Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
566/10.7TMBRG-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARROLAMENTO
DIVÓRCIO
INVENTÁRIO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A acção de que o arrolamento, regulado no artº427º nº 1 do CPC (409º do NCPC), é preliminar ou incidente, não é o inventário, mas sim o divórcio.
II - Não existe norma que imponha a promoção do inventário dentro de qualquer prazo sob pena de caducidade do arrolamento, nem há necessidade de estender a aplicação do artº 389º nº 1, a) e b) do CPC (373º nº1 a) e b) do NCPC) à situação dos autos, porque a sua ratio (não imposição de um prolongamento desnecessário duma situação de indisponibilidade de qualquer direito do requerido) não ocorre, uma vez que o inventário pode ser requerido e promovido por qualquer das partes.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO
Nos autos de procedimento cautelar de arrolamento requerido ao abrigo do disposto no art.º 427.º, n.º 1 do CPC por M… contra H…, na pendência da respectiva acção de divórcio, arrolamento que foi decretado por decisão proferida em 14/10/2010 (fls. 27), veio o requerido, a fls. 97, requerer a declaração de caducidade da providência, nos termos do disposto no art.º 389.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
Respondeu a requerente, pugnando pelo indeferimento do requerido por não estarem preenchidos os pressupostos da norma invocada.
Foi proferida decisão indeferindo tal pedido.
Inconformado o requerido interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso de apelação tem por objeto a douta decisão de fls. 104 dos autos que indeferiu a declaração de caducidade da providência cautelar de arrolamento que havia sido referida a fls. 97 dos autos.
2. Com efeito, entende o Recorrente que aquela providência cautelar mostra-se há muito extinta por caducidade, pois que o processo especial de inventário de que a providência cautelar de arrolamento constituía dependência não foi proposta no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio.
3. Na realidade, resulta dos autos que o procedimento cautelar de arrolamento foi instaurado em 01 de Outubro de 2010 e decretado, sem o contraditório prévio do requerido, em 07 de Outubro de 2010.
4. Decorre igualmente dos autos que tal procedimento cautelar de arrolamento viria a ser instaurado por apenso a uma ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge – ação essa que foi intentada em 27 de Agosto de 2010 e que correu termos sob o processo n.º 566/10.7TMBRG da 1.ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Braga – a qual viria a ser definitivamente julgada por douta sentença proferida em 14 de Novembro de 2012, já transitada em julgado.
5. Sucede que, apesar de tal sentença ter transitado em julgado no dia 16 de Janeiro de 2013, a requerente da providência cautelar de arrolamento apenas viria a instaurar a competente ação, sob a forma de processo especial de inventário em consequência de divórcio, no dia 30 de Agosto de 2013, precisamente um dia depois de o Recorrente ter invocado a caducidade do arrolamento.
6. Significa isto que o processo especial de inventário dos bens do dissolvido casal foi proposto muito para além do prazo de trinta dias previsto no então art. 389.º, n.º 1, a), do CPC [correspondente, com as necessárias adaptações, ao atual art. 373.º, n.º 1, al. a), do CPC], razão pela qual se verificou a caducidade da providência cautelar.
7. De facto, o direito acautelado que se pretende preservar ou garantir com o arrolamento dos bens do casal, como preliminar ou dependência de ação de divórcio, não é, nem pode ser, o divórcio – que respeita, tão-somente, ao vínculo conjugal – mas antes, única e exclusivamente, a garantia da conservação e/ou não dissipação, ocultação ou oneração do património comum do casal que virá a ser objecto de divisão a ser efetuada em processo especial de inventário. 8. Neste enquadramento, tendo sido decretado o divórcio do casal por douta sentença proferida em 14 de Novembro de 2012 e transitada em julgado em 16 de Janeiro de 2013, a providência cautelar de arrolamento só poderia subsistir se tivesse sido requerido o inventário no prazo de trinta dias previsto no então art. 389.º, n.º 1, al. a), do CPC.
9. É que, ao invés do que se sustenta na douta decisão recorrida, a ação formatada a decidir a questão da inventariação e partilha do património do dissolvido casal é a de inventário e não a de divórcio, pois que, como é consabido, o processo especial de divórcio não tem, em si mesmo, a virtualidade de absorver e/ou decidir os efeitos patrimoniais decorrentes da dissolução do vínculo conjugal.
10. Deste modo, ao ter considerado que o arrolamento não caducou pelo facto de o mesmo ter sido instaurado como dependência de uma ação de divórcio, independentemente da data da propositura da ação de inventário subsequente, o Tribunal a quo, salvo o muito devido respeito, fez uma errada interpretação do disposto no revogado art. 389.º, n.º 1, al. a), do CPC [correspondente, com as devidas adaptações, ao atual art. 373.º, n.º 1, al. a), do nCPC],
11. sendo que o Julgador devia ter interpretado e aplicado a norma em causa, em consonância, aliás, com o já decidido no Ac. do TRP, de 13.06.1996, proc. 9630582, disponível in www.dgsi.pt, no sentido de que a providência cautelar de arrolamento, decretada antes ou na pendência de ação de divórcio, caduca se a ação especial de inventário não for proposta no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da sentença que tenha julgado procedente a ação de divórcio.
TERMOS EM QUE, revogando a douta decisão recorrida e substituindo-a por uma outra que reconheça a caducidade da providência cautelar de arrolamento, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
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A apelada contra-alegou.
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O recurso veio a ser admitido neste Tribunal da Relação, na espécie, com o efeito e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 684º nº3 e 690º nºs 1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 660º-nº2 do CPC). As questões a decidir são as constantes das conclusões do apelante, acima reproduzidas
III - OS FACTOS
Com interesse para a decisão do presente recurso está assente a seguinte factualidade:
1º O procedimento cautelar de arrolamento foi instaurado em 01 de Outubro de 2010 como dependência de uma ação de divórcio e decretado em 07 de Outubro de 2010.
2º A acção principal havia sido intentada em 27 de Agosto de 2010, tendo o divórcio sido decretado por sentença proferida em 14 de Novembro de 2012 e transitada em julgado no dia 16 de Janeiro de 2013.
3º O inventário foi instaurado em 30 de Agosto de 2013 pela aqui recorrida.
IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO
No caso em apreço estamos perante um arrolamento especial, previsto no artº427º nº 1 do CPC, deduzido como incidente da acção de divórcio.
Como se refere na decisão em crise, não ocorre em concreto qualquer dos fundamentos de caducidade da providência enunciados no arº 389º do CPC.
Com efeito o arrolamento não foi requerido preliminarmente à acção de divórcio, nem esta esteve parada por mais de 30 dias por negligência da requerente pelo que nem se equaciona o disposto nos nºs 1 als. a) e b) e nº 2 do citado normativo. Como a acção de divórcio foi julgada procedente não tem aplicação o disposto nas al. c) e d) do nº 1. Também não se mostra extinto o direito que a requerente pretendia acautelar [al. e)], pois tal só correrá com a adjudicação dos bens em partilha.
A argumentação do recorrente no sentido de que impendia sobre a requerente, transitada em julgado a acção de divórcio, a obrigação de requerer, no prazo de 30 dias, o inventário para partilha dos bens do casal, sob pena de caducidade, como se o arrolamento fosse preliminar do inventário para partilha dos bens do dissolvido casal, não colhe.
Em primeiro lugar porque a acção de que o arrolamento é preliminar ou incidente, não é o inventário, mas sim o divórcio. Os argumentos que o apelante aduz verificam-se noutras situações, v. g., no procedimento de arresto preliminar ou incidental de acção declarativa. Mas nesse caso existe norma especial prevenindo a hipótese da demora na promoção da execução (artº 410º - caso especial de caducidade) o que não sucede no caso do arrolamento, muito menos no caso deste arrolamento especial.
Em segundo lugar e na sequência do exposto, nem faria sentido impor esse ónus à requerente, pois que, contrariamente ao que sucede noutros casos especialmente prevenidos, como o citado artº 410º do CPC, o inventário também pode ser promovido pelo requerido, isto é, a demora na propositura do inventário é tão imputável a uma parte como à outra, não há a imposição de um prolongamento desnecessário duma situação de indisponibilidade de qualquer direito do requerido, a que este, por si só, não possa obstar. Basta-lhe requerer o inventário.
Daí que não exista norma que imponha a promoção do inventário dentro de qualquer prazo sob pena de caducidade do arrolamento, nem a necessidade de estender a aplicação do artº 389º nº 1 do CPC à situação dos autos.
Aliás, os Tribunais superiores já se pronunciaram por diversas vezes sobre esta questão, no sentido de que o arrolamento não caduca em função do lapso temporal entre o divórcio e a partilha (Neste sentido ver: Acs. do STJ de 13/02/1997, in BMJ 464, pág. 538 e de 14/10/1997, in BMJ 470, pág. 515; os Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-12-2006, proc. nº 9483/2006-7 e de 15-03-1994, proc. n.º 0079811; os Acs do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2006, proc. n.º 0631466 e de 9.5.2002 proc. nº 0230700; e os Acs. da Relação de Coimbra de 15/03/1994, in CJ, t. II, pág. 86). E que, decretado o divórcio, o arrolamento se mantém até que exista descrição/relação de bens no inventário (Ac. do STJ de 25-11-1998, proc. n.º 98A911e Ac. do TRG de 12.01.2010, proc. 642/07.3TCGMR-H.G1) ou até à adjudicação (acórdão do TRP de 05-12-1995, proc. n.º 9520919).
Pelo exposto concluímos como se concluiu no Ac. do STJ de 13.2.1997, acima citado: Nem o inventário regulado no art.º 1404 do CPC é a acção de que o arrolamento é dependência nem a este pode ser extensivo o regime geral de caducidade das providências cautelares fixado no art.º 389 do CPC.
Improcedem assim as conclusões do apelante.
V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 15-9-2014
Eva Almeida
António Beça Pereira
Manuela Fialho