Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3558/14.3T8GMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
ACESSÃO INDUSTRIAL
ESTÁDIO DE FUTEBOL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Verifica-se a acessão sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da união ou da incorporação.

II- Essa união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente.

III- Nas situações previstas no art. 1340.º do CC, está-se perante construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio, sendo essencial, nesta última situação, que a construção ocupe os dois terrenos.

IV- Assim, a previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio, pois assim não sucedendo, estar-se-á no âmbito da previsão geral do art. 1340.º do CC.

V- Dado o seu carácter potestativo, para se operar a aquisição por acessão é necessária a manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos.

VI- O regime da acessão só se aplica quando não haja outro regime que regule especificamente a união ou mistura de coisas, designadamente o regime das benfeitorias, como o seja o caso do usufrutuário (art. 1450.º), do locatário (artigo 1406.º, n.º 1) e do comodatário (artigo 1138º, n.º 1, todo do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: Manuel e mulher, B. F., e S. M. e X Futebol Clube.
Recorridos: Manuel e mulher, B. F., e S. M. e X Futebol Clube.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Instância Central, 2ª Secção Cível, J5.

Vieram Manuel e mulher, B. F., e S. M., propor a presente acção declarativa com processo comum contra “X Futebol Clube”, pedindo se condene o Réu a:

A) Reconhecer o direito de propriedade e o direito de uso dos Autores sobre o imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial; e
B) Demolir a bancada e outras partes do seu estádio construídas sobre o referido imóvel e a restituir aos Autores a faixa de terreno que ocupou.

Alegaram para o efeito que o Réu, proprietário de prédio contíguo ao identificado no artigo 1º da petição inicial, onde tem edificado um estádio destinado à prática de actividade desportiva, procedeu a obras de ampliação e renovação do edifício, implantando-o numa faixa de terreno do prédio dos Autores que excedeu amplamente a largura máxima de 1,5 metros em toda a extensão da confrontação comum que lhe fora autorizado utilizar para esse efeito, violando, consequentemente, o direito de propriedade dos Autores.
*
O Réu contestou e reconveio.

Confessou a ocupação da parcela de terreno do prédio dos Autores, na qual edificou parte da bancada do seu estádio de futebol.
Excepcionou a aquisição originária do direito de propriedade sobre tal parcela, invocando para o efeito o instituto da acessão industrial imobiliária.

Em reconvenção, pediu sejam:

A) O 2º Autor e herdeiros da herança aberta por óbito da esposa, condenados a restituir ao Réu a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos de juros devidos até efectivo e integral pagamento, contados da notificação da contestação;
B) Os 1ºs. Autores condenados a restituir ao Réu a quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), a título de benfeitorias úteis, devidas pela construção da nova habitação, centrada no terreno sobrante do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...);
C) Declarada a aquisição por parte do Réu, da propriedade da parcela de terreno identificada nos artigos 72º e 73º da contestação/reconvenção, composta de parte de terreno rústico com culturas arvenses, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º (...), e incorporado na construção e edificação da bancada Nascente do estádio da Ré, inscrita na matriz urbana no artigo (...), em virtude de acessão industrial imobiliária, pelo valor que resultar do arbitramento requerido a final;
D) Operada a compensação, naquilo que for determinado ter a Ré a pagar pelo valor do terreno, com o valor peticionado a título de benfeitorias, extinguindo-se mutuamente ambos os créditos, e ser condenada a pagar o excesso a parte cujo crédito for menor.

Alegou para o efeito que celebrou com o Autor S. M. e falecida mulher, acordo pelo qual estes lhe consentiram a ocupação de 3.000 m2 de terreno contra o pagamento de € 50.000,00 e a construção, noutra localização, de casa de caseiros ali existente até um limite de custo de € 50.000,00. O acordo em apreço é nulo, por vício de forma. Como o Réu pagou àquele Autor e mulher os € 50.000,00 acordados, não sendo estes, afinal, os donos do imóvel, deve o montante ser restituído ao Réu. Por outro lado, o custo, suportado pelo Réu, da obra da casa do caseiro foi de € 125.000,00, sendo o Réu, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, credor de € 105.000,00 correspondente à diferença relativamente aos € 20.000,00 que valia a antiga casa. Sendo o valor da construção edificada de boa fé em terreno alheio, superior ao valor do terreno onde foi implantada, assiste ao Réu direito a adquirir originariamente este terreno, ao abrigo do instituto da acessão industrial imobiliária contra o pagamento do respectivo valor ao proprietário.
Suscitou incidente de intervenção principal provocada de Maria e de R. M., alegando para o efeito que são herdeiros, juntamente com o Autor S. M., da falecida mulher deste.
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Em réplica, os Autores impugnaram a defesa por excepção e parte dos fundamentos do pedido reconvencional.

Alegaram, por via de excepção relativamente ao pedido reconvencional, que o valor do terreno ocupado pelo Réu é de € 158.400,00 e que a parte sobrante do seu prédio sofreu, por via da edificação levada a cabo pelo Réu, uma desvalorização de € 538.080,00.

Mantiveram que a construção da nova casa constitui restauração natural da destruição da casa anterior, razão pela qual nada têm que pagar a este título.

Alteraram a causa de pedir e pediram a condenação do Réu “X” a pagar-lhes, na proporção de 80% para os 1ºs e de 20% para o 2º, a quantia de € 646.400,00, correspondendo € 108.400,00 ao valor da parcela de terreno ocupada, deduzido do montante de € 50.000,00 já pago pelo Réu, e € 538.080,00 ao valor da desvalorização da parte sobrante, com actualização desde 2002 até ao encerramento da discussão.

Alegaram para o efeito que assiste fundamento para a procedência da alínea C) do pedido reconvencional, declarando-se a aquisição, por parte do Réu “X”, da propriedade da parcela de terreno reivindicado pelos Autores na inicial, em virtude da acessão industrial imobiliária pelo valor que resultar do arbitramento.
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O Réu “X”, por requerimento junto a fls. 115 e ss., opôs-se à modificação do pedido, alegando que não preenche nenhum dos segmentos previstos pelos artigos 264º e 265º do CPC, sendo inexacta a alegação de que o pedido resulta de confissão pelos Réus, na medida em que se não trata de factos a estes desfavoráveis ou relevantes para a pretensão inicial dos Autores.
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Por despacho de fls. 119 foi admitida a intervenção processual provocada requerida pelo Réu “X”.
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Admitido que foi o pedido reconvencional e indeferido o incidente de modificação do pedido suscitado pelos Réus (fls. 134 e ss.), proferiu-se despacho saneador (fls. 137 e ss.), no qual se definiu o objecto do litígio, identificou a matéria assente e os temas da prova e apreciou os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.
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Pretendendo reclamar do objecto do litígio, os Autores requereram a realização de audiência prévia (fls. 149) que se realizou, na qual o tribunal determinou o aditamento de questão a decidir ao objecto do litígio e de um tema da prova (fls. 124 e ss.).
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo:
1.
Parcialmente procedente o pedido formulado pelos Autores, condenando o Réu a reconhecer que os Autores Manuel e mulher, B. F., são titulares do direito de propriedade, e que o Autor S. M. é titular do direito de uso, sobre o imóvel identificado no facto provado número 1;
Improcedente a parte restante do pedido formulado pelos Autores, de que se absolve o Réu.
2.
Parcialmente procedente o pedido reconvencional:
i.
Declarando a obrigação dos Autores restituírem ao Réu a quantia de € 119.800,00 (cento e dezanove mil e oitocentos euros), acrescida de juros, contados desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo e integral pagamento;
ii.
Declarando a aquisição, pelo Réu, da propriedade da parcela de terreno identificada nos factos provados números 14 e 17, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º (...), e incorporado na construção e edificação da bancada Nascente do estádio da Ré, inscrita na matriz urbana no artigo (...), em virtude de acessão industrial imobiliária, contra o pagamento, pelo Réu aos Autores, do valor de € 218.758,00 (duzentos e dezoito mil, setecentos e cinquenta e oito euros);
iii.
Declarando a compensação parcial do valor do crédito titulado pelos Autores, mencionado em 2.ii. supra, com a totalidade do crédito titulado pelo Réu, mencionado em 2.i. supra, e condenando o Réu a pagar aos Autores o remanescente do crédito por estes titulado.
iv.
Condicionando a produção de efeitos da declaração de aquisição do direito de propriedade em 2.ii. supra, ao efectivo pagamento pelo Réu aos Autores, através de consignação em depósito, dentro de prazo que se fixa em 30 dias, do remanescente do crédito destes resultante da operação de compensação declarada em 2.iii. supra.

Improcedente a parte restante do pedido reconvencional, de que se absolvem os Autores/Reconvindos.
***
Nos termos do disposto nos artigos 299º, nºs. 2 e 4, 297º, n.º 1, 302º, n.º 1, 306º, n.º 2 e 530º, n.º 3 do CPC, fixo ao pedido reconvencional o valor de € 218.758,00 (duzentos e dezoito mil, setecentos e cinquenta e oito euros), correspondente ao montante da liquidação da sua alínea C) operada em 2.ii. supra, não sendo de considerar os valores das alíneas A) e B) por se destinarem a compensar o da C)”.

Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso os Autores e a Ré, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

Conclusões formuladas pelos Autores:

1. A sentença recorrida é acertada no que toca à condenação do R. a reconhecer os direitos reais dos AA. sobre o Campo de (...) e à declaração da aquisição pelo R. da propriedade da parcela que ocupou com o prolongamento da construção do seu estádio, contra o pagamento do valor do terreno ocupado e do prejuízo causado.
2. Onde erra é na determinação do montante a pagar pelo R. para adquirir a referida propriedade, na declaração de nulidade do acordo das partes de 2002 e na condenação dos AA. a restituir ao R. os 50.000,00 € e a diferença de valores entre a casa demolida e o valor despendido na construção da nova casa no Campo de (...).
3. O entendimento de que as partes acordaram a transmissão derivada do direito de propriedade sobre uma parcela de terreno sem autonomia, contra o pagamento de um preço de dez contos m/2, acrescido da demolição da casa situada na parcela e da construção de nova casa, é incompatível com a matéria de facto provada, mormente a dos pontos 7, 10, 11, 12 e 14 da sentença recorrida.
4. O que se provou foi que as partes visaram permitir ao R. a ocupação de uma faixa do terreno dos AA. mediante compensação pecuniária, e não que quisessem transmitir a propriedade dessa faixa – o preço previsto de dez contos m/2 era o preço da ocupação do terreno, não o preço da transmissão da propriedade.
5. Sem acordo sobre a transmissão da propriedade não há compra e venda, pelo que não se aplica a exigência de forma do artigo 875º do Código Civil, que está na origem da nulidade invocada na sentença recorrida.
6. E estando apenas em causa um negócio de autorização de ocupação de terreno, também não cabe falar na transmissão derivada de qualquer direito real sobre uma parcela predial sem autonomia.
7. Por outro lado, debalde se procura, na matéria de facto provada, indícios de que a demolição da casa antiga e a construção da nova fosse uma contrapartida atribuída aos AA. – o que se prova é que a construção da casa nova foi contrapartida da demolição da antiga – e nada mais.
8. O acordo entre AA. e R., tal como resultou da sua vontade real determinada pela prova e que deve prevalecer em homenagem ao disposto no artigo 236º, nº 2, do Código Civil, foi, pois, inteiramente válido.
9. É certo que com o exercício do direito de aquisição potestativa, perde sentido parte do acordo, pois, acedendo o R. à propriedade da parcela ocupada – com o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição que a propriedade confere –, o valor da ocupação é consumido pelo valor do próprio terreno.
10. A contrapartida pecuniária pela ocupação acordada em 2002, passa a integrar o valor do terreno que o R. tem que pagar, face ao artigo 1343º do Código Civil, para ficar com a propriedade da faixa sobre a qual construiu parte do estádio.
11. Daí que os 50.000,00 € que o R. entregou aos AA. devam ser imputados ao montante a pagar para adquirir a parcela de terreno – não porque o acordo seja nulo e desencadeie uma obrigação de restituição dessa quantia que haja que compensar com a obrigação do R., mas porque o valor acordado pela ocupação se destinava a pagar parte daquilo que o R. vai agora adquirir na totalidade.
11. O mesmo não vale, porém, para o resto do acordo, pois a construção da nova casa foi acordada exclusivamente como contrapartida da demolição da antiga, exigida pelo prolongamento da construção do estádio no prédio dos AA., e o exercício do direito potestativo de aquisição em nada o afecta.
13. A imposição da restituição da diferença de valores entre as casas é particularmente chocante, pois fere inaceitavelmente o respeito devido à palavra dada e valores de lisura, lealdade e probidade que integram o princípio da boa fé.
14. A sentença não só impõe uma distribuição patrimonial inteiramente distinta da que as partes pensaram, como impõe aos AA. uma disposição patrimonial que só o interesse do R. tornou necessária e que não teriam realizado sem a iniciativa deste: os AA. vêem-se obrigados a pagar uma diferença de valores entre duas casas, quando, por sua simples iniciativa, não teriam operado a substituição entre elas.
15. Esse resultado seria sempre de rejeitar, mesmo que se admitisse que o acordo pelo qual os AA. consentiram ao R. a ocupação de uma parcela do seu terreno pudesse ser configurado como compra e venda ou como qualquer negócio de constituição, modificação ou extinção de direito real sujeito a forma.
16. Na verdade, apesar de a demolição e a construção da nova casa estarem ligadas à ocupação do terreno pela ampliação do estádio, visto que sem ela não seriam necessárias, não pode dizer-se, face aos factos provados dos pontos 11 e 12, que constituíssem uma vantagem atribuída aos AA. por contrapartida da faixa ocupada.
17. O acordo sobre as casas reveste-se de autonomia face a um suposto acordo sobre a transferência da propriedade da faixa de terreno, pois, com ou sem essa transferência, a casa antiga teria que ser demolida, para permitir a ampliação do estádio, criando a necessidade de uma nova que satisfizesse as mesmas funções.
18. Não há, portanto, razão para lhe estender a exigência de forma do artigo 875º do Código Civil, já que um acordo pelo qual alguém se obriga a demolir uma casa e a construir outra não está sujeito a forma – é um acordo que se pode celebrar ao abrigo do princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219º do Código Civil.
19. Porém, mesmo que se admitisse a nulidade do acordo sobre as casas, não poderia aceitar-se a obrigação que a sentença põe a cargo dos AA. de devolver a diferença entre o que o R. despendeu na casa nova e o valor da casa demolida; mesmo nesse enquadramento, a sentença teria que ser revogada.
20. Esse acordo das partes não teve em vista uma troca de prestações, determinada pelo seu valor intrínseco, mas sim satisfazer uma condição indispensável para o prolongamento da construção do estádio sobre o terreno dos AA..
21. Pelo que soa logo a falso uma solução em que o R. conserva a utilidade que procurava – a expansão do seu estádio sobre o prédio dos AA. – e consegue a restituição de parte de uma despesa indispensável para a sua obtenção.
22. O cálculo do valor dos deveres de restituição resultantes da nulidade de um contrato deve fazer-se avaliando os interesses em presença, tendo em conta as realidades materiais e económicas ocorridas entre o momento da celebração ou da execução do contrato e o da declaração de nulidade, e ponderando os ditames dos princípios da boa fé e do equilíbrio de prestações.
23. Mais: a vontade das partes condiciona os deveres de restituição cujo conteúdo resulta, no essencial, da estipulação das partes no contrato inválido – mesmo que tais deveres, como efeitos do negócio nulo, sejam imputáveis à lei.
24. Assim, se em resultado da invalidade do contrato, nascessem obrigações de restituição abrangendo, em abstracto, as operações de demolição e construção da casa, cumpriria utilizar na avaliação dessas prestações os valores que as próprias partes lhes definiram e reconhecer que se equivalem, qualquer que tenha sido a despesa realizada pelo R. e quaisquer que sejam os seus valores de mercado.
25. De resto, se, em 2002, as partes tivessem admitido que o seu acordo estava ferido de nulidade, teriam ainda querido preservar uma rigorosa equivalência entre a casa velha e a casa nova, pois, de outra forma, o estádio não teria sido ampliado.
26. A sentença recorrida não podia fazer operar a eficácia retroactiva da nulidade que descortinou, desprezando a ponderação de interesses feita pelas partes:
concluída a construção do estádio sobre o terreno dos AA. e sendo ela para manter, a antiga e a nova casa de caseiro não podem ser avaliadas de forma diferente da que as partes equacionaram, isto é, como equivalentes, à luz do facto que as determinou.
27. Também no que tange aos juros que os AA. foram condenados a pagar, em acréscimo ao valor de 119.800,00 € (soma dos 50.000,00 € com a diferença relativa às casas), a sentença não fez correcta aplicação das regras da nulidade.
28. Se nulidade houvesse, o R., até ao momento em que pagasse o montante necessário para adquirir a faixa de terreno por acessão, estaria obrigado a restituir o que recebeu dos AA. ao abrigo do acordo inválido.
29. Ora, o artigo 290º do Código Civil impõe que as obrigações de restituição que incumbem às partes por força da nulidade do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.
30. O que implica que, ao contrário do que foi decidido, a notificação da reconvenção não constituiu os AA. em mora, pois estes estavam e ainda estão em condições de recusar o cumprimento de quaisquer obrigações de restituição, enquanto o R. não cumprisse as suas.
31. Não há, portanto, qualquer dívida de juros dos AA. perante o R., nem relativamente aos 50.000,00 € que, na óptica da nulidade, seriam efectivamente para restituir, nem relativamente aos 69.800,00 € da diferença relativa às casas que, infundadamente, mesmo nesse enquadramento, se condenou os AA. a restituir.
32. Na decisão do pedido reconvencional, a douta sentença recorrida violou as normas dos artigos 219º, 236º, nº 2, 289º, nº 1, 290º, 874º e 879º do Código Civil.

Conclusões formuladas pela Ré:

A) Não se conforma a recorrente com os pontos ii e iv, do 2a parte da decisão, mormente quando declara parcialmente procedente a reconvenção, contra o pagamento aos AA. de 218.758,00€, bem assim, quando condiciona a aquisição da propriedade da parcela de terreno identificada nos factos provados 14 e 17 ao pagamento aos AA. do montante supra, uma vez operada a respectiva compensação.

Das conclusões incorrectamente englobadas no rol de facto provados

B) Nos factos provados 19° e 20° contêm meras conclusões e não factos, no sentido de estarmos diante de acontecimentos da vida real.

I. Resulta do facto provado N.º 20 da sentença recorrida que "O prolongamento da bancada e a ampliação do estádio, implantado na área de terreno referida nos factos provados 14 e 17 tem um valor, reportado à data da sua edificação de 595. 333, 2 O€' "
II. Resulta do facto provado Nº 28 da sentença recorrida que "O terreno restante do prédio descrito no facto provado número 1 ficou, em virtude da ocupação mencionada nos factos provados números 19 a) e 20, depreciado em e 93.115,00 (artigos 44º 46º 47º 49º, 52º: e 53° da réplica);"
C) O Tribunal optou por classificar de forma desgarrada e desacompanhada de outros factos, a obra realizada pela R., como sendo um "prolongamento" do prédio da recorrente para o do vizinho, aludindo concretamente ao corpo do artigo 1343° do c.c.
D) Para tanto fê-lo sem identificar a área concreta da bancada que foi construída em terreno próprio e em terreno alheio, para que possa concluir por um prolongamento.
E) O mesmo se diga quanto ao facto n° 28 dado como provado. F) Aqui o Tribunal conclui que a depreciação da parcela sobrante dos AA. é de € 93.115,00.
G) Esta resposta surge também ela desgarrada da concreta resposta que se impunha factos enunciados em 47° e 49° da réplica, estes sim norteadores da verdadeira causa de pedir dos AA.
H) Os AA. fizeram depender a desvalorização da parte sobrante de dois factos cumulativos, a saber:

a. Que "após a ocupação pela construção da R, o prédio dos AA. passou a ter um acesso muito reduzido, com uma frente para a Rua - A travessa de (...) - de cerca de 6 metros." (facto contido no artigo 47° da réplica).
b. Que "a parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao reduzido acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio." (facto 49° contido na réplica).
I) O Tribunal não poderia concluir pela depreciação da parte sobrante do prédio dos AA., sem antes apurar se a ocupação "encurtou" o acesso ao prédio dos AA., cuja frente ficou diminuída; e que, essa parte sobrante deixou de poder ser urbanizada em consequência dessa diminuição de frente.
J) Da fundamentação da sentença recorrida resulta que a resposta a este facto / conclusão resultou da extrapolação das conclusões contidas no relatório pericial.
K) Este relatório pericial acabou por alterar, sem base legal, a causa de pedir esgrimida pelos AA., ao referir que aquilo que motivava a depreciação era a aptidão do terreno para a construção de um via, dentro do terreno sobrante dos AA., que permitisse ampliar a frente para o "novo e hipotético" arruamento público.
L) Esta nova causa de pedir não resulta da alegação da parte, no caso dos AA., e resulta contrariada pelos mesmos esclarecimentos orais prestados pelos Senhores peritos em Audiência de Julgamento.
M) Nos esclarecimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento que o valor da depreciação resulta do local onde foi implantada a nova casa do caseiro, uma vez que apesar da aptidão construtiva do terreno sobrante, o mesmo não reúne as condições de utilização que permitem a urbanização. Isso resulta do depoimento dos Srs. Peritos prestado em audiência e discussão de julgamento, cujo depoimento está gravado em suporte digital do dia 19-04-2017, das 11:38:35 às 12:24:45, mais concretamente ao minuto 45:35 ao minuto 45:50, que a seguir se transcreve:
"Advogado do R.: Neste momento a aptidão ... as condições de utilização encontram-se impedidas pela construção da casa nova?

Srs. Peritos: Da casa nova. Pela construção da casa nova ... (impercetivel)"
N) No nosso modesto entendimento a sentença em crise não sobrevive sem as conclusões supratranscrita, que devem ser extirpadas e que inquinam decisivamente toda a fundamentação que se segue.
O) Impor-se-ia que os factos provados 19 e 20 tivessem a seguinte nova redacção que se sugere, a saber:
a. Facto 19: "O Réu X edificou no prédio rústico descrito sob o n° (...) da CRG de Guimarães duas obras: a) bancada incorporada em parte da faixa de terreno descrita nos factos provados 14 e 17,' b) edificação de nova habitação;"
b. Facto 20: A obra da bancada implantada na área de terreno referida nos factos provados 14 e 17 tem um valor, reportado à data da sua edificação de 595.333,20€"
P) Já quanto ao facto 28° deve ser considerado como não escrito.

Da impugnação da decisão relativamente à matéria de facto

Q) Para o caso de se entender que o facto 28° não contém matéria conclusiva, sempre entenderemos que se encontra incorrectamente julgado, e por isso vai impugnado, nos termos do disposto no artigo 640º/ n° 1 alínea a) do C.P.C.,
R) Valeu-se o Tribunal do relatório pericial junto aos autos, composto pelas respostas iniciais, seus esclarecimentos e esclarecimentos orais.
S) Para alcançarem este valor os Senhores Peritos, basearam-se na suposta perda da capacidade construtiva permitida pelo PDM, nomeadamente no facto de a disposição do terreno permitir, anteriormente à amputação da faixa de terreno, uma frente para o arruamento público de cerca de 31,00 metros e que após a ocupação passando a ter uma frente de cerca de 6,00 metros.
T) O que, no entender dos mesmos peritos impedia a utilização urbanística do terreno dada a reduzida frente que não permitia a inserção de arruamento para a consequente urbanização.
U) Em primeiro lugar, e se em causa está a perda de aptidão construtiva, dos autos não resulta produzida a única prova que permitiria esta conclusão, a saber, o pedido dessa viabilidade ao Município (...).
V) Em segundo lugar e mais importante, dos esclarecimentos orais prestados pelos Senhores peritos resulta que, foi o concreto local em que a casa do caseiro foi implantada que limitou a capacidade ou aptidão construtiva do tereno sobrante dos AA., conforme depoimento que se encontra gravado em suporte digital do dia 19-04-2017, das 11:38:35 às 12:24:45, mais concretamente ao minuto 45:35 ao minuto 45:50, e que por si só impõe decisão diversa.
W) Foi a opção dos AA. que limitou a eventual aptidão construtiva do terreno ~-sobrante dos AA.
X) Em terceiro lugar, porque (e tal resulta do relatório elaborado pelo colégio de peritos, mormente dos seus esclarecimentos juntos aos autos) que "antes e depois da construção da bancada a frente do terreno para o arruamento público é idêntica", e que considerando o PDM vigente em 2016, não "condiciona a construção com área mínima de frente de estrada".
Y) Deve dar-se não provada a matéria contida no facto 28°.

Dos factos omitidos do rol de factos provados e não provados

Z) Não consta do elenco dos factos provados se a construção efectuada pelo R./Recorrente foi edificada maioritariamente em terreno alheio ou se, pelo contrário, a maioria da construção foi efectuada em terreno próprio tendo existido apenas um prolongamento em terreno alheio, nem sequer resulta concretamente identificada a parte da bancada ocupada por incorporação de terreno alheio e de terreno próprio.
AA) É de enorme relevância para a decisão final da causa, nomeadamente para aferir da aplicação do artigo 1343.° do c.c. ao presente caso ou se, pelo contrário, será de aplicar o artigo 1340.° do c.c.
BB) Dos esclarecimentos prestados em 04/11/2016 pelos Senhores Peritos, referente ao ponto 5 dos quesitos formulados pelo R. que "A bancada em apreço foi construída maioritariamente em terreno alheio."
CC) Assim, seguindo-se a posição maioritária dos Senhores Peritos, conforme fez o Tribunal "a quo" ao longo de toda a sentença recorrida e porque se está perante um facto essencial à boa decisão da causa, devia constar do rol de factos provados que: "A bancada em apreço foi construída maioritariamente em terreno alheio.".
DD) Ao invés de aludir no rol de factos provados à incorporação da conclusão contida no facto 28°, impunha-se dar resposta aos "quesitos" formulados pelos AA., nos seus artigos 47° e 49° da réplica.
EE) Mais uma vez, aludindo ao relatório pericial, e às imagens juntas aos autos, com as quais os senhores peritos trabalharam, e ao relatório junto aos autos pelo do Sr. Topógrafo, deveria o Tribunal incluir nos factos provados que:

1. Após a ocupação pela construção da R, o prédio dos AA. manteve o mesmo acesso, com frente para a Rua - A travessa de (...) ¬de cerca de 8 metros."

FF) E deveria ainda dar como não provado que:

1. A parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio.
GG) Na verdade, resulta dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Topógrafo, bem assim do Sr. Perito J. C., que deixou dito no seu relatório pericial que "a/rente disponível para arruamento público nunca foi superior a cerca de 8 metros, não compreendendo como será possível a consideração de uma frente de cerca de 31 metros numa avaliação referente a este prédio ".
HH) De forma unânime, disseram ainda os peritos que, se é verdade que o PDM à data da incorporação da construção do R. na parcela de terreno dos AA. exigia efectivamente que as frentes dos lotes não poderiam medir menos de 30 metros (artigo 27.°, n." 2 e 3 do PDM em vigor em 2002), conforme esclarecimentos dos Srs. Peritos (datados de 04/11/2017) no ponto c) do n° 2 dos "Quesitos dos Réus". Exigência essa que actualmente não se coloca, conforme concordam de forma unânime os 3 peritos, conforme resulta da alínea f), do n." 2 dos "Quesitos dos Réus", nos seus esclarecimentos (quer os datados de 04/11/2017, quer os de 19/01/2017).
II) Na sentença recorrida o Tribunal "a quo" entendeu ser de aplicar ao caso concreto o artigo da acessão industrial imobiliária, concretamente o artigo 1343.° do C.C, referente ao prolongamento de edifício por terreno alheio, ao invés de aplicar o artigo 1340.° do Código Civil.
JJ) E Tribunal equivocou-se na aplicação da matéria de Direito e fez incorrecta interpretação das normas previstas nos artigos 1340° e 1343° do c.c.
KK) No caso dos autos encontra-se assente que a R. efectuou a construção de uma obra nova, mais concretamente uma nova bancada, ocupando na construção dessa obra terreno maioritariamente alheio conforme resulta do Relatório Pericial dos Srs. Peritos, mais concretamente 2.900 m2 de terreno alheio,
LL) Bem assim que a construção foi autorizada pelos AA. (facto provado nº 14) e que o valor da obra é superior ao valor do terreno (facto provado n° 20, parte final).
MM) A Doutrina e a Jurisprudência é unânime em referir que o artigo 1343° é a excepção à regra prevista no artigo 1340°, e que este prevê a aquisição "automática" da parcela, enquanto aquele depende do exercício ou não de uma faculdade do incorporador.
NN) Neste sentido anotação ao artigo 1340° do Código Civil Anotado, Vol II, de Pires de Lima e Antunes Varela.
00) Nos presentes autos, a R. quis que o Tribunal reconhecesse que havia adquirido a parcela melhor identificada supra, por acessão industrial imobiliária, prevista no artigo 1340° e não a faculdade que também tinha ao seu dispor, e que estava contida no artigo 1343° do C.C.
PP) E como se encontram preenchidos os requisitos do artigo 1340° não haverá lugar à aplicação do artigo 1343°, que aliás, impõe ainda uma alteração quanto ao momento de aquisição da parcela, que deixa de ser o da incorporação, para ser o do cumprimento da condição de pagamento.
QQ) Apenas seria de aplicar o artigo 1343°, se não se verificasse o requisito do maior valor, e se, "a maior parte da construção estiver em terreno próprio e só um prolongamento se fizer em terreno alheio" (Oliveira Ascensão em «Estudos sobre a Superfície e a Acessão», pago 71).
RR) No mesmo sentido Menezes Cordeiro em «Direitos Reais», edição da AEFDL, vol. II, pago 689. refere que" o termo parcela é importante porque traduz a ideia de que apenas uma parte poderá ocupar o terreno vizinho: se for a maior parte da construção deve-se aplicar o regime geral da acessão tal como consta do art" 1340". Carvalho Martins refere também que o «termo "parcela" traduz a ideia de que apenas uma pequena parte da construção poderá ocupar o terreno vizinho».
SS) Este entendimento também foi acolhido pela jurisprudência, citando-se para amostragem os Acórdãos do STJ de 25/0511999, publicado no BMJ n° 487, página 303 e seguintes; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 7/04/2011, processo n." 10811999.P1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt;
TT) Parecem também não restar dúvidas que o artigo a aplicar ao caso dos autos é o 1340.° e não o 1343.° do C.C., com as consequências necessárias que há a retirar de tal aplicação.
UU) Desde logo o artigo 1340.° do C.C, no seu n." 1 apenas obriga que para ocorrer acessão industrial imobiliária o R. pague o valor que o prédio tinha antes das obras e não qualquer depreciação decorrente da ocupação, ou seja, exige o pagamento do terreno antes da incorporação, no caso, efectuado pelo R.
VV) Neste sentido vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16/0411998, processo n." 98B162, disponível para consulta em www.dgi.pt;
WW) Do Acórdão citado, parece só poder concluir-se que quando o proprietário do terreno autoriza a construção no seu terreno, apenas terá direito, até por uma questão de justiça material, ao valor da parcela de terreno onde autorizou a construção, tal como ocorreria no caso de uma normal compra e venda, já que, como daí se retira "A autorização implica, desde logo, um desmembramento em duas fracções economicamente autónomas. ".
XX) Em decorrência de tudo o que se deixou dito, o R. terá que pagar aos AA. pela ocupação da faixa de terreno de 2.900 m2, no máximo, o valor da parcela de terreno à data da incorporação (ano 2002), que foi fixada em 95.500,00€ (facto provado 18) e não o seu valor actual de 125.643,00€.
YY) Neste sentido, vai ainda diversa jurisprudência, veja-se por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 08/02/2011, processo n." 179/08.3TBSAT.Cl, disponível para consulta em www.dgsi.pt; o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22/06/2017, processo n." 05B1524, disponível em www.dgsi.pt; o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2006, processo n." 06A2246, disponível em www.dgsi.pt.
ZZ) Pelo exposto, o Tribunal "a quo" aplicou erradamente ao caso dos autos o artigo 1343.º do C.C., quando na verdade deveria ter aplicado o artigo 1340.º do C.C. por ser aquele onde, de acordo o factualismo do caso concreto, a letra da lei, a doutrina, mas também a jurisprudência maioritária se verificam estar preenchidos todos os requisitos exigidos por esse artigo, motivo pelo qual deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que considere a reconvenção parcialmente procedente, condenando a R. apenas no pagamento do valor da parcela de terreno ocupada à data da incorporação e não qualquer valor a título de desvalorização do terreno, isto sem prejuízo da compensação de créditos a operar.
AAA) Mais deve ainda revogar-se a condição translativa da propriedade, já que deve reconhecer-se que o terreno foi adquirido automaticamente com a incorporação da obra, e não condicionada ao pagamento da indemnização ou do valor do terreno, por exercício de um direito automático e não do exercício de uma mera faculdade.
*
Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e, na hipótese de procedência da impugnação da matéria de facto, se deve ser alterada a decisão recorrida.
- Apreciar os fundamentos e adequação dos valores fixados como contrapartida do terreno ocupado.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos Provados.

1. Por escritura pública de “Compra e Venda” outorgada a 17.04.1997 no 1º Cartório Notarial, exarada de fls. 84 v.º a 86 v.º do Livro de Escrituras Diversas n.º ..., S. M. e mulher, M. O., declararam vender a Manuel, com reserva do uso e habitação para eles vendedores até ao falecimento do último dos moradores, e este declarou aceitar, entre outro, o …Prédio rústico denominado Campo de (...), descrito na dita Conservatória sob o número…” (...), e …inscrito na respectiva matriz sob os artigos 1.404, 1.405, 1.406 e 1.407… (cfr. certidão de escritura pública junta de fls. 19 a 24 dos autos);
2. Encontram-se registadas, sob a Ap. 14 de 2003/10/24, a aquisição por compra a favor de Manuel, casado com B. F., e o direito de uso por reserva de venda a favor de M. O. e marido, S. M., do prédio rústico com área total de 14.400 m2, designado Campo de (...), situado em lugar de (...), originariamente descrito sob o n.º (...) do livro n.º (...) da Conservatória do Registo Predial, e actualmente descrito sob o número (...) da freguesia de (...), na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis de Guimarães (cfr. certidão com o código (...), junta a fls. 25 e ss. dos autos);
3. À data da outorga da escritura pública referida no facto provado número 1, o prédio aí identificado incluía uma casa de caseiro, composta de r/c e primeiro andar, situada junto da estrema Norte do prédio (artigos 5º, parte final, 6º da p.i.);
4. Por si e antepossuidores, os primeiros e segundo Autores detêm o prédio mencionado no facto provado número 1, pagando os impostos inerentes à propriedade e ao direito de uso - primeiro a Contribuição Predial, depois a Contribuição Autárquica e, mais tarde, o subsequente Imposto Municipal sobre Imóveis -, cultivando e colhendo os seus frutos, nomeadamente os da vinha e do pomar, cuidando da casa do caseiro, realizando obras de conservação e manutenção, como pinturas, substituição de telhas, elementos de madeira e outras reparações, o que vêm fazendo ininterruptamente, há mais de 20 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, os primeiros Autores na fundada convicção de se tratar de coisa sua, legitimamente adquirida, e o segundo Autor na fundada convicção de que os seus actos constituem o exercício de um direito de uso, legitimamente adquirido (cfr. factos provados números 7º a 11º da p.i.);
5. O prédio descrito no facto provado número 1 confina de Norte com o Estádio (...), implantado em prédio pertencente ao Réu (artigo 15º da p.i.);
6. Na época desportiva de 2001/2002, o “X Futebol Clube” ingressou, pela primeira vez, na primeira divisão do Campeonato Nacional de Futebol, pelo que carecia de ampliar o seu estádio para que o campo de futebol respeitasse as dimensões exigidas para a participação na referida prova (artigos 16º e 17º da p.i.);
7. Em data não posterior a Maio de 2002, D. M., em representação do clube Réu, de que era Presidente da Direcção, solicitou ao Autor S. M. e esposa autorização para ocupar uma faixa de terreno no prédio referido no facto provado número 1 ao longo de toda a confrontação Nascente do seu estádio, com vista a ampliação do seu estádio, para aumento do campo de futebol e construção de nova bancada (artigo 18º até “Direcção” e 19º, ambos da p.i. e 9º da contestação do Réu);
8. Na data mencionada no facto anterior, o prédio no facto provado número 1 era composto de terrenos de cultivo e vinha com árvores de fruto, e tinha edificada uma casa de caseiro, de r/c em pedra e 1º andar, sem placa (artigo 10º da contestação);
9. A construção referida nos factos provados números 3 e 8, não estava licenciada, não tinha sido participada às Finanças, nem constava averbada na descrição predial (artigo 11º da contestação);
10. D. M. propôs ao 2º Autor e esposa, na presença da filha de ambos, Maria, uma compensação de dez contos (€ 49,88) por cada m2 ocupado (artigos 20º e 21º da p.i.);
11. A casa de caseiro existente no prédio situava-se na faixa de terreno em causa e, face à construção que o Réu “X” nela queria efectuar, teria que ser demolida (artigo 23º da p.i.).
12. Pelo que o Presidente da Direcção do Réu “X” propôs o Autor S. M. e mulher, e à Interveniente Maria, construir na área remanescente do terreno dos Autores, a expensas do “X”, uma nova casa, semelhante à existente (artigo 24º da p.i.);
13. As propostas referidas nos factos provados números 10 e 12 foram pelos Autor S. M. e mulher, e Interveniente Maria, com o conhecimento do Autor Manuel, aceites (artigo 26º da p.i.);
14. Os Autores autorizaram o Presidente da Direcção do Réu a construir noutro ponto do prédio descrito no facto provado número 1, uma nova casa de caseiro, a demolir a antiga e a ocupar uma faixa do mesmo prédio dos Autores, onde o Réu procedeu à construção de grande parte da nova bancada do recinto desportivo e respectivo muro de suporte que passou a delimitar o estádio do “Campo de (...)” (artigos 28º, 29º, 30º até “AA.” e 31º, da p.i. e 25º da contestação);
15. No Verão de 2002, o Réu “X” iniciou os trabalhos de terraplanagem e de construção da bancada nova, que inaugurou em Outubro de 2002 (artigo 22º da contestação);
16. O Réu colocou dois postes de iluminação eléctrica nas extremidades da bancada (artigo 24º da contestação);
17. Com a ampliação do estádio mencionada nos factos anteriores, o Réu “X” ocupou uma área de 2.900 m2 do prédio identificado no facto provado número 1 (artigos 32º da p.i. e 72º e 73º da contestação);
18. A área de terreno mencionada no facto provado número 17 tem os seguintes valores de mercado: - € 95.500,00 à data da realização das construções pelo Réu; - € 125.643,00, actualmente (artigos 36º e 43º da p.i. e 45º até “€ 50.000,00” da contestação);
19. O Réu “X” edificou no prédio rústico descrito sob o n.º (...) da CRP, duas obras: a) bancada, constituída por prolongamento do prédio da Ré, composto de estádio, para a faixa de terreno incorporada e descrita nos factos provados números 14 e 17; b) edificação de nova habitação (artigo 40º da contestação);
20. O prolongamento da bancada e a ampliação do estádio, implantado na área de terreno referida nos factos provados números 14 e 17, tem um valor, reportado à data da sua edificação, de € 595.333,21 (artigo 47º da contestação);
21. A edificação da nova construção apta a habitação decorreu ao longo de todo o ano de 2003, a expensas do Réu “X” (artigos 26º e 27º da contestação);
22. A casa referida nos factos provados números 19 b) e 21 é totalmente nova, com diferentes áreas, mais moderna arquitectura e materiais mais nobres, relativamente à casa de caseiro anterior, mencionada nos factos provados números 9 e 10 (artigo 16º da contestação);
23. A casa construída de novo pelo Réu, referida nos factos provados números 19 b), 21 e 22 tem valor actual de € 133.350,00 (artigo 49º da contestação);
24. O Réu “X” suportou a expensas suas a nova habitação, bem como os encargos com os honorários devidos aos técnicos responsáveis pela elaboração do projecto de engenharia e de arquitectura, em montante total de € 125.000,00 (artigos 18º e 19º da contestação);
25. O Réu não encetou diligências na C. M. para o licenciamento da nova casa de caseiro (artigo 34º da p.i.);
26. A casa do caseiro demolida, mencionada nos factos provados números 8, 9 e 11, existente antes da realização das obras pelo Réu, tinha o valor de € 55.200,00 no ano de 2002 e teria actualmente o valor de € 55.155,00 (artigo 48º da contestação);
27. O terreno restante do prédio descrito no facto provado número 1 ficou, em virtude da ocupação mencionada nos factos provados números 19 a) e 20, com uma área de 7.378,91 m2, dos quais 210,60 m2 correspondem à área de implantação da casa descrita nos factos provados números 19 b) e 21 a 23 (artigo 46º da réplica);
28. O terreno restante do prédio descrito no facto provado número 1 ficou, em virtude da ocupação mencionada nos factos provados números 19) e 20, depreciado em € 93.115,00 (artigos 44º. 46º, 47º, 49º, 52º e 53º da réplica);
29. O Réu entregou aos Autores a quantia de € 50.000,00 a título de compensação pecuniária pela ocupação da faixa de terreno mencionada nos factos provados números 14 e 17 (artigo 35º primeira parte, da p.i.);
30. M. O. casou com S. M. no dia 25.10.1953 e faleceu no dia 26.10.2005 no estado civil de casada (cfr. certidões de assento de óbito e de casamento juntas a fls. 27 e 72 dos autos);
31. R. M. e Maria, são filhos M. O. e S. M., e nasceram no dia 24.07.1954 e 09.02.1956 (cfr. certidões de assento nascimento juntas a fls. 75 e 78, respectivamente).

Factos não provados

1. D. M. afirmou a Maria que a faixa a ocupar teria uma profundidade aproximada de 1 m ou 1,5 m, ao longo de toda a confrontação do prédio dos Autores (artigo 22º da p.i.);
2. O Réu “X” obrigou-se a licenciar junto da edilidade a nova casa a edificar em substituição da casa do caseiro (artigo 25º da p.i.);
3. A ampliação do estádio do Réu “X” ocupou uma área de 2.400 m2, do prédio identificado no facto provado número 1 (artigos 72º e 73º da contestação);
4. A área de terreno mencionada no facto provado número 17, tem actualmente o valor € 160.000,00 (artigos 36º e 43º da p.i.);
5. A área de terreno mencionada no facto provado número 17, tinha o valor de € 50.000,00 à data da realização das construções (artigo 45º da contestação);
6. O 2º Autor e a esposa acordaram com o Réu “X” que este expandisse a bancada numa área inferior a 3.000 m2 de terreno a destacar do vizinho (artigo 13º da contestação);
7. Em compensação, o Réu “X” obrigar-se-ia a pagar ao 2º Autor e à esposa a quantia de € 50.000,00 (artigo 15º da contestação);
8. O prolongamento da bancada e a ampliação do estádio, implantado na área de terreno referida nos factos provados números 14 e 17, tem o valor de € 750.000,00;
9. A casa do caseiro demolida, mencionada nos factos provados números 8, 9 e 11, existente antes da realização das obras pelo Réu, tinha o valor de € 20.000,00 quando foi demolida (artigo 48º da contestação);
10. O Réu “X” suportou a expensas suas o muro de suporte (artigo 18º da contestação).

Fundamentação de direito.
Cumpre agora proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelo Apelante/Réu, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Nas contra-alegações que apresentaram pronunciam-se os Recorridos/Autores no sentido da rejeição do recurso apresentado alegando como fundamento que o Recorrente não cumpriu, desde logo e de forma mais evidente e clara, os deveres que lhe são impostos pelas alíneas a) a c), do nº 1, do artigo 640, do C.P.Civil.

Na verdade, em seu entender, o Recorrente, pese embora nas suas alegações, procedam à especificação dos alvos da impugnação que dirige contra a decisão da matéria de facto, não indicam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, somente indicando a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas

Como é sabido, em decorrência do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

Ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto exige-se, assim, que:

- Especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mencionando o diverso sentido em que se impõe decidir quanto a cada um dos factos impugnados, por referência ao que foi julgado provado na decisão recorrida (ou seja, que indique o sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das consideradas);
- Fundamente as razões da discordância, especificando os concretos meios probatórios em que funda a impugnação;
- Quando se baseie em depoimentos testemunhais, que efectue a localização, por referência ao assinalado em acta, da parte dos depoimentos que considera sustentarem a sua versão.

Assim, e como resulta da análise do aludido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.

Estas exigências impostas ao recorrente que impugne a matéria de facto são decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso, não sendo elas também alheias ao princípio do contraditório, já que destinam a possibilitar que a parte contrária possa identificar, de forma precisa, os fundamentos do recurso, podendo assim discretear sobre eles, rebatendo-os especificadamente.

A impugnação da matéria de facto não gera a realização dum novo julgamento integral em segunda instância, constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto – não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, incidindo sobre pontos determinados da matéria, que ao recorrente compete identificar, aduzindo em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.

Isto considerado temos que na presente situação o principal fundamento da impugnação da matéria de facto que foi efectuada consiste, por um lado, precisamente no facto de se considerar a prova que foi valorizada pelo tribunal não se revelou de profundidade e consistência suficiente para permitir alicerçar algumas das conclusões factuais nos moldes em que foram extraída pelo tribunal recorrido, e, por outro, com fundamento em que o tribunal recorrido não terá valorado toda a prova existente e produzida, que permitia a extracção de diversas conclusões factuais.

E assim sendo, e com excepção de uma situação que mais adiante se referirá, somos de entender que o Recorrente cumpriu minimamente os ónus que lhe eram impostos pelo artigo 640, do C.P.C., devendo, por consequência, por ter sido aduzida de modo correcto e relevante, ser admitida e conhecida a impugnação factual realizada.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.

Como refere Abrantes Geraldes (1) «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões» (2).

«Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do recurso (da matéria de facto) através das alegações e mais concretamente das conclusões» (3).

Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.(4).

Através das provas não se procura criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos factos, pois que, “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça” (5), o que, evidentemente, implica que a justiça tenha de se bastar com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.

A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)”. (6)

E, como refere Teixeira de Sousa, nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (7) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando, por um lado, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e, por outro, se existem factos alegado que não foram considerados e que se revestiam de relevante interesse para o proferimento da decisão recorrida.

Ora, como resulta do supra exposto, o Apelante/Réu impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o tribunal recorrido deu como demonstrados e indemonstrados os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter merecido resposta diversa, nos termos a seguir referidos.

Tais factos são os seguintes:

A- Os factos provados 19°, 20° e 28º, contêm meras conclusões e não factos, no sentido de estarmos diante de acontecimentos da vida real.

Tais factos têm o seguinte teor:

19. O Réu “X” edificou no prédio rústico descrito sob o n.º (...) da CRP, duas obras: a) bancada, constituída por prolongamento do prédio da Ré, composto de estádio, para a faixa de terreno incorporada e descrita nos factos provados números 14 e 17; b) edificação de nova habitação (artigo 40º da contestação).
20. O prolongamento da bancada e a ampliação do estádio, implantado na área de terreno referida nos factos provados números 14 e 17, tem um valor, reportado à data da sua edificação, de € 595.333,21 (artigo 47º da contestação).
28. O terreno restante do prédio descrito no facto provado número 1 ficou, em virtude da ocupação mencionada nos factos provados números 19) e 20), depreciado em € 93.115,00 (artigos 44º. 46º, 47º, 49º, 52º e 53º da réplica).

Os factos provados 19 e 20 deveriam ter a seguinte redacção:

- Facto 19: "O Réu X edificou no prédio rústico descrito sob o n° (...) da CRG duas obras: a) bancada incorporada em parte da faixa de terreno descrita nos factos provados 14 e 17,' b) edificação de nova habitação;"
- Facto 20: A obra da bancada implantada na área de terreno referida nos factos provados 14 e 17 tem um valor, reportado à data da sua edificação de 595.333,20€"
- Já quanto ao facto 28° deve ser considerado como não escrito.

B- Para o caso de se entender que o facto 28° não contém matéria conclusiva, sempre entenderemos que se encontra incorrectamente julgado, devendo dar-se não provada a matéria nele contida.

C- Do elenco dos factos provados e não provados não constam os seguintes:

- Não consta do elenco dos factos provados se a construção efectuada pelo R./Recorrente foi edificada maioritariamente em terreno alheio ou se, pelo contrário, a maioria da construção foi efectuada em terreno próprio tendo existido apenas um prolongamento em terreno alheio, nem sequer resulta concretamente identificada a parte da bancada ocupada por incorporação de terreno alheio e de terreno próprio.

- E deveria ainda dar como não provado que:

- A parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio.

A propósito da materialidade tida por demonstrada e não provada e, designadamente, objecto de impugnação refere-se na motivação da decisão recorrida o seguinte:

“(…)
I.
Os factos provados números 1 a 3, 5 a 9, 14 a 16, 19, 21, 23 e 29 a 31 encontram-se aceites por ambas as partes ou emanarem do teor dos documentos autênticos que neles vêm indicados, juntos aos autos.
II.
Os restantes factos provados apuraram-se da conjugação dos meios de prova pericial, documental, por depoimentos/declarações de parte e testemunhal, produzidos em audiência de julgamento.
(…)
c)
Os factos provados números 17 a 20 e 26, e não provados números 3 a 5, 8 e 9, relevam essencialmente da prova pericial feita nos autos, cujos relatórios iniciais se encontram juntos, respectivamente, a fls. 235 e ss. (peritos dos Autores e do tribunal) e 253 e ss. (perito do Réu), e os complementares a fls. 283 e ss., 302 e ss. e 434 e ss..
No caso dos factos provados números 17 e 20 houve consenso entre os três peritos.
Para o facto provado número 18 teve-se em consideração o valor mínimo do intervalo (entre € 125.643,39 e € 167.524,53) expresso pela posição maioritária nos esclarecimentos escritos de fls. 285 e ss. dos autos, sustentada pelos Srs. Peritos indicados pelos Autores e pelo tribunal, afigurando-se desajustado o valor sugerido pelo perito indicado pelo Réu no seu relatório de fls. 256 - € 57.300,00 – embora mais razoável nos esclarecimentos de fls. 303 e ss. - € 118.252,61 -, até por consideração ao valor de dez contos/m2 que as partes acordaram para a cedência do terreno (que perfaz o total aproximado de € 145.000,00).
Quanto ao facto provado número 26 também se seguiu a posição maioritária, tendo o Sr. Perito indicado pelo Réu arbitrado um valor de € 37.750,00, ainda assim quase 90% superior aos € 20.000,00 invocados na contestação.
d)
Relativamente à área da parcela sobrante do prédio dos Autores (cfr. facto provado número 27) teve-se em consideração o teor do levantamento topográfico feito no processo por V. M., de que se encontra junto relatório a fls. 433 e ss. dos autos, complementado com os esclarecimentos prestados em audiência de discussão e julgamento a solicitação dos Autores (cfr. requerimento de 26.05.2017, fls. 443 e ss.) e determinados pelo tribunal por despacho de 14.06.2017 (fls. 465).
Tomando como referência as áreas identificadas com as letras “X” e “Y” no levantamento junto a fls. 446 dos autos, o Sr. Topógrafo disse em tribunal que, de acordo com as suas medições, o terreno sobrante dos Autores:

i. com a área de implantação da casa do caseiro, com a parcela “X” e com a parcela “Y” (fls. 446), tem área de 7.378,91 m2;
ii. com a área de implantação da casa do caseiro, com a parcela “X” e sem a parcela “Y” (fls. 446), tem área de 7.326,55 m2;
iii. sem a área de implantação da casa do caseiro, com a parcela “X” e com a parcela “Y” (fls. 446), tem área de 7.168,31 m2;
iv. sem a área de implantação da casa do caseiro, com a parcela “X” e sem a parcela “Y” (fls. 446), tem área de 7.115,95 m2;
v. sem a área de implantação da casa do caseiro e sem as parcelas “X” e “Y” (fls. 446), tem área de 6.726,40 m2.
Donde se conclui que a nova casa do caseiro tem uma área de implantação de 210,6 m2 (= 7.378,91 m2 - 7.168,31 m2).
O Sr. Topógrafo disse ainda que a área de implantação do armazém dos Autores (que não foi considerado em qualquer das hipóteses do levantamento) é de 706,36 m2 e que a largura do caminho D (fls. 435) é a que resulta dos muros e edificações existentes no local.
Quanto ao facto provado número 28, respeitante à depreciação da parcela restante, o tribunal considerou que a área relevante daquela parcela para efeito de cálculo é de 7.168,31 m2 (cfr. ponto iii supra, referente aos esclarecimentos verbais do Sr. Topógrafo), correspondente à totalidade da parcela, deduzida da área de implantação da casa nova, por se tratar de uma obra definitiva que os Autores quiseram implantada no seu prédio e que reduz correspondentemente a área edificativa da parcela restante.
No apuramento do valor partiu-se do teor do relatório subscrito pelos Srs. Peritos indicados pelos Autores e pelo tribunal – vide a fls. 285 e ss. dos autos os últimos esclarecimentos escritos prestados pelos Srs. Peritos - no qual se estabelece que para uma área de terreno sobrante de 11.500 m2 a depreciação foi de € 149.385,00 (valor mínimo do intervalo apresentado, que tem por máximo € 199.410,00). Como explicaram os Srs. Peritos em audiência de julgamento para o caso de o tribunal vir a apurar área sobrante distinta da que lhes serviu de base de cálculo no relatório, o valor da depreciação deverá ser feito através de um cálculo de proporção directa, numa regra de três simples, o que nos dá o montante redondo de € 93.115,00, resultante do seguinte cálculo: € 149.385,00 / 11.500 m2 x 7.168,31 m2 = € 93.116,35.
(…)

Os Recorrentes estruturam a sua divergência em relação à materialidade que considera ter sido indevidamente julgada como indemonstrada pelo tribunal a quo, na conjugação de meios probatório produzidos, dos quais, em seu entender, deveria ter resultado uma resposta positiva a essa factualidade, e que são os seguintes:

- Por um lado, em seu entender, os factos provados 19° e 20° contêm meras conclusões e não factos, no sentido de estarmos diante de acontecimentos da vida real;
- Acresce que, quanto a estes factos o Tribunal optou por classificar de forma desgarrada e desacompanhada de outros factos, a obra realizada pela R., como sendo um "prolongamento" do prédio da recorrente para o do vizinho, aludindo concretamente ao corpo do artigo 1343° do c.c., tendo-o feito sem identificar a área concreta da bancada que foi construída em terreno próprio e em terreno alheio, para que possa concluir por um prolongamento;
- E o mesmo se diga quanto ao facto n° 28 dado como provado, sendo que, aqui o Tribunal conclui que a depreciação da parcela sobrante dos AA. é de € 93.115,00, surgindo também esta resposta desgarrada da concreta resposta que se impunha factos enunciados em 47° e 49° da réplica, estes sim norteadores da verdadeira causa de pedir dos AA;

- Os AA. fizeram depender a desvalorização da parte sobrante de dois factos cumulativos, a saber:

a. Que "após a ocupação pela construção da R, o prédio dos AA. passou a ter um acesso muito reduzido, com uma frente para a Rua - A Travessa de (...) - de cerca de 6 metros." (facto contido no artigo 47° da réplica).
b. Que "a parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao reduzido acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio." (facto 49° contido na réplica).
I) O Tribunal não poderia concluir pela depreciação da parte sobrante do prédio dos AA., sem antes apurar se a ocupação "encurtou" o acesso ao prédio dos AA., cuja frente ficou diminuída; e que, essa parte sobrante deixou de poder ser urbanizada em consequência dessa diminuição de frente.
J) Da fundamentação da sentença recorrida resulta que a resposta a este facto / conclusão resultou da extrapolação das conclusões contidas no relatório pericial.

Sucede que este relatório pericial acabou por alterar, sem base legal, a causa de pedir esgrimida pelos AA., ao referir que aquilo que motivava a depreciação era a aptidão do terreno para a construção de um via, dentro do terreno sobrante dos AA., que permitisse ampliar a frente para o "novo e hipotético" arruamento público.

- Impunha-se, assim, que os factos provados 19 e 20 tivessem a seguinte nova redacção:

a. Facto 19: "O Réu X edificou no prédio rústico descrito sob o n° (...) da CRG duas obras: a) bancada incorporada em parte da faixa de terreno descrita nos factos provados 14 e 17,' b) edificação de nova habitação;"
b. Facto 20: A obra da bancada implantada na área de terreno referida nos factos provados 14 e 17 tem um valor, reportado à data da sua edificação de 595.333,20€"

- Já quanto ao facto 28° deve ser considerado como não escrito.

- Para o caso de se entender que o facto 28° não contém matéria conclusiva, entende que se encontra incorrectamente julgado, devendo ser dado como não provado pelas seguintes ordens de razões:

Valeu-se o Tribunal do relatório pericial junto aos autos, composto pelas respostas iniciais, seus esclarecimentos e esclarecimentos orais, sendo que, para alcançarem este valor os Senhores Peritos, basearam-se na suposta perda da capacidade construtiva permitida pelo PDM, nomeadamente no facto de a disposição do terreno permitir, anteriormente à amputação da faixa de terreno, uma frente para o arruamento público de cerca de 31,00 metros e que após a ocupação passando a ter uma frente de cerca de 6,00 metros, o que, no entender dos mesmos peritos impedia a utilização urbanística do terreno dada a reduzida frente que não permitia a inserção de arruamento para a consequente urbanização.

Ora, em primeiro lugar, e se em causa está a perda de aptidão construtiva, dos autos não resulta produzida a única prova que permitiria esta conclusão, a saber, o pedido dessa viabilidade ao Município (...).

Em segundo lugar e mais importante, dos esclarecimentos orais prestados pelos Senhores peritos resulta que, foi o concreto local em que a casa do caseiro foi implantada que limitou a capacidade ou aptidão construtiva do tereno sobrante dos AA., conforme depoimento que se encontra gravado em suporte digital do dia 19-04-2017, das 11:38:35 às 12:24:45, mais concretamente ao minuto 45:35 ao minuto 45:50, e que por si só impõe decisão diversa, já que foi a opção dos AA. que limitou a eventual aptidão construtiva do terreno sobrante dos AA.

Em terceiro lugar, porque (e tal resulta do relatório elaborado pelo colégio de peritos, mormente dos seus esclarecimentos juntos aos autos) “antes e depois da construção da bancada a frente do terreno para o arruamento público é idêntica", e que considerando o PDM vigente em 2016, não "condiciona a construção com área mínima de frente de estrada”.

- Não consta do elenco dos factos provados se a construção efectuada pelo R./Recorrente foi edificada maioritariamente em terreno alheio ou se, pelo contrário, a maioria da construção foi efectuada em terreno próprio tendo existido apenas um prolongamento em terreno alheio, nem sequer resulta concretamente identificada a parte da bancada ocupada por incorporação de terreno alheio e de terreno próprio.

- Por último deveria ainda dar como não provado que:
A parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio.

Na verdade, resulta dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Topógrafo, bem assim do Sr. Perito J. C., que deixou dito no seu relatório pericial que "a/rente disponível para arruamento público nunca foi superior a cerca de 8 metros, não compreendendo como será possível a consideração de uma frente de cerca de 31 metros numa avaliação referente a este prédio ".

De forma unânime, disseram ainda os peritos que, se é verdade que o PDM à data da incorporação da construção do R. na parcela de terreno dos AA. exigia efectivamente que as frentes dos lotes não poderiam medir menos de 30 metros (artigo 27.°, n." 2 e 3 do PDM em vigor em 2002), conforme esclarecimentos dos Srs. Peritos (datados de 04/11/2017) no ponto c) do n° 2 dos "Quesitos dos Réus". Exigência essa que actualmente não se coloca, conforme concordam de forma unânime os 3 peritos, conforme resulta da alínea f), do n." 2 dos "Quesitos dos Réus", nos seus esclarecimentos (quer os datados de 04/11/2017, quer os de 19/01/2017).

Ora, começando pelos factos 19 e 20, que se alega constituírem matéria conclusiva, desde já diremos que se nos não afigura que assim seja, bem como, que quanto a estes factos o tribunal tenha optado por classificar de forma desgarrada e desacompanhada de outros factos, a obra realizada pela R., como sendo um "prolongamento" do prédio da recorrente para o do vizinho, pois que, conforme resulta do factos 6, 7 e 14, dos provados, a obra executada pelo R. resultou da necessidade de ampliar o seu estádio para que o campo de futebol respeitasse as dimensões exigidas para a participação na 1ª divisão do Campeonato Nacional de Futebol e que a autorização para ocupar a faixa do terreno dos AA. teve em vista essa ampliação, que passou pela construção da nova bancada do recinto desportivo e respectivo muro de suporte, que passou a delimitar o estádio do “Campo de (...)”.

E assim sendo, como evidente resulta que a bancada que invadiu o terreno dos AA. não constituiu uma obra isolada, mas sim uma peça do projecto de aumento do estádio que o R. levou a efeito, já que como incontornável decorre a conclusão de que as bancadas que circundam o campo fazem parte do estádio no seu todo e que uma só bancada representa uma parte menor dessa edificação, sendo que, como e bem salienta o Recorrido, foi o próprio R. que alegou, no artigo 40º da contestação, que edificou no prédio dos AA. uma obra “composta de bancada, que se trata do prolongamento do prédio da R., composto de estádio, para a faixa de terreno incorporada e supra descrita, havendo de realçar-se que, efectivamente, numa obra que se traduz no prolongamento de um edifício para prédio de outrem o que é relevante é a circunstância de a construção do edifício se iniciar em terreno próprio e continuar em terreno alheio e não a proporção desse edifício que vem a caber em terreno próprio ou alheio.

Assim e em conclusão, tais factos contêm factualidade material relevante e não conclusiva, pois que, como salienta o recorrido expressões como “prolongamento do prédio”, “composto por estádio” ou “prolongamento e ... ampliação do estádio” descrevem ocorrências concretas da vida real, não merecendo, por isso qualquer censura.

E também se nos não afigura haja necessidade de, em respeito da integridade da prova produzida, alterar a redacção desses mesmos factos.

Baseia esta sua conclusão na falta de fundamentação da prova pericial realizada, que não podia ter extraído as conclusões que extraiu, e designadamente nos esclarecimentos prestados pelos peritos na audiência de julgamento, dos quais decorreria não ter sido a ocupação do terreno dos AA. a produzir a desvalorização da parte restante, mas sim o local onde foi implantada a nova casa do caseiro, pois que, se após a ocupação pela construção da R, o prédios dos AA. passou a ter um acesso muito reduzido, com uma frente para a Rua - A travessa de (...) - de cerca de 6 metros, a parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao reduzido acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio, sendo que, o tribunal não poderia concluir pela depreciação da parte sobrante do prédio dos AA., sem antes apurar se a ocupação "encurtou" o acesso ao prédio dos AA., cuja frente ficou diminuída e que, essa parte sobrante deixou de poder ser urbanizada em consequência dessa diminuição de frente.

Ora, salvo o muito e devido respeito, o que do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados resulta é que a actual frente do terreno para o arruamento público se exprime pela distância entre a nova casa do caseiro e o limite da bancada que integra o estádio do R..

Assim, sendo certo que se se a casa se localizasse noutro ponto, a distância seria superior, como inelutável resulta igualmente, como salientam os Recorridos, que o mesmo assim sucede se o limite do estádio não tivesse sido prolongado na medida em que foi no interior do prédio dos AA., sendo que, quando se busca a origem da restrição da frente do terreno para o arruamento público, a localização da nova casa não suplanta a do estádio, não sendo por isso legitimo afirmar-se que os peritos tenham imputado a restrição das capacidades construtivas do imóvel exclusivamente à construção da nova casa, como de resto claro resultou dos esclarecimentos prestados, onde foi referido que as condições de utilização se encontram impedidas pela construção da casa nova e não só, mas também pela construção da bancada.

Essa realidade foi claramente percepcionada pelos peritos maioritários (com excepção do da Ré) que, nos relatórios que produziram, imputaram à ocupação do terreno a redução da sua frente para o arruamento público, e isso mesmo assim confirmaram nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento.

No que concerne ao facto 28), foi tido em consideração o teor do relatório pericial, designadamente, o valor nele considerado, no qual se estabelece que para uma área de terreno sobrante de 11.500 m2 a depreciação foi de € 149.385,00 (valor mínimo do intervalo apresentado, que tem por máximo € 199.410,00), tendo sido considerada que a área relevante daquela parcela para efeito de cálculo é de 7.168,31 m2, correspondente à totalidade da parcela, deduzida da área de implantação da casa nova, por se tratar de uma obra definitiva que os Autores quiseram implantada no seu prédio e que reduz correspondentemente a área edificativa da parcela restante.

E como é evidente o valor da depreciação é sempre um facto que se depreende de materialidade instrumental bem plasmada no relatório pericial tido em consideração que a permite alicerçar.

E assim sendo, nenhuma censura merece uma tal factualidade.

Mais alega o Recorrente/Réu do elenco dos factos provados e não provados não consta se a construção efectuada pelo R./Recorrente foi edificada maioritariamente em terreno alheio ou se, pelo contrário, a maioria da construção foi efectuada em terreno próprio tendo existido apenas um prolongamento em terreno alheio, nem sequer resulta concretamente identificada a parte da bancada ocupada por incorporação de terreno alheio e de terreno próprio.

No que concerne a esta questão, temos que, como bem salienta o Recorrido, nos termos em que vem formulada, a pretensão de acrescentar aos factos provados a afirmação de que “a bancada em apreço foi construída maioritariamente em terreno alheio”, corresponde a uma verdadeira questão nova.

Com efeito, compulsados os autos, à evidência se constata que a ocupação da parcela do prédio dos AA. decorreu do prolongamento do edifício do estádio do R., que ocupa uma área notoriamente superior à faixa de terreno ocupada no Campo de (...), e não de uma construção isolada.

Foi em razão da necessidade de ampliação do estádio, reconhecida pelo R. e referida nos factos julgados provados sob os pontos 6º, 7º e 14º, que levou ao seu prolongamento sobre o prédio dos AA., tendo o edifício do estádio área muito superior à faixa ocupada, como decorre desses mesmos factos, em que se refere o seguinte:

6. Na época desportiva de 2001/2002, o “X Futebol Clube” ingressou, pela primeira vez, na primeira divisão do Campeonato Nacional de Futebol, pelo que carecia de ampliar o seu estádio para que o campo de futebol respeitasse as dimensões exigidas para a participação na referida prova (artigos 16º e 17º da p.i.);
7. Em data não posterior a Maio de 2002, D. M., em representação do clube Réu, de que era Presidente da Direcção, solicitou ao Autor S. M. e esposa autorização para ocupar uma faixa de terreno no prédio referido no facto provado número 1 ao longo de toda a confrontação Nascente do seu estádio, com vista a ampliação do seu estádio, para aumento do campo de futebol e construção de nova bancada (artigo 18º até “Direcção” e 19º, ambos da p.i. e 9º da contestação do Réu);
14. Os Autores autorizaram o Presidente da Direcção do Réu a construir noutro ponto do prédio descrito no facto provado número 1, uma nova casa de caseiro, a demolir a antiga e a ocupar uma faixa do mesmo prédio dos Autores, onde o Réu procedeu à construção de grande parte da nova bancada do recinto desportivo e respectivo muro de suporte que passou a delimitar o estádio do “Campo de (...)”
17. Com a ampliação do estádio mencionada nos factos anteriores, o Réu “X” ocupou uma área de 2.900 m2 do prédio identificado no facto provado número 1”, dos mais de 14.000 m2 que o prédio tinha.

De tudo decorre que tal facto que não resultou demonstrado, nem sequer foi assim alegado que “a bancada em apreço foi construída maioritariamente em terreno alheio”, ou sequer factos que permitissem sustentar que a bancada em causa representa um edifício autónomo relativamente ao resto do estádio.

Aliás como o próprio Réu refere nas suas alegação, que “a única obra levada a cabo foi da bancada e não outra” e que “o equipamento denominado de estádio é composto por vários prédios, com descrições prediais autónomas”, mas não o alegou na contestação, onde, e bem pelo contrário, alegou que edificou no prédio dos AA. uma obra “composta de bancada, que se trata do prolongamento do prédio da R., composto de estádio, para a faixa de terreno incorporada e supra descrita” - artigo 25, da contestação -, e que ocupou uma área de 2.900 m2 do prédio identificado no facto provado número 1), dos provados, dos mais de 14.000 m2 que o prédio tinha.

E assim sendo, como de facto é, não pode agora o Recorrente invocar, em sede de recurso, essa questão nova que, por assente em factualidade não alegada, além do mais, implicaria a discussão de matéria de facto nova e que não foi obviamente discutida em Primeira Instância.

O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinadas questões, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela, razão pela qual, enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas (8).

Os recursos constituem, assim, mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios (9).

E apenas podem ser excepcionadas desta regra aquelas situações em que essas questões novas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.

Uma tal regra encontra a sua justificação no princípio da preclusão, quer por desprezar a finalidade dos recursos (art. 627º, nº 1 do C.P.C.), quer para não impedir a supressão de graus de jurisdição.

Ora, como se referiu, analisado conteúdo do articulado de contestação, à evidência se constata que nele não foram invocados os factos agora invocados passíveis de integrarem a excepção de ilegitimidade, sendo, certamente, essa a razão por que a decisão proferida - bem como, o despacho saneador - é completamente omissa no que concerne ao tratamentos dessa questão, que por eles não foi abordada, já que apenas foram invocados os fundamentos que constam da decisão proferida no despacho saneador.

Assim, atento a questão suscitada pelo Recorrente no presente recurso, assenta em materialidade que não foi invocada, está, como é óbvio, este tribunal impedido de se pronunciar sobre ela, e, designadamente, de a poder dar como demonstrada.

Por último alega ainda o Recorrente/Réu que deveria ainda dar como não provado que “A parte sobrante deixou de poder ser urbanizada devido ao acesso com que ficou após a ocupação do terreno para a ampliação do estádio”.

Na verdade, resulta dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Topógrafo, bem assim do Sr. Perito J. C., que deixou dito no seu relatório pericial que "a frente disponível para arruamento público nunca foi superior a cerca de 8 metros, não compreendendo como será possível a consideração de uma frente de cerca de 31 metros numa avaliação referente a este prédio".

De forma unânime, disseram ainda os peritos que, se é verdade que o PDM à data da incorporação da construção do R. na parcela de terreno dos AA. exigia efectivamente que as frentes dos lotes não poderiam medir menos de 30 metros (artigo 27.°, n." 2 e 3 do PDM em vigor em 2002), conforme esclarecimentos dos Srs. Peritos (datados de 04/11/2017) no ponto c) do n° 2 dos "Quesitos dos Réus". Exigência essa que actualmente não se coloca, conforme concordam de forma unânime os 3 peritos, conforme resulta da alínea f), do n." 2 dos "Quesitos dos Réus", nos seus esclarecimentos.

Ora, no que concerne aos alegados esclarecimentos do topógrafo, como e bem refere o Recorrido, não podem ser considerados, pois tratando-se de meio probatório constante de gravação realizada no processo, o R., deveria dar cumprimento ao artigo 640º, nº 2, do C.P.C., indicando com exactidão a passagem da gravação em que se funda, o que não faz.

Na verdade, como é consabido, pese embora em decorrência de discussão que se encetou em torno da questão de saber se o ónus de indicação, com exactidão, das concretas passagens dos registos fonográficos em que fundam a sua discordância, no segmento referente à impugnação da decisão das questões de facto deve ser feita nas conclusões das alegações ou se se bastará com a sua indicação no corpo das alegações, se venha hoje a entender ser este último entendimento que vem merecendo maior acolhimento (10), indubitável resulta que, sem o cumprimento deste ónus, pelo menos, nas alegações, o recurso terá de ser rejeitado nesta parte.

Isto considerado, a doutrina tem sido praticamente unanime no sentido de que o incumprimento do ónus de indicação, com exactidão, das concretas passagens dos registos fonográficos em que fundam a impugnação factual implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento, (11) dado, desde logo, o uso da expressão peremptória da lei, através do emprego do adjectivo imediata.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/12/2014, “ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a) do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685º-B do CPC)”.

Assim, “a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no 685º-B, nº 2 do CPC e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.

Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso”. (12)

Como refere Abrantes Geraldes, com este regime previsto no artigo 640, do C.P.C., houve reforço do ónus de alegação, uma vez que esta norma impõe ao recorrente o dever de especificar com exactidão tais elementos. (13)
Trata-se, assim, de afastar impugnações com carácter “genérico” que não traduzem uma divergência concretizada da decisão.

E assim sendo, incumprindo o Apelante o ónus imposto na 1ª parte da al. a) do nº 2 do art. 640º do Cód. Processo Civil, ao recorrente que impugna a matéria de facto, está o tribunal impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, esta Relação apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662, nº 1, do C.P.C., com fundamento nos mencionados esclarecimentos prestados pelos peritos, impondo-se, assim, a rejeição, nessa parte, do recurso interposto.

Por fim, no que respeita ao relatório pericial de que o R. se pretende fazer valer, não se pode ignorar que, como salienta o Recorrido, o seu autor ficou isolado no parecer que emitiu, resultando com clareza do relatório dos restantes peritos, incluindo o indicado pelo Tribunal, que, após a ocupação pela construção do R., o prédio dos AA. deixou de permitir “uma frente para o arruamento público de cerca de 31,00 metros”, por ter deixado de comportar “a inserção de arruamento para a consequente urbanização”.

Mas, e pese embora a inalteração da impugnação da matéria factual, , entende o Recorrente que, mesmo à luz do quadro factual fixado em primeira instância, impunha-se concluir que o Tribunal a quo se equivocou na aplicação da matéria de direito e fez incorrecta interpretação das normas previstas nos artigos 1340° e 1343°, do C.C. pela inexistência de qualquer responsabilidade por sua parte, já que entendeu ser de aplicar ao caso concreto o artigo da acessão industrial imobiliária, concretamente o artigo 1343.° do C.C, referente ao prolongamento de edifício por terreno alheio, ao invés de aplicar o artigo 1340.°, do Código Civil, como devia, pois que, no caso dos autos encontra-se assente que a R. efectuou a construção de uma obra nova, mais concretamente uma nova bancada, ocupando na construção dessa obra terreno maioritariamente alheio, mais concretamente 2.900 m2 de terreno alheio, bem assim que a construção foi autorizada pelos AA. e que o valor da obra é superior ao valor do terreno.

Ora, como se refere no Acórdão da relação do Porto, de 12/09/2016, “a acessão verifica-se sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos respectivos factos (art. 1317.º do CC), i.e., ao momento da união ou da incorporação.

Tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente..

Na hipótese do art. 1340.º do CC, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio. Neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos.

A previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio. De contrário, cai-se na previsão geral do art. 1340.º do CC.”. (14)

E explicitando estas conclusões assim sumariadas escreve-se ainda no neste último acórdão, que versa sobre situação análoga à dos presentes autos, o seguinte:

(…)
Como se sabe a acessão constitui uma causa de aquisição originária retroactiva do direito de propriedade sobre determinada coisa, compreendendo na sua noção legal o conceito de incorporação de uma coisa da titularidade de uma pessoa, numa outra coisa da titularidade de outra, nos termos estatuídos nos artigos 1316.º, 1317.º, al. d) e 1325.º, todos do Código Civil.

Consigna o artigo 1340.º, nºs 1, 2 e 3, do Código Civil, que se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio e o valor que a mesma tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes da obra, mas se o valor acrescentado for menor, a obra pertencerá ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o seu autor do valor que tinha ao tempo da incorporação, enquanto que se o valor acrescentado pela obra for igual ao do terreno, haverá licitação entre ambos.

Resulta, assim deste normativo que são elementos cumulativos integradores da acessão industrial imobiliária:

a)- a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do interventor;
b)- que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio;
c)- que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d)- que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a constituição definitiva;
e)- que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
f)- que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação;
g)- que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa-fé (psicológica);

Por sua vez, estipula o artigo 1343.º, nº 1 do CCivil que “Quando na construção de um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa-fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante”.

É o que se chama de acessão invertida pelo facto de a acessão operar não a favor do dono do solo, mas do dono do edifício.

Neste caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos (o próprio e o do vizinho). A este respeito defendem alguns autores que, apesar de a lei falar em ocupação de “uma parcela de terreno alheio”, não fica excluído que essa ocupação abranja a totalidade do prédio vizinho. Outros, limitam a previsão do artigo 1343.º à situação em que a maior parte do prédio foi construído em terreno próprio.


Segundo esta última posição doutrinária, a previsão do artigo 1343.º do C.Civil não abrange as situações em que a maior parte da construção seja incorporada no terreno alheio e vizinho do autor dela. O elemento literal do preceito aponta nesse sentido, já que ali se alude a “uma parcela de terreno alheio”, o que exclui, à partida, o caso de o autor da incorporação ocupar totalmente o prédio alheio com a construção, ainda que ocupe, também o terreno próprio.

Por outro lado, a referida expressão “parcela de terreno” inculca a ideia de que apenas uma pequena parte da construção ocupe o terreno vizinho.
Se o ocupar na maior parte, ou, por maioria de razão, na totalidade, deve aplicar-se o regime geral da acessão previsto no artigo 1340º do Código Civil.

Não obstante, alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que concerne à espécie de acessão consagrada no artigo 1340.º do C.Civil, apontando a doutrina clássica para a consagração da tese da aquisição automática com a efectiva incorporação[10], já em relação à acessão aludida no artigo 1343.º do mesmo diploma legal é hoje preponderante a posição que a acessão industrial imobiliária, em qualquer uma das espécies de acessão, representa uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação.[11]

E tal entendimento resulta, de resto, da própria interpretação literal não só do artigo 1343.º, como também do artigo 1340º, ambos do C.C., visto que deste último também decorre que o autor da incorporação só adquire a propriedade do solo “pagando o valor que o prédio tinha antes das obras”, o que não pode deixar de significar que se não pagar a indemnização, não adquirirá a propriedade do solo.

Não há, portanto, uma aquisição automática, não se impondo coercivamente ao respectivo beneficiário o exercício de um direito - a obrigação de pagar - o que não deixaria às partes a possibilidade de resolverem consensualmente o conflito.

Postos estes considerandos, voltemos novamente ao caso que nos ocupa.
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que, tendo o cemitério sido construído quase exclusivamente no prédio da Ré e só ampliado para a parcela, há que aplicar o disposto no artigo 1343º, e não o artigo 1340º do C.Civil.

Será que assim é?

Respigando o quadro factual assente nos autos, sobre este conspecto, resulta que:

“7- O presidente da Junta da Freguesia de … fez obras de alargamento do cemitério e construiu a capela funerária;
14- O Sr. F… deu a saber ao Presidente da Junta que cedia, gratuitamente, à Freguesia o terreno necessário, daquele seu prédio, para a execução do projecto de ampliação do cemitério e a construção da casa mortuária;
28- Logo após a devolução dos documentos à ré, esta iniciou a execução, na parcela em causa, das obras de ampliação do cemitério e de construção da casa mortuária;
30- E com a sua execução, toda a parcela cedida pelo pai dos autores ficou ocupada com tais obras”.

Partindo desta factualidade alegam os Autores recorrentes que dela se conclui que todas as obras executadas pela Recorrida de ampliação e construção da capela mortuária ocorreram na parcela de terreno, que então pertencia aos pais dos Recorrentes e, por assim ser, estava completamente afastada a possibilidade de se aplicar ao caso concreto o disposto no artigo 1343.º do Código Civil.

Não se pode, salvo o devido respeito, sufragar semelhante entendimento.

Com efeito, o que dessa factualidade resulta é que, com a execução das referida obras, toda a parcela cedida pelo pai dos autores ficou ocupada, todavia, daí não se pode concluir que essas obras foram implantadas na totalidade na referida parcela, tanto mais que a obra realizada pela recorrida foi apenas uma obra de ampliação do cemitério (e edificação da capela mortuária como construção de apoio ao cemitério), e portanto, cemitério que já se encontrava construído em terreno da recorrida, além de que, ao fazer-se a referida ampliação naturalmente que parte fica já em terreno sobrante do cemitério existente, a menos que em toda a extensão pelo lado da referida ampliação já não existisse qualquer parcela de terreno não ocupado, o que nos parece de todo inverosímil”. (15)
(…)

E no mesmo sentido refere-se no Acórdão do S.T.J., de 7/04/2011, que “a acessão verifica-se sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade”, sendo que, “é pacífico, na doutrina e jurisprudência, que tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente”, e bem assim que, “na hipótese do art. 1340.º do CC, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio.
Neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos.

A previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio. De contrário, cai-se na previsão geral do art. 1340.º do CC”. (16)

À luz de tudo o acabado de expender, considerado que:

- Por um lado, como se salienta na decisão recorrida o regime previsto no artigo 1343, do C. Civil, só funciona se a maior parte da construção estiver em terreno próprio e só um prolongamento se fizer em terreno alheio, pois só se a maior parte estiver em terreno alheio entram em jogo as regras gerais da acessão, sendo necessário determinar o valor do solo e do edifício na parte em que se ocupa solo alheio para determinar a quem ficará a pertencer;
- E, por outro, estando demonstrado na situação vertente que o Réu, com o consentimento dos Autores, no âmbito de um acordo com vista à ampliação do seu estádio, edificou no ano de 2002, nova bancada e delimitou o estádio, prolongando-o sobre uma faixa de terreno adjacente com 2.900 m2, pertencente ao prédio rústico dos Autores, a sua conduta preencheu os pressupostos da acessão fundada no prolongamento de edifício por prédio alheio;
- Na medida em que procedeu à ampliação da edificação do estádio que tinha em terreno exclusivamente próprio, por terreno alheio pertencente aos Autores, tendo decorrido mais de três meses a contar do início da ocupação, sem oposição dos proprietários, agindo de boa fé porque com o consentimento dos Autores, nenhuma censura, merece, neste aspecto a decisão recorrida.

E assim sendo, improcede, na integra a apelação dos Recorrente/Réu.

Passando agora a conhecer do Recurso interposto pelos Recorrentes/Autores, temos que, nas contra alegações que apresentaram pronunciam-se os Recorrido/Réu no sentido da rejeição do recurso apresentado alegando como fundamento que os Recorrentes não cumpriram, desde logo e de forma mais evidente e clara, os deveres que lhe são impostos pelo artigo 640, do C.P.Civil.

Isto porque, apesar dos AA. aparentarem subsumir o objecto do seu recurso à matéria de direito, o facto é que se vislumbra ao longo das suas alegações e conclusões de recurso que o mesmo incide também sobre a matéria de facto, uma vez que ao pretender dar outra interpretação aos factos dados como provados na sentença recorrida, está desde logo a impugnar a matéria de facto, que poderá levar ou não à aplicação de diferentes normas jurídicas.

É que no caso dos autos os AA. discordam da subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada, pretendendo dar-lhes outra interpretação, como é notório quando referem, designadamente, que "Este erro da sentença, que implica uma injustificada redução do montante que o R. deve pagar para adquirir a propriedade da faixa de terreno que ocupou, tem duas causas: deve-se, por um lado, a uma leitura do acordo entre AA. e R. que choca com os factos provados - que traduzem a vontade real das partes - (. . .)" mas "Não é isso, porém, que resulta da matéria de facto provada, mormente da dos pontos 7, 10, 11, 12 e 14 da sentença recorrida”.

Ora, salvo o muito e devido respeito, como e bem refere o Recorrido, os Recorrentes, efectivamente, discordam da subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada, pretendendo dar-lhes outra interpretação, não tendo posto em causa a factualidade fixada na decisão recorrida, razão pela qual, na inexistência de qualquer impugnação factual, improcede neste aspecto a apelação.

Alegam os Recorrentes/Autores que aa decisão recorrida erra na determinação do montante a pagar pelo R. para adquirir a referida propriedade, na declaração de nulidade do acordo das partes de 2002 e na condenação dos AA. a restituir ao R. os 50.000,00 € e a diferença de valores entre a casa demolida e o valor despendido na construção da nova casa no Campo de (...).

Em seu entender, o entendimento de que as partes acordaram a transmissão derivada do direito de propriedade sobre uma parcela de terreno sem autonomia, contra o pagamento de um preço de dez contos m/2, acrescido da demolição da casa situada na parcela e da construção de nova casa, é incompatível com a matéria de facto provada, mormente a dos pontos 7, 10, 11, 12 e 14 da sentença recorrida, que tê o seguinte teor:

7. Em data não posterior a Maio de 2002, D. M., em representação do clube Réu, de que era Presidente da Direcção, solicitou ao Autor S. M. e esposa autorização para ocupar uma faixa de terreno no prédio referido no facto provado número 1 ao longo de toda a confrontação Nascente do seu estádio, com vista a ampliação do seu estádio, para aumento do campo de futebol e construção de nova bancada (artigo 18º até “Direcção” e 19º, ambos da p.i. e 9º da contestação do Réu);
10. D. M. propôs ao 2º Autor e esposa, na presença da filha de ambos, Maria, uma compensação de dez contos (€ 49,88) por cada m2 ocupado (artigos 20º e 21º da p.i.);
11. A casa de caseiro existente no prédio situava-se na faixa de terreno em causa e, face à construção que o Réu “X” nela queria efectuar, teria que ser demolida (artigo 23º da p.i.).
12. Pelo que o Presidente da Direcção do Réu “X” propôs o Autor S. M. e mulher, e à Interveniente Maria, construir na área remanescente do terreno dos Autores, a expensas do “X”, uma nova casa, semelhante à existente (artigo 24º da p.i.);
14. Os Autores autorizaram o Presidente da Direcção do Réu a construir noutro ponto do prédio descrito no facto provado número 1, uma nova casa de caseiro, a demolir a antiga e a ocupar uma faixa do mesmo prédio dos Autores, onde o Réu procedeu à construção de grande parte da nova bancada do recinto desportivo e respectivo muro de suporte que passou a delimitar o estádio do “Campo de (...)” (artigos 28º, 29º, 30º até “AA.” e 31º, da p.i. e 25º da contestação);

Na verdade, o que se provou foi que as partes visaram permitir ao R. a ocupação de uma faixa do terreno dos AA. mediante compensação pecuniária, e não que quisessem transmitir a propriedade dessa faixa – o preço previsto de dez contos m/2 era o preço da ocupação do terreno, não o preço da transmissão da propriedade.

E sem acordo sobre a transmissão da propriedade não há compra e venda, pelo que não se aplica a exigência de forma do artigo 875º do Código Civil, que está na origem da nulidade invocada na sentença recorrida, estando apenas em causa um negócio de autorização de ocupação de terreno, também não cabe falar na transmissão derivada de qualquer direito real sobre uma parcela predial sem autonomia.

Por outro lado, debalde se procura, na matéria de facto provada, indícios de que a demolição da casa antiga e a construção da nova fosse uma contrapartida atribuída aos AA. – o que se prova é que a construção da casa nova foi contrapartida da demolição da antiga – e nada mais.

É certo que com o exercício do direito de aquisição potestativa, perde sentido parte do acordo, pois, acedendo o R. à propriedade da parcela ocupada – com o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição que a propriedade confere –, o valor da ocupação é consumido pelo valor do próprio terreno.

Assim, a contrapartida pecuniária pela ocupação acordada em 2002, passa a integrar o valor do terreno que o R. tem que pagar, face ao artigo 1343º do Código Civil, para ficar com a propriedade da faixa sobre a qual construiu parte do estádio e daí que os 50.000,00 € que o R. entregou aos AA. devam ser imputados ao montante a pagar para adquirir a parcela de terreno – não porque o acordo seja nulo e desencadeie uma obrigação de restituição dessa quantia que haja que compensar com a obrigação do R., mas porque o valor acordado pela ocupação se destinava a pagar parte daquilo que o R. vai agora adquirir na totalidade.

Todavia, em seu entender, o mesmo não vale, porém, para o resto do acordo, pois a construção da nova casa foi acordada exclusivamente como contrapartida da demolição da antiga, exigida pelo prolongamento da construção do estádio no prédio dos AA., e o exercício do direito potestativo de aquisição em nada o afecta.

A imposição da restituição da diferença de valores entre as casas é particularmente chocante, pois fere inaceitavelmente o respeito devido à palavra dada e valores de lisura, lealdade e probidade que integram o princípio da boa fé.

A sentença não só impõe uma distribuição patrimonial inteiramente distinta da que as partes pensaram, como impõe aos AA. uma disposição patrimonial que só o interesse do R. tornou necessária e que não teriam realizado sem a iniciativa deste: os AA. vêem-se obrigados a pagar uma diferença de valores entre duas casas, quando, por sua simples iniciativa, não teriam operado a substituição entre elas.

Esse resultado seria sempre de rejeitar, mesmo que se admitisse que o acordo pelo qual os AA. consentiram ao R. a ocupação de uma parcela do seu terreno pudesse ser configurado como compra e venda ou como qualquer negócio de constituição, modificação ou extinção de direito real sujeito a forma, pois que, apesar de a demolição e a construção da nova casa estarem ligadas à ocupação do terreno pela ampliação do estádio, visto que sem ela não seriam necessárias, não pode dizer-se, face aos factos provados dos pontos 11 e 12, que constituíssem uma vantagem atribuída aos AA. por contrapartida da faixa ocupada.

O acordo sobre as casas reveste-se de autonomia face a um suposto acordo sobre a transferência da propriedade da faixa de terreno, pois, com ou sem essa transferência, a casa antiga teria que ser demolida, para permitir a ampliação do estádio, criando a necessidade de uma nova que satisfizesse as mesmas funções.

Não há, portanto, razão para lhe estender a exigência de forma do artigo 875º do Código Civil, já que um acordo pelo qual alguém se obriga a demolir uma casa e a construir outra não está sujeito a forma – é um acordo que se pode celebrar ao abrigo do princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219º do Código Civil.

Porém, mesmo que se admitisse a nulidade do acordo sobre as casas, não poderia aceitar-se a obrigação que a sentença põe a cargo dos AA. de devolver a diferença entre o que o R. despendeu na casa nova e o valor da casa demolida; mesmo nesse enquadramento, a sentença teria que ser revogada.

Esse acordo das partes não teve em vista uma troca de prestações, determinada pelo seu valor intrínseco, mas sim satisfazer uma condição indispensável para o prolongamento da construção do estádio sobre o terreno dos AA..

Assim, se em resultado da invalidade do contrato, nascessem obrigações de restituição abrangendo, em abstracto, as operações de demolição e construção da casa, cumpriria utilizar na avaliação dessas prestações os valores que as próprias partes lhes definiram e reconhecer que se equivalem, qualquer que tenha sido a despesa realizada pelo R. e quaisquer que sejam os seus valores de mercado.

Ora, salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que a versão defendida pelo Recorrente/Réu encontre acolhimento nos factos tidos por demonstrados e, consequentemente, que se revista de consistência o enquadramento jurídico que com base nessa interpretação factual pelo mesmo foi realizada nas alegações da presente apelação.

Assim, e contrariamente ao que se refere, de modo algum se nos afigura que da factualidade demonstrada resulte ter sido intenção dos AA. e do R. apenas a ocupação da parcela de terreno e não a transmissão da propriedade da mesma, e designadamente, a materialidade em que se sustenta constante dos pontos 7, 10, 11, 12 e 14 da sentença recorrida, da qual à saciedade se infere que a intenção dos AA. foi a de transmitirem a propriedade daquela parcela de terreno ocupado pelo R..

Na verdade, embora se tenha considerado, demonstrado que o R. “solicitou ao Autor S. M. e esposa autorização para ocupar uma faixa de terreno no prédio referido no facto provado número 1 ao longo de toda a confrontação Nascente do seu estádio”, fê-lo com o objectivo de proceder “a ampliação do seu estádio, para aumento do campo de futebol e construção de nova bancada”, ou seja, de ampliar uma obra sua propriedade (o estádio), sendo que, sobre essa mesma obra, incluindo a ampliação, pretendia continuar exercer igual direito de propriedade plena, sendo assim evidente a sua vontade de adquirir o terreno, não se vislumbrando como se poderia configurar uma vontade de ocupação definitiva de uma parcela de terreno, para construção de obra própria, sem que para o efeito se pretendesse também adquirir a respectiva propriedade do terreno de implantação da mesma, já que não foi configurada ou sequer alegada a constituição de qualquer outro direito real ou obrigacional que permitisse e justificasse tal ocupação, a qual, como é óbvio, é, em si mesma, inócua com relação à determinação do eventual direito que a justifique, e do qual constitui uma mera decorrência.

E de algum modo a sua intenção de adquirir a propriedade da aludia parcela de terreno, e não a de constituir um outro qualquer direito sobre a mesma (já que a ocupação, em si mesma, decorre por consequência de um direito, mas não reveste, em sim mesma, essa natureza), decorre da própria alegação dos requisitos da acessão industrial imobiliária, pois que:

- Por um lado, sendo certo que há um grupo de casos em que titulares de direitos, reais ou de crédito, têm o poder de actuar materialmente sobre uma coisa corpórea alheia, podendo resultar do exercício desse poder a união de coisas pertencentes a proprietários distintos e que a lei portuguesa não submete às regras da acessão, mas sim ao regime das benfeitorias (artigos 1273º a 1275º), como sucede com o possuidor (artigo 1273º a 1275º), o comproprietário (artigo 1411º), o usufrutuário (artigo 1450º), o usuário e morador usuário (artigo 1450º, ex vi do artigo 1490º), o locatário (artigo 1406º, n.º 1) e o comodatário (artigo 1138º, n.º 1), o Réu não invocou factos que integrem nenhum deles;
- Por outro, o regime de acessão só se aplica à hipótese de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários quando não haja um outro regime que regule especificamente a situação, ou seja, em que exista uma união de coisas realizada por uma das partes de um contrato cujas regras a regulam ou por uma das figuras jurídicas enquadradas naquele grupo de casos, a que fizemos referência, nomeadamente por um possuidor, não é regulada pelas regras da acessão, ou seja, a acessão só opera quando a união ou mistura de coisas propriedade de diferentes donos não seja regulada por outro regime específico, que o Réu também não invocou factos que o integrem.

E assim sendo, neste contexto, a alegação do Recorrente no sentido de que “as partes visaram permitir ao R. a ocupação de uma faixa do terreno dos AA. mediante compensação pecuniária (e não que quisessem transmitir a propriedade dessa faixa)”, outro sentido não pode ter que não seja o de que dessa forma se pretendeu adquirir a propriedade do terreno para depois proceder à sua ocupação através da construção da ampliação da bancada.

E com igual evidência se nos afigura resultar da materialidade demonstrada que o acordo sobre a demolição da casa dos caseiros situada na parcela de terreno ocupada pelo R. e a construção de uma nova casa, noutro local do terreno dos AA., constituiu, conjuntamente com o pagamento do montante de 50.000,00 €, a verdadeira e real contrapartida ocupação ou transmissão da propriedade da parcela de terreno em referência nos autos, pois que, como resultou demonstrado, “A casa de caseiro existente no prédio situava-se na faixa de terreno em causa e, face à construção que o Réu “X” nela queria efectuar, teria que ser demolida”, do que incontroversamente resulta que sem essa demolição, que constituía um manifesto dano ou prejuízo para os Autores, não se afigurava possível a realização da obra que o Réu pretendia levar a efeito, pelo que, sendo real, como refere o Recorrente, que a construção da casa nova foi contrapartida da demolição da antiga, enquanto condição necessária à realização da obra pretendida, a demolição da casa antiga e a construção da nova, foi mais do que isso, revestido inequivocamente também a natureza de contrapartida atribuída aos AA. pela cedência do terreno.

E assim sendo, como se refere na decisão recorrida, constatando-se como evidente que os AA. e o R. quiseram e celebraram um contrato de compra e venda, e sendo evidente a sua invalidade devido à inobservância de forma legalmente exigida (artigo 875.° c.c.), conforme foi decidido na sentença recorrida, a nulidade do acordo celebrado gera a obrigação de restituição das prestações efectuadas pelas partes (artigo 289º do Código Civil), razão pela qual assiste ao Réu direito a exigir dos Autores a restituição do montante de € 50.000,00 pago, acrescido de juros, contados desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo e integral pagamento (artigos 804º e 805º n.º 1 do Código Civil).

E, isto assim é, pois que, como salienta o Recorrido, no que concerne às restituições a efectuar entre as partes em virtude da invalidade do negócio, que são determinadas tendo em conta a avaliação contratual das prestações, resultou da matéria provada na sentença recorrida, e que os AA. não impugnaram, o valor da restituição que os AA. têm de fazer ao R. resulta da diferença entre o valor da casa demolida (55.200,00E) e o valor da nova construção (l25.000,00E), porque esta foi a vontade das partes no momento da celebração do contrato de compra e venda invalidado pela douta sentença recorrida (Factos provados n.ºs 11, 12, 14, 24 e 26).

Por último alegam os Recorrentes que, mesmo que se concluísse pela existência da nulidade do alegado contrato de compra e venda o R., até ao momento em que pagasse o montante necessário para adquirir a faixa de terreno por acessão, estaria obrigado a restituir o que recebeu dos AA. ao abrigo do acordo inválido.

Ora, em seu entender, impondo o artigo 290º do Código Civil que as obrigações de restituição que incumbem às partes por força da nulidade do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato, implica que, ao contrário do que foi decidido, a notificação da reconvenção não constituiu os AA. em mora, pois estes estavam e ainda estão em condições de recusar o cumprimento de quaisquer obrigações de restituição, enquanto o R. não cumprisse as suas.

E assim, sendo, não há qualquer dívida de juros dos AA. perante o R., nem relativamente aos 50.000,00 € que, na óptica da nulidade, seriam efectivamente para restituir, nem relativamente aos 69.800,00 € da diferença relativa às casas que, infundadamente, mesmo nesse enquadramento, se condenou os AA. a restituir.

Como é consabido, a prestação não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como sucede, designadamente, em caso de sinalagma, em que o credor não satisfez a contraprestação.

Na verdade, como se dispõe o artigo (...)8º. nº. 1 do CC que, “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

A exceptio non adimpleti contractus é uma excepção de direito material invocável por qualquer dos contraentes no âmbito de um contrato bilateral, cujas obrigações não estejam sujeitas a diferentes prazos de cumprimento, permitindo-lhes recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, apesar do nomen iuris do instituto e da sua inserção sistemática, o artº. (...)8º. do CC, o mesmo deve ser aplicável às obrigações em geral, porquanto o sinalagma que é fundamento da exceptio tem mais relação com o aspecto funcional, isto é, com a reciprocidade das obrigações, do que com a sua origem. (17)

Ocorre que, no caso dos autos, estamos perante uma sentença que, na sua parte dispositiva, declarando a nulidade do contrato de compra e venda de uma parcela de terreno, condena os vendedores a restituir ao comprador o preço por estes pago àqueles pela compra da referida parcela, sendo que, como contrapartida dessa parcela de terreno foram pagos 55.000,00 € e destruída uma casa e construída uma nova, no que foi despendido o valor supra referido.

Analisada a sentença proferida constata-se que na mesma vem considerado, depois de afirmar a verificação de fundamento para a anulação requerida pelo aqui Réu, que “A regra geral sobre os efeitos da declaração de nulidade está consagrada no artº. 289º. nº. 1 do Código Civil, segundo a qual a mesma tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado…”, considerando assistir ao Réu direito a exigir dos Autores a restituição do montante de € 50.000,00 pago, bem como, saldo, favorável ao Réu de € 69.800,00 relativo à diferença de valores da casa demolida e da que foi entretanto construída, acrescidos de juros, contados desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo e integral pagamento (artigos 804º e 805º n.º 1 do Código Civil).

Ora, sendo certo que da sentença dos autos derivam obrigações para ambas as partes, havendo entre tais obrigações inequívoca correspetividade ou nexo causal recíproco, cumprirá no entanto, analisar se, em razão da natureza das prestações em causa, estaremos perante um sinalagma funcional, em que a correspetividade se refere às obrigações já constituídas, significando, por isso, que elas se vão desenvolver solidariamente, ou seja, nenhum dos contraentes tem de cumprir enquanto o outro não cumprir, visto que cada uma das obrigações é causa da outra.

Ou seja, e dito de outro modo, haverá de esclarecer se, atenta, designadamente a natureza de cada uma das prestações em causa, os AA. apenas terão de proceder à devolução do dinheiro em simultâneo com a prestação que sobre o Réu também impende, não sendo exigível enquanto este último não tenha satisfeito a sua obrigação.

A este propósito, como e bem salienta o Recorrido, o R. não está obrigado a restituir aos AA., por efeito da declaração de nulidade do negócio de compra e venda, a antiga casa do caseiro, pois que, contruiu uma nova casa de valor substancialmente superior, e nem sequer está obrigado a restituir todo o terreno ocupado e o seu uso desde 2002, nem mesmo, caso a restituição em espécie fosse impossível, estaria obrigado a restituir o valor da mencionada casa, da parcela de terreno e o seu uso desde 2002, uma vez que o R. ao exercer o seu direito potestativo de aquisição por acessão industrial imobiliária estará a cumprir integralmente a sua obrigação, reportando-se a mesma à data da aquisição da referida parcela, que se situa no momento da verificação dos factos respectivos, ou seja, dos factos integrantes da aquisição da propriedade por acessão industrial imobiliária.

E assim sendo, legitima se nos afigura a conclusão extraída pelo Recorrido com relação ao seu direito aos juros relativos aos valores a restituir em virtude da nulidade do negócio celebrado, pois que, só aqueles estão em mora, não se podendo aqui falar de qualquer excepção de não cumprimento, pois que, por uma lado, o pagamento por parte do R. do montante fixado para a aquisição por acessão imobiliária da parcela de terreno ocupada retroage ao momento da incorporação da obra no terreno dos AA, sendo que, de qualquer forma, também se nos não afigura que o nexo correspetividade ou nexo causal recíproco se verifique entre os valores a devolver e valor a pagar pela acessão, que têm fundamentos diversos e não constituem obrigações que decorram de um e mesmo fundamento, ou seja, esta última não assenta ou decorre como efeito da nulidade contratual declarada, pois que, a acessão, constitui, isso sim, uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, que se verifica sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia.

E assim sendo, improcede também a presente apelação.

Destarte, sendo de manter, integralmente, a decisão da matéria de facto, fácil é concluir pela improcedência de ambas as apelações, com a consequente manutenção da decisão recorrida, agora também na sua fundamentação jurídica.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes, respectivamente.
Guimarães, 15/ 11/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127.
2. Ac. do STJ (4ª secção) de 12.03.2015 (Mário Belo Morgado), proc. 756/09.5TTMAI.P2.S1, in www.dgsi.pt.
3. Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 228 e 229.
4. Cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420.
5. Cfr. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
6. Cfr. Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245.
7. Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
8. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 94.
9. Cfr. Abrantes Geraldes, obra e local supra referidos.
10. Cfr. o acórdão do STJ de 16.03.2011 (processo nº 263/1999.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
11. Cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 134 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual de recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 170; LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 585 e LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 62. Sobre esta temática, ainda que no domínio da jurisdição penal, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se (v.g. acórdão nº 259/2002, publicado no Diário da República, II série, de 13.12.2002), decidindo pela compatibilidade constitucional de uma solução legislativa segundo a qual a falta de cumprimento dos ónus que impendem sobre o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto tem como efeito o não conhecimento dessa matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir esses vícios.
12. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/12/2014, proferido no processo nº 6213/08.0TBLRA.C1, in www.dgsi.pt.
13. Cfr.“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, 2013, Almedina, página 123.
14. Cfr. Acórdão da Relação do porto, de 12/09/2016, proferido no processo nº 2483/09.4TBAMT.P1, in www-dgsi.pt.
15. Cfr Acórdão citado na nota anterior.
16. Cfr. Acórdão do S.T.J., de 7/04/2011, proferido no processo nº 108/1999.P1.S1. in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, anot. ao artº. 428º.