Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2327/17.3T8MAI-A.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário, da única responsabilidade do relator

Nos processos emergentes de acidente de trabalho não é admissível a intervenção de terceiro alheio à relação jurídico laboral que tenha sido único e exclusivo culpado do acidente.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Nos autos emergentes de acidente de trabalho é sinistrado B. N., falecido, seguradora X - Compª de Seguros, Sa e empregadora Y, Lda.

A tentativa de conciliação frustrou-se.

Sob o patrocínio do MºPº, Maria, viúva, e N. O., mãe do sinistrado, deduziram petição inicial contra as RR.

Alegou-se, para tanto, genericamente e no que ora interessa: também eram beneficiárias duas filhas do sinistrado I. N., nascida em -.-.1996 e V. N., nascida em -.-.2001; o acidente ocorreu em 12.04.2017 quando o sinistrado prestava trabalho para a 2ª R com uma renumeração anual ilíquida de 15.389,06€; o sinistrado faleceu devido ao acidente; e a 2ª R tinha transferido a responsabilidade infortunistica laboral para a 1ª R apena pelo valor anual de 11.593,84€

As RR contestaram.

A 1ªR alegou, em síntese: a renumeração coberta pelo seguro como referido; e o sinistro ficou a dever-se à violação das regras de segurança pela 2ª R, pelo que lhe assiste o direito de regresso.
A 2ª R alegou, em súmula: o acidente deveu-se a circunstâncias de que foi totalmente alheia, quando se operava em três camiões cisterna pertença de Transportadora Central ..., Lda, imputáveis a esta sociedade, pelo que deve ser chamada a intervir nos termos do artº 127º, nº 1 do CPT, assim requerendo.
Nos termos do artº 129º, nº 3 do CPT as RR responderam mantendo a sua posição inicial.

Na fase da condensação e saneamento proferiu-se despacho:

“Da intervenção provocada

Em sede de articulado de contestação, veio a Ré Y, Lda requerer a intervenção principal provocada, da Transportadora Central ..., Lda, alegando poder ser aquela a única e exclusiva responsável pela ocorrência do sinistro dos autos.
Notificados da contestação apresentada, Autoras e Ré seguradora não se pronunciaram sobre a requerida intervenção.

Cumpre apreciar e decidir.

Em matéria de processos por acidente de trabalho e de harmonia com o disposto no artº 129.º do Cód: Proc Trabalho, apenas é admissível a intervenção na acção de qualquer entidade que eventualmente seja susceptível de ser responsabilizada pela reparação dos prejuízos causados ao sinistrado ou beneficiários legais em caso de morte (neste sentido tem sido constante a jurisprudência do STJ, corno se vê do AC, de 9.11.94, CJStj, T. 3, pág. 290 e do STA, Ac. de 4.6.66 in A.D. nº 82, pág, 1342).

Com efeito, à admissibilidade de tal incidente se opõe, não só a "ratio", mas também o objectivo prosseguido pela lei processual laboral ao disciplinar a fase contenciosa do processo de acidente de trabalho.

A "ratio" é bem visível nos artigos 127.º n.º 1 e 129.º do Cód. Prac. Trabalho, onde se estabeleceu um mecanismo de chamamento de terceiros, quer oficiosamente, quer na disposição do próprio réu, mas que em nada corresponde aos incidentes previstos na lei processual comum civil. Nos preceitos citados a intervenção de terceiros é admissível quando estiver em causa exclusivamente a determinação de um eventual responsável pela reparação, por isso se criando um mecanismo célere de chamamento ao qual não pode sequer o autor opor-se.

Por outro lado, dispondo o artigo 7.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro que "é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidentes de trabalha (...), a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida par legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço", é manifesto que são os empregadores que, em, primeira linha, respondem pela reparação do acidente, embora sejam obrigados a transferir essa responsabilidade para uma companhia de seguros que passará então a ser a responsável, nos termos do contrato de seguro (art.º 79º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro).

Quer isto dizer que a reparação do acidente ao abrigo da lei dos acidentes de trabalho só pode ser pedida à entidade empregadora ou à sua seguradora. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 14.5.2001 de que foi relator o Sr. Desembargador Sousa Peixoto, proferido no Rec. Nº 532 "sendo o processo de acidentes de trabalho um processo especial que visa averiguar da produção do acidente e das suas consequências na capacidade de ganho do trabalhador e que visa identificar o responsável pelo mesmo e fixar a reparação que ao sinistrado é devida, não fazia sentido que nesse processo fossem demandadas pessoas estranhas à relação laboral, ou seja, pessoas cuja responsabilidade na produção do acidente tem de ser apreciada à luz do regime geral da responsabilidade civil ou criminal e não à luz do regime especial da lei dos acidentes de trabalho (...) A responsabilidade de terceiros não emerge do acidente de trabalho qua tale pelo que os tribunais de trabalho nem sequer seriam competentes em razão da matéria para conhecer dessa responsabilidade". Esta jurisprudência mantém-se válida, apesar da redacção do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009.
Pelo exposto, indefere-se o requerido incidente de intervenção principal provocada.
Custas do incidente pela Ré Y, Ld.ª, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC's.
Notifique.”.

A 2ª R recorreu.

Conclusões:

“1. Numa clara manifestação do princípio da suficiência do processo, dispõe o n.º 1 do art. 126° do CPT que é no processo principal que devem ser apreciadas e decididas todas as questões, excepto a da fixação da incapacidade para o trabalho, que deverá correr por apenso.
2. O processo que nos ocupa tem por objecto principal apurar (i) se houve, ou não, violação de regras de segurança; (ii) se se verifica o nexo de causalidade entre o sinistro e a violação de regras de segurança; (iii) a determinação do responsável pela produção do incidente e, consequentemente, da morte de um trabalhador.
3. A questão da determinação da entidade concretamente responsável pelo sinistro e, consequentemente, pela morte do trabalhador da recorrente, sendo outrem, que não a entidade patronal ou a seguradora, reveste-se de manifesta importância no processo, como, de resto, é entendimento do próprio tribunal a quo ao quesitor essa materialidade no despacho saneador sob os n.os 21 a 33.
4. É inequívoco que o enunciado dos arts. 127º, n.º 1 e 129º n.º 1, al. b), ambos do CPT consagra a possibilidade de fazer intervir no processo, por via oficiosa ou por iniciativa do réu, um terceiro tido como responsável, modificando subjectivamente a instância, assim afastado o princípio da estabilidade da instância (vd. Carlos Alegre, Código do Processo do Trabalho Anotado, pg. 303, nota 1; Alberto Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalho Anotado, 48 ed., pg. 574).
5. O afastamento, ou derrogação do mencionado princípio, tem lugar em nome de um valor maior, o da justiça material, desígnio a ascese do direito (vd., neste sentido de privilegiar a decisão de fundo em detrimento da decisão de forma, relatórios do DL n.º 329/95 de 12-12 e do Dl n.º 480/99, de 9-11).
6. Os 127.º, n.º 1 e art. 129º nº 1, al. b) do CPT empregam intencionalmente os pronomes indefinidos "qualquer" e "outra", respectivamente, ambos a anteceder o substantivo "entidade" justamente para significar a indeterminabilidade da entidade responsável, afastando, portanto, o entendimento que nela apenas se compreende o empregador e a seguradora.
7. Dessa sorte, o responsável não se reconduz unicamente à entidade patronal e à seguradora, mas a qualquer terceiro eventualmente responsável pela produção do acidente de trabalho - Carlos Alegre, Código do Processo do Trabalho Anotado, pg. 303, nota 1; Alberto Leite Ferreira, Código de Processa de Trabalho Anotado, 4ª ed., pgs. 307 e 575; Acs, do STJ de 19-02-1992, proc. N.º 003132 e de 30-04-1997, proc, n.º 978022, ambos em www.dgispt.
8. Na ratio dos arts. 127º, n.º 1, 129.º, n.º 1, al. b), do CPT está a realização da justiça material: a discussão e decisão da matéria de facto sem a intervenção do eventual responsável levará seguramente à absolvição do réu primitivamente demandado ou dos intervenientes na acção, determinando o autor a intentar nova acção, agora contra a verdadeira entidade responsável pelas consequências resultantes do acidente; maior desperdício de tempo e dinheiro, sem qualquer vantagem em nome da justiça, não é aceitável - cfr. Alberto Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalha Anotado, 4ª ed., pg, 576.
9. A decisão recorrida violou as disposições legais supra citadas.

TERMOS EM QUE, na procedência dos fundamentos do recurso, deve ser revogado a despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordene a intervenção da Transportadora Central ..., Lda.”.

As AA patrocinadas pelo MºPº contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso.

Efetuado o exame preliminar, cumpre decidir.

A questão a apreciar é a da admissibilidade do chamamento neste processo especial como parte principal da sociedade alheia à relação jurídica laboral para apuramento da sua responsabilidade civil.

Os factos a considerar são os que resultam objectivamente do relatório transacto.

Posto isto.

Nos seus articulados iniciais a recorrente, sem mais, imputa a culpa única e exclusiva na ocorrência do acidente a uma sociedade sua cliente, ou seja, sem qualquer relação com o vínculo jurídico laboral entre si e o sinistrado que faleceu em consequência.

E requereu a intervenção dessa sociedade terceira para intervir como ré.

O tribunal a quo entende que nos termos conjugados dos artºs 127º e 129º do CPT o chamamento de terceiros neste processo especial deve cingir-se à necessidade de determinação do eventual responsável pela reparação no âmbito da Lei nº 98/2009, de 04.09, não sendo aqueles alheios à relação laboral, com exceção, obviamente, da seguradora para quem foi transferida a responsabilidade infortunistica por acidentes de trabalho, sendo certo, ainda, que à luz do regime especial da lei dos acidentes de trabalho a eventual responsabilidade de tal sociedade terceira não emergia do acidente de trabalho em si.

Nestes termos indeferiu o pretendido chamamento.

No recurso, a recorrente filia-se em princípios que descortina do dispositivo legal e sobreavalia a questão da “determinação da entidade concretamente responsável pelo sinistro”, trazendo para o efeito à colação a razão de ser da selecção de matéria de facto questionada tendente à demonstração da responsabilidade que assaca a essa entidade terceira. Daí que retire da interpretação dos termos conjugados dos dois preceitos citados que tem enquadramento legal a intervenção que requer atinente “a qualquer terceiro eventualmente responsável pela produção do acidente de trabalho”.

Mas não, falece razão à recorrente.

Como se refere nas contralagações, devemos conjugar tais normas processuais, adjectivas ou instrumentais com o dispositivo do direito substantivo laboral (CT) e do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais (Lei 98/2009, de 04.09), daí se extraindo o tipo de intervenção que o legislador previu para o processo emergente de acidentes de trabalho e, concomitantemente, a abrangência subjectiva.

Com efeito, só fará sentido interpretar o disposto nos artºs 127º, nº 1 do CPT (Quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na acção qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos) e 129º, nºs 1, alª b), e 3 do CPT (Na contestação, além de invocar os fundamentos da sua defesa, pode o réu: (…) indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar nos termos do artigo anterior; se estiver em discussão a determinação da entidade responsável, ao autor e a cada um dos réus é entregue cópia da contestação dos outros réus, podendo cada um responder no prazo de cinco dias, mas apenas sobre aquela questão), para se determinar quem é que pode ser chamado à acção, mediante a ratio desse processo especial que é delimitada pela tutela pretendida no citado direito substantivo.

Ora, deste, temos o disposto no artº 283º, nºs 1, 4, 5, 6 e 10 do CT (o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional; a lei estabelece as situações que excluem o dever de reparação ou que agravam a responsabilidade; o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro; a garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei; o empregador deve assegurar a trabalhador afectado de lesão provocada por acidente de trabalho ou doença profissional que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho a ocupação em funções compatíveis), onde logo se apontam os sujeitos que podem relevar para a decisão da causa pelo lado passivo, designadamente também por terem um interesse directo igual ainda que devido a necessidade de satisfação do direito de regresso como condevedores solidários e, no máximo, o que deve indemnizar pelo prejuízo que cause a perda da demanda.

Depois, no mesmo sentido, prescreve o artº 7º da Lei 98/2009, de 04.09: “é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço”.

Por seu turno, o disposto no artº 79º, nºs 1 e 3 desta lei determina que “o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro” e “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”, o que permite concluir também que em “primeira linha” são responsáveis a entidade patronal e a seguradora, tudo em razão, como se afirma nas contra-alegações, da “especificidade dos vínculos que se estabelecem entre ambos e, também, a especificidade dos riscos que sempre implica a prestação de trabalho ao serviço de outrem”.

E continuando a concordar com o a resposta ao recurso é de citar ainda o aí referido:

“Importa também referir que, nas situações previstas no art.º 18º, nº 1 da mesma Lei (acidente provocado pela entidade empregadora, pelo seu representante ou entidade por aquele contratada ou por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou se resultar da violação, por parte de tais entidades, de regras sobre a segurança e saúde no trabalho), a entidade empregadora será responsável pelas pensões agravadas nos termos do citado preceito, situação essa que, mas apenas nesse caso, não prejudica, também, a responsabilidade pelos danos não patrimoniais que seja devida nos termos da lei geral, sendo a seguradora responsável peja pagamento pelas prestações normais previstas na LAT (cfr. art.º 79.º, n.º 3).

Por outro lado, dispõe o seu art.º 17.º que quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos, termos gerais (n.º 1), bem como que, se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida peja entidade empregadora ou seguradora. esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido (nº 2).

Por sua vez. todo este regime substantivo especial tem correspondência num processo, também especial, previsto no CPT, qual seja o previsto nos art.ºs 99.º e segs e em que, no seu art.º 26.º n.º 2, se consagra a natureza urgente e oficiosa das acções emergentes de acidente de trabalho.

Desta regulamentação processual decorre também que o processo se desenrolará entre o sinistrado (ou seus beneficiários legais) e a Seguradora (havendo transferência da responsabilidade) e, nas situações previstas no art.º 79º, nº s 2 e 3, da LAT, entre aqueles (sinistrado/beneficiários legais) e esta (Seguradora) e/o a entidade empregadora do sinistrado (conforme os casos) - cfr., designadamente, art.ºs 108º, 127.º, 129.º, n.º 1, alª b), do CPT.

Ou seja, de tudo o exposto pode-se concluir que a reparação devida pelo acidente de trabalho é a que se encontra definida na LAT, que tal responsabilidade não se confunde, seja nos seus pressupostos seja no seu objecto, seja nas normas substantivas e processuais que a regem, com a responsabilidade fundada nas normas gerais da responsabilidade civil e que é sobre as entidades patronais e/ou suas seguradoras que recai a obrigação da reparação prevista na LAT ainda que possa o acidente ser causado por terceiros (seja, ou não, no âmbito da violação de regras de segurança no trabalho).

(…)
No caso dos autos, atento os termos do requerimento de intervenção apresentado pela apelante, não está em causa a actuação do seu representante ou de entidade por si contratada ou de empresa de utilização de mão-de-obra, mas sim a intervenção de um terceiro alegadamente causador do acidente.”

(…)
Considerando o acima exposto, concordamos com o entendimento perfilhado no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.6.20l5, ou seja, que apenas é permitida a intervenção de terceiros em processo de acidente de trabalho nos casos previstos no art.ºs l8.º, n.ºs 1 e 3 da LAT, isto é, nos casos em que haja responsabilidade solidária entre o empregador e um terceiro ou nos casos em que aquele tenha direito de regresso sobre este, não sendo tal intervenção legalmente admissível nos casos previstos no art.º 17, nº l da LAT.

O caso dos autos, atento o teor do pedido de intervenção formulado pela requerente, não se enquadra na previsão do art.º 18.º, nº I da LAT, uma vez que a empresa cuja intervenção a apelante requereu não é seu representante, sua contratada ou empresa utilizadora de mão-de-obra, mas sim no previsão do art.º 17.º, nº 1 da LAT.

Por isso. não é admissível a requerida intervenção da sociedade "Transportadora Central …, Lda", cuja eventual responsabilidade deverá ser discutida no foro próprio, que não o do juízos do trabalho.”.

Ainda que no domínio de anterior legislação (Lei 100/97 de 13.09), como se refere também no acórdão do TRL de 10.12.2009 (procº 473-068TTFUN.L1-4, ww.dgsi.pt):

“Resulta da prescrição do art. 31.º da LAT que não devem resolver-se no processo especial emergente de acidente de trabalho questões que nada têm a ver com a responsabilização especialmente prevista na lei de acidentes laborais, não podendo nele ser condenados terceiros no pagamento das pensões e indemnizações a arbitrar.

Tal condenação só pode ocorrer sobre a entidade patronal ou sobre a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho sem prejuízo:

- dos direitos que aos responsáveis a que alude a LAT são reconhecidos no art. 31.º, a exercer nos termos da lei geral, nos tribunais comuns;
- do próprio direito do sinistrado ou seus beneficiários perante as entidades civilmente responsáveis, a exercer também nos tribunais comuns.

Mais uma vez com clareza a LAT, que rege a matéria dos acidentes de trabalho, se dirige de modo autónomo e próprio à responsabilização da entidade patronal e/ou da seguradora para quem aquela haja transferido a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho.

É assim inequívoco que só estas entidades poderão ser directamente responsabilizadas perante o trabalhador em acção especial intentada no Tribunal do Trabalho nos termos dos arts. 99º e seguintes do Cód. Proc. Trab. para condenação no pagamento das pensões e indemnizações previstas na lei de acidente de trabalho, nos casos em que o acidente é causado por terceiros.

De outro modo não faria sentido a especial previsão na LAT do direito de regresso e da acção de desoneração.

A possibilidade de intervenção no processo especial de acidente de trabalho de todas as entidades que possam ser julgadas eventualmente responsáveis prescrita nos arts. 127.º, nº 1 e 129.º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Trab., restringe-se assim à responsabilização pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas:

- cujos sujeitos são os identificados nesta lei e
- que têm características específicas que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é perspetivada nos arts. 562.º e segs. do Cód. Civil para efectivação da responsabilidade civil prevista nos arts. 483.º e seguinte do mesmo Código.

Das especificidades das prestações previstas na LAT destacam-se, além do mais, a natureza irrenunciável das prestações - art. 35.º -, a nulidade dos actos contrários à lei – art. 34.º -, o processo judicial oficioso para as vítimas e seus beneficiários - arts. 26.º e 99.º e seguintes do Cód. Proc. Trab. -, a garantia do pagamento pelo FAT - art. 39.º -, a limitação do diâmetro dos danos reparáveis – art. 10.º -, a tendencial inferioridade da reparação em relação ao dano tutelado – arts. 17.º a 21.º -, a relevância da concausalidade e da causalidade indirecta – arts. 6.º a 8.º -, a irrelevância por regra da culpa do lesado – art. 7.º -, o favorecimento relativo das vítimas e seus beneficiários no âmbito probatório - nºs 5 e 6 do art. 6.º - e a actualização das pensões.

Pretende-se com este regime próprio, e naquele processo especial, responsabilizar sempre em primeira linha a entidade patronal e a sua seguradora (sendo caso disso) perante o sinistrado ou os seus beneficiários legais pelo pagamento das prestações previstas na LAT, garantindo-se-lhes desde logo, num processo especial célere e sem grandes dificuldades no apuramento da entidade responsável (que é sempre em primeira linha a entidade patronal), a efectividade do direito a estas prestações e libertando-se o sinistrado do ónus de averiguar e demonstrar qual o sujeito ou entidade que praticou, ou omitiu, o acto que em última instância esteve na base da ocorrência do acidente.

Havendo violação das regras de segurança, tal omissão é imputável à entidade empregadora do sinistrado, mesmo existindo no âmbito de uma obra, por exemplo, entidades a quem sejam impostas obrigações em tal matéria, decorrentes do contrato de empreitada ou outro. Porém, se estas entidades não cumprirem as suas obrigações na matéria, nem por isso respondem perante o sinistrado no âmbito do acidente de trabalho, embora possam ter de responder perante o seu empregador, nos Tribunais Cíveis, no âmbito da responsabilidade contratual decorrente do contrato de empreitada ou outro e/ou da responsabilidade civil, mas não da responsabilidade infortunística-laboral. Daí que, se essas entidades inobservarem as regras de segurança a que se encontram adstritas, o empregador deverá, no confronto com os seus trabalhadores impedi-los de acederem à obra ou a convencer os inadimplentes a empreenderem as medidas de segurança que se impõem.

No sentido acabado de expor podem ver-se, entre outros, os Acs. do STJ de 30.09.2004, de 11.05.2005 e de 17.04.2008 (www.dgsi.pt).”.

E, ainda assim, não se deve olvidar o disposto no nº 4 do artº 17º da Lei 98/2009 segundo o qual “o empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente”. Esta norma é também capaz de titular o acima mencionado que “apenas é permitida a intervenção de terceiros em processo de acidente de trabalho nos casos previstos no art.ºs l8.º, n.ºs 1 e 3 da LAT, isto é, nos casos em que haja responsabilidade solidaria entre o empregador e um terceiro ou nos casos em que aquele tenha direito de regresso sobre este, não sendo tal intervenção legalmente admissível nos casos previstos no art.º 17, nº l da LAT”.

Acontece, por último, que a selecção da matéria respeitante à responsabilidade da sociedade terceira em nada interfere com o predito.

É que, como se concluiu no acórdão acabado de citar “A imputação do facto a terceiros, mormente por violação de regras de segurança que estavam também obrigados a cumprir no local onde ocorreu o acidente, integra uma causa de exclusão ou diminuição da responsabilidade emergente de acidente de trabalho, a qual, porém, só poderá ser concretizada, por parte do empregador ou da seguradora, no quadro do regime comum de responsabilidade civil extracontratual, através do direito de regresso a que se refere o art. 31.º, nº 4, da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro.”.

Pelo que se deixa dito julgar-se-á o recurso improcedente.

Sumário, da única responsabilidade do relator

Nos processos emergentes de acidente de trabalho não é admissível a intervenção de terceiro alheio à relação jurídico laboral que tenha sido único e exclusivo culpado do acidente.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o despacho impugnado.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 13 folhas com os versos não impressos.
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10.07.2019