a que foi atribuída, por sentença, declarada executória em Portugal, força executiva – fls. 38 a 64 cujo teor se dá por reproduzido e fls. 6 e 7 e 16 a 27 dos autos principais cujo teor se dá por reproduzido.

O direito

Começará por se sublinhar que, quando a Recorrente argui a nulidade da decisão recorrida por, alegadamente, a mesma constituir uma decisão-surpresa, está aquela, manifestamente, a querer referir-se à decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo.
Sucede, porém, que, sem cuidar da ordem lógica das questões por si colocadas, a Recorrente suscita a seguir questões que incidem sobre decisões prévias à aludida decisão de mérito, relativas a pressupostos processuais, sendo dessas que, como é óbvio, previamente haverá que tratar. Daí a razão da efetuada inversão da ordem das questões a decidir.
Assim, por ser a mesma prévia e prejudicial a todas as demais, forçoso é começar por tratar da questão de saber se ocorreu ou não erro na forma do processo - tal como decidido pelo Tribunal recorrido -, o que passa por determinar qual a forma de processo adequada à execução pretendida pela Exequente.
Considerando que servem de base à execução de que os presentes autos constituem apenso “o título executivo bancário n.º153/2012/DNG do dia 8 de Outubro de 2012 (fls. 15 a 21 dos autos principais) e o título executivo bancário n.º156/2012/DNG do dia 8 de Outubro de 2012 (fls. 21v a 27 dos autos principais), emitidos pelo Banco A, S.A. contra AB, S.A., declarados executórios pelo Tribunal Distrital Gdansk-Polnoc, em Gdank, Polónia, por sentença, respectivamente de 27 de Maio de 2013 e de 8 de Abril de 2013, cuja executoriedade em Portugal, logo dos referidos títulos executivos bancários, foi declarada por sentença proferida no âmbito do processo n.º1040/14.8TBBCL (fls. 7 e 8 dos autos principais), confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 30 de Julho de 2015”, entendeu a decisão recorrida verificar-se existir erro na forma do processo executivo, o que declarou, determinando que o mesmo passasse a seguir a forma de processo ordinário (art. 550ºCPC), aproveitando-se os actos já nele praticados (art.193ºCPC, ex vi artigo 551º, n.º1, CPC)”.
Vejamos se decidiu bem.
Contrariando o por si defendido no âmbito do recurso interposto no processo declarativo - ou seja, que estamos perante títulos executivos bancários relativamente aos quais um tribunal estrangeiro emitiu uma declaração de executoriedade, decisão essa que, por sua vez, foi também declarada executória em Portugal (cfr. acórdão junto aos autos) - o Banco A intentou execução sumária contra a ora Recorrente apresentando “requerimento de execução de decisão judicial condenatória”, decisão essa correspondente, segundo o mesmo, à sentença proferida no âmbito do processo n.º 1040/14.8TBBCL.
Porém, sabendo-se que é “a análise do título” que “deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva” (Ac. da Relação de Coimbra 25.03.2014), no caso, da mera análise da sentença que integrava o suposto título dado à execução, desde logo resultava, claramente, que aquilo que o Exequente verdadeiramente pretendia executar não era a sentença mas os aludidos títulos bancários declarados executivos pelas sentenças polacas, às quais a aludida decisão judicial portuguesa (supostamente dada à execução) simplesmente havia conferido executoriedade.
Em causa, pois, não uma condenação judicial mas títulos executivos complexos, porque corporizados “num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo o complexo documental como título executivo” (Acórdão do STJ de 05.05.2011), títulos, esses, dos quais era parte integrante a invocada condenação judicial.
Assim sendo, a sentença portuguesa em primeira aparência dada à execução não constituía, por si só, título executivo suficiente, mostrando-se, antes, necessária, para efeito da completude dos títulos verdadeiramente em causa, a junção dos outros documentos integrantes do acervo documental que se interligava para a constituição daqueles.
Tanto assim que, no decurso da Execução, o próprio Exequente veio requer “a junção aos Autos dos títulos executivos bancários n.º 153/2012/DNG, de 8 de Outubro de 2012, e n.º 156/2012/DNG, de 8 de Outubro de 2012 declarados executivos pela Sentença”, só, nessa altura, se podendo dizer que se formaram por inteiro nos autos os títulos executivos nos quais a Exequente/Recorrida realmente assenta a execução que dirigiu contra a Recorrente.
Ora, considerando nós, como consideramos, que, tal como se decidiu no citado aresto do Supremo, “não constituindo os documentos oferecidos pelo exequente com o requerimento título executivo suficiente por se mostrar necessária a junção de um outro em sua necessária complementaridade, tal omissão não é motivo para rejeitar a execução, antes para convidar o exequente a apresentá-lo de forma a complementar o complexo título executivo necessário”, juntos que já foram, no âmbito do próprio processo executivo - e não apenas em sede de embargos -, os documentos em falta e corporizando-se, desse modo, no dito processo, os títulos executivos complexos sustentadores da execução instaurada, nenhuma razão há para se julgar extinta a dita execução, mas forçoso é, sim, perante tal quadro, considerar, como a sentença recorrida considerou, ter ocorrido erro na forma do processo executivo escolhido pelo Exequente, porquanto se a execução da decisão condenatória para pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária (art. 626º, nº 2, do CPC) e se também nas execuções baseadas em decisão judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo se emprega o processo sumário (art. 550, nº 2, a), do CPC), já nas execuções baseadas em quaisquer outros títulos que não os taxativamente previstos no art. 550º, nº 2, do CPC - como é o caso -, é aplicável, por defeito, a forma ordinária (art. 550º, nº 1, do CPC).
A questão que a seguir se coloca é a de saber se, na decorrência do reconhecimento do erro na forma do processo e da determinação de que o mesmo passasse a seguir a forma ordinária, a julgadora podia ou não aproveitar, como decidiu aproveitar, todos os atos já praticados.
A este propósito, enfatiza a Recorrente que a forma de processo sumária e ordinária obedece a requisitos e tramitações diferentes, todas elas relacionadas com os meios de defesa do Réu e que, com a forma de processo sumária adotada, viu a Requerente, sem o seu conhecimento, os seus bens penhorados, sendo certo que se fosse adotada a forma de processo correta, a Recorrente seria citada antes de ser penhorada e poderia, desde logo, ter prestado caução, evitando os danos que lhe foram causados pelas penhora e que a forma de processo ordinária obrigava a que, o requerimento executivo fosse, antes de qualquer diligência, concluso ao Juiz para que este procedesse a uma análise prévia do mesmo (art.º 726.º, n.º2 do C.P.Civ.) e só após essa confirmação, seria a Recorrente citada para contestar e querendo, prestar caução e só depois poderiam existir diligências de penhora e poderia ter apresentado outros meios de defesa, tal como estatuído no art.º 731.º do C.P.Civ., que estatui que “além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”, pelo que, de forma clamorosa, os meios de defesa concedidos à Recorrente foram claramente diminuídos (…) e como tal, não podem aproveitar-se quaisquer atos do processo, mas antes, deve ser julgada procedente a exceção de erro na forma de processo, absolvendo-se a Recorrente da instância.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Dispõe o art. 193º, nº 1, do CPC que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”.
Logo, porém, acautela o nº 2: “Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.”
Recorrendo aos ensinamentos sempre atuais de Alberto dos Reis (in Comentário ao Código Processo Civil, I, pág. 478):
“Qualquer que seja a modalidade do erro, o princípio é sempre este: convola-se da forma empregada para a que devia empregar-se, aproveitando-se tudo quanto puder aproveitar-se. Princípio da boa economia processual. (….)
“Além da petição, salva-se tudo o que puder aproveitar-se. Pode, portanto, suceder que não se anule acto algum. (…)
A anulação de todo o processado, exceptuada a petição, só se produz em dois casos:

Se nada puder aproveitar-se, por haver incompatibilidade irredutível entre a forma que se empregou e a que devia empregar-se;
Se a utilização dos actos tiver como consequência uma diminuição de garantias do réu” (Alberto dos Reis, in Comentário ao Código Processo Civil, I, pág. 478).
Considerando que o caso de não se poder aproveitar a petição inicial é um caso extremo e excecional, veja-se ainda Lebre de Freitas, in “A acção declarativa”, pág. 53.
Também reconhecendo essa excecionalidade, em que “do aproveitamento da petição resulta […] uma diminuição das garantias do réu”, caso em que “deve o juiz, com base nesse facto e no erro sobre a forma de processo cometido, anular todo o processo, absolvendo o réu da instância: cfr. Lopes Cardoso, CPC anotado, 1972, pág. 114”: Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de processo civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 390, nota 1).
No caso dos dois processos executivos em confronto não se vê que haja qualquer diminuição das garantias do executado com o aproveitamento do requerimento executivo, que, para ambos os casos, preenche, minimamente, os requisitos previstos no art. 724º, nº 1, do CPC (exceção feita ao que se relaciona com a errada indicação da forma do processo).
Não assiste, pois, razão à Executada/Recorrente quando defende que a consequência a extrair da constatação da existência de erro na forma do processo empregue é a absolvição da instância, na medida em que o princípio da economia processual determina, no caso em apreço, que se salve o requerimento executivo, nenhuma diminuição das garantias da Executada havendo no aproveitamento desse ato.
Mas, por outro lado, indefensável é também o determinado - sem qualquer tipo de explicação - aproveitamento de todos os restantes atos já praticados.
Senão vejamos.
Condição de aproveitamento dos atos praticados é, como decorre diretamente da norma citada, a de que desse aproveitamento não resulte uma diminuição de garantias do réu. Assim, este critério diz respeito às garantias asseguradas, em abstrato, na defesa dos direitos do réu (no caso, executado) em cada uma das formas de processo em confronto e não à comparação, em concreto, da defesa usada pelo réu ou pelo executado com a defesa pelo mesmo pretendida usar e inviabilizada pelo processo escolhido - como, face ao teor das respetivas alegações, parece entender o Recorrido -, não tendo, por isso, aquele que invocar a existência de outras eventuais questões que pretendia suscitar e não pôde, em razão do processo usado.
Dando exemplo da situação em que não se anula ato algum, Alberto dos Reis apontava o emprego do processo ordinário para uma ação a que devia aplicar-se o processo sumário e, como exemplo da anulação total (com exceção da petição), quando se usasse do processo sumário em vez do processo ordinário, bastando, para alcançar tal conclusão, segundo o mesmo, constatar que o prazo para contestar num e noutro processo eram distintos, na medida em que “se se aproveitassem a contestação e os actos posteriores o réu seria prejudicado no seu direito de defesa, por teria sido colocado na necessidade de se defender em prazo mais curto” (in Comentário ao Código Processo Civil, I, pág. 480), o que bem denota que é em abstrato que a comparação entre as garantias de defesa de um processo e outro devem ser feitas, não havendo que entrar em consideração com argumentos como os expendidos pelo Recorrido.
Ora, no caso, comparando a execução ordinária com a execução sumária, fácil é chegar à conclusão de que na segunda - aquela em que redundou a escolha feita pelo Exequente - as garantias do executado são bem inferiores, aqui se sublinhando, para além de todas as notórias diferenças entre uma e outra já apontadas pela Recorrente e que redundam em menores direitos de defesa do executado, que, na execução ordinária, pretendendo o exequente requerer que a penhora seja efetuada sem a citação prévia do executado deve alegar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e oferecer de imediato os meios de prova, sendo a citação dispensada quando se mostre justificado o alegado receio (art. 727º, nºs 1 e 2, do CPC), a tudo isto escapando, num resultado que configuraria uma fraude à lei, o exequente que, usando de um processo executivo inadequado e com menores garantias para o executado, não obstante decisão reconhecedora do erro na forma escolhida, visse serem aproveitados todos os atos de penhora realizados antes da citação.
A respeito de situação análoga, embora relativa a providência cautelar, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 10.08.2016, “o arresto é um procedimento cautelar especificado, com a particularidade de ser decretado sem audiência da parte contrária (art. 393/1 do CPC). No procedimento cautelar comum tal só poderia acontecer se a requerente tivesse alegado – ou isso tivesse ficado indiciado – os factos necessários para se concluir que a audiência punha em risco sério o fim ou a eficácia da providência (art. 366/1 do CPC), o que não foi o caso”, concluindo que “no caso, a requerida tinha o direito de ser ouvida antes de a providência ter sido decretada e não lhe foi assegurado tal direito. Pelo que se aproveitassem os actos já praticados, tal seria feito à custa das garantias processuais essenciais da requerida”.
Por último, não se pode ignorar que, no caso concreto, agravando a situação da Executada, esta foi citada antes da junção aos autos de todos os documentos que integravam os títulos executivos, o que, em abstrato, é suscetível de lhe diminuir as possibilidades de defesa.
Face ao exposto, exceção feita ao requerimento executivo e à ulteriormente efetuada junção aos autos de documentos integrantes dos títulos executivos a que acima se fez referência, impõe-se a anulação de todo o processado, o que, na parcial procedência das conclusões da Recorrente, se determinará, ficando, nessa medida, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Recorrente.

Sumário:

I - Reconhecida a existência de erro na forma do processo, condição de aproveitamento dos atos praticados é, como decorre diretamente do art. 193º, nº 2, do Código Processo Civil, a de que desse aproveitamento não resulte uma diminuição de garantias do réu;
II - Este critério diz respeito às garantias asseguradas, em abstrato, na defesa dos direitos do réu (no caso, executado) em cada uma das formas de processo em confronto e não à comparação, em concreto, da defesa usada pelo réu ou pelo executado com a defesa pelo mesmo pretendida usar e inviabilizada pelo processo escolhido;
III - Na execução ordinária, pretendendo o exequente requerer que a penhora seja efetuada sem a citação prévia do executado deve alegar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e oferecer de imediato os meios de prova, sendo a citação dispensada quando se mostre justificado o alegado receio (art. 727º, nºs 1 e 2, do CPC), a tudo isto escapando, num resultado que configuraria uma fraude à lei, o exequente que, usando de um processo executivo inadequado e com menores garantias para o executado, não obstante decisão reconhecedora do erro na forma escolhida, visse serem aproveitados todos os atos de penhora realizados antes da citação.

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IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, anulando, em consequência do erro na forma do processo reconhecido pela decisão recorrida - que, nessa parte, se mantém -, todo o processado, exceção feita ao requerimento executivo e à ulterior junção aos autos de documentos integrantes dos títulos executivos.
Custas pela Recorrente e pelo Recorrido, na proporção de, respetivamente, 20% e 80%.
Guimarães, 23.11.2017

Relator
1º Adjunto
2º Adjunto